Isabel Maria Fernandes Branco
A ideia de “perda de chance” e a sua aplicação
jurisprudencial em sede de mandato judicial
VERBO jurídico ®
A IDEIA DE “PERDA DE CHANCE” E A SUA
APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL EM SEDE DE
MANDATO JUDICIAL
ISABEL MARIA FERNANDES BRANCO
Aluna nº1985023510
Trabalho apresentado à Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra no âmbito do
SEMINÁRIO GERAL – Módulo sobre Risco,
Transparência, Litigiosidade, ministrado pelo
Professor Doutor Jorge Sinde Monteiro
([email protected]), do 3º Ciclo de Estudos em
Direito (conducente ao grau de Doutor em Direito) na
Área de Especialização em Ciências JurídicoCriminais.
Coimbra
Janeiro – 2015
1- Introdução
No módulo do Seminário Geral dedicado ao tema RISCO, TRANSPARENCIA,
LITIGIOSIDADE, foi abordado o tema da responsabilidade civil, as suas origens, as
várias formas que pode revestir e a evolução das funções que lhe estão adstritas.
Ao falarmos da evolução que a responsabilidade civil sofreu até hoje,
observamos que se assistiu ao declínio do monismo culpabilistico e ao derrube da
responsabilidade baseada exclusivamente no elemento subjectivo, falando-se agora de
responsabilidade objectiva, pelo risco, pelo sacrifício, pela culpa na organização, das
pessoas colectivas.
Por outro lado surgem novas correntes que falam numa responsabilidade que põe
em causa os pressupostos tradicionais, quer quanto à forma de encarar a causalidade,
admitindo uma causalidade probabilística (diferente do tudo ou nada tradicional) e na
eleição de novos danos indemnizáveis - de que é exemplo o dano da perda de chance objecto do meu trabalho.
Dentro das funções que são atribuídas à responsabilidade civil dá-se cada vez
mais relevância à sua função preventiva/punitiva, e neste âmbito penso que esta
finalidade será promovida com maior eficácia se os lesados forem compensados pelas
suas oportunidades perdidas e se os lesantes se sentirem castigados pela sua conduta
censurável na proporção dos danos que causem.
A função preventiva na minha opinião é uma decorrência da função punitiva,
mais do que da função ressarcitória.
A admissibilidade de uma função punitiva da responsabilidade civil leva-nos a
admitir a existência de um outro tipo de dano - os danos punitivos, e estes têm “um pé”
no direito civil e outro no direito penal, isto deve-se ao facto da separação entre direito
privado e publico não ser assim tão rígida, como afirma Paula Lourenço1 “ … O dano
socialmente relevante tem uma dimensão individual e comunitária, ou seja, de que os
danos punitivos, ao tentar defender a dignidade do individuo, acabam igualmente por
proteger as normas de conduta da sociedade, influenciando o comportamento dos
agentes”. Existe sempre um interesse público que o próprio Estado vê acautelado
quando as relações entre os particulares se realizem licitamente.
Para Júlio Gomes2, há uma associação entre a função punitiva e a perda de
oportunidade, assim como se podem identificar considerações punitivas ou pelo menos
preventivas da responsabilidade civil.
Esta função punitiva da responsabilidade civil, associada à perda de chance não
é isenta de críticas.
1
Lourenço, Paula Meira, Os Danos Punitivos, Revista da FDUL, Vol. XLIII, nº 2.
Gomes, Júlio Vieira, “Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance, in II
Seminário dos Cadernos de Direito Privado, nº especial 2, 2012.
2
Pág. 2
Para tanto basta pensar-se nos inúmeros casos em que a conduta do agente que
dá lugar à perda de chance é meramente negligente, no fundo basta pensar-se em todos
aqueles casos em que a culpa do agente não é suficientemente grave para justificar o
pagamento de uma quantia a título punitivo.
O importante na figura da perda de chance não está na sua associação a qualquer
uma das funções possíveis que a responsabilidade civil possa assumir, mas sim na
justeza da sua aplicação que não permite que um determinado dano (dano
intermédio/dano de perda de chance) por dificuldades de prova da “causalidade física”,
entre o facto e o dano final, fique por ressarcir.
Mais se disse no referido módulo que a harmonização do direito privado a nível
europeu no domínio do direito contratual (os princípios gerais do direito contratual
europeu) e no domínio da responsabilidade extracontratual (os princípios de direito
europeu, elaborados pelo European Group on Tort Law) é uma realidade que cada vez
mais integra novas áreas do direito civil.
Tem sido ao nível dos estados que a teoria da “Perda de Chance” ou “Perda de
Oportunidade” se tem vindo a impor, várias instituições europeias e internacionais têm
utilizado esta noção.
A Directiva 92 / 13 /CEE do Conselho de 25 de Fevereiro de 1992, relativa à
coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes
à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de
contratos de direito público pelas entidades que operam nos sectores da água, da
energia, dos transportes e das telecomunicações, no seu artigo 2º, nº 7 dispõe que
“Quando uma pessoa introduza um pedido de indemnização por perdas e danos
relativo aos custos incorridos com a preparação de uma proposta ou a participação
num procedimento de celebração de um contrato, apenas terá de provar que houve
violação do direito comunitário em matéria de celebração dos contratos ou das normas
nacionais de transposição desse direito e que teria tido uma possibilidade real de lhe
ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação.”3
Do que se trata é de que esta directiva admite que no âmbito da contratação
pública se possa indemnizar o concorrente que não consiga demonstrar cabalmente que
sem a infracção cometida pelo adjudicatário ele poderia ter sido vencedor, bastar-lhe-ia
demonstrar que teria uma possibilidade real, não fora o acto ilícito de terceiro.
No UNIDROIT 20104, nos Princípios relativos aos contratos comerciais
internacionais, desenvolvidos pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito
Privado nonº 2 do seu artigo 7.4.3 refere-se explicitamente a noção de perda de chance:
3
Sublinhado nosso, Directiva 92/13/CEE do CONSELHO de 25 de Fevereiro de 1992 disponível em:
http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:31992L0013&from=PT
4
UNIDROIT PRINCIPLES 2010, disponível na internet em:
http://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2010/integralversionprinciples2010-e.pdf
Pág. 3
”Compensation may be due for the loss of a chance in proportion to the probability of
its occurrence.”
Também nos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil
elaborados pelo European Group on Tort Law5 se fala na ideia de perda de chance no
Art. 3:106. Causas incertas no âmbito da esfera do lesado:
“O lesado deverá suportar o prejuízo na medida correspondente à probabilidade
de este ter sido causado por uma actividade, ocorrência ou qualquer outra circunstância
que se situe no âmbito da sua própria esfera, incluindo eventos naturais.”
Quando se fala de “Perda de Chance” a ideia que está subjacente é a da
possibilidade de indemnizar um dano intermédio e independente do dano final que se
caracteriza pela probabilidade real, séria e considerável de obtenção de uma vantagem
ou de evitamento de um prejuízo, cujo nexo de causalidade entre o facto e o dano final
não fique demonstrado, mas sim a causalidade entre o facto e dano intermédio o
chamado dano da “Perda de Chance”.
Não obstante em Portugal alguma doutrina, como diz Paulo Mota Pinto6 que
entre nós não existe base jurídico-positiva para apoiar a “Perda de Chance”, o certo é
que cada vez mais a jurisprudência portuguesa faz apelo à ideia e a aplica
principalmente no que diz respeito ao mandato forense.
Luís Medina Alcoz7, Professor titular de Direito Administrativo da Universidade
Complutense de Madrid, num estudo publicado na Revista de Responsabilidade Civil e
Seguro conclui que a teoria da “Perda de Chance” alarga o modelo tradicional da
responsabilidade civil e da indemnização pelos seus danos, tornando-o mais justo e
adequado às sociedades de hoje.
