LESÕES SLAP NO OMBRO Lesões SLAP no ombro* GLAYDSON GOMES GODINHO1, JOSÉ MÁRCIO ALVES FREITAS2, LUIZ MARCELO B. LEITE3, EDUARDO R.M. PINA4 RESUMO SUMMARY No período compreendido entre março de 1991 e março de 1998, 662 ombros, correspondendo a 657 pacientes, foram submetidos ao tratamento cirúrgico de desarranjos da articulação do ombro, por via artroscópica, nos Hospitais Ortopédico-AMR e Belo Horizonte. Foram identificadas 44 lesões SLAP (44 pacientes), isoladas ou associadas a outras patologias, correspondendo a um percentual de 6,6%. A associação mais freqüente foi com a instabilidade anterior (50%). Comparativamente, Stetson et al. identificaram 140 dessas patologias em uma revisão de 2.375 pacientes submetidos à artroscopia, portanto, com percentual de 5,9%. Os autores discutem a dificuldade do diagnóstico clínico, devido à forma de apresentação muito vaga dos sintomas, sugerindo, às vezes, a síndrome do pinçamento subacromial e, às vezes, um quadro de ombro doloroso por instabilidade oculta. O diagnóstico por imagens também é impreciso e tem variação muito grande no índice de acertos e de preferências entre os vários autores. A certeza diagnóstica só pode ser obtida com a artroscopia do ombro, através da qual os autores realizaram a reparação das lesões, utilizando apenas o desbridamento da lesão em 22 pacientes (55%), sutura translabral transglenóide em 1 (2,5%), miniparafusos e sutura labral em 9 (22,5%), ressecção da alça labral em 6 (15%) e nenhum procedimento em 2 (5%). Os resultados do tratamento, avaliados em 27 pacientes, de acordo com os critérios da UCLA, foram de 66,7% de excelentes e 33,3% de bons e o tempo médio de retorno ao esporte foi de 3,5 meses. SLAP lesions in the shoulder During the period between March 1991 and March 1998, 662 shoulders, corresponding to 657 patients, were submitted to a surgical treatment for shoulder articulation disorders through arthroscopy at the Hospital Ortopédico-AMR and Hospital Belo Horizonte. Forty-four SLAP lesions (44 patients) were identified, which were isolated or associated to other pathologies, corresponding to a percentage of 6.6%. The most frequent association was made with the anterior instability (50%). Comparably, Stetson et al. have identified 140 of these pathologies in a review of 2,375 patients submitted to arthroscopy, a percentage of 5.9%. The authors discuss the difficulty of clinical diagnosis due to the vague form of presentation of the symptoms, sometimes suggesting subacromial impingement syndrome or diagnosis of painful shoulder by occult instability. The image diagnosis is also imprecise and has great variation of accuracy rate and preference among many authors. The diagnostic certainty can only be obtained with the shoulder arthroscopy, through which the authors repaired lesions using lesion debridement in 22 patients (55%), trans-labrum trans-glenoid in 1 (2.5%), fixation labrum using mini-screw and labral suture in 9 (22.5%), labrum bucket-handle resection in 6 (15%), and absence of any other procedure in 2 (5%). The treatment results of 27 patients, according to the UCLA score rate, were 66.7% excellent and 33.3% good, and there was an average time of 3.5 months to resume sports activities. * Trab. realiz. nos Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte, em Belo Horizonte, MG. 1. Cirurg.-chefe do Grupo de Cir. do Ombro dos Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte – Belo Horizonte, MG. 2. Cirurg. do Grupo de Cir. do Ombro dos Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte. 3. Residente R4 em Cirurgia do Ombro. 