X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
INFLUÊNCIA DO FUNK NA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM ESCOLA DE
PERIFERIA DE PORTO ALEGRE: ESTUDO PRELIMINAR
Maristela Rabaiolli
Mestranda em Letras
Uniritter
[email protected]
Resumo: Este trabalho pretende, à luz da Sociolinguística, investigar em que medida o funk , como gênero
musical, influencia a linguagem oral e escrita de estudantes de uma escola da periferia de Porto Alegre. Vale
ressaltar que os alunos, na sua maioria, estão inseridos em uma cultura de baixo poder econômico e passam
grande parte de seu tempo ouvindo músicas desse estilo, e, ao escrever e/ou falar, utilizam palavras e/ou
expressões um tanto incomuns em relação àquelas que se costuma ver/ler/ouvir em outros suportes textuais.
O contexto da investigação é uma escola pública da rede municipal de Porto Alegre. A maioria dos alunos tem
baixo poder aquisitivo, vive em uma comunidade onde os índices de violência são altíssimos e costumam ouvir
funk diariamente. Depois da análise de algumas músicas, foi possível constatar que a influência desse gênero
musical é bastante significativa tanto na linguagem oral quanto na linguagem escrita dos (as) alunos (as).
Palavras-chave: Sociolinguística. Variação. Escola. Periferia. Funk .
1 Introdução
Todo início de ano letivo é a mesma coisa. O (a) professor (a), normalmente o (a)
de língua portuguesa, entra na sala de aula, se apresenta, pede que os alunos se
apresentem, e começa a fazer as observações e os testes de sondagem para verificar em
que nível linguístico e/ou de aprendizagem seus alunos se encontram: pré-silábico, silábico,
silábico-alfabético, alfabético, ortográfico, ou outro, mais avançado, dependendo do nível de
escolarização.
Em seguida, mas não necessariamente no mesmo dia, pede aos (às) alunos (as) que
escrevam um texto, pode ser um do gênero autobiográfico, na tentativa de verificar como o
(a) aluno (a) expressa e organiza suas ideias, como é a estrutura do seu texto, como faz a
seleção lexical, como pontua, etc. Seria essa uma atitude equivocada do (a) professor (a)?
Longe disso. É uma forma válida de testagem, afinal, ele (a) precisa conhecer seus (suas)
alunos (as) e o contexto no qual eles (elas) estão inseridos (as) para melhor compreendêlos (las) e para melhor adequar o conteúdo de suas aulas.
Depois de fazer a testagem, o (a) professor (a) constata que os (as) alunos (as), além
de confundirem fala e escrita, escrevem determinadas palavras de uma forma que eles
(elas) nunca viram antes. Algumas dessas palavras são: deus de (desde), mido (me dou);
sidabem (se dar bem); gostão (gostam); cauma (calma) e muitas outras que serão
mostradas e analisadas ao longo deste trabalho.
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O (a) professor (a), como bom (boa) pesquisador (a) que é, fica intrigado (a) com isso
e se questiona: O que está acontecendo aqui? O que leva os (as) meus (minhas) alunos
(as) a escrevem assim se eles (elas) nunca viram essas palavras grafadas dessa forma em
nenhum suporte textual? Será que os (as) alunos (as), por estarem inseridos (as) num
contexto de periferia, no qual a presença do funk é muito forte, são influenciados por esse
gênero musical ao escrever e/ou falar? O nível socioeconômico-cultural interfere nisso?
Esses são, portanto, os questionamentos deste trabalho. Isso porque, como
professora em uma escola na periferia de Porto Alegre, deparo-me, diariamente, com
questões como essas e percebo que muito se critica o modo de falar e de escrever dos
(das) alunos (as), mas pouco se faz para entender por que alguns fenômenos linguísticos
acontecem. Talvez entendê-los, ajudaria o (a) professor (a) a interferir de forma positiva em
seu trabalho de forma que ele (a) pudesse pensar novas estratégias de ensino.
Assim, à luz da Sociolinguística e de suas contribuições, pretendo discutir e
aprofundar essas questões para: a) verificar em que medida o funk influencia a linguagem
oral e escrita dos (das) alunos (as), b) analisar músicas do funk carioca e paulista e
compará-las com a escrita/fala dos (das) estudantes para mostrar em que variáveis (interna
ou externa, ou em ambas) ocorre essa influência, se é que ela existe.