O autor, resumidamente considera “a teoria geral da causalidade na
responsabilidade contratual (e extracontratual) obriga a que o peso da incerteza recaia
no seu conjunto sobre um só sujeito: sobre o agente danoso, quando, ante as
dificuldades probatórias, o julgador baixa o standard ordinário da prova para afirmar
um nexo causal duvidoso, e ordena a reparação total do dano sofrido; ou sobre a
vítima, quando o órgão judicial mantém esse standard ordinário e nega o nexo causal e
a responsabilidade. É o principio do “tudo ou nada”
A teoria da perda da oportunidade ou “chance” altera este paradigma, pois
distribui o peso da incerteza causal entre as duas partes implicadas: o agente responde
só na proporção e na medida em que foi autor do prejuízo. Deste modo, se encontra
5
Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil elaborados pelo European Group on Tort Law,
disponível na internet em http://www.egtl.org/
6
Pinto, Paulo Mota, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol II, Coimbra
Editora 2008
7
Revista de Responsabilidade Civil e Seguro, disponível na internet em:
http://www.asociacionabogadosrcs.org//doctrina/Luis%20Medina.pdf?phpMyAdmin=9eb1fd7fe71cf931d
588191bc9123527
Pág. 4
uma solução equilibrada que pretende acomodar-se a uma sensibilidade judicial à qual
repugna a libertação do agente danoso por dificuldades probatórias, mas também que
se obrigue a reparar a totalidade de um dano que pode não ter causado.”
Pág. 5
2 - A responsabilidade civil e as suas funções
Os pontos de partida do direito são basicamente três8:
A pessoa, com prioridade sobre todos os demais, que na sua dimensão social faz
intervir o direito como entidade reguladora dos possíveis conflitos; as acções que são
actuações humanas que se dirigem a alcançarem uma determinada finalidade; e
finalmente os bens como terceiro ponto de partida do direito.
Os bens são tudo aquilo que seja apto a satisfazer as necessidades humanas,
como são escassos, geram conflitos de posse que têm naturalmente de ser solucionados
através das regras impostas pelo direito.
Para Gomes da Silva9 “a grandeza e a dignidade do homem, e a par e em
contraste com elas a constante insatisfação, a fraqueza e a pequenez perante as
audácias dos seus ideais, a caducidade, enfim – estas duas ordens de aspectos
antagónicos cujo conflito exprime todo o drama da humanidade …”.
É este conflito do homem consigo próprio e com os outros que o direito visa
solucionar.
A liberdade e autonomia do ser humano são valores que o direito tenta elevar à
categoria de princípios estruturantes do estado de direito.
Esta liberdade e autonomia têm como consequência a responsabilidade das
pessoas pelas suas acções.
Nos campos do direito civil e criminal, a liberdade e autonomia da pessoa têm
como correspondentes a respectiva responsabilidade, a criminal pelos ilícitos mais
graves (tipificados como crimes), os menos graves dão lugar à responsabilidade civil,
quando originem danos que se traduzam em prejuízos de ordem patrimonial ou não
patrimonial.
A responsabilidade civil como fonte das obrigações é o conjunto de factos que
dão origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem.
As origens da responsabilidade estão na ideia da vingança privada, a Lei de
Talião partia da ideia de vingança para com o agressor na mesma medida do dano
causado pelo mesmo ao ofendido, “olho por olho dente por dente”.
O dano causado era equivalente ao dano que ele teria de suportar como punição,
não raras vezes sucedia que eram cortadas as mãos pelo roubo de algo. Mais tarde em
Roma no séc. III a.C. surge com a Lei das Doze Tábuas uma espécie de
8
De Vasconcelos, Pedro Pais, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina 2010, 6ª edição
Da Silva, Gomes, Esboço de uma Concepção Personalista do Direito, Separata da Revista da Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa, 1965
9
Pág. 6
responsabilidade objectiva em que a culpa deixa de ser requisito para a punição e o
lesado intentava a acção contra a causa aparente do dano.
O lesado podia optar por uma pena próxima da vingança ou por uma
compensação monetária, surge desta forma o instituto próximo da indemnização que
hoje conhecemos.
Hoje a responsabilidade civil pode ser classificada em responsabilidade
obrigacional (contratual), ou delitual (extracontratual).
Na primeira o que está em causa é o incumprimento de uma obrigação em
sentido técnico (obrigações emergentes dos contratos, lei e negócios unilaterais), na
segunda a responsabilidade emerge da violação de direitos absolutos ou de disposições
legal destinadas a proteger interesses alheios, ou da prática de actos que apesar de lícitos
causam prejuízo a outrem (responsabilidade pelo sacrifício).
A responsabilidade pelo sacrifício verifica-se sempre que a lei preveja o direito à
indemnização ao lesado em virtude de uma actuação lícita, exemplos o artigo 1322º do
Código Civil em que há uma situação de ingerência lícita em prédio alheio para captura
de abelhas, bem como no artigo 1367º, 1349º, entre outros, do Código Civil.
O nosso Código Civil tratou separadamente estas duas categorias de
responsabilidade nos artigos 483º e seguintes (responsabilidade civil extracontratual) e
nos artigos 798º e seguintes (a responsabilidade contratual), ainda que tenha sujeitado a
obrigação de indemnização delas resultantes a um regime unitário do artigo 562º e
seguintes, bem como à determinação dos danos indemnizáveis (nexo de causalidade
entre o facto e o dano), às formas de indemnização e ao cálculo do seu montante.
As diferenças fundamentais entre os dois regimes são:
- Presunção de culpa na responsabilidade obrigacional, artigo 799º nº 1 do C. C.,
mas não na delitual , artigo 497º, nº 1 do C. C.
- Os prazos de prescrição são mais curtos na responsabilidade delitual do que na
obrigacional
- O regime da responsabilidade por actos de terceiros é também diferente, artigos
500º e 800º do Código Civil.
- Em caso de pluralidade de responsáveis na responsabilidade delitual o regime é
o da solidariedade (artigo 497º do CC) enquanto na responsabilidade obrigacional, tal só
acontece se esse regime já vigorar para a obrigação incumprida.
Hoje fala-se de uma terceira via da responsabilidade que tem que ver com aquele
conjunto de casos que não se enquadram nem na responsabilidade civil contratual nem
na responsabilidade civil extracontratual. É uma área problemática correspondente às
responsabilidades intermédias ou não alinhadas.
Pág. 7
Para ilustrar esta espécie de terceira via da responsabilidade temos a culpa in
contraendo, a responsabilidade pela confiança.
Com o tempo a responsabilidade civil foi-se afastando da culpa, os acidentes de
viação e de trabalho criam a necessidade de transferir a responsabilidade civil para um
outro vector, o do risco. Este tipo de responsabilidade pelo risco veio introduzir os
seguros obrigatórios, bem como os danos sofridos em catástrofes naturais são cada vez
mais assumidos pelos estados através de um sistema de socialização do risco.
Por outro lado surgem novos modelos que permitem a imputação de danos aos
titulares de organizações (pessoas colectivas) por falhas na sua organização (culpa na
organização) causadoras de um dano, dispensando-se tanto a identificação do sujeito
como da conduta concreta que conduziram àquele dano10.
Como temos vindo a observar as finalidades e funções da responsabilidade civil
têm vindo a evoluir, é importante saber que função atribuir à responsabilidade civil, se
uma função punitiva (ou punitiva/preventiva), se uma função reparadora, ou até ambas.
Tradicionalmente a função da responsabilidade civil era a reparadora, o dano era
pressuposto e limite da indemnização (indemnizar quer precisamente dizer - retirar o
dano).
Para Carneiro da Frada11a mais importante das funções da responsabilidade civil
é a ressarcitória, dizendo também que não se deve desvalorizar a função de
prevenção/punição que algumas soluções legais consagram.
De facto não deve permitir-se que quem não cumpre uma obrigação daí venha a
retirar um lucro ilegítimo, mesmo que ao credor não tenha sido causado prejuízo.
Esse lucro indevido deverá ser extirpado pelo tribunal, defendendo o autor que a
sede certa para resolver o problema é o enriquecimento sem causa, admitindo no entanto
a importância que tem a indemnização nomeadamente e para o que aqui nos interessa
para compensar o dano resultante da perda de oportunidade de um negocio mais
lucrativo que o credor não perderia se soubesse que o contrato iria ser violado pelo
devedor.