4. Estagiário do Grupo de Cirurgia do Ombro. A investigação das lesões labrais esteve sempre presente nas observações de todos os estudiosos que tentaram compreender, especialmente, os aspectos anatômicos e fisiopatológicos da instabilidade do ombro. Se, por um lado, importantes relatos de lesões localizadas na porção ântero-inferior labral puderam ser feitas e correlacionadas com a clínica, graças a estudos anatômicos e achados cirúrgicos, o mesmo Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 5 – Maio, 1998 INTRODUÇÃO 345 G.G. GODINHO, J.M.A. FREITAS, L.M.B. LEITE & E.R.M. PINA não aconteceu com a metade superior do labrum e a inserção do tendão longo do músculo bíceps devido à dificuldade de abordar aquela região através dos acessos cirúrgicos clássicos. Também a dificuldade na obtenção de imagens bem definidas, mesmo com métodos modernos, como a ressonância nuclear magnética, fez com que se reservasse à artroscopia do ombro o grande mérito de estender o campo visual do cirurgião até espaços ainda pouco conhecidos, permitindolhe diagnosticar, estudar estática e dinamicamente e corrigir lesões que se apresentaram como “novas” dentro do conhecimento ortopédico. Dentro desse grupo de patologias, destacam-se as lesões que estão localizadas na parte ântero-superior, superior e póstero-superior do labrum, tomando-se como referência central a zona de inserção do tendão longo do bíceps que, exatamente devido a essa correlação anatômica, assume grande importância, por sua função estabilizadora dinâmica e, conseqüentemente, as lesões aí localizadas constituem fontes de sintomas e incapacidades para o paciente, especialmente o atleta jovem. Snyder et al. classificaram tais lesões em quatro tipos distintos e denominaram-nas SLAP lesions (superior labrum anterior and posterior)(22). Na clínica de artroscopia e cirurgia do ombro dos Hospitais Ortopédico e Belo Horizonte, temos desenvolvido uma linha de pesquisa médico-cirúrgica voltada para o estudo das lesões labrais superiores(11). O objetivo deste trabalho é mostrar a incidência das lesões SLAP, os métodos de diagnóstico, com ênfase para a artroscopia, as possibilidades cirúrgicas e a importante correlação com o trauma no ombro do esportista jovem. MATERIAL E MÉTODOS No período compreendido entre março de 1991 e março de 1998, 662 ombros, correspondendo a 657 pacientes, foram submetidos a cirurgia por via artroscópica, no Hospital Ortopédico-AMR e Hospital Belo Horizonte, para tratamento de desarranjos de sua articulação. Foram identificadas 44 lesões SLAP, presentes em 44 pacientes, isoladamente ou associadas a outras patologias, o que corresponde a um percentual de 6,6% dos ombros operados. Do total, excluímos os pacientes com menos de 6 meses de seguimento pós-cirúrgico, o que nos permitiu o estudo em um universo de 40 ombros em 40 pacientes. Vinte e sete pacientes foram submetidos a exame físico e exame radiográfico nas incidências em ântero-posterior em 346 Gráfico 1 – Distribuição dos pacientes segundo os tipos da lesão (I, II, III e IV), com destaque para a participação dos desportistas rotações neutra, externa e interna, perfil de Bernageau(5) e outlet view. Utilizamos a artrotomografia computadorizada (artro-CT) em 4 pacientes e a artrorressonância nuclear magnética (artro-RMN) em 6 outros. Não lançamos mão da artrografia simples ou da ecografia como métodos auxiliares para o diagnóstico. Esse mesmo grupo de 27 pacientes foi avaliado segundo os critérios clínicos da UCLA e serviram como base para a análise dos resultados cirúrgicos. Os demais pacientes foram entrevistados por telefone e acrescidos os dados contidos em seus prontuários e em fitas de vídeo contendo o documentário cirúrgico deles. Esse grupo, adicionado aos 27 anteriores, constitui nossa base do estudo epidemiológico. O seguimento mínimo foi de 6 meses e o máximo de 84, com média de 42,9 meses. A faixa etária variou de 18 a 46 anos, média de 30,6 anos. A incidência no sexo masculino foi de 33 ombros (82,5%) e, no feminino, de 7 ombros (17,5%). O lado dominante foi acometido 27 vezes (67,5%) e o nãodominante, 13 vezes (32,5%). Trinta e oito pacientes (95%) eram destros e 2 sinistros (5%). Vinte e seis pacientes eram desportistas (65%) (gráfico 1), 3 deles profissionais (7,5%), sendo 2 nadadores e 1 atleta de vôlei. Os restantes eram atletas de lazer ou ocasionais. Quatorze pacientes (35%) não praticavam esportes. As lesões foram classificadas segundo os critérios de Snyder(22), em tipo I quando existia