Resumo Há certo consenso em torno da ideia de que professores de matemática da Escola Básica deveriam possuir um conhecimento “mais aprofundado” do conteúdo a ser ensinado. No entanto, o aprofundamento da formação em matemática por si só, isto é, destituído do objetivo de estabelecer interações e conexões, também profundas, com outros componentes de saber da profissão docente, tem sido visto como insuficiente e até mesmo inócuo, em termos de uma preparação adequada do professor para atuar em um espaço tão complexo como a sala de aula de matemática da escola básica. Assim, a discussão do tema “Qual matemática para formar o professor de matemática?” tem despertado o interesse de pesquisadores e formadores de professores de matemática. Shulman introduziu na literatura o termo conhecimento pedagógico do conteúdo (pedagogical content knowledge) para designar um tipo especial de saber profissional docente: um amálgama entre conhecimentos pedagógicos e conhecimentos disciplinares que constituiria uma forma específica do professor conhecer sua disciplina. Pesquisadores da Universidade de Michigan, liderados por Deborah Ball, a partir da noção de conhecimento pedagógico do conteúdo, proposta por Shulman, desenvolveram o conceito de conhecimento matemático para o ensino (mathematical knowledge for teaching), que é um conhecimento matemático específico do professor de matemática da escola básica, com uma composição e características próprias, em geral distintas do conhecimento matemático utilizado no exercício de outras profissões. Há ainda outros trabalhos na literatura especializada que defendem, algumas vezes sob outras perspectivas teóricas, essa ideia de uma matemática própria da profissão de professor. O objetivo desta pesquisa é identificar elementos constituintes desse conhecimento matemático específico do professor, no que se refere particularmente ao trabalho com a álgebra na Educação Básica. Observamos as aulas de dois professores de uma escola pública da rede federal de ensino em Belo Horizonte, de abril a agosto de 2012, período em que a álgebra foi o principal assunto abordado. Um dos professores sujeitos da pesquisa lecionava no 8o ano e o outro no 9o ano do Ensino Fundamental. A partir da observação das aulas, procurou-se identificar elementos de saber, específicos do professor de matemática, que foram efetivamente mobilizados ou que seriam potencialmente mobilizáveis na prática concreta de sala de álgebra dos sujeitos da pesquisa. Diversas questões relevantes apontadas nas pesquisas sobre ensino e aprendizagem de álgebra se fizeram notar durante o processo de observação e coleta de dados, tendo ficado claras a necessidade e a conveniência de analisá-las do ponto de vista do conhecimento matemático específico do professor. E duas dessas questões se sobressaíram, adquirindo posição de destaque em nossa análise: a utilização da argumentação e da demonstração para justificar a extensão de resultados obtidos nos processos de generalização na álgebra e a dualidade processo-objeto presente na construção de noções abstratas, em particular, daquelas associadas às expressões algébricas. Foi possível explicitar tensões entre os processos de validação aceitos no desenvolvimento formal dedutivo, característico da matemática acadêmica e aqueles adequados ao desenvolvimento lógico dos conteúdos escolares, de acordo com o contexto da sala de aula da Educação Básica. A dualidade processo-objeto se manifestou na tensão identificada entre a concepção estrutural do professor e a concepção procedimental dos alunos na compreensão das expressões algébricas. O estudo realizado identifica saberes importantes e fundamentais que compõem o conhecimento matemático específico do professor da Educação Básica e que não são mencionados nas recomendações oficiais para a formação de professores de matemática no Brasil.