O exemplo dado é “House of the Lords in Attorney-General vs. Blake. Tratou-se
de uma situação em que um ex-agente dos serviços secretos ingleses que apesar de se
ter comprometido a manter a confidencialidade quando foi admitido pelos serviços, veio
quando se retirou a publicar um livro sobre as suas funções.
É certo que o estado inglês não sofreu prejuízos, mas pelo contrário o ex-agente
teve grandes benefícios de um acto de incumprimento deliberado pelo que deveria
restituir os lucros obtidos. Mas esta restituição não é apenas punitiva se não for
independente dos ganhos que advieram ao agente por via do seu incumprimento.
10
11
Da Frada, Carneiro, Direito Civil, Responsabilidade Civil, o Método do Caso, Almedina 2006
Obra citada na nota anterior
Pág. 8
Também para este autor ganha cada vez mais espaço e importância, através do
mecanismo dos seguros a função social redistributiva da responsabilidade civil.
Paula Meira Lourenço12 enumera na sua tese de doutoramento várias funções
punitivas da responsabilidade civil, entre elas
No artigo 494º do C. C. onde se diminui a indemnização nos casos de
negligencia,
No artigo 497º nº 2 do C. C. em caso de pluralidade de responsáveis a
indemnização é repartida em função da culpa dos agentes,
No artigo 570º do C. C. que prevê a redução ou exclusão da indemnização em
caso de culpa do lesado,
No artigo 1320º, nº 1 em que se estipula o pagamento do triplo do valor dos
animais a que o dono da guarida chamou de forma fraudulenta e artificiosa,
No artigo 1552º, nº 2 CC que prevê a possibilidade de constituição de servidão
de passagem mediante o pagamento de uma indemnização agravada até ao dobro da
indemnização normal.
Em conclusão, é hoje assumido de forma pacífica que a responsabilidade civil
tem também uma função preventiva/punitiva, normalmente considerada uma função
subsidiária da função principal – a reparadora.
Carneiro da Frada considera apropriada a aplicação de perda de chance, como
atrás vimos a propósito da função preventiva/punitiva, no contexto da responsabilidade
contratual mais do que a propósito da responsabilidade delitual, expondo casos que em
virtude da celebração de um contrato que não veio a ser cumprido, o lesado perdeu a
oportunidade de celebrar um contrato alternativo.
Existe uma maior facilidade no reconhecimento da perda de oportunidade no
âmbito da responsabilidade contratual já que a perda de oportunidade pode desencadear
responsabilidade de acordo com a vontade das partes, que tenham elegido a chance a
bem jurídico protegido pelo contrato.
No entanto, o problema que a perda de chance tenta resolver, o qual é o do
“dano” e do “nexo de causalidade” (entre o facto e o dano) é comum à responsabilidade
extracontratual, daí que a figura da perda de chance esteja ligada quer à
responsabilidade contratual quer à responsabilidade extracontratual.
12
Lourenço, Paula Meira, A função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006
Pág. 9
3 - Considerações gerais sobre a “Perda de Chance”
Filosoficamente o que está subjacente à teoria da perda de chance é a tomada de
consciência de que o conhecimento humano é imperfeito e limitado e de que só se pode
expressar em termos de probabilidade.
Luís Medina Alcoz13 no estudo já atrás identificado defende que:
“O pensamento filosófico e jurídico em relação com o conhecimento dos factos
tem evoluído a partir de uma fase primitiva, em que imperava uma concepção mágica,
até ao momento actual, em que se adoptou a óptica racional. O motor desta
transformação foi, em boa medida, o pensamento iluminista que, influenciado pelos
avanços científicos e pelo paradigma mecanicista newtoniano, depositou uma
confiança cega no conhecimento empírico, como veículo capaz de proporcionar
certezas inquestionáveis. Esta ideia projectou-se quase sem variação para o campo das
ciências jurídicas, havendo autores que chegaram a crer que a verdade obtida
processualmente pode ser reflexo fiel do efectivamente sucedido. A nível teórico, ou
académico, entendimentos deste género só foram defendidos por uma “minoria
epistemológica positivista” que concebia o conhecimento como um processo guiado
por normas seguras; mas a prática processual, sobretudo a da Europa continental,
escudou-se na regra do livre arbítrio ou convicção para deixar-se dominar pela ideia
de que os factos podem e devem provar-se com toda a certeza. Muitos ilustres
reconheciam que a certeza dos factos nunca é absoluta ou objectiva, mas não os
juristas, provavelmente porque não prestavam atenção ao problema do facto e da sua
prova, e centraram as suas preocupações na teoria da interpretação das normas.
Na dogmática jurídica imperou, assim, o desprezo dos factos. O estudo das
questões de ordem fáctica foi relegado para segundo plano, por detrás da análise dos
conceitos, ignorando-se que a maioria dos julgamentos são “pleitos sobre factos”. Por
isso, os juristas têm tido dificuldades para reconhecer que “na Terra a verdade é uma
questão de grau” e têm acreditado que os factos devem ficar demonstrados com
absoluta certeza. Sem embargo, os avanços científicos, especialmente os
desenvolvimentos da física quântica, demonstraram manifestamente, mais do que
nunca, que o mundo físico não se rege por leis causais, mas sim probabilísticas, do tipo
“se X, então Y numa percentagem Z”. Acabou por impor-se o critério segundo o qual o
conhecimento empírico, relativamente ao qual o conhecimento judicial não é mais do
que um dos seus tipos, não permite saber com absoluta certeza se um facto, como facto
causal, é verdadeiro; mas sim tentar encontrar o seu grau de probabilidade a partir dos
elementos de juízo disponíveis e determinadas regras de racionalidade.”
O conhecimento humano está constantemente a evoluir, as certezas de hoje são
as incertezas de amanhã e no campo jurídico o standard de exigência provatória que nos
países europeus é elevado (por volta dos 80%) leva a injustiças, quando é evidente para
13
Artigo citado na nota 7
Pág. 10
todos que apesar de ser impossível estabelecer a relação de causalidade com este
elevado grau de certeza, o certo é que sem aquele facto ilícito o lesado teria pelo menos
a oportunidade de não sofrer o dano final.
Para autores como o já mencionado Luís Medina Alcoz o enfoque da questão
está no problema da causalidade e a solução passa pela aceitação de um novo paradigma
deste pressuposto da responsabilidade civil – a aceitação de uma causalidade
probabilística.
Na minha opinião, como já referi esta questão passa mais pela admissibilidade
do dano da perda de chance como um dano autónomo e as regras tradicionais da
responsabilidade civil ter-se-iam de verificar relativamente a este dano, e não ao dano
final, questão esta que abordarei quando falar da solução que preconizo.
Historicamente a ideia de perda de chance apareceu em França nos finais do séc.
XIX com um acórdão de 17/07/188914 em que se considerou responsável um advogado
que pelo seu comportamento negligente impediu a normal tramitação de um processo. A
partir deste momento manteve-se a figura da responsabilidade civil do advogado muito
ligada à figura da perda de chance.
Também em 26 de Maio de 1932 esta ideia da perda de chance foi aplicada num
caso de actuação negligente de um notário.
Depois destas decisões outras surgiram em que esta figura foi sendo aplicada a
competições desportivas, concursos públicos, à perda da possibilidade de vitória em
jogos de sorte ou azar, à perda de oportunidade de um emprego mais lucrativo.
Em 1962 começou a falar-se em França da aplicação da perda de chance à
negligência médica num caso da Cour d’appel de Grenoble, em que não se conseguiu
provar com um grau de certeza elevado a causalidade entre o acto negligente do médico
e o dano final, e não se admitindo a perda de chance como um dano autónomo
ficcionou-se a noção de uma causalidade probabilística.
Assim se o facto ilícito não for conditio sine qua non do dano final a reparação
de um prejuízo parcial e relativo era justificada pela ideia da perda de chance.