apenas a fragmentação labral (fig. 1); tipo II, quando existia a desinserção labrum-glenoidal (figs. 2, 3 e 4); tipo III, caracterizada pela alça de balde Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 5 – Maio, 1998 LESÕES SLAP NO OMBRO Fig. 3 – Desenho esquemático do tipo II de lesão SLAP. Observar a desinserção labral superior. Fig. 1 – Desenho esquemático da lesão SLAP do tipo I Fig. 4 Diagnóstico artroscópico de uma lesão do tipo II. Setas indicando a zona de desinserção e fragmentação labral. G – glenóide, L – labrum, B – tendão longo do bíceps. Fig. 2 – RMN com diagnóstico do tipo II de lesão SLAP. Setas indicando a zona labral superior lesada. RESULTADOS labral (figs. 7 e 8); e tipo IV, com alça de balde estendendose ao tendão bicipital (fig. 9). A técnica cirúrgica empregada constou de inspeção articular e tratamento das lesões articulares associadas, desbridamento e regularização labrum-glenoidal apenas, sem fixação, em 22 pacientes (55%), sutura translabral-transglenóide em 1 (2,5%), sutura com uso de miniparafusos de 2,7mm em 9 (22,5%) (figs. 4, 5 e 6), ressecção da alça labral em 6 (15%) (figs. 7, 8 e 9) e, nada foi feito em 2 (5%), tratando-se apenas a lesão associada. Recentemente, tivemos a oportunidade de realizar a sutura da alça, em vez de sua ressecção simples, em 2 pacientes com lesão do tipo IV, ambos não fazendo parte desta série por terem menos de 6 meses pós-cirúrgicos. Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 5 – Maio, 1998 Em 9 pacientes (22,5%), a suspeita diagnóstica foi feita em bases clínicas, em 6 (15%) foi realizado estudo por ressonância nuclear magnética e destes, apenas 2 (33,3%) evidenciavam a imagem da lesão (fig. 2). Em apenas 1 paciente o diagnóstico foi feito através de artrotomografia computadorizada, enquanto em outros 3 o exame foi negativo. O tipo I foi identificado em 6 pacientes (15%), tipo II em 23 (57,5%), tipo III em 9 (22,5%) e tipo IV em 2 (5%) (gráfico 2). A lesão SLAP apresentou-se isoladamente em 7 pacientes e em associação com outras patologias nos 33 restantes. Entre as patologias associadas, a tendinite calcária esteve presente em 5 ombros (12,5%), luxação recidivante anterior em 20 (50,0%), subluxação recidivante em 1 (2,5%), síndrome 347 G.G. GODINHO, J.M.A. FREITAS, L.M.B. LEITE & E.R.M. PINA Fig. 5 – Imagem artroscópica do labrum superior reinserido com sutura anterior e posterior à inserção do tendão bicipital. G – glenóide, U – cabeça do úmero, BL – tendão longo do bíceps. Fig. 8 – Imagem artroscópica de uma lesão do tipo III. Setas indicando a separação da alça labral. L – labrum. Fig. 6 – Controle radiológico pós-cirúrgico da fixação labral observada nas figs. 2, 4 e 5. Setas indicando os miniparafusos inseridos no pólo superior da glenóide. Fig. 9 – Imagem artroscópica de uma lesão do tipo IV à esquerda e desenho esquemático (N. Walch), no alto à direita. U – cabeça do úmero, B – tendão longo do bíceps, G – glenóide. Setas indicando a separação da alça. Fig. 7 – Desenho esquemático de uma lesão do tipo III do impacto na fase II em 6 (15%) e ruptura do manguito rotador em 1 (2,5%). Em 28 pacientes (70%) houve associação com história de trauma, 20 dos quais com luxação glenumeral anterior e 1 subluxação. 348 A distribuição dos tipos da lesão dentro do grupo de portadores de instabilidade glenumeral anterior traumática (luxação e subluxação) mostrou a seguinte freqüência: tipo I com 1 paciente (4,8%), tipo II com 11 (52,4%), tipo III com 8 (38,0%) e tipo IV com 1 (4,8%) (gráfico 3). Os resultados, segundo os critérios da UCLA, utilizados na avaliação de 27 pacientes, foram 18 (66,7%) excelentes e 9 (33,3%) bons. Um paciente apresentou recidiva pós-cirúrgica da luxação, mas a artroscopia evidenciou completa cicatrização labrum-glenoidal. Nos ombros que apresentaram lesão SLAP isoladamente, o tempo médio decorrido entre o início dos sintomas e a cirurgia foi de 16,3 meses, com mínimo de 6 e máximo de 36 meses. O tempo médio de retorno ao esporte foi de 3,5 meses, mínimo de 1 mês e máximo de 