Para embasar esse trabalho, já que a pesquisa é sobre Sociolinguística e Variação
Linguística, não podem faltar os estudos de Fiorin (2006), Labov (2008), Mollica (2013), e
Travaglia (2006). Também é imprescindível mostrar as definições de funk como gênero
musical e fazer uma análise de algumas músicas que estão sendo ouvidas pelos (as) alunos
(as) em casa e na escola.
2 Como o funk chegou à sala de aula da periferia
O funk é um estilo musical que surgiu através da música negra norte-americana no
final da década de 1960. Na verdade, ele se originou a partir da soul music, só que com
uma batida mais pronunciada e algumas influências do R&B, do rock e da soul music. De
fato, as características desse estilo musical são: ritmo sincopado, densa linha de baixo, uma
seção de metais forte e rítmica, além de uma percussão marcante e dançante. No início, o
estilo era considerado indecente, pois a palavra “funk” tinha conotações sexuais na língua
inglesa, mas depois incorporou outras influências e passou a ter um ritmo mais lento,
dançante, sexy e com frases repetidas.
A década de 80 serviu para “quebrar” o funk tradicional e transformá-lo em vários
outros subgêneros, de acordo com o gosto do ouvinte, já que a música nesse período
tornou-se extremamente comercial. Seus derivados rap, hip-hop e break ganharam uma
força gigantesca nos EUA. Depois disso, surgiu a house music, que tinha como
característica a mistura do funk tradicional com efeitos sonoros eletrônicos. Esta foi um novo
fenômeno nas pistas de dança do mundo inteiro.
No Brasil, o funk também criou seus subgêneros. A derivação mais popular por aqui é
o funk carioca, este foi influenciado por um ritmo originário da Flórida, o Miami Bass, e traz
músicas erotizadas com batidas mais rápidas. Por conta disso, os bailes funk começaram a
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atrair muitas pessoas. Inicialmente as letras falavam sobre drogas, armas e a vida nas
favelas, posteriormente a temática passou a ser a erótica, com letras de conotação sexual e
de duplo sentido. O funk carioca é bastante popular em várias partes do Brasil e inclusive no
exterior, e chegou a ser uma das grandes sensações do verão europeu em 2000.
Há, ainda, outro subgênero: o funk paulista, também chamado de funk ostentação.
Nessa nova vertente, os compositores, inspirados no estilo americano, passam a valorizar
itens de consumo, principalmente artigos de luxo como carros importados e roupas de grife.
Ambos os subgêneros espalharam-se pelo Brasil afora, e como o funk tem sua origem na
música negra, possui letras fáceis de cantar e notas que podem ser tocadas sem
dificuldade, caiu no gosto popular. É um gênero musical bastante ouvido e apreciado por
pessoas da periferia que, muito provavelmente, se identificam com as letras das canções.
3 A língua e suas variações
Quando se lê o Cours de linguistique générale, publicado em 1916, pode-se notar
que Saussure procurou isolar o estudo da língua de tudo o que é exterior a ela como a
sociologia, a etnografia, a psicologia, etc. Chomsky, por sua vez, numa perspectiva
gerativista, se preocupa, basicamente, com o conhecimento linguístico armazenado na
mente do falante. Já Labov (2008), numa perspectiva sociolinguística, diferentemente dos
teóricos acima citados, se dedica não só ao estudo da língua, mas também da sociedade e
da história (Fiorin, 2006, p.148).
Ele nos ensina, portanto, que é preciso conceber a língua não como um meio de
comunicação, mas como uma construção social. Diz que é preciso estudá-la concretamente
e no contexto em que ela está inserida, assim como fez em lojas de departamentos na
cidade de Nova York e na ilha de Martha’s Vineyard. Afirma, ainda, que o funcionamento de
uma língua não pode ser entendido no vácuo, pois ela faz parte da sociedade que a utiliza,
a influencia e é influenciada por ela. Diz que há forças externas, como os fatores sociais,
que atuam na e sobre a língua. Assim, não se deve estudar apenas o que é estritamente
linguístico, mas deve-se incluir nas pesquisas o modo como a língua está inserida na
sociedade, ou seja, é preciso levar em conta não só os fatores linguísticos, como a fonética,
a morfologia, a sintaxe e o léxico, mas também os extralinguísticos como a idade, o sexo, a
escolaridade e nível econômico do falante.