Esta teoria falsa da perda de chance resolvia no direito francês um problema de
insuficiência de prova, erradamente porque o problema que tenta resolver a ideia de
perda de chance não é um problema de causalidade entre um facto ilícito e o dano final
mas sim a aceitação de um dano intermédio erigido a bem jurídico indemnizável, uma
vez violado (o dano da perda de chance).
Mais do que um problema de causalidade o que está aqui em causa é um
problema de dano, de um novo dano distinto do dano final.
14
Obra citada na nota 2
Pág. 11
No direito italiano15 a perda de oportunidade surge intimamente ligada ao direito
laboral, essencialmente na perda de oportunidades de progressão na carreira.
A secção laboral da Corte di Cassazione em 19 de Novembro de 1983 atribuiu a
indemnização relacionada com a perda de chance de dois indivíduos a quem tinham
sido retiradas as possibilidades de vir a ser contratados ou promovidos na empresa. Foi
o caso de um empresário que tinha pedido trabalhadores a uma agência, para uma
possível contratação, estes fizeram as provas físicas previstas, mas não os testes
psicotécnicos necessários, retirando-lhes assim a possibilidade de serem contratados.
Num outro caso, em 19 de Dezembro de 1985 o tribunal reconheceu a
indemnização pela perda de chance a um outro individuo que tendo participado em dois
concursos para obter uma promoção na carreira, e tendo sido vencedor no primeiro e
aprovado no segundo, se viu excluído da prova oral final por aplicação de uma norma
que foi posteriormente declarada ilegal, e que impedia a participação nos concursos de
uma empresa de que se fosse dependente.
Esta doutrina veio a ser aplicada noutras áreas como na sentença da Corte de
Apelacion de Roma, Sec. 3ª de 17 de Fevereiro de 1988, num caso de frustração da
possibilidade de prosseguir negociações comercias e na sentença de 13 de Março de
1998 da Casacion Civil (Sec. 3ª) num caso de contratação pública.
O direito argentino por influência dos direitos francês e italiano aplica a teoria
em situações em que estejam em causa actividades desportivas, empresariais, e foi
também aplicada em casos em que se teve de valorar o dano do falecimento de um filho
menor tendo em conta a possibilidade razoável de ajuda que este poderia prestar aos
pais no futuro, sendo que o dano corresponde a uma possibilidade séria e real de
sobrevivência do menor.
Já nos casos em que existe uma concausa do dano o direito argentino ao
importar de forma acrítica a jurisprudência e doutrina francesas, conclui pela
desnecessidade de recurso à figura da perda de chance, isto porque o seu direito interno
ao contrário do francês admite a existência de concausas indemnizáveis na proporção
das várias contribuições.
Em Espanha desde à perto de vinte anos que os tribunais recorrem à ideia de
perda de chance pra concederem indemnizações perante uma causalidade frágil e esta
tendência tem-se intensificado. Esta doutrina aplica-se a variadíssimos casos de
responsabilidade civil dos advogados e no âmbito da responsabilidade médica, bem
como no âmbito do contencioso administrativo.
Na Alemanha a posição mais uniforme em torno desta teoria é a da sua
inadmissibilidade, e isto por lealdade às regras tradicionais que estão subjacentes à
responsabilidade civil. No ordenamento jurídico alemão para dar como provado o nexo
de causalidade entre a actuação do agente e o dano final o tribunal tem de ter
15
Alcoz , Luís Medina, artigo citado
Pág. 12
praticamente a certeza absoluta e só assim o lesado é indemnizado pela integralidade do
seu dano.
Exclui-se o recurso à perda de chance e adopta-se o mecanismo da inversão do
ónus da prova do nexo de causalidade na responsabilidade civil do médico, quando se
demonstre que este agiu com negligência grosseira.
Nos ordenamentos jurídicos da common law a perda de chance é tida como um
problema de causalidade. Os tribunais ingleses para apurarem o nexo de causalidade
(não são tão rígidos como os sistemas romano-germânicos) têm um standard probatório
menos exigente, o que procuram saber é se o facto terá mais provavelmente contribuído
para o dano do que a hipótese contrária.
Fixando-se sempre no dano final não se proporciona um ambiente favorável à
consagração da perda de oportunidade, preserva-se a formula do tudo ou nada, bastando
para o tudo que a prova apresentada ultrapasse a barreira dos 50%.
No entanto, casos há em que os tribunais recorrem à ideia de indemnização pela
perda de chance, desde logo no caso Chaplin vs. Hicks de 1911 em que um agente
teatral realizou um concurso de beleza com o compromisso de contratar como actrizes,
durante três anos, doze das candidatas que escolhesse de entre as cinquenta mais
votadas pelos leitores de uma revista, atribuindo vinte libras mensais às quatro
primeiras, dezasseis libras às quatro seguintes e doze libras às quatro últimas.
A demandante foi uma das selecionadas, mas o agente não lhe comunicou a data
da entrevista final, violando assim uma das regras do concurso e por via disto, acabou
por não ser uma das doze finalistas escolhidas. A sua acção foi admitida e foi-lhe
atribuída uma indemnização de cem libras, com a explicação técnica de que neste caso a
demandante teria uma possibilidade entre quatro de ser escolhida, pelo que a
indemnização corresponderia à perda de chance.
O tribunal não podia provar que ainda que a candidata tivesse sido
tempestivamente notificada e se tivesse apresentado à entrevista final, viesse a ganhar o
concurso. A única certeza que se pode ter neste caso é que a candidata perdeu,
definitivamente a chance de poder ser finalista do concurso.
Na Austrália em 1994 o Supremo Tribunal num caso em que o agente danoso ao
apresentar uma oferta de emprego irrecusável incentivou a vitima a interromper as
negociações que mantinha com outra empresa, mas uma vez assinado o contrato se
recusou ao seu cumprimento, o que obrigou a vítima a retomar as negociações originais
com a outra empresa, mas agora em termos menos favoráveis do que os originais. O
tribunal considerou que o primitivo contrato teria sido assinado naqueles termos, não
fora a intervenção do agente danoso, tendo-se assim perdido uma oportunidade
comercial.
Ainda dentro do sistema da common law, nos EUA, mesmo existindo uma
corrente doutrinal e jurisprudencial muito apegada à perda de chance, os tribunais que
Pág. 13
recorrem a esta figura, fazem-no apenas em situações de danos pessoais sofridos no
âmbito médico. Na origem desta jurisprudência está a sentença que resolveu o caso
Hicsk vs United States de 1966 em que um doente procurou um médico da U.S. Naval
Amphibious Base por causa dos vómitos frequentes e fortes dores abdominais de que
padecia. Após 10 minutos o médico diagnosticou gastroenterite, tendo receitado alguns
remédios. Ao regressar a casa o doente começou a vomitar, desfalecendo, não tendo o
pessoal médico conseguido reanimá-lo. O doente tinha uma oclusão intestinal que lhe
foi fatal por não ter sido tratada a tempo. O tribunal veio a considerar que a conduta do
médico foi negligente e que sacrificou uma oportunidade substancial de sobrevivência.
Depois de uma breve analise aos casos em que nos diversos países se faz uso da
teoria da perda de chance, podemos de uma forma geral dizer que esta teoria obedece a
razões de equidade, já que a injustiça do nexo de causalidade do tudo ou nada deixava
sem indemnização muitos casos dignos de serem indemnizados.
Procurou-se assim uma solução equilibrada de acordo com os ditames da justiça,
à qual repugna que se exonere um agente danoso por dificuldades provatórias mas
também que se o obrigue a reparar a totalidade de um dano que o mesmo possa não ter
causado.
A justiça como finalidade do direito16 obriga a que a missão do juiz ao depararse com um incumprimento contratual ou delitual, e verificando que se rompeu o
equilíbrio patrimonial entre os envolvidos, seja restabele-lo de forma justa e
proporcional atribuindo a cada um o que lhe pertence.