10 meses. DISCUSSÃO A discussão quanto ao grau de participação das lesões labrais nas patologias do ombro, especialmente no que concerRev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 5 – Maio, 1998 LESÕES SLAP NO OMBRO Gráfico 2 – Freqüência dos diferentes tipos da lesão Gráfico 3 – Relação percentual entre portadores de instabilidade anterior do ombro (luxação e subluxação) e tipos da lesão ne à importância do labrum para a estabilidade do ombro, faz parte das inquietações daqueles que ao longo do tempo vêm-se ocupando do estudo desta articulação(1,3,8,9,13,20). Com o advento da artroscopia, novos horizontes foram abertos e o conhecimento de novas patologias e suas correlações com sintomas e perdas funcionais do ombro passou a ser um novo desafio. Andrews & Carson(1) relataram a ocorrência de lesões labrais ântero-superiores, mas sem a extensão ao labrum posterior e com incidência de 9,7% de rupturas parciais do bíceps. Os autores acreditavam que tal lesão fosse causada por tração repetitiva no bíceps, como conseqüência de movimentos de arremesso. Reeves(18) e Perry(16) demonstraram que em jovens com menos de 25 anos a fixação do labrum ao osso é mais frágil do que aquela da cápsula e tendão subescapular. Concluem, assim, que luxações nessa faixa etária tendem a romper a ligação labrum-glenoidal, raciocínio que podemos estender às lesões labrais superiores. Burkhead(6) estudou a vascularização labral e demonstrou que o aporte vascular ao labrum é muito rico, exceto no labrum superior, o que pode explicar a evolução da lesão SLAP pela dificuldade de cicatrização após um trauma maior ou pela repetição de microtraumas locais. Rodosky et al.(19), Hunter et al.(12) e Snyder et al.(22) demonstraram que o mecanismo de desaceleração realizado pelo bíceps do atleta arremessador causa tração excessiva no la- brum superior. Demonstrou-se, em laboratório de biomecânica, a importância da ação normal do bíceps, agindo principalmente durante a abdução e rotação externa como protetor do mecanismo labrum-ligamentar glenumeral inferior, mecanismo este que entra em falência progressiva quando se estabelece a lesão na inserção do tendão bicipital no labrum superior (lesão SLAP), como demonstrado experimentalmente(19). As lesões que acometem as porções ântero-súpero-posteriores do labrum glenoidal, SLAP lesions, como descritas por Snyder et al.(22) e Stetson et al.(23), constituem um grupo de lesões de origem traumática, freqüentemente associadas com outras patologias intra e extra-articulares, traumáticas ou não, com incidência na população mais jovem e ativa. São de diagnóstico extremamente difícil, pois apenas a dor, sem precisão topográfica, é um achado constante, enquanto sua presença localizada no tendão longo do músculo bíceps é infreqüente. Infreqüentes também são os estalidos intra-articulares que, quando associados à dor, história de trauma com apoio no membro superior com extensão do cotovelo, e ombro em flexão de 70 graus e abdução de 30 graus(22), ou em atletas arremessadores(19,22), assumem importância na pesquisa clínica. Lembrar, contudo, que estalidos articulares são muito freqüentes em ombros normais. O teste clínico realizado com o cotovelo estendido, antebraço pronado e em adução passando da linha média do tórax (cross chest adduction test) tem sido advogado por al- Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 5 – Maio, 1998 349 G.G. GODINHO, J.M.A. FREITAS, L.M.B. LEITE & E.R.M. PINA guns autores(4). Nesse teste, há manifestação de dor profunda, localizada no sulco intertubercular, a qual desaparece com o antebraço supinado. Esse sinal é de utilidade também para o diagnóstico diferencial com patologias acromioclaviculares. O teste de compressão-rotação, realizado em posição supina, com o membro superior em 90 graus de abdução, 90 graus de flexão do cotovelo, fazendo-se compressão articular com movimentos de rotação, objetiva capturar a alça labral, provocando um ressalto articular. A realização do teste de tensão do bíceps (palm up test) é de utilidade e