Travaglia (2009, p.42-49), na mesma perspectiva sociolinguística, referindo-se a
Halliday, McIntosh e Strevens (1974), apresenta um quadro de variedades linguísticas. O
autor mostra que existem dois tipos de variedades linguísticas: a dos dialetos e a dos
registros. Dentro da variedade dialetal existem, pelo menos, seis dimensões: a territorial,
geográfica ou regional; a social; a da idade; a do sexo; a da geração; e a da função que o
falante desempenha. Já as variações de registro são classificadas como sendo de três tipos
diferentes: grau de formalismo, modo e sintonia.
Todas essas variações são muito importantes para a análise dos dados deste
trabalho, mas não se poderá, infelizmente, desta vez, analisá-los todos em todas essas
variantes.
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4 A geração dos dados e o contexto
Os dados aqui analisados geraram-se a partir de uma atividade de produção de um
texto autobiográfico. Aproximadamente 30 alunos, entre meninos e meninas, fizeram a
atividade. Eles (elas) estudam em uma escola, na periferia de Porto Alegre, que tem seu
currículo dividido em ciclos de formação. Os (as) alunos (as) têm entre 12 e 16 anos e
pertencem a uma turma do 3º ciclo, equivalente ao 8º ano do ensino fundamental.
A escola situa-se na zona sul de Porto Alegre e tem mais de mil alunos. A maioria
dos estudantes é de origem afro-brasileira e tem baixo poder aquisitivo. Por conta disso, os
(as) alunos (as) pouco saem do ambiente em que se encontram para visitar museus,
livrarias, teatros, cinema, etc. Dessa forma, têm pouco contato com outros espaços culturais
que não seja a escola. Nas famílias, é comum ter um familiar cumprindo pena em
instituições penais, vítimas da violência e do tráfico de drogas.
Nesse contexto, para o presente estudo, analiso os dados em algumas das suas
variáveis internas (nível fonético, morfológico, sintático, lexical e/ou discursivo) e nas suas
variáveis externas (sexo, idade, escolarização, renda etc.). Também mostro a definição do
funk e analiso algumas músicas do gênero ouvidas e cantadas e pelos (as) alunos (as).
Há tantas gírias e expressões presentes na linguagem falada e escrita dos funkeiros
que, às vezes, a impressão que se tem é a de que essa linguagem assemelha-se a uma
língua estrangeira. Dentre elas, podem-se citar: bombando (festa que está bombando,
divertida); demoro (sinônimo de Jae/já é. É o mesmo que combinado, fechado, formou,
pode crer); tá ligado? (sinônimo de "entendeu?". É muito usado no fim das frases); se pá
(sinônimo de talvez. Exemplo: “Se pá eu vou colar no baile de hoje à noite”); milgrau (muito
calor); vida loka (metido a bandido – mas não é usado de forma pejorativa –, ou que tem o
estilo de vida bem louco, que corre perigo, faz loucuras no asfalto, com moto ou carro, ou
pratica assaltos ousados); folgar (tirar onda, ostentar), e muitas outras.
Essas expressões têm significados muito particulares. O uso delas marca não só a
identidade de um determinado grupo de falantes, como também a sensação de
pertencimento a uma determinada comunidade.
Já nos textos orais dos (das) alunos (as), é possível ouvir as seguintes palavras e
expressões: a) inlá ou alá em vez de dizer lá, b) indentro em vez de dentro, c) iorgute em
vez de iogurte, d) taubua em vez de tábua, e) faldra em vez de fralda, etc. Eles (elas)
também usam as expressões “Eu tavo” em vez de “Eu estava”; “Nois ganhemo o jogo” em
vez de “Nós ganhamos o jogo”; “Sora, ele (o colega) tá me tirando” ou “Sora, ele tá folgando
em mim” quando querem dizer “Professora, ele (o colega) está me incomodando”; e muitas
outras expressões que, praticamente, não ouvimos em outro contexto que não seja o da
escola em estudo.
Nos textos escritos, os (as) alunos (as) escrevem de modo idêntico as palavras e/ou
expressões faladas acima. Mas também escrevem outras, assim: deus de/ desdo em vez de
desde/desde o; mido em vez de me dou; auvorada em vez de alvorada; cauma em vez de
calma; sauvar em vez de salvar; irmau em vez de irmão; sidabem em vez de se dar bem;
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sedemo em vez de nos damos/nos demos; devertido em vez de divertido; da qui em vez de
daqui e muitas outras.