Os adeptos da teoria negativa da perda de chance, a chamada teoria do tudo ou
nada afastam a possibilidade de indemnizar a chance perdida, por considerarem que esta
se opõe aos próprios fundamentos da responsabilidade civil ao permitir o
reconhecimento de indemnizações em casos em que falta um requisito, que é o de que
aquele facto danoso provocou sem sombra de duvida aquele prejuízo. Mais dizem que
mesmo as teorias positivas que admitem a perda de chance não são coerentes com os
eventos que visam regular, ignoram a realidade e por isso chegam a soluções erradas,
como atribuir uma indemnização sem que haja nexo de causalidade que a justifique.
Segundo Medina Alcoz a teoria do tudo ou nada não é aplicada de forma
uniforme em todos os sistemas jurídicos que a defendem pois o standard probatório
pode ser mais ou menos rigoroso, sendo que no direito anglo-saxónico este standard
probatório se situa nos 50%, enquanto nos sistemas europeus fica acima dos 80%.
De entre as teorias que aceitam a indemnização pela perda de chance, umas
(teorias divisionistas) só a aceitam quando os processos aleatórios não atingiram o seu
fim (perda de chance de obter uma vantagem futura), nesta perspectiva se situa René
Savatier, outras (teoria unitária) consideram que é indiferente que o processo aleatório
16
Yong, Samuel, Revista Virtual Via Inveniendi, Edição 12, Vol 6, nº 2 Julho Dezembro de 2011
Pág. 14
tenha ou não atingido o seu fim, encontrando-se aqui autores como Joseph King,
Georges Durry e Yves Chartier.
Joseph King, veio defender a teoria unitária da ideia de perda de chance,
estruturada através do prisma do dano, diz este autor que a natureza jurídica da perda de
chance nada tem a ver com um problema de causalidade, mas sim com um problema da
consciencialização de um dano, verdadeiro, autónomo e indemnizável, diferente do
dano final.
Este autor criou uma situação hipotética de um concurso a que chamou “The
bean jar paradigm” para provar que a teoria da perda de chance se aplica quer esteja em
causa a perda de chance de obter uma vantagem futura, como a de evitar um prejuízo
efectivamente ocorrido.
O exemplo dado é composto por cinco variações de um cenário factual
hipotético por ele criado, referente a um concurso.
Na primeira variação assume-se que havia 70 feijões dourados e 30 feijões azuis
dentro de um jarro. Paula recebe um bilhete que lhe dá o direito a retirar aleatoriamente
um feijão desse jarro. De acordo com as regras do concurso, se o concorrente retirar um
feijão dourado receberia um prémio de $100.000, se retirasse um azul não receberia
nada. Paula confiou o seu bilhete ao seu advogado, que o perdeu. Pergunta-se quanto
valeria o bilhete perdido. Na segunda variação, a situação é exactamente a mesma,
havendo no entanto 70 feijões azuis e 30 dourados no jarro. Na terceira variação não se
sabe qual a proporção de feijões azuis e dourados dentro do jarro e no dia em que Paula
vai fazer uso do seu direito a retirar um feijão do jarro, os patrocinadores do concurso
negligentemente partem o jarro, espalhando os feijões pelo chão. São chamados peritos
para poderem aferir a relação entre feijões dourados e azuis que teria o jarro. Na
variação quatro, imagina-se que Paula, vendada, procederia à extracção do feijão numa
varanda defronte de uma praça. Contudo, precisamente após ter retirado o feijão, Paula
é empurrada por um funcionário do concurso e deixa cair o feijão e a jarra da varanda
na praça, onde rapidamente a chuva e a multidão dispersam todos os feijões.
A última variação é uma reprodução da anterior, havendo no entanto uma
testemunha que acha que o feijão que Paula retirou seria azul. O julgador, com base
neste testemunho e demais circunstâncias do caso, conclui que o jarro continha antes da
extracção 40 feijões dourados e 60 feijões azuis.
Nas três primeiras variações o processo aleatório foi interrompido antes do fim
(são casos de perda de chance de obter uma vantagem futura). Já quanto aos dois
últimos o processo aleatório atingiu o seu fim (casos de perda de chance de evitar um
prejuízo efectivamente ocorrido). Para este autor nas cinco situações o efeito prático foi
exactamente o mesmo – impedir que se soubesse da sorte de Paula.
Pág. 15
A conduta culposa do lesante foi em todas as situações a razão para que as
probabilidades da vitima poder vir a vencer o concurso se fechassem, e para que esta se
encontre materialmente impedida de provar o nexo de causalidade.
Para este autor nas cinco situações a indemnização faria sentido com a aceitação
da perda de chance como uma espécie autónoma e independente de dano que não
alteraria o conceito tradicional de causalidade uma vez que a vitima teria sempre de
provar que a conduta do lesante foi condição necessária para a perda de oportunidade de
obter uma vantagem ou de ter conseguido evitar um prejuízo.
René Savatier com a sua teoria divisionista dá-nos o exemplo de três estudantes
que são atropelados na semana em que iriam prestar provas para determinado concurso,
os dois primeiros não compareceram no dia das provas, mas o terceiro mesmo
debilitado consegue realizar os exames.
Para este autor os dois primeiros estudantes poderiam pedir uma indemnização
pela perda da chance de não ganharem o concurso, já ao terceiro estudante a
indemnização por não ter vencido o concurso nunca poderia ser através do mecanismo
da perda de chance porque o processo causal atingiu o seu fim, ainda que as
dificuldades de prova do nexo causal entre o facto ilícito e o dano final fossem de difícil
ou até impossível prova, deste modo as hipóteses dos três estudantes virem a ser
ressarcidos pela perda do concurso são manifestamente desiguais, demonstrando grande
falta de coerência.
Na doutrina portuguesa Carneiro da Frada17 e Paulo Mota Pinto18 propõem que a
dificuldade de demonstração entre o facto e o dano final podia ser ultrapassada com a
ideia de sistema móvel (desenvolvido por Wilburg). Este sistema aplica-se ao
preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, atendendo aos vários
elementos que compõem o caso concreto e a resolução passaria por perante uma maior
incerteza relativamente ao nexo de causalidade este ser compensado atribuindo-se um
maior peso ao pressuposto da culpa19.
17
Obra citada na nota 10
Pinto, Paulo Mota, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II, Coimbra Editora
2008
19
Guichard, Raul, A IDEIA DE UM SISTEMA MÓVEL, EM ESPECIAL NO DOMÍNIO
RESPONSABILIDADE CIVIL. APRESENTAÇÃO DA TRADUÇÃO DO TEXTO DE WALTER
WILBURG «DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA MÓVEL NO DIREITO CIVIL» [Publicado em
DJ,
XIV,
2000,
Tomo
3]
disponível
na
internet
em:
http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/GuichardDesenvolvimento.pdf
“Neste estudo, numa exposição concisa e com ajuda de exemplos seleccionados em sequência
metodológica, WILBURG desenvolve o por ele designado «sistema móvel» – que subjaz à sua concepção
do direito da responsabilidade civil – enquanto esquema de pensamento e ordenação do direito privado.
Como elementos do direito da responsabilidade civil, que num jogo variável, segundo o concreto grau da
sua intensidade, poderiam num determinado caso servir como fundamento de uma indemnização total ou
parcial, WILBURG (já em 1941) tinha destacado: a «utilização de esfera jurídica alheia através de
intromissão ou exposição ao perigo»; a «causação da ocorrência do dano através de circunstâncias da
esfera do responsável»; a «censura de um defeito na esfera do responsável»; «a força ou o poderio
económico do responsável ou a exigibilidade de este celebrar um contrato de seguro incluindo os
eventuais danos».
18
Pág. 16
Este sistema é dificilmente admissível nos casos de perda de chance em que o
facto ilícito do agente se deve a mera negligência e em que o nexo de causalidade seja
ele também frágil, porque nestes casos não há nenhuma preponderância entre os
pressupostos.
Perante estas dificuldades de aplicação de um sistema móvel, estes autores
acabam por propor outras soluções.
Carneiro da Frada quando aborda o problema das dificuldades de
estabelecimento de nexo causal, propõe como caminho possível considerar a perda de
oportunidade um dano em si, quando esteja em causa uma perda de oportunidade.
Paulo Mota Pinto considera que não há no nosso ordenamento jurídico base
legal para a admissibilidade desta figura e realça que as soluções de facilitação
probatória incluindo a inversão do ónus da prova e a redução da indemnização por
aplicação do artigo 494º do CC tanto bastam para fazer face aos problemas postos pela
perda de chance.
Para outros autores como Rute Teixeira Pedro20 e Menezes Leitão21 entre outros,
a perda de chance é tida como um dano emergente, considerando-se que a oportunidade
corresponderia a um beneficio já adquirido pelo lesado de que este vem a ser privado,
cuja indemnização deve ser calculada tendo em conta o grau de probabilidade de
realização dessa oportunidade.
Enquanto estes autores põem a tónica num novo conceito de dano, outros como
Júlio Gomes22 consideram haver uma ruptura em relação à concepção clássica da
causalidade, este autor diz que a perda de oportunidade não terá entre nós virtualidades
para fundamentar uma pretensão indemnizatória, mas ainda assim admite a sua
aplicação, residual nos casos em que a oportunidade está de tal forma consolidada que
constitua um bem a merecer tutela no património do lesado.
No desenvolvimento e, simultaneamente, superação da jurisprudência dos interesses, WILBURG
generalizou então na sua prelecção reitoral a ideia de que as consequências jurídicas resultam de um jogo
de «elementos móveis»: situando (ou deslocando) as «forças móveis» identificadas como decisivas nas
hipóteses das normas e, atendendo ao respectivo peso, propôs «soluções elásticas» dirigidas às
especificidades de cada caso. No que apresentou sucintamente as consequências do seu ponto de partida
através de uma série de exemplos retirados não só do direito delitual mas também, como a hipótese do
negócio usurário, do direito contratual. Desde modo, foi reconhecido o significado normativo dos
enunciados ou proposições comparativas no direito e abriu-se a possibilidade de substituir os rígidos
enunciados «regra/excepção» por flexíveis e abertas relações «quanto mais/mais».
Em tempos de uma cada vez mais deplorada avalancha legislativa, este acesso metodológico para a
superação de complexas questões jurídicas, é – agora como antes, e em alto grau – actual, pois mostra um
caminho para «evitar a inevitável casuística» de normas rígidas conformadas segundo o esquema da
conexão entre hipótese e consequência.”
20
Pedro, Rute Teixeira, Responsabilidade civil do médico – Reflexões sobre a noção da perda de chance
e a tutela do doente lesado, Coimbra Editora, 2008
21
Leitão, Menezes, Direito da Obrigações, Vol I, 10ª Edição, Almedina, 2013
22
Gomes, Júlio, Em torno do dano da perda de chance - algumas reflexões, Studia Iuridica, 91, Estudos
em Homenagem ao Professor Doutor António Castanheira Neves, Vol II, Direito Privado, Coimbra
Editora, 2008
Pág. 17
Diz este autor que “(…) que, quando a chance ou oportunidade se tenha
‘densificado’ e fosse mais provável a sua realização do que a sua não verificação, se
considere existir já um lucro cessante suficientemente ‘certo’ para que a fixação do seu
montante possa ser feita pelo tribunal recorrendo à equidade …)”23, reconhecendo
deste modo que na perda de chance estamos perante uma hipótese de lucros cessantes e
que para efeitos de calculo de indemnização se deve ter em conta o grau de
aleatoriedade relativa à possibilidade de concretização da chance, não fora o facto
ilícito.
Como se viu para alguns autores a perda de chance, não tem entre nós base
jurídico positiva enquanto para outros o caminho está na consideração de um dano
autónomo, para outros ainda a aceitação da teoria tem de levar a uma revisão da teoria
da causalidade adequada e tratam o assunto como uma hipótese de lucros cessantes.
Estando ainda longe uma teoria que harmonize os pressupostos e facilite a
aplicação da doutrina da perda de chance.
Em conclusão e depois de tudo o que fica dito, a perda de chance traduz-se numa
tutela antecipada de bens jurídicos protegidos e desta forma providenciam-se soluções
justas para o caso concreto.
Existem desde sempre uma série de situações em que o sujeito tem a
probabilidade de obter uma vantagem ou evitar uma perda e que por um acto de terceiro
essa oportunidade se desvanece. Este terceiro, responsável pela sua conduta activa ou
omissiva que frustra a esperança concreta, certa, presente, real da vítima não deve ficar
impune.
23
Gomes, Júlio Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance, Cadernos de
Direito Privado, II Seminário dos Cadernos de Direito Privado, “Responsabilidade Civil”, nº especial
02/Dezembro 2012, e Sobre o dano da perda de chance, Direito e Justiça, XIX, 2005, tomo II.
Pág. 18
4 - Aplicação da ideia de “Perda de Chance” relativa ao mandato
forense na Jurisprudência portuguesa.
O mandato forense é um contrato de mandato atípico, sujeito às regras dos
artigos 1157º e seguintes do C. C., e dos Estatutos da Ordem dos Advogados, o
patrocínio judiciário destina-se a garantir um interesse de ordem pública.
O mandatário forense tem uma obrigação de meios ou de diligência e não de
resultado, ele obriga-se a desenvolver uma actividade com todo o zelo e utilizando os
seus conhecimentos técnicos para encontrar a solução jurídico-legal adequada.
A violação destes deveres gera em regra responsabilidade contratual perante o
cliente, mas se o incumprimento incidir sobre outro dever não integrado
especificamente no contrato de mandato forense a responsabilidade para com o cliente
pode ser aquiliana ou extracontratual.
O direito a uma indemnização pela perda de chance, no caso dos profissionais
forenses tem de ser feita de acordo com o grau de probabilidade de sucesso no litigio em
questão e de forma a que se conclua que essa oportunidade ficou por via da acção ou
omissão do advogado irremediavelmente perdida.
Vamos fazer uma análise de casos da jurisprudência do Supremo Tribunal de
Justiça em que foi aflorada a ideia de perda de chance a propósito do mandato forense.
I – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 1ª SECÇÃO, Processo
2622/07.OTBPNF.P1.S1Relator Conselheiro SEBASTIÃO PÓVOAS de 29-042010:
PERDA DE CHANCE; EXPECTATIVA JURÍDICA; MANDATO
FORENSE; ADVOGADO; DANO NÃO PATRIMONIAL
O acórdão no que respeita à perda de chance diz o seguinte:
“Aqui chegados, afigura-se chamar, de novo, os pontos de facto que relevam
para a decisão: os recorridos constituíram seu mandatário judicial o advogado
recorrente para intentar acção destinada a lograr o cumprimento de um contratopromessa; a acção foi proposta e os recorridos viram absolvidos do pedido os, ali,
Réus e foram condenados a ver perdido o sinal passado, no montante de 4.000.000$00;
pretendendo impugnar essa sentença, comunicaram tal propósito ao recorrente,
entregaram-lhe a título de provisão 100.000$00; o recorrente interpôs recurso que foi
admitido; mas, não tendo alegado, o mesmo foi julgado deserto e os recorridos
condenados nas custas do incidente; só após a notificação do despacho a declarar a
deserção, o recorrente lhes comunicou que não alegara por, na sua perspectiva o
recurso ser inviável; tal provocou nos recorridos “um desconforto geral””.
Pág. 19
Os recorrentes consideraram que o réu deveria ser condenado e nessa medida
deveria indemniza-los pela perda da chance de verem a sua pretensão apreciada por um
segundo grau de jurisdição.
O STJ no ponto 11 do Sumário conclui que “Se um recurso não foi alegado, e
em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de
oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é
sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais
dos julgadores chamados a reapreciar a causa.”
Apreciação crítica da fundamentação:
- O que salvo melhor entendimento os Senhores Conselheiros fazem, é não
considerarem o dano da perda de chance como um dano autónomo, fazendo apenas
referência à falta de prova do nexo causal entre o comportamento do advogado e esse
dano final.
Se o tribunal conseguisse provar que o recurso tinha uma probabilidade muito
forte de resultar no ganho da acção, estaríamos perante um problema que facilmente se
resolveria com recurso à teoria da causalidade adequada do artigo 563º do C. C. estariam preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil.