evidencia o grau de participação desse músculo na patologia. Wright & Hawkins(25) descreveram o teste do deslizamento anterior (AST) realizado com as mãos posicionadas nos quadris, polegar para trás e o examinador estabilizando a escápula com uma das mãos, enquanto a outra é colocada no cotovelo, resistindo à força de impulsão realizada para cima e para trás pelo paciente. A suspeita diagnóstica é baseada na presença da dor ou clique durante o esforço. O teste mostrou sensibilidade de 78,4% e especificidade de 91,5%, mas não confirma o diagnóstico. A presença como patologia associada deve ser sempre lembrada nos portadores de instabilidade anterior traumática. Enfim, o quadro clínico, muito impreciso, assume aspectos que confundem, ora com o diagnóstico de tendinite do supraespinhoso, ora com o ombro instável doloroso “oculto”, como atestam Cordasco et al.(8) e até mesmo com as patologias acromioclaviculares(4). Como métodos auxiliares de diagnóstico por imagem, a radiografia simples ou contrastada não é eficaz. A ecografia também não tem valor(14). Para LaBan et al.(14), a artroscopia do ombro, tomografia computadorizada, artrografia e RMN têm sensibilidade e especificidade relativamente iguais na visibilização da lesão labral. Para alguns autores(5,12,15), a artrotomografia computadorizada é freqüentemente a técnica mais indicada devido à definição e secção fina que podem ser obtidas. Utilizamos a artrotomografia computadorizada em 4 pacientes, com apenas uma confirmação diagnóstica. Bernageau(5) assegura que a artro-RMN é mais eficaz e deve constituir a técnica do futuro, afirmando ainda que a demonstração e interpretação da lesão SLAP é difícil, particularmente nos tipos I e II, e que a análise do labrum glenoidal é limitada. Cartland et al.(7), baseados em estudo realizado em 10 pacientes nos quais a RMN não permitiu o diagnóstico em nenhum deles, concluem que esse é um exame 350 sem especificidade e sensibilidade. Smith et al.(21) realizaram estudo por RMN em 6 pacientes que também foram submetidos a artroscopia do ombro. Encontraram 4 lesões SLAP, mas somente 1 apresentou suspeita baseada em dados clínicos pré-operatórios. Field & Savoie(10) detectaram a lesão por intermédio da RMN em 4 de 13 pacientes examinados. Para Snyder et al.(22), a RMN e a artrotomografia ajudam no diagnóstico, mas não têm definição acurada. Utilizamos a artro-RMN para pesquisa diagnóstica em 6 pacientes, com confirmação em 2 (33,3%). A definição diagnóstica foi feita sempre através da artroscopia, como recomendado por vários autores(7,22,25). Stetson et al.(23) identificaram 140 lesões SLAP em uma revisão de 2.375 pacientes submetidos a artroscopia do ombro (5,9%). Curiosamente, nossos índices se aproximam muito disso, já que identificamos 44 lesões SLAP em 662 ombros, ou seja, 6,6%. A proporção semelhante pode ser um indicador de que a capacidade de diagnóstico do grupo de trabalho condiz com um nível de experiência bastante satisfatório. O diagnóstico não é fácil e pode passar despercebido, ou confundir-se com aspectos que são variáveis da anatomia normal, como a inserção regular, porém frouxa, do labrum, a forma labral meniscóide, ou a fragmentação labral comumente vista em pacientes na faixa etária acima de 50 anos de idade e que constitui lesão degenerativa e não lesão SLAP. Por esses motivos, os tipos I e II são os de diagnóstico diferencial mais difícil, especialmente nas faixas etárias mais altas, como ocorre no ombro doloroso do atleta sênior. Em nossa revisão, lesões SLAP apresentaram-se isoladamente em 7 pacientes e em associação com outras patologias nos 33 restantes, o que demonstra a importância do reconhecimento e abordagem concomitante dessa lesão. As patologias associadas são de etiologias as mais variadas: traumáticas, inflamatórias e degenerativas. Contudo, é freqüente a correlação com a instabilidade anterior de origem traumática (21 ombros, ou 52,5%) (gráfico 3). Warner et al.(24) encontraram 9 lesões SLAP em 585 artroscopias (1,5%) e dessas, 7 (77,8%) estavam associadas com lesão de Bankart e luxação recidivante. Muita ênfase tem sido dada à importância do tratamento da lesão SLAP concomitante com o tratamento artroscópico da instabilidade anterior do ombro, como um dos fatores que têm levado a redução nos índices de recidivas pós-cirúrgicas(23). Quando analisamos a freqüência dos tipos da lesão associados com luxação e subluxação, observamos que o tipo II foi o mais freqüente (52,4%) (gráfico 3). Contudo, em análiRev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 5 – Maio, 1998 LESÕES SLAP NO OMBRO se individualizada dos tipos, observamos que, dos 9 casos do tipo III, 8 (88,9%) apresentaram essa correlação e 1 dos 2 portadores do tipo IV, também (50%). Quanto ao tratamento, Snyder et al.(22) e Stetson et al.(23) recomendam a realização apenas do desbridamento do tecido degenerado no tipo I, desbridamento e sutura com fixação labrum-glenoidal no tipo II, desbridamento com fixação labral na glenóide e sutura da alça de balde no tipo III, alternativamente podendo apenas ressecar-se a alça (figs. 7, 8 e 9). Procedimento semelhante é realizado para o tipo IV. Para a fixação e sutura, esses autores utilizam miniparafusos de 2,7mm fixados em fios inabsorvíveis nº 2. O tratamento da lesão de Bankart, quando presente, é feito da mesma maneira, fixando-se o labrum ântero-inferior com 3 ou 4 miniparafusos e sutura. Temos realizado os mesmos procedimentos recomendados por Snyder(22) (figs. 4, 5, 6, 7, 8 e 9), inclusive com sutura da alça nos tipos III e IV. Não temos experiência com o uso de âncoras absorvíveis, usadas por alguns autores(2). Stetson et al.(23) encontraram 77% de bons ou excelentes resultados, 19% de razoáveis e 4% de pobres, enquanto os nossos situaram-se apenas nas faixas de excelentes e bons (66,7 e 33,3%, respectivamente), mas com um contingente muito menor de pacientes avaliados. O tempo médio de retorno ao esporte foi de 3,5 meses, mas, dos 3 atletas profissionais (2 nadadores e 1 atleta de vôlei), apenas 1 (nadador) voltou ao nível anterior. Um dos atletas de vôlei abandonou o esporte, devido a uma lesão ligamentar no joelho e não ao resultado cirúrgico do ombro, que está assintomático. CONCLUSÃO As lesões SLAP têm origem traumática, são causadas por mecanismo de queda com apoio do membro superior em abdução do ombro de 30 graus e flexão de 70 graus, podem ser conseqüência de tração exercida pelo tendão bicipital no labrum no esforço do arremesso, ou podem ser conseqüência de outros mecanismos de trauma ainda não conhecidos ou reproduzidos em laboratórios. Caracteristicamente, ocorrem na população de faixa etária mais jovem e desportista e têm importante correlação com a instabilidade anterior do ombro, devendo ser sempre identificadas e tratadas simultaneamente com a correção da instabilidade. O diagnóstico clínico é extremamente difícil e as queixas de dor e incapacidade progressiva são muito vagas. A tendinite do tendão longo do bíceps, associada a ressaltos articuRev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 5 – Maio, 1998 lares, pode sugerir o diagnóstico. Muito embora a artrotomografia computadorizada seja advogada por alguns autores, a artrorressonância nuclear magnética deve vir a ser o método de diagnóstico por imagens com maior índice de acerto. O único método seguro de confirmação diagnóstica é pela artroscopia, através da qual pode-se também realizar a regularização labral e/ou sutura com fixação labrum-glenoidal, com a qual se obtém alto índice de excelentes e bons resultados quanto ao alívio da dor e para a completa recuperação funcional para os esportes. REFERÊNCIAS 1. Andrews, J.R. & Carson, W.G.: The arthroscopic treatment of glenoid labral tears in the throwing athlete. Orthop Trans 8: 1994. 2. Arciero, R.A.: Arthroscopic anterior instability repair, Instructional Course Lecture # 334, AAOS Annual Meeting, New Orleans, 21 March 1998. 3. Bankart, A.S.B.: Recurrent or habitual dislocation of the shoulder joint. Br Med J 2: 1132-1133, 1923. 4. 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