Nota-se, também, que quando os (as) alunos (as) escrevem, eles (elas) segmentam
e aglutinam não só palavras, mas também frases. Além disso, suprimem o /r/ nas
terminações verbais e o /s/ na indicação de plural. Trocam letras como o /u/ pelo /l/, o /d/
pelo /t/, o /f/ pelo /v/ etc. Também quase nunca acentuam as palavras, omitem verbos e
outras palavras na construção das frases e dificilmente empregam maiúsculas em
substantivos próprios.
5 Breves discussões
Uma análise das letras das músicas Ostentação, de MC Guimé e Rebola, de Naldo
Benny mostra que há, sim, semelhanças entre as gírias e/ou expressões utilizadas por
funkeiros (as) e as palavras e/ou expressões utilizadas pelos (as) alunos (as). Mas o que
há de semelhante entre a linguagem das músicas e a utilizada pelos (as) alunos (as)? Com
relação às variáveis internas (nível fonético, morfológico, sintático, lexical e/ou discursivo),
podem-se verificar as seguintes:
Primeira semelhança: no verso Rebola, tu gosta, de Naldo Benny, por exemplo, o
verbo gostar está conjugado na 3ª pessoa do singular, quando, segundo a variante cultapadrão da língua, deveria estar conjugado na 2ª do singular tu gostas já que o pronome tu é
da 2ª pessoa do singular e não da 3ª. Essa variação dialetal, que diz respeito à dimensão
territorial, geográfica ou regional, é muito comum no sul do Brasil, mais precisamente no
estado do Rio Grande do Sul. Ela é muito utilizada pelos (as) alunas não só ao falar como
também ao escrever. Aqui, ao que parece, houve uma inversão: não é o funk que influencia
a linguagem dos (das) alunos (as), mas é a linguagem destes (destas) que está no funk.
Segunda semelhança: as marcas de oralidade (variante morfológica) também são
percebíveis, tanto nas músicas quanto na escrita dos (das) alunos (as). É o que se verifica
nos seguintes versos da música Ostentação: pra ser homem tem que tá aqui; tá ligado; tô
na lida; tavam contigo quando cê precisa; cê quer; etc. E é o que se verifica também na
escrita dos (das alunas) eu tavo; Sora, ele tá me tirando, etc.
Terceira semelhança: em ambas – música e escrita de alunos (as) – há trocas de
letras como, por exemplo, na música de MC Guimê: a palavra intendi, em vez de entendi; e
na escrita dos (das) alunos (as): devertido, em vez de divertido; ermão/irmau, em vez de
irmão; isperiência, em vez de experiência; istou, em vez de estou; costo em vez de gosto,
etc. Isso mostra a falta de consciência fonológica em ambos: cantores/compositores e
alunos (as), já que temos, aqui, uma variação no nível fonético da língua.
Quarta semelhança: na música Ostentação, ainda, há as seguintes construções
sintáticas: Quero sempre do meu lado os meus aliado; ou no caixão morto meus irmão; já
pensou teus filho e tua mulher; e pisão nem se apresento com os irmão etc. E nas
construções dos (das) alunos (as) veem-se as seguintes: Nóis ganhemo o jogo; Foi só nós
que briguemo, etc. Esta variação, de nível morfológico, é usada por ambos: funkeiros e
alunos (as).
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Já com relação às variáveis externas (sexo, idade, nível de escolarização, etc) no diz
respeito ao nível de escolaridade, Mollica (2013, p.51) diz que as formas de expressão
socialmente prestigiadas das pessoas consideradas superiores na escala socioeconômica
opõem-se aos falares das pessoas que não desfrutam de prestígio social e econômico.
Essas são transformadas em língua padrão, reguladas e codificadas nas gramáticas
normativas, adquirem estatuto de formas corretas e são ensinadas, aprendidas e
internalizadas ao longo do processo escolar. Já o modo de comunicação das pessoas
desprovidas de prestígio econômico e social é interpretado como inferior em termos
estéticos e informativos. Isso, muitas vezes, é motivo de comentários jocosos e rejeitado
pelos membros da sociedade mais letrada.
Tal modo de falar pode-se verificar na linguagem oral dos (das) alunos (as) quando
dizem, por exemplo, “Eu tavo”, “Nóis ganhemo o jogo”, “Sora, Sora, o fulano tá lá indentro
do banheiro matando aula”, “Meu ermau ainda usa flaudra” “Eu gosto de iorgute”, “A fulana
não venho hoje” etc. E também nas letras de músicas como se vê em “altitude muito acima
da atitude venho a rima”, “Quero sempre do meu lado os meus aliado”, “Sei quem vai até o
fim e quem vai desalia”, “Escute o que eu falo, não quero ver seu fim num presídio ou no
caixão morto meus irmão”, rebola, tu gosta, assim, provoca, rebola tu gosta.