Do mesmo modo, caso as probabilidades fossem demasiado reduzidas teria de se
concluir pela irresponsabilidade do mandatário.
Mas no caso em análise o tribunal não conseguiu projectar nenhum resultado
previsível do recurso para que se possa constatar ou não a existência do nexo causal
entre o facto e o dano, e é precisamente nestes casos que deve ser chamada a intervir a
ideia de perda de chance, não para ressarcir o dano final, mas sim ressarcir a perda da
possibilidade de ver a pretensão analisada por um tribunal superior, que eventualmente
revogasse a decisão.
II – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 7ª SECÇÃO, Proc.
78/09.1TVLSB.L1.S1, Relator Conselheira MARIA DOS PRAZERES PIZARRO
BELEZA de 14-03-2013:
ADVOGADO, MANDATO FORENSE, PERDA DE CHANCE,
RESPONSABILIDADE CIVIL, OBRIGAÇÃO DE MEIOS, NEXO DE
CAUSALIDADE, TEORIA DA DIFERENÇA, DANOS PATRIMONIAIS,
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
O presente acórdão no que diz respeito à perda de chance apresenta a seguinte
factualidade:
Os autores alegaram prejuízos sofridos em virtude de o advogado (réu) não ter
cumprido, culposamente, as obrigações decorrentes do contrato de mandato forense que
Pág. 20
com ele celebraram, para os representar na acção, contra eles proposta, não
apresentando, apesar de para tanto ter sido notificado, o “requerimento de meios de
prova” e assim provocando “irremediavelmente” a “derrota naquele processo, ie, a
sucumbirem quer no pedido quer na reconvenção”.
Tratava-se de uma acção na qual a (então) autora pedira a condenação dos réus
(agora autores) na restituição de uma moradia, situada em Lisboa, que lhes fora
entregue “na sequência de um contrato-promessa de permuta/compra e venda”, e no
pagamento do montante correspondente à renda que poderia ter auferido desde a
resolução do contrato, estimada em 350.000$00 por mês. Nessa acção, os (então) réus,
para além de se defenderem, invocando incumprimento da autora, tinham pedido a sua
condenação na devolução em dobro do sinal que prestaram, 30.000.000$00 (15.000$00
x 2), (€ 149.639,37), e no pagamento de uma indemnização de 5.000.000$00 por
litigância de má-fé. Foram, porém, condenados, em 1ª instância, “a entregar o prédio
(…) à autora”, sendo “absolvidos na restante parte do pedido (condenação no
pagamento de uma indemnização)”, e ainda, já na Relação, a pagar “uma indemnização
a liquidar em execução de sentença desde 22 de Setembro de 1992 até efectiva entrega
do imóvel, considerando como ilícita a ocupação do mesmo por parte dos réus”. A
reconvenção foi julgada improcedente.
Afirmam, portanto, que a actuação do réu teve como consequência: a perda do
direito à restituição em dobro do sinal prestado (€ 149.639,37), garantido por direito de
retenção; a possibilidade de virem a ser executados pelo montante de € 223.461,46
(ocupação do imóvel); a perda da oportunidade de verem a sua pretensão apreciada
judicialmente;
O STJ considera que só se pode levantar o problema da perda de chance quanto
à questão da restituição do sinal em dobro, já quanto ao direito de retenção, “…pode
ter-se como seguro que os autores não tinham qualquer chance de lhes ser reconhecido
o direito de retenção que invocaram, para garantia do direito à devolução do sinal em
dobro, na acção em que foram réus. Esta afirmação não resulta de nenhum juízo sobre
o regime aplicável; mas sim da verificação de que, na acção concreta, a falta de
apresentação do requerimento de prova foi irrelevante para este efeito”.
Relativamente à restituição do sinal em dobro, o facto de o advogado não ter
apresentado o aludido requerimento probatório nos termos do artigo 511º do Código de
Processo Civil, foi de acordo com o tribunal motivo da não procedência do pedido. Diz
o tribunal que havia uma probabilidade de pelo menos 50% de procedência ou
improcedência do peticionado e daí que o facto ilícito (a não apresentação de prova)
tenha sido causa adequada do dano da perda da oportunidade de procedência da
excepção.
Mais decidiu que a indemnização deveria ser fixada segundo critérios de
equidade de acordo com o nº 3 do artigo 566º do CC.
Pág. 21
Na minha opinião, nesta decisão o STJ aplica correctamente a teoria da perda de
chance e isto porque a preocupação está em determinar o dano intermédio (o dano da
perda de chance) e só relativamente a este a verificação dos pressupostos da
responsabilidade civil.
O nexo de causalidade é entre o facto ilícito e o dano da perda de chance (não o
dano final) não se verificando assim qualquer aplicação menos ortodoxa do nexo causal,
mas apenas uma extensão do conceito de dano reparável.
Quanto à indemnização, o facto de esta ser calculada em função do dano final
não significa que se esteja a conceder uma indemnização parcial em violação do artigo
562º do CC que consagra o princípio da reparação integral, porque sendo a perda de
chance um dano específico e autónomo a sua reparação terá também como medida a
extensão do próprio dano, sendo por isso também ela integral.
Em conclusão: o único nexo causal certo e provado é o que liga o facto ilícito às
oportunidades perdidas, e é este o prejuízo a reparar, e nesta medida é integralmente
reparado.
III – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 6ª SECÇÃO, Proc.
824/06.5TVLSB.L2.S1, Relator Conselheiro FONSECA RAMOS de 01-07-2014:
PERDA
DE
CHANCE,
RESPONSABILIDADE
CIVIL
EXTRACONTRATUAL, DANO AUTÓNOMO, PROBABILIDADE SÉRIA,
MANDATO FORENSE, ACÇÃO NÃO CONTESTADA, INCUMPRIMENTO,
INDEMNIZAÇÃO, DANO.
No presente acórdão parte-se da seguinte factualidade: o recorrente foi
interveniente num acidente de viação, tendo sido condenado no respectivo processocrime por condução sob o efeito do álcool.
Os danos resultantes do acidente de viação foram pagos pela companhia de
seguros, que em via de regresso veio exigir do recorrente o pagamento da quantia por si
despendida, atento o facto de ter sido dado como provado que este conduzia sob o efeito
do álcool.
Foi nomeada defensora oficiosa a recorrida que apresentou contestação fora de
prazo, tendo por isso sido dados por confessados fictamente os factos alegados pelo
autor e ordenado o desentranhamento da contestação.
“O recorrente sustenta que foi violado o seu direito à defesa e que a sua
condenação na acção de regresso que lhe moveu a seguradora, para haver a quantia
que pagou ao lesado em acidente de viação causado pelo facto do ora recorrente ter
sido considerado culpado por conduzir sob a influência do álcool, se deveu à actuação
da sua defensora oficiosa.”
Pág. 22
A discussão chamou à colação a figura da perda de chance
Para a decisão do STJ importou “saber se, revelando em si mesmo a não
apresentação da contestação, perda de chance do Réu fazer valer em juízo a sua versão
dos factos, essa omissão da Ré, profissionalmente desvaliosa, contendeu com um sério,
real e muito provável desfecho favorável da acção para o Autor.”
O STJ concluiu que ainda que a contestação tivesse sido tempestivamente
apresentada sempre o desfecho seria o mesmo – a condenação do réu.
Transcrevem-se de seguida as conclusões que de forma brilhante tratam o
problema da perda de chance
“1. A figura da “perda de chance” visa superar a tradicional dicotomia:
responsabilidade
contratual versus responsabilidade
extracontratual
ou
delitual, summa divisio posta em causa num tempo em que cada vez mais se acentua
que a responsabilidade civil deve ter uma função sancionatória e tuteladora das
expectativas e esperanças dos cidadãos na sua vida de relação, que se deve pautar por
padrões de moralidade e eticidade, como advogam os defensores da denominada
terceira via da responsabilidade civil.
2. A perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado
num seu direito de conseguir uma vantagem futura, ou de impedir um dano por facto de
terceiro. A dificuldade em considerar a autonomia da figura da perda de chance no
direito português, resulta do facto de ser ligada aos requisitos da responsabilidade civil
extracontratual – art. 483º, nº1, do Código Civil – mormente ao nexo de causalidade.
Com efeito, um dos requisitos da obrigação de indemnizar, no contexto da
responsabilidade civil ex contractu, ou ex delictu, é que exista nexo de causalidade
entre a conduta do responsável e os danos sofridos pelo lesado por essa actuação
culposa.
3. Para que se considere autónoma a figura de “perda de chance” como um
valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa
apreciar a conduta do lesante não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade – sem
que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito da
responsabilidade civil – mas, antes, introduzir, como requisito caracterizador dessa
autonomia, que se possa afirmar que o lesado tinha uma chance [uma probabilidade,
séria, real, de não fora a actuação que lesou essa chance], de obter uma vantagem que
probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a actuação omitida, se o
não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão
danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro,
ou se não se evita uma desvantagem por causa imputável a terceiro.
4. Não devem assimilar-se os planos do dano e da causalidade, com implicação
na perspectiva de excluir como dano autónomo a perda de chance, nem esta figura deve
ser aplicada, subsidiariamente, quando se não provou a existência de nexo de
Pág. 23
causalidade adequada entre a conduta lesiva por acção ou omissão e o dano sofrido, já
que existe sempre uma álea, seja quando se divisa uma vantagem que se quer alcançar,
ou um risco de não conseguir o resultado desejado.
5. No caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado
querido, mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado
por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar
lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final
esperada.
6. Assente que a Ré, como defensora oficiosa, apresentou a contestação em
nome do Réu, fora do prazo legal. Essa omissão teve como consequência, desde logo, o
terem-se por fictamente confessados os factos alegado pelo Autor, não implicando
automaticamente a condenação no pedido.
7. Importa saber se, revelando em si mesmo a não apresentação da
contestação, perda de chance do Réu fazer valer em juízo a sua versão dos factos, essa
omissão da Ré, profissionalmente desvaliosa, contendeu com um sério, real e muito
provável desfecho favorável da acção para o Autor.
8. O Autor/recorrente foi condenado por sentença transitada em julgado por ter
provocado um acidente de viação enquanto condutor sob a influência de álcool.
9. Tudo ponderado, mormente a presunção do art. 674º-A do Código de
Processo Civil, teremos que afirmar que, com contestação ou não, na acção de
regresso, as probabilidades, as chances do Réu (ora Autor/recorrente) não ser
condenado, não se anteviam providas de razoável grau de êxito, no sentido em que,
ante a prova que pudesse oferecer não teria reais probabilidades de ser absolvido;
ademais, fora condenado por duas sentenças transitadas em julgado no que respeita à
sua grave conduta causadora de um acidente de viação causalmente ligado ao facto
criminoso de conduzir sob a influência do álcool.
10. A sua “chance” de não ser condenado era mínima, não credível e, por isso,
não se pode afirmar que a conduta omissiva e censurável da Ré Advogada tenha sido a
causa directa, imediata de não ter sido absolvido na acção de regresso, implicando
perda dessa chance.”
Em conclusão foram apresentados três acórdãos que ilustram de forma clara o
que se passa na nossa jurisprudência no que concerne à perda de chance.
Dois acórdãos consideram não estarem preenchidos os requisitos para a
aplicação da perda de chance aos casos que foram submetidos ao tribunal. O primeiro,
na minha opinião, erradamente não aplica a teoria. Já neste ultimo caso a não aplicação
da perda de chance faz todo o sentido.
Pág. 24
A maioria dos acórdãos apesar de aceitarem a existência da teoria da perda de
chance, têm imensa dificuldade em visualizar claramente os seus pressupostos,
compatibiliza-la com a lei que temos e desta forma aplica-la.
O acórdão relatado pela Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza não só
admite a existência da teoria como a consegue compatibilizar com a lei vigente tendo-a
aplicado ao caso concreto.
A falta de lei na matéria, leva a que tanto a doutrina como a jurisprudência naveguem
em águas turvas.
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5- Posição adoptada e Conclusão.
Como já ficou dito a consciência de que o conhecimento humano é imperfeito e
limitado leva a que este só possa expressar-se em termos de probabilidades (e não de
certezas absolutas).
O novo paradigma da responsabilidade civil que tem um olhar mais atento sobre
a vitima e sobre a reparação do dano qualquer que ele seja, vê na teoria da perda de
chance uma tentativa de solucionar as injustiças de que enferma o tradicional modelo do
“tudo ou nada”.
Como se verificou, de entre as diversas versões que a teoria da perda de chance
vem apresentando ao longo dos anos, tanto no âmbito da doutrina como da
jurisprudência, uma coisa é certa, existem claramente dois entendimentos distintos - um
no plano do dano e outro no plano da causalidade.
Nos casos em que o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano final seja
de difícil prova (causalidade física), mas em que se torna evidente que existe no caso
um dano intermédio, uma chance perdida, chance esta, séria e real, que possa ser
reconhecida como uma entidade autónoma, economicamente valoravel, deve esta ser
ressarcida.
Têm razão os autores que colocam o problema da perda de chance no plano do
dano intermédio (dano da perda de chance). O dano final tem apenas relevância no
calculo da indemnização.
O dano, este tem de ser visto como um dano autónomo e independente do dano
final e em relação ao qual a doutrina tradicional da responsabilidade civil não sofre
qualquer alteração.
Em conclusão, emancipar o dano da perda de chance faz com que não seja
necessário desvirtuar qualquer pressuposto clássico da responsabilidade civil.
O nexo de causalidade é afirmado, não entre o facto danoso e o resultado final
que a vítima esperava alcançar, mas entre o primeiro e a perda de oportunidade de obter
o segundo, e cabe à vítima de acordo com o artigo 563º do Código Civil fazer a prova
do prejuízo que invoca.
Nos casos particulares da responsabilidade civil do advogado, no cumprimento
do mandato forense, este deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos
interesses do seu constituinte, dispondo de uma margem significativa de liberdade
técnica que carece de ser respeitada, mas nesse cumprimento não se inclui, pelo menos
em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses
diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide; trata-se,
como habitualmente se refere, de uma obrigação de meios, e não de resultado.
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Quando o advogado com a sua conduta ilícita faz o cliente perder a chance de o
resultado final poder ser, com um grau de probabilidade razoável, favorável, deve poder
ser responsabilizado por este dano intermédio e sê-lo na proporção dessa perda.
A jurisprudência portuguesa tem aplicado a teoria da perda de chance de forma
mais acentuada nestes casos de responsabilidade dos profissionais forenses.
Luís Medina Alcoz diz que a avaliação da probabilidade de sucesso no litigio em
questão, passa pela realização daquilo a que se tem chamado um juízo dentro de um
juízo, “o juiz está nestes casos obrigado a realizar uma representação ideal do que
teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado
avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo”.
Apesar de considerar que não há necessidade de qualquer alteração dos
pressupostos tradicionais da responsabilidade civil para a aceitação da teoria da perda de
chance, e que temos legislação suficiente para a adoptar, seria oportuno que no futuro a
consideração desta como um dano autónomo, viesse a ser consagrada explicitamente na
lei.
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Bibliografia
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Índice
A IDEIA DE “PERDA DE CHANCE” E A SUA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL EM
SEDE DE MANDATO JUDICIAL .............................................................................................. 1
1- Introdução ................................................................................................................................. 2
2 - A responsabilidade civil e as suas funções .............................................................................. 6
3 - Considerações gerais sobre a “Perda de Chance” .................................................................. 10
4 - Aplicação da ideia de “Perda de Chance” relativa ao mandato forense na Jurisprudência
portuguesa. .................................................................................................................................. 19
5- Posição adoptada e Conclusão. ............................................................................................... 26
Bibliografia ................................................................................................................................. 28
Índice ........................................................................................................................................... 30
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A ideia de “perda de chance” e a sua aplicação