Além dessas análises e comparações, é possível fazer ainda muitas outras. Porém,
parece-me que as aqui feitas são suficientes para o que me propus neste trabalho. Mas
convém dizer ainda que, apesar de se perceber que há influência do funk da linguagem dos
(das) alunos (as), não se pode mensurar em que nível se dá essa influência, pois, para isso,
seria preciso analisar os dados mais detidamente. E é por isso que esse trabalho não se
esgota aqui. Ele deve ser questionado e, talvez, ampliado. Por isso, todas as contribuições
e críticas são muito bem-vindas.
6 Considerações Finais
O funk, embora apresente expansão mercadológica, continua sendo alvo de muita
resistência da sociedade, ele é bastante criticado por intelectuais e por parte da população.
O funk carioca, por exemplo, costuma ser criticado por sua pobreza criativa, por apresentar
uma linguagem obscena e vulgar e por fazer apologia à violência e ao consumo e ao tráfico
de drogas.
Grande parte desse criticismo vem da associação do ritmo ao tráfico de drogas, pois
bailes funk são costumeiramente realizados por traficantes para atrair consumidores de
drogas aos morros. Outro problema do funk é o volume no qual costuma ser executado:
bailes funk, quase sempre, não respeitam qualquer limite quanto ao volume de som,
infringindo leis relativas ao limite de volume permitido em ambientes públicos.
Já com relação à língua, o criticismo, pelo menos por parte do linguista, não deve
existir, pois na língua não existe o certo e o errado, o bonito e o feio. O que existe são
variações. Mas o leigo, evidentemente, não sabe disso. Por isso, é comum se ouvir
pessoas, e até professores, criticarem um ou outro modo de falar dos alunos. Todavia isso
se deve ao desconhecimento da Linguística, o que pode gerar preconceito linguístico.
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Travaglia (2009) diz que “na língua não existe o certo e o errado, o que existe são
variedades e todas elas são igualmente eficazes em termos comunicacionais nas situações
em que são de uso esperado e apropriado”. Assim, se alguém disser que a língua x é feia e
a língua y é bela, isso poderá soar como preconceito linguístico.
Mas poder-se-ia dizer o mesmo sobre a linguagem? Existe linguagem bela e
linguagem feia? Se compararmos uma música de Chico Buarque, por exemplo, com uma de
Naldo Benny, ou uma obra de arte de Da Vinci com uma de um pintor medíocre, teríamos
condições de responder a essa pergunta? O que determina o valor de uma obra de arte
como a Monalisa, ou de um poema de Camões?
A linguagem (ou o modo de falar/escrever), do mesmo modo, não poderia ser
entendida como bela ou feia? Qual é a cotação de mercado da forma linguística se
concebermos a língua como um produto do mercado financeiro como faz Bordieu? Quem
tem mais prestígio social: aquele que domina a norma culta, ou o MC x da periferia y? Será
que ao incentivarmos nossos alunos (as) a ouvir apenas músicas funk, sem lhes apresentar
outros estilos, não estamos contribuindo com a anticultura, a antiescola, a valorização do
consumismo, a vida fácil e fútil que apregoa que não é necessário dominar bem a língua
para se obter promoção e mobilidade social?
Penso que é preciso abrir a discussão para pensarmos o que podemos fazer para
que essas questões sejam discutidas e trabalhadas em sala de aula. Afinal, não se pode
negar que o contexto social e político influencia o ensino de língua, mas se privilegiarmos
apenas a variante linguística da periferia estaremos contribuindo para que nossos alunos
continuem sendo discriminados e estigmatizados.
Referências Bibliográficas
FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à Linguística I. Objetos teóricos. São Paulo: Contexto,
2006.
LABOV, Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008.
MOLLICA, M.C. BRAGA, M.L. (orgs.). Introdução à sociolinguística variacionista: o
tratamento da variação. São Paulo. Contexto, 2013.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática.
São Paulo: Cortez, 2009.
http://www.funk.blog.br/2013/11/girias-de-funkeiros-e-seus-significados.html
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INFLUÊNCIA DO FUNK NA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM