OS ASPECTOS QUE NORTEIAM O FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO FELIPE EPAMINONDAS DE CARVALHO Advogado no Rio de Janeiro e em Brasília. Sócio do Escritório Carvalho, Bastos & Advogados Associados. Pós-graduado em Advocacia Pública pela UERJ. Especialista em Direito Tributário e Previdenciário. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Previdência Social. 2.1. O surgimento da Previdência Social. 2.2. A evolução histórica da Previdência Social no Brasil. 2.3. Natureza Jurídica. 2.4. Princípio que norteiam a Previdência Social. Conclusão. 2.5. Regimes Previdenciários Públicos. 3. Custeio do Regime Geral de Previdência Social. 3.1. Natureza Jurídica das Contribuições Sociais. 3.2. Os Contribuintes da Seguridade Social. 4. O Seguro de Acidentes do Trabalho – SAT. 4.1. Os beneficiários do SAT. 5. O Fator Acidentário de Prevenção – FAP. 5.1. Metodologia. 5.2. Natureza Jurídica. 5.3. O FAP e o princípio da reserva legal tributária. 5.4. O FAP e o princípio da tipicidade tributária. 5.5. O FAP e o princípio da anterioridade tributária. 5.6. O FAP e o princípio da proporcionalidade. 5.7. Análise pretoriana do FAP. 6. Conclusão. 7. Notas. 8. Referências. 1 INTRODUÇÃO O presente estudo pretende uma reflexão capaz de proporcionar aos advogados, juízes e estudantes um aprofundamento sobre o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) abordando sua natureza jurídica, metodologia e aplicação. Em síntese, o Fator Acidentário de Prevenção consiste num multiplicador variável (0,50 a 2,00) de acordo com índices de frequência, gravidade e custo do benefício acidentário decorrente da atividade da empresa, podendo ensejar redução ou aumento na alíquota do Seguro Acidentes do Trabalho (SAT), consequentemente, no valor da contribuição previdenciária a ser recolhida. O debate jurídico então proposto está adstrito à possibilidade ou não do Fator Acidentário de Prevenção poder agravar a carga tributária do contribuinte, estudando a sua aplicação frente aos princípios que regem o Direito Tributário e Previdenciário. Antes de adentrar no núcleo do estudo, é necessário abordar os meandros da Previdência Social, mesmo que de forma superficial. Com isso, nos capítulos iniciais é feito um esboço sobre o surgimento, evolução histórica, natureza jurídica, princípios e regimes do sistema protetivo brasileiro. Somente após a abordagem desses temas é possível analisar o FAP. A organização do trabalho dessa forma possibilita o entendimento do tema por todos os envolvidos na vasta e complexa ciência jurídica. Mesmo aqueles que nunca tiveram proximidade com as áreas do Direito Previdenciário e do Direito Tributário podem ─ da forma como está esquematizado ─ assimilar o estudo e proporcionar debates na sociedade. 2 A PREVIDÊNCIA SOCIAL 2.1 O surgimento da previdência social1 O Direito Social representa uma evolução e uma das maiores conquistas da humanidade, onde está inserido o Direito Previdenciário, que é um ramo da ciência jurídica relativamente novo, isso se compararmos com o Direito Civil, que remonta à Roma antiga. A história do Homem contemporâneo está entrelaçada com a evolução dos direitos sociais, que foram sendo conquistados com muito suor e bastante sangue demonstrada através das inúmeras revoluções, tendo como seu marco inicial a Revolução Francesa de 1789. Mas logo ficou claro para todos os revolucionários que a liberdade e a igualdade - muitas vezes com pouca fraternidade - não são direitos facilmente conquistados, para angústia destes e alívio da classe chamada de opressora, 1 O presente item do trabalho tomou como base o Capítulo II da obra de Arnaldo Süssekind, Curso de Direto do Trabalho, Editora: Renovar, 2ª Edição (2004), onde esboça sobre a formação histórica e ideológica do Direito do Trabalho. que um dia chegou a ser oprimida, ou seja, os revolucionários de hoje podem se tornar os opressores de amanhã. Assim, havia de se buscar outros meios de proteção aos trabalhadores, já que a liberdade de escolha e o exercício da profissão não eram suficientes para afastar todos os tormentos da vida, principalmente, quando estes são atingidos pela idade avançada ou doenças que impedem o exercício da atividade laborativa escolhida. Foi no intuito de suprir essa preocupação que o empresário Robert Owen, um verdadeiro humanitário, considerado o pai do Direito do Trabalho, em 1800, passou a aplicar uma série de medidas sociais em sua fábrica de tecidos em New Lemark, na Escócia, que englobou a criação de uma caixa de previdência para a velhice e assistência médica. Esse foi o primeiro fundo previdenciário de que se tem notícia no mundo (SÜSSEKIND, 2004, pág. 16). A Igreja Católica, que era mais ativa politicamente, também teve um papel fundamental para disseminação dos direitos sociais em todo o mundo, e o instrumento utilizado foi a encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, em 1891. No entanto, foi com o Chanceler alemão Bismarck que o mundo viu nascer o seu primeiro sistema de seguros sociaisdurante os anos de 1883 até 1892 (período em que foram criados seguros para os acidentes de trabalho, invalidez e velhice). Na verdade, por trás de um ato socialista se escondia o objetivo visado, que era impedir a expansão das idéias de Marx e Engels que representavam um risco ao governo alemão e à boa parte da Europa. Ignorando o embate ideológico no surgimento do modelo Bismarkiano, tem-se que ressaltar que a partir desse momento, o Estado se tornou o garantidor de direitos sociais previdenciários — até então os regimes previdenciários que havia eram incentivados e mantidos pelo setor privado — e, em contrapartida passou a exigir, de forma compulsória, a filiação e o recolhimento das contribuições para o custeio do sistema protetivo. A primeira Constituição a mencionar o seguro social foi a do México de 1917, seguida da Constituição de Weimar de 1919, que também trazia regramentos sobre previdência. Na América Latina, os sistemas previdenciários mais antigos datam do início da década de 1920 e surgiram na Argentina, no Chile e no Uruguai. Em meados da década seguinte (1930), motivado pela Grande Depressão de 1929 — que foi a primeira grande crise econômica do mundo contemporâneo — os Estados Unidos da América (EUA) lançaram o Social Security Act, que entrou em vigor em 1940, sendo a sua primeira Lei de Seguridade Social. Em 1942, foi elaborado o Plano Beveridge na Inglaterra. Esse plano consistia num relatório formulado por uma comissão interministerial de seguro social e serviços afins, nomeada em julho de 1941, cuja finalidade era buscar alternativas para a reconstrução ao período pós-guerra. Ocorre que o Plano Beveridge conquistou seu espaço na historia, pois foi responsável pela origem da Seguridade Social, que ao contrário do modelo Bismarkiano — que estava afeto apenas ao seguro social — conduzia o Estado a elevar o seu nível de proteção às áreas de saúde e assistência social. 2.2 A evolução histórica da previdência social no Brasil2 No Brasil, a evolução histórica da proteção social seguiu os mesmos passos dos países europeus, ou seja, iniciou-se através dos esforços do setor privado que buscava diminuir os infortúnios da vida, se vinculando de forma voluntária aos seguros sociais criados. Exemplos mais antigos dessa proteção social relatados pela doutrina (encampada pelo Dr. Fábio Zambitte Ibrahim) são as “santas casas” que datam de 1543 e o montepio para a guarda pessoal de D. João VI criado com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. No final do século XIX, surgiram os “Socorros Mútuos” que se expandiram pelo país. Esses institutos visavam beneficiar os sócios de determinadas instituições 2 O presente item do estudo tomou como base o Capítulo I (item 7) da obra de Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de Direito Previdenciário, Editora Impetus, 15ª Edição (2010), onde esboça sobre a evolução histórica e legislativa da previdência social no Brasil. 3 Antes da Lei Eloy Chaves já havia o decreto-legislativo nº 3.724/19, que tratou sobre o seguro obrigatório de acidentes de trabalho. ou integrantes de uma classe profissional quando fossem atingidos por alguma enfermidade. A participação nesses “Socorros Mútuos” era voluntária e contributiva. A primeira Constituição brasileira que trouxe a expressão “aposentadoria” foi a promulgada em 1891. No entanto, limitou esse direito fundamental aos “funcionários públicos”. A aposentadoria, durante a vigência da Constituição de 1891, era um prêmio concedido pelo Estado ao servidor público pelos anos trabalhados sem exigir qualquer contrapartida financeira de sua parte. Esse privilégio odioso perdurou durante décadas até chegarmos ao regime previdenciário atual (Regime Próprio de Previdência de Servidores Públicos — RPPS), que ainda não é o ideal. Ainda na vigência da Constituição de 1891, foi editada a Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682 de 24 de janeiro de 1923) que determinou a criação de Caixas de Aposentadorias e Pensão para os empregados das empresas ferroviárias. Esse diploma legal ficou conhecido como o marco inicial da Previdência Social do Brasil, apesar de não ser a primeira lei que tratou do assunto previdenciário.3 A primeira empresa a criar uma caixa de aposentadoria e pensão foi a Great Western do Brazil, mais tarde rebatizada de Estrada de Ferro Santos-Jundia, e, daí, FEPASA. De 1923 até hoje, foram criados diversos órgãos, sendo que os primeiros deles surgiram em 1930 com a união das Caixas de Aposentadoria e Pensão, os IAPs — Institutos de Aposentadoria e Pensões, que “não estavam ligados a empresas, apenas as classes e categorias de trabalhadores, de âmbito nacional”, como afirma o Dr. Marcelo Leonardo Tavares4. A estrutura atual é diferente, posto que a participação do custeio da previdência social engloba o Governo e a Sociedade (Empresas e Empregados). Além 4 Direito Previdenciário, Editora: Lumen Iuris, 6ª Edição (2004), pág. 46. O art. 17 da Lei 8.029/90 autorizou o Poder Executivo a instituir o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. 5 disso, esses fundos eram fiscalizados pelo recém criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e hoje esse encargo é do Ministério da Previdência Social. No entanto, a unificação dos institutos públicos previdenciários só ocorreu em 21 de novembro de 1966 com o Decreto-Lei nº 72 que criou o Instituto Nacional da Previdência Social — INPS, que tinha a competência exclusiva para concessão e manutenção dos benefícios previdenciários (prestações pecuniárias), ficando a assistência médica a cargo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social — INAMPS, e a administração financeira, arrecadação, fiscalização e cobrança das contribuições sociais sob responsabilidade do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social — IAPAS. Ou seja, havia um excesso de órgãos, dificultando o controle dos gastos e prestação de um serviço com eficiência para a sociedade. Diante deste caos institucional, foi criado pelo Decreto nº 93.350/90 5 uma autarquia federal, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que surgiu da fusão do INPS com o IAPAS, centralizando os serviços públicos, haja vista que a descentralização exacerbada estava trazendo enormes entraves à gestão. Já a assistência médica foi transferida para o Ministério da Saúde que, pautado na Constituição de 1988, criou o Sistema Único de Saúde — SUS, extinguindo o INAMPS. Hoje a Previdência Social é regida basicamente pelas Leis nº 8.212/91 (trata do plano de custeio da seguridade social) e nº 8.213/91 (trata do plano de benefícios da previdência social), tendo o Decreto nº 3.048/99 como seu principal regulamento. O INSS continua existindo, mas sua atuação ficou limitada a gestão dos benefícios previdenciários, ficando a arrecadação das contribuições previdenciárias com a Receita Federal do Brasil. 2.3 Natureza jurídica A importância em identificar a natureza jurídica de um instituto se dá porque o sistema jurídico é composto de micro-partículas interligadas. Em se tratando de um sistema uno é salutar ordená-lo de uma forma que permita o desenvolvimento de cada área jurídica sem que haja uma ruptura com o próprio sistema. A doutrina enquadra um instituto em determinada espécie que é vinculada a um gênero, interligando o ordenamento jurídico. A Previdência Social está inserida como uma espécie de direito social, que para a doutrina tradicional é um direito fundamental de 2ª geração, pois impõe prestações positivas do Estado.6 No entanto, a Previdência Social é classificada no direito como uma espécie de seguro coletivo sui generis7, pois sua filiação é compulsória — assim como as contribuições para ela — e sua organização se dá pelo Estado, o que possibilita enquadrá-la no âmbito do direito público. O fato da filiação dos segurados ser compulsória aos regimes previdenciários públicos impõe uma relação jurídica institucional, e não 6 O prof. Ricardo Lobo Torres não concorda que todos os direitos sociais sejam jusfundamentais. Ele afirma que apenas os direitos sociais vinculados ao mínimo existencial é que seriam classificados como direito fundamental. Fora disso, “os direitos sociais máximos devem ser obtidos via do exercício da cidadania reivindicatória e da prática orçamentária, a partir do processo democrático.” Ou seja, esses direitos sociais máximos dependeriam da reserva do possível. Cf. Ricardo Lobo Torres, O Direito Ao Mínimo Existencial, 1ª Edição, Ed. Renovar – Rio de Janeiro/RJ, 2009. 7 É sui generis porque a modalidade de seguro disciplinada pelo Direito Civil é de filiação facultativa, mas no âmbito do Direito Previdenciário essa facultatividade ficou relegada a Previdência Complementar. 8 Resp 370.957/SC – EMENTA - PROCESSO CIVIL - PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COMPROVAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR – DOCUMENTOS EXPEDIDOS EM NOME DE PAI OU CÔNJUGE DO SEGURADO – AUSÊNCIA DE DIREITOS INDISPONÍVEIS - ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - VIOLAÇÃO AOS ARTS. 21, DA LEI 7.347/85, 6o, VII, "D", DA LC 75/93 E 81 E 82, DA LEI 8.078/90. A concessão ou não de benefício previdenciário, fundamentado em documentos expedidos por pai ou cônjuge do segurado objetivando a comprovação de exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, não é direito indisponível, mas, ao contrário, disponível, porquanto requer a provocação da parte interessada, uma vez que, sem este ato, a máquina Estatal sequer será instada a se manifestar acerca do interesse do particular. Outrossim, os beneficiários da Previdência Social que pleiteiam o benefício da aposentadoria, não estão enquadrados na definição de consumidor, de que trata o art. 2o, e seu parágrafo único, da Lei 8.078/90, tornando-se inaplicável, à espécie, os arts. 81 e 82, do citado diploma legal, bem como os arts. 21 da Lei 7.347/95 e 6o, VII, "d", da Lei Complementar n° 75/93. Violação configurada. Ilegitimidade do Ministério Público Federal para o caso em exame reconhecida, por tratar-se de direitos individuais disponíveis. Precedentes (REsp n°s 114.908/SP, 144.030/GO, entre outros). Recurso conhecido e provido. contratual, afastando qualquer aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)8. A compulsoriedade em relação às contribuições para o sistema previdenciário permite a viabilidade desse direito social que requer participação de toda a sociedade de forma solidária. 2.4 Princípios que norteiam a previdência social Com o avanço nas relações intersubjetivas, surgiram novos anseios na sociedade, tornando cada vez mais complexas as pacificações dos litígios, exigindo mais ainda da ciência jurídica. Em vista disso, foram surgindo novos segmentos (áreas) jurídicos para suprir as necessidades da sociedade moderna, que antes eram solucionados pelo Direito Civil, inclusive esse ramo jurídico tinha tamanha importância que seu Código chegou a ser denominado de “Constituição das Relações Privadas”. No entanto, essas novas áreas jurídicas ganharam autonomia e evoluíram de forma independente dos demais ramos da ciência jurídica. Essa autonomia começou a ser configurada quando foi possível identificar princípios singulares em determinado conjunto normativo. A teoria do Direito consolidou-se na ideia de que as normas jurídicas são um gênero que comporta duas grandes subdivisões: princípios e regras. A atuação e posicionamento dos princípios e das regras dentro do ordenamento jurídico sempre foram nebulosos para qualquer jurista, mas após a publicação dos estudos de Ronald Dworking e Robert Alexy 9 foi possível iluminar com um feixe de luzes a escuridão, guiando muitos juristas a partir de então. O princípio é a condensação de um valor ético que é transportado para o mundo jurídico. Ele possui ainda um grau de abstração maior do que uma regra, mas é menos abstrato que o próprio valor ético do qual nasceu. 9 Os trabalhos referidos são: Teoría de los derechos fundamentales de Robert Alexy e Taking rights seriously de Ronald Dworkin. Já a regra possui um grau de concretude mais acentuado, impossibilitando a sua flexibilização sem a ruptura de seu comando. O Prof. Luis Roberto Barroso10, guiado pelos estudos de Dworking e Alexy, elege 03 (três) critérios para distinguir princípio e regras, considerando: a) o conteúdo; b) a estrutura normativa; e c) o modo de aplicação. Pelo critério conteúdo, o princípio expressaria “decisões políticas fundamentais”, “valores” ou “fins públicos” a serem buscados. Ou seja, tais comandos teriam alto grau de abstração e muitos deles careceriam de uma regra para serem concretizados. Já as regras jurídicas seriam um comando objetivo trazendo no seu preceito todos os elementos para proibir ou permitir uma conduta. Com relação à estrutura normativa, os princípios são amoldados pelos ideais a serem atingidos sem estabelecer como isso acontecerá, ou seja, deixa grande margem ao interprete e ao legislador para determinar qual caminho irá tomar para atingi-lo. Em se tratando de regras, sua estrutura é diferente, pois a criação destas delimita todas as condutas a serem seguidas, que culminará no fim descrito na norma. Por fim, a distinção com relação ao modo de aplicação é que deixa nítida a diferença entre regra e princípio. As regras são aplicadas no modo do — se utilizando da expressão de Ronald Dworking — “tudo ou nada”. Isso significa que ao estabelecer uma conduta — proibitiva ou permissiva — não dar margem para seu cumprimento parcial, ou cumpre a regra como um todo ou irá infringi-la, isto é, aplica-se a técnica da subsunção. Daí a expressão utilizada por Robert Alexy ao dizer que “as regras são mandados ou comandos definitivos”. Já os princípios não se utilizam da técnica da subsunção, e sim da ponderação. Isso se dá porque os princípios indicam uma direção, um valor ou um fim, devendo ser buscado com maior intensidade possível. Por conta disso Robert Alexy os denomina de “mandados de otimização”. 10 Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, Editora: Saraiva, 2ª Edição (2010), págs. 204-212. Fazer a distinção entre norma-princípio e norma-regra é de suma importância para o tópico abordado, isso porque, como nos demais ramos jurídicos, o Direito Previdenciário é regido por princípios próprios que irradiam sobre todo o seu campo de atuação. Entretanto, muitas classificações adotadas pela doutrina atribuem o “título” de princípio quando na verdade são regras. Aqui iremos tentar dividir os princípios das regras para deixar o estudo em conformidade com as lições de Ronald Dworking e Robert Alexy. Os princípios que regem o Direito Previdenciário são, em sua maioria, extraídos do parágrafo único do art. 194 da Constituição da Republica Federativa do Brasil/88 - CFRB, e podem ser elencados da seguinte forma: a) Princípio da Solidariedade: esse princípio está inserido expressamente no art. 3º, I da Carta Magna como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, é um fim a ser buscado. Na seara do Direito Previdenciário, o princípio da solidariedade aparece como o principal vetor que gere todo o sistema de proteção social. A solidariedade nesse enfoque consistiria no pacto social firmado em prol da coletividade com o intuito de estender o manto protetivo a todos àqueles que estão sujeitos aos riscos sociais. É com base no princípio da solidariedade que se justifica a compulsoriedade de contribuição para o custeio da previdência social, inclusive dos aposentados. b) Princípio da Universalidade da Cobertura e do Atendimento: esse princípio — estampado no parágrafo único, inciso I do art. 194 da CRFB/88 — roga pela premissa de que todo cidadão tem direito público subjetivo de se inserir no sistema protetivo promovido pelo Estado. O princípio em questão é dimensionado de duas formas: 1) a primeira, de ordem objetiva, impõe ao Estado o dever de acobertar todos os riscos sociais inerentes a atividade laborativa, garantindo o mínimo existencial do indivíduo (universalidade de cobertura); 2) a segunda, de ordem subjetiva, demandando que essa cobertura securitária deve atender a todo cidadão integrante do sistema previdenciário (universalidade de atendimento). O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento não deve ser tido como absoluto — como nenhum outro princípio estampado na CRFB/88 — cabendo prestar reverência, por exemplo, ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como do princípio da reserva do possível. c) Princípio da Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços: a seletividade e a distributividade conformam esse princípio, que também está elencado no rol do parágrafo único do art. 194 da CRFB/88 (inciso III). Por seletividade, se entende que nem todos os segurados terão direito a todos os benefícios e serviços da Previdência Social. A Carta Magna de 1988 delegou ao legislador a incumbência de selecionar — daí a expressão seletividade — e restringir o acesso de alguns segurados a determinados benefícios previdenciários. É o caso, por exemplo, do salário-família, que somente é pago aos trabalhadores de baixa renda. No entanto, alguns doutrinadores, como é o caso do Dr. Fábio Zambitte Ibrahim, criticam a aplicação da seletividade no auxílio-reclusão, entendendo que o acesso a esse benefício previdenciário deveria ser amplo, ou seja, caberia a todos os segurados, independente da renda, tendo em vista que o manto protetivo da Previdência Social visa acobertar a família do segurado, e não ele próprio. Faz todo o sentido o entendimento do ilustre jurista. Limitar o acesso do auxílio-reclusão apenas aos segurados de baixa renda representa uma quebra no princípio da isonomia de forma injustificada. Além disso, a própria Constituição, no inciso XLV do art. 5º, veda que a pena por determinado crime transponha aquele que cometeu o ato ilícito. É o que justamente ocorre ao tirar da família sua fonte de subsistência. O princípio na sua vertente distributiva consiste no equilíbrio social proporcionado pelo próprio Estado. Através da assistência social do Estado é distribuída a renda para aqueles que são necessitados, ou seja, para quem não possui o mínimo para a sua subsistência. Isso também ocorre quando é proporcionado o acesso a saúde, promovendo, assim, o bem estar e a justiça social. d) Princípio da Equidade na Forma de Participação do Custeio: estampado no inciso V do parágrafo único do art. 194 da CRFB/88, esse princípio se aproxima dos princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade, isso porque as alíquotas variam de acordo com a renda de cada segurado. É esse princípio que permite a aplicação de alíquotas diferenciadas de acordo com o risco que a atividade empresarial proporciona aos segurados, tendo como exemplo prático as alíquotas do Seguro Acidente do Trabalho — SAT. e) Princípio da Diversidade da Base de Financiamento: a Constituição (art. 194, parágrafo único, VI c/c art. 195), através desse princípio, tenta resguardar o custeio do sistema previdenciário, estabelecendo uma tríplice forma de custeio que envolve as contribuições de trabalhadores, empresas e do próprio governo. Ao determinar uma diversidade no financiamento da Previdência Social, o Constituinte permite a incidência da contribuição previdenciária em diversos segmentos da economia, fazendo a arrecadação e diminuindo os riscos de ausência de recursos para o sistema. Por conta desse princípio previdenciário, boa parte da doutrina defende que a criação de uma contribuição previdenciária única seria inconstitucional, uma vez que a fonte de financiamento deve ser diversificada. f) Princípio do Caráter Democrático e Descentralizado da Administração: (art. 194, parágrafo único, VII da CRFB/88): o princípio democrático é um dos pilares das Constituições modernas. Esse princípio ficaria prejudicado se somente fosse exercido no sufrágio para eleger os agentes políticos. Ao contrário do que se possa imaginar, a democracia deve ser exercida no dia-a-dia. Hoje o que se defende é a democracia participativa, permitindo que os cidadãos façam parte das decisões políticas que serão tomadas. O princípio do caráter democrático e descentralizado da Administração consiste na participação da sociedade na organização e gerenciamento da seguridade social através da atuação de trabalhadores, empregadores, aposentados e governo. Em vista disso, foram criados órgãos colegiados de deliberação, tais como: o Conselho Nacional de Previdência Social — CNPS, criado pelo art. 3º da Lei nº 8.213/91, que discute a gestão da Previdência Social; o Conselho Nacional de Assistência Social — CNAS, criado pelo art.17 da Lei nº 8.742/93, que delibera sobre a política e ações nesta área; e o Conselho Nacional de Saúde — CNS, criado pela Lei nº 8.080/90, que discute a política de saúde. g) Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial: esse princípio somente passou a constar expressamente na CRFB/88 a partir da Emenda Constitucional nº 20/98 (art. 40, caput e art. 201, caput). Dentre nós, o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial foi extraído do setor privado onde a premissa predominante é no sentido de que deve haver equilíbrio entre as reservas garantidoras e passivo atuarial. Assim, o princípio em questão busca um equilíbrio no sistema previdenciário através de cálculos atuariais que fazem projeções futuras analisando a arrecadação e as despesas com benefícios previdenciários. Como o sistema público de previdência brasileiro é custeado na forma de repartição simples, os cálculos atuariais analisam a estrutura etária da população em cada momento e de forma prospectiva, os ingressos de recursos projetados e desembolsos de benefícios. Ou seja, leva em consideração a capacidade arrecadatória da população ativa em face do custo efetivo dos benefícios previdenciários concedidos, projetando dados para o futuro11. 11 A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) prevê o princípio do equilíbrio financeiro atuarial nos seguintes termos: art. 4ª § 1o Integrará o projeto de lei de Os princípios que foram apresentados são aqueles de natureza pura, ou seja, são materialmente princípios, não contendo apenas o nomen iuris. No entanto, muitas regras envolvem o sistema previdenciário que não podem ser desprezadas, motivo pelo qual arrolamos abaixo aquelas de maior importância: a) Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços as populações urbanas e rurais: essa regra é a condensação do princípio da isonomia. Ela está estampada no art. 194, parágrafo único, II da CRFB/88. O preceito legal supracitado tem o intuito de estabelecer uma igualdade de direitos entre o segurado da atividade rural e de atividade urbana, estabelecendo benefícios previdenciários e critérios de concessão idênticos. A regra em questão sofre a influência do princípio da solidariedade, visto que as contribuições das atividades urbanas (trabalhadores e empresas) representa grande parte do custeio de todo o sistema previdenciário, o que acaba “financiando” os benefícios previdenciários concedidos aos segurados da atividade rural. b) Irredutibilidade do Valor dos Benefícios: essa regra também está esculpida na CRFB/88 (art. 194, parágrafo único, IV) e consiste na impossibilidade dos valores nominais pagos serem reduzidos pelo Poder Público, impondo, assim, um dever estatal de abstenção. Em torno dessa regra, giram outras que têm o mesmo intuito de preservar o mínimo existencial — princípio base dessa regra — do segurado e de sua família. Exemplo disso é o art. 201 § 4º da CRFB/88, que estabelece uma atuação positiva do Estado, determinando o reajustamento periódico dos benefícios previdenciários, preservando, em caráter permanente, seu valor real. diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes. § 2o O Anexo conterá, ainda: IV - avaliação da situação financeira e atuarial: a) dos regimes geral de previdência social e próprio dos servidores públicos e do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Parte da doutrina interpreta essa a regra da irredutibilidade de forma ampla. O Dr. Fábio Zambitte Ibrahim (2010, p. 74-75), por exemplo, entende que: Não se deve limitar esse comando constitucional à simples hipótese de irredutibilidade do valor nominal do benefício. Evidentemente, a proteção constitucional também impossibilita o ataque direto ao valor recebido, quando, por exemplo, ainda que por lei, estabeleça-se a redução em reais do valor pago. Não obstante, a agressão mediata, por via de desvalorização monetária, também deve obter salvaguarda constitucional neste princípio, pois ele seria evidentemente imperfeito se não fechasse tamanha abertura para a violação do conteúdo pecuniário da prestação previdenciária, a qual tem natureza alimentar e, destarte, responsabilidade pelo mínimo existencial do segurado e de seus dependentes. Na verdade, acredito que a principal razão de ser do princípio da irredutibilidade é justamente a imposição da correção monetária, cuja ausência, frequentemente, traduz-se em meio indireto de diminuição de benefícios e redutor de gastos estatais. O Poder Público não seria tolo o suficiente de reduzir o benefício diretamente. Quando o deseja, e assim nos mostra a história, tem-no feito pelo conhecido imposto inflacionário. No entanto, esse entendimento não é o que prevalece na doutrina, bem como nos tribunais. O Supremo Tribunal Federal faz uma interpretação restritiva da regra da irredutibilidade, impondo somente uma abstenção ao Estado. Esse entendimento do Supremo Tribunal Federal - STF foi expressado no julgamento do RE 298694/SP12 e no 12 RE298.694/SP - EMENTA: I. Recurso extraordinário: letra a: possibilidade de confirmação da decisão recorrida por fundamento constitucional diverso daquele em que se alicerçou o acórdão recorrido e em cuja inaplicabilidade ao caso se baseia o recurso extraordinário: manutenção, lastreada na garantia da irredutibilidade de vencimentos, da conclusão do acórdão recorrido, não obstante fundamentado este na violação do direito adquirido. II. Recurso extraordinário: letra a: alteração da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do RE, a, se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE, a - para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados - e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário. III. Irredutibilidade de vencimentos: garantia constitucional que é modalidade qualificada da proteção ao direito adquirido, na medida em que a sua incidência pressupõe a licitude da aquisição do direito a determinada remuneração. IV. Irredutibilidade de vencimentos: violação por lei cuja aplicação implicaria reduzir vencimentos já reajustados RE 248751/SC13, quando se estabeleceu a premissa de que a irredutibilidade seria um direito adquirido qualificado. c) A Filiação Obrigatória, o Caráter Contributivo e a Compulsoriedade da Contribuição: essas 03 (três) regras estão interligadas. A primeira trata da filiação obrigatória (art. 201, caput da CRFB/88) e impõe a participação do cidadão no sistema previdenciário a partir do momento em que passa a exercer uma atividade laborativa. Essa obrigatoriedade é pautada na premissa de que o jovem teria uma “miopia” contra os infortúnios da vida, deixando de se resguardar dos riscos sociais. O caráter contributivo (art. 201, caput da CRFB/88) é uma regra que foi instaurada para afastar qualquer possibilidade de concessão de benefício previdenciário sem que haja a contribuição para o sistema protetivo. Aliás, não faz muito tempo que as aposentadorias do Regime Próprio de Previdência dos Servidores — RPPS eram concedidas a título de compensação ou remuneração diferida. Entendia-se que a aposentadoria compensaria a menor remuneração recebida ao longo da vida ativa. Em outras palavras, como o Estadoempregador pagava menores remunerações pelo trabalho, se comparado com o mercado privado, compensaria esse “valor a menor” com o pagamento na fase inativa do servidor. Com a mudança na estrutura de remuneração dos servidores, que passaram a perceber vencimentos equiparáveis ao mercado, tal forma deixou de ter sentido, transformando-se num privilégio, que acabou afastado a partir da Emenda Constitucional nº 20/98. No que tange à regra da compulsoriedade da contribuição, se impõe uma participação coercitiva da sociedade no financiamento da seguridade social. Essa imposição Estatal decorre da natureza jurídica de tributo que possui as contribuições previdenciárias. conforme a legislação anterior incidente na data a partir da qual se prescreveu a aplicabilidade retroativa da lei nova. 13 RE 248751 - Ementa: Vencimentos. Agregação. Lei Complementar nº 43/92 do Estado de Santa Catarina. Não há falar em direito adquirido, pois a Lei Complementar nº 43/92, assegurando o quantum da vantagem, limitou-se a alterar o seu regime jurídico, ao qual, segundo entendimento do Supremo Tribunal, não há direito adquirido. Recurso extraordinário conhecido e provido. Além disso, se justificaria a compulsoriedade da contribuição para o sistema protetivo, haja vista que se amolda com o princípio da solidariedade. d) Garantia do Benefício Mínimo: essa regra (art. 201 § 2º da CRFB/88) estabelece que nenhum benefício previdenciário poderá ser inferior ao salário mínimo vigente a época do seu pagamento. Apesar de o salário mínimo brasileiro não garantir todas as necessidades elencadas no art. 5º, IV da CRFB/88, a intenção da regra em questão é preservar o mínimo existencial do segurado. e) Precedência da Fonte de Custeio: essa regra (art. 195 § 5º da CRFB/88) consiste na proibição de criar, majorar ou estender a categorias de segurados um benefício previdenciário sem que haja uma correspondente fonte de custeio. Tal comando, em verdade, deriva do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, de dimensão mais ampla. A necessidade da inserção da regra expressamente na Carta Magna é porque o nosso legislador tem ampliado direitos — em consequência, obrigação para o Poder Executivo — visando, algumas vezes, objetivos “eleitoreiros”. Com isso, se preserva o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, evitando o déficit no orçamento destinado a Previdência Social. 2.5 Regimes previdenciários públicos No Brasil, há 02 (dois) regimes de natureza pública, quais sejam: O Regime Geral de Previdência Social — RGPS e o Regime Próprio de Previdência dos Servidores — RPPS.14 O RGPS abrange todos os trabalhadores que exercem atividades laborativas no setor privado e os agentes públicos que tem vínculo com a Administração Pública através de cargos em comissão ou natureza celetista. Esses segurados são regidos, 14 Além desse existe o regime previdenciário dos militares, que não será abordado no presente estudo. 15 Curso de Direito Previdenciário, Editora Impetus, 15ª Edição (2010), pág. 36. basicamente, pelas Leis nº 8.212/91 (Plano de Custeio da Seguridade Social) e nº 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social), bem como pelo Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social). O outro regime previdenciário (RPPS) tem seu fundamento constitucional previsto no art. 40 e estende seu manto protetivo sobre os agentes públicos de cargos efetivos e de cargos vitalícios. Cada ente federativo poderá criar o seu próprio RPPS, mas deve respeitar os preceitos da Lei nº 9.717/98, que é a norma geral. Alguns doutrinadores — dentre eles está o Dr. Fábio Zambitte Ibrahim15 — pregam que o ideal seria a unificação dos dois regimes previdenciários, visto que não tem sentido tratar os servidores públicos de uma forma e os demais cidadãos de outra. O primeiro passo nessa direção será dado com a aprovação no Congresso Nacional da Lei da Previdência Complementar dos Servidores, que limitará o pagamento das aposentadorias e pensões do RPPS ao mesmo limite remuneratório pago pelo RGPS16. 3 O CUSTEIO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 3.1 Natureza jurídica das contribuições sociais A natureza jurídica das contribuições sociais foi tema de árduos debates na doutrina e no pretório excelso. Até Constituição de 1967, em sua redação originária, não se incluía as contribuições sociais no sistema tributário. Com a Emenda nº 1/69 passou a ser autorizada a instituição dessa espécie tributária, mas a Emenda nº 8/77 transportou essa matéria para o capítulo que cuidava da competência legislativa genérica da União. Por conta das mudanças no texto da Constituição de 1969, alguns doutrinadores17 defenderam a tese de que as contribuições sociais só teriam natureza tributária no período entre a Emenda Constitucional nº 1/69 até a Emenda 16 O Projeto de Lei nº 1992/2007, que trata da Previdência Complementar dos Servidores Públicos, até o momento está tramitando na Câmara dos Deputados. 17 Torres, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, Vol. 2, pág. 519/520. Constitucional nº 8/77, tendo encampado esse entendimento o Supremo Tribunal Federal.18 No entanto, a Constituição de 1988 passou a tratar das contribuições sociais dentro do capítulo do sistema tributário nacional, pacificando quanto a sua natureza jurídica ao dispor no art. 149: Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) Diante do regramento constitucional, as contribuições sociais têm natureza jurídica de tributo, aplicando-se, assim, os princípios e institutos presentes no Direito Tributário. Desta forma, as contribuições sociais devem observar diversos princípios que estão presentes em outras espécies tributárias, tais como: da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade. Contudo, é importante frisar que a pacificação do entendimento acerca da natureza jurídica das contribuições sociais como tributo — principalmente aquelas 18 Contudo, aqueles que defendiam a natureza tributária das contribuições sociais, mesmo depois da EC 8/77, atribuíam uma natureza supraconstitucional ao ingresso. voltadas para o custeio da Previdência Social — não induz o afastamento dos princípios e regras inseridas no sistema protetivo. Assim, os princípios da solidariedade; da equidade na forma de participação do custeio; da diversidade da base de financiamento; do equilíbrio financeiro e atuarial, dentre outros mencionados no tópico 3.2 do presente estudo, devem ser observados pelo hermeneuta. 3.2 Os contribuintes da seguridade social Para custear o sistema previdenciário público brasileiro a CRFB/88 atribui responsabilidade a todos da sociedade, mesmo que de forma indireta, inclusive com a participação da União, Estados, Municípios e o Distrito Federal, dispondo da seguinte forma: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). O preceito constitucional supracitado, combinado com o inciso VI do parágrafo único do art. 194, insere no ordenamento jurídico pátrio o princípio da diversidade da base de financiamento — que foi tratado no tópico 3.2, item “e” do presente estudo. É salutar a observação no sentido de que o princípio da diversidade da base de financiamento está interligado diretamente com o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial (tratado no tópico 3.2, item “g”), uma vez que, recaindo o ônus contributivo sobre diversos seguimentos da sociedade (contribuintes), diminui a sobrecarga tributária sobre eles, evitando, assim, o risco de um colapso no custeio do sistema previdenciário. Diante da previsão constitucional estampada no art. 195 e incisos da CRFB/88, podemos dividir a participação contributiva ao sistema previdenciário em 03 (três) grupos: a) contribuição dos trabalhadores; b) contribuição das empresas e; c) outras contribuições: a) Contribuição dos trabalhadores: como demonstrado, os trabalhadores tem o dever constitucional de contribuir para o sistema protetivo. A contribuição social desse grupo de contribuintes tem como fato gerador a atividade remunerada exercida pelo trabalhador. Essa hipótese de incidência é a mesma que obriga a filiação do trabalhador ao sistema previdenciário público. A base de cálculo da contribuição social — que não está prevista na Carta Magna — foi estabelecida pelo legislador ordinário, consistindo na remuneração recebida pelo trabalhador. A lei atribuiu o nomen iuris de salário-de-contribuição. A alíquota aplicada para o cálculo da contribuição previdenciária é ad valorem, ou seja, é um percentual que incide sobre o salário de contribuição. Essa alíquota em alguns casos é meramente proporcional e em outros é aplicada de forma progressiva. Dentro desse grupo de contribuintes a lei estabelece distinções entre os trabalhadores de acordo com o vínculo laborativo. Assim, para o trabalhador com vínculo empregatício, trabalhador avulso e empregado doméstico, a alíquota da contribuição previdenciária é progressiva em 03 (três) escalas: 8%, 9% e 11%, isto é, na medida em que aumenta o salário-decontribuição altera a alíquota.19 A incidência dessas alíquotas é não cumulativa, motivo pelo qual não há a possibilidade de aplicação de várias alíquotas na mesma competência. Para esclarecer, vejamos o exemplo: um trabalhador empregado que recebe R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) por mês incidirá a alíquota de 9% (nove por cento) sobre esse total, e não sobre o que ultrapassou da faixa que incide a alíquota de 8% (oito por cento). O salário-de-contribuição — que é a base de cálculo da contribuição previdenciária — é formado pela soma de todas as verbas recebidas pelo trabalhador no mês, salvo as exceções estabelecidas no § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212/91. Em vista disso, se um segurado possuir mais de um emprego o valor da sua contribuição será a soma das duas remunerações, devendo se atentar pela aplicação correta da alíquota no somatório final, sob pena do empregador sofrer autuação fiscal, haja vista que é este que tem obrigação legal — substituição tributária — de fazer as retenções das contribuições previdenciárias de seus empregados. 19 A progressividade da alíquota ocorre nas seguintes escalas: até R$ 1.174,86 a alíquota é de 8%; de R$ 1.174,87 até R$ 1.958,10 a alíquota é de 9%; de R$ 1.958,11 até R$ 3.916,20 a alíquota é de 11%. Essa tabela é vigente a partir de janeiro de 2012 e foi instituída pela Portaria nº 2/2012. Contudo, há de salientar que a incidência da contribuição previdenciária, no RGPS, tem um limite na sua base de cálculo que é o valor máximo (hoje R$ 4.390,24) pago pela Previdência Social aos seus segurados. O contribuinte individual e o segurado facultativo possuem algumas diferenças na participação do custeio da previdência social. De início, para esses segurados a contribuição é proporcional, ou seja, a alíquota não aumenta de acordo com a evolução da base de cálculo. A alíquota do contribuinte individual e do facultativo equivale à 20% (vinte por cento) do salário-de-contribuição. Essa é a regra. No entanto, a Lei nº 8.212/91 (art. 22, III e art. 30 § 4º) criou uma exceção, permitindo aos contribuintes individuais que prestam serviço a pessoas jurídicas, a dedução de 45% (quarenta e cinco por cento) do valor recolhido — limitada a 9% (nove por cento) do salário-de-contribuição do contribuinte individual — por essas empresas da contribuição previdenciária que devem recolher aos cofres da Seguridade Social. Exemplificando: um trabalhador autônomo que presta serviço a alguma empresa sendo remunerado no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), considerando que a cota patronal (alíquota de 20%) será de R$ 2.000,00 (dois mil reais), poderá deduzir R$ 395,12 (trezentos e noventa e cinco reais e doze centavos), visto que esbarra no limite de 9% de R$4.390,24. Essa exceção foi estabelecida para que não haja desigualdade entre os segurados da previdência social no custeio do sistema protetivo. Contudo, com o advento da Lei Complementar nº 123/06 — instituidora do SIMPLES NACIONAL — o contribuinte individual, que não tenha relação de trabalho com empresa ou equiparado, poderá contribuir com alíquota de 11% (onze por cento), mas essa redução apenas garantirá o pagamento dos benefícios do RGPS equivalente ao salário-mínimo, e não terá direito a aposentadoria por tempo de contribuição. Essa benesse legal também se estende aos segurados facultativos. Caso os segurados que optarem por esse regime especial de recolhimento queiram, posteriormente, obter a aposentadoria por tempo de contribuição ou ingressem no RPPS terão que recolher a diferença (9%) mensal, acrescidos de juros moratórios, mas não sofrerão a incidência de multa (art. 21 § 3º da Lei nº 8.212/91). A Constituição de 1988 (art. 195 § 8º), traz uma espécie peculiar de segurado obrigatório denominado pela lei de segurado especial, e determina que o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador que exercem suas atividades em regime de economia familiar contribuirão para o sistema previdenciário incidente sobre a venda da sua produção, ou seja, a base de cálculo não seria um salário-decontribuição. Como o fato gerador da contribuição previdenciária do segurado especial é a venda dos produtos rurais, os recolhimentos tributários não são mensais, podendo, inclusive, ficar períodos — entre safras, por exemplo — sem efetuar qualquer recolhimento, mas não perde a qualidade de segurado, estando amparado pelo seguro social. A alíquota aplicável aos segurados especiais é de 2% (dois por cento) de sua receita bruta, auferida através da comercialização dos seus produtos (art. 25, I da Lei nº 8.212/91), mas também contribui com 0,1% (zero vírgula um por cento) para o custeio de parcelas decorrente de eventual acidente do trabalho (art. 25, II da Lei 8.212/91). Assim, o valor total da alíquota aplicada aos segurados especiais equivale a 2,1% (dois vírgula um por cento). É criticável a estipulação de alíquota tão baixa no caso dos segurados especiais, principalmente aos olhos do princípio do equilíbrio financeiro atuarial, podendo afirmar que os benefícios previdenciários concedidos a esses segurados têm um caráter quase assistencial. A Lei nº 11.718/08 aumentou o campo de atuação do segurado especial incorporando atividades econômicas — como as turísticas — no seu rol, trazendo mais segurados para dentro deste conceito. b) Contribuição das empresas: por imposição constitucional (art. 195, I alínea “a” da CRFB/88), o empregador deve participar do custeio da previdência social. A própria Constituição trata do fato gerador da contribuição das empresas — atividade remunerada de segurados com ou sem vínculo empregatício —, bem como de sua base de cálculo — remuneração dos empregados e prestadores de serviços. A contribuição patronal incidente sobre as remunerações de empregados ou avulsos tem alíquota de 20% (vinte por cento) e incide sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, em contraprestação ao trabalho realizado. Assim, existe uma obrigação tributária da empresa mesmo que não haja o efetivo pagamento da remuneração. As condenações decorrentes de ações trabalhistas também são fatos geradores da contribuição patronal, e a obrigação tributária, nesse caso, segundo o entendimento da Justiça do Trabalho — pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho (RR-115/2007147-15-00.9) —, surge com a decisão judicial. Esse entendimento é criticável, uma vez que beneficia o infrator, já que os juros e a multa não são aplicados desde a prestação dos serviços. Diferente dos segurados, a contribuição das empresas não está limitada ao teto da previdência. Com isso, se a base de cálculo (remuneração do empregado, por exemplo) for R$ 10.000,00 (dez mil reais), o recolhimento será no montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao se aplicar a alíquota de 20% (vinte por cento). A legislação previdenciária (art. 22, I e III da Lei nº 8.212/91), possibilita a redução da alíquota patronal em alguns casos. As empresas de tecnologia da informação (TI) e de tecnologia de informação e comunicação (TIC) que prestam serviços voltados para exportação podem reduzir 1% (um por cento) da contribuição sobre a folha para cada 10% (dez por cento) da receita total oriunda dos serviços exportados. Essa redução não abrange o Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT), que será tratado no capítulo seguinte. Mais uma possibilidade de redução da alíquota patronal veio com Lei Complementar nº 128/08 — que criou a figura do microempreendedor individual (MEI) — permitindo o recolhimento da contribuição com alíquota de 3% (três por cento) sobre o salário-de-contribuição do segurado a serviço do microempreendedor. Há de fazer uma ressalva quanto aos contribuintes individuais empresários, cuja base de cálculo para a sua contribuição é a parcela recebida a título de pro labore e não sobre os dividendos dos lucros auferidos pela pessoa jurídica da qual fazem parte. No entanto, se não houver comprovação dos valores pagos aos sócios ou diretores de empresas, o fisco poderá cobrar a contribuição tomando como base de cálculo: o salário-de-contribuição do segurado nessa condição; ou a maior remuneração paga a empregados da empresa; ou o salário mínimo, caso não ocorra nenhuma das hipóteses anteriores (art. 9º, V, alíneas “e” a “i” do Decreto nº 3.048/99). Em se tratando de sociedade empresarial de prestação de serviços profissionais (profissões legalmente regulamentadas) a base de cálculo para auferir a contribuição devida é diferente da supramencionada, sendo pauta no art. 9º, V, alíneas “g” a “i” do Decreto nº 3.048/99. As instituições financeiras sofrem uma tributação mais gravosa no que tange a sua participação no custeio do sistema previdenciário. Essa maior onerosidade consiste no pagamento de um adicional de 2,5% (dois vírgula cinco por cento) na alíquota da contribuição previdenciária patronal. Assim, para as instituições financeiras, temos uma alíquota de 22,5% (vinte e dois vírgula cinco por cento) que incidirá sobre os pagamentos realizados a todos os segurados (empregados, avulso e contribuintes individuais). O SAT e seu adicional seguem a regra geral abordada no capítulo 3 do presente estudo. A justificativa para o tratamento diferencial é pautada no próprio princípio da isonomia, uma vez que a atividade das instituições financeiras é altamente informatizada, utilizando menos mão-de-obra, e, consequentemente, provoca uma diminuição na arrecadação. Contudo, cabe frisar que o adicional de 2,5% (dois vírgula cinco por cento) somente deve ser aplicado nas instituições financeiras discriminadas no § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91, tendo em vista o rol é taxativo. Portanto, não são todas as instituições financeiras que sofrem essa exação tributária. c) Outras contribuições: a lei previdenciária (art. 27 da Lei nº 8.212/91) traz outras fontes de custeio do sistema protetivo, que vai desde multas até leilões de bens apreendidos pela Receita Federal do Brasil. No entanto, esse rol não é taxativo, haja visa que o próprio dispositivo legal (art. 27, VIII da Lei nº 8.212/91) abre a possibilidade de haver outras hipóteses de incidência através de legislação específica. 4 O SEGURO DE ACIDENTES DO TRABALHO – SAT 4.1 Os beneficiários do SAT O seguro de acidentes do trabalho (SAT) é uma proteção voltada aos segurados da Previdência Social cuja previsão constitucional remonta a Carta Magna de 193420. Trata-se de um seguro obrigatório, instituído por lei, que impõe uma contribuição adicional as empresas, visando à cobertura de eventos resultantes de acidentes do trabalho. A justificativa jurídica para a cobrança desse encargo está atrelada a teoria do risco social, onde há a repartição dos riscos com todos aqueles que se beneficiam do trabalho alheio. O princípio da solidariedade (tratado no tópico 3.2, item “a”), pela importância no sistema de proteção social, é o pilar de sustentação do SAT. No entanto, outros princípios do Direito Previdenciário se fazem presente no SAT. É o caso do princípio da equidade na forma de participação do custeio (tratado no tópico 3.2, item “d”), cuja previsão encontra-se no inciso V do parágrafo único do art. 194 da CRFB/88, e possibilita a inserção de alíquotas diferenciadas de acordo com o grau de risco da atividade em que se insere o segurado. A atual legislação previdenciária define o acidente do trabalho no art. 19 da Lei nº 8.213/91 como sendo aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício de trabalho dos segurados especiais, culminando em lesão 20 A Constituição de 1934 disciplinava no artigo 121 os seguintes termos: “A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: (...) h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;” corporal ou perturbação funcional que cause morte, a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade laborativa. Ocorrendo o acidente do trabalho, as empresas são obrigadas a efetuar comunicação do evento à previdência social, lavrando a CAT – comunicação de acidente do trabalho, sob pena de multa. Esse documento era imprescindível para que o segurado pudesse comprovar o acidente com o intuito de obter o benefício, sendo utilizado pela perícia técnica como um requisito para sua concessão, mas em muitos casos, sua apresentação era inviável, posto que seu empregador não a emitia para se esquivar de eventual responsabilidade civil. Em vista disso, o Ministério da Previdência Social criou o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP, que está vinculado a Classificação Internacional de Doenças (CID), e é obtido após a perícia técnica e de acordo com a atividade desempenhada pelo empregador, permitindo a concessão do benefício previdenciário mesmo sem a emissão do CAT. Essa nova conduta da Previdência Social foi criada pela Resolução nº 1.236/04 do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), sendo, em seguida, inserida na Lei nº 8.213/91 (art. 21-A). O NTEP nada mais é do que o nexo de causalidade entre a doença ou lesão apresentada pelo segurado com a atividade exercida por este junto ao seu empregador. Nessa situação, sendo concedido o benefício acidentário de ofício, o empregador não poderá ser multado pela ausência de comunicação de acidente do trabalho – CAT (art. 22, § 5º da Lei nº 8.213/91). O jurista, ao se fazer a leitura isolada do art. 7º, XXVIII da CRFB/88 chegaria à conclusão — equivocada — de que a SAT beneficiaria apenas os empregados, haja vista que o texto constitucional se refere a empregador ao tratar deste seguro, mas não deve ser interpretada tal norma com esse grau de restrição. O art. 7º, XXXIV da CRFB/88 impõe um tratamento igualitário entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. Desta forma, são abrangidos pelo SAT os segurados empregados e avulsos, além do segurado especial, expressamente previsto na Lei nº 8.213/91. Os demais segurados estão excluídos do seguro de acidentes do trabalho, como é o caso do médico residente e a empregada doméstica, restando a eles o benefício comum (auxílio-doença). 4.2 A parcela básica do SAT e os benefícios previdenciários vinculados (auxílioacidentário, aposentadoria por invalidez, aposentadoria especial e a pensão por morte acidentária) A contribuição para o SAT, no que tange as empresas, incide sobre a remuneração de empregados e avulsos na forma de um acréscimo equivalente a 1% (um por cento), 2% (dois por cento) ou 3% (três por cento) para o custeio dos benefícios previdenciários que são concedidos aos segurados vítimas de acidentes do trabalho, tendo a mesma base de cálculo da contribuição patronal, ou seja, total das remunerações pagas ou creditadas no decorrer do mês. A alíquota do SAT varia de acordo com o grau de risco (leve, médio e grave) da atividade preponderante da empresa (art. 22, II da Lei nº 8.212/91), assim caracterizada aquela que ocupa a maior parte dos segurados empregados e trabalhadores avulsos dentro da empresa (art. 202 § 3º do Decreto nº 3.048/99). Após descobrir a sua atividade preponderante, a empresa deve consultar a Relação de Atividades Preponderantes e Correspondentes Graus de Risco, prevista no Anexo V do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99). É o Ministério da Previdência Social que classifica os graus de risco por atividade econômica e, caso a empresa não concorde com a sua classificação não poderá ir a juízo pleitear uma alteração. Esse entendimento foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça (Resp 1000302/RS)21, afastando a possibilidade de uma perícia técnica individual para analisar o real risco da atividade desenvolvida pela empresa. 21 Resp 1000302/RS – EMENTA: TRIBUTÁRIO. SAT. ENQUADRAMENTO. EFETIVO GRAU DE RISCO. ART. 22, § 3º, DA LEI Nº 8.212/91. 1. O art. 22, § 3º, da Lei nº 8.212/91 é categórico ao preconizar que a alteração do enquadramento da empresa, em atenção às estatísticas de acidente de trabalho que reflitam investimentos realizados na prevenção de sinistros, constitui ato atribuído pelo legislador exclusivamente ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social. 2. Falece competência ao Poder Judiciário para imiscuir-se no âmbito da discricionariedade da Administração e determinar a realização de perícia com o intuito de O contribuinte do SAT, no caso as empresas, devem tomar bastante cuidado no momento do enquadramento do seu grau de risco. Isso porque, em se tratando de uma contribuição social, esse tributo é enquadrado na modalidade de lançamento por homologação. Portanto, caso haja um erro na classificação, atribuindo uma alíquota menor, o fisco poderá — na verdade deverá — lavrar notificação de lançamento de débito para cobrar a diferença apurada. Em havendo mais de um estabelecimento em determinada empresa, a Previdência Social defende a tese de que a alíquota do SAT será única, mesmo que haja diferença entre os graus de risco em cada estabelecimento. Nesse caso, deverá descobrir qual seria a atividade preponderante da empresa e enquadrar todos os empregados numa mesma alíquota. No entanto, a análise do risco ambiental da atividade da empresa para o enquadramento no SAT deve ser feito em cada estabelecimento desta, desde que tenham CNPJ diferentes. Esse entendimento ganhou força após o Superior Tribunal de Justiça editar a súmula de nº 351 acolhendo o entendimento22. O enquadramento da empresa no SAT teve sua constitucionalidade questionada pelos contribuintes que alegavam a afronta ao princípio da legalidade/tipicidade tributária. O argumento utilizado era que houve uma delegação legislativa ao Poder Executivo, uma vez que cabe ao Ministério da Previdência Social a classificação dos graus de risco por atividade econômica. Coube ao Supremo Tribunal Federal se manifestar acerca dessa matéria. No julgamento do RE 343.446/SC23, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, o STF afastou beneficiar a empresa recorrente mediante enquadramento em grau de risco mais vantajoso.3. Recurso especial não provido. 22 Súmula nº 351 do Superior Tribunal de Justiça: A alíquota de contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) é aferida pelo grau de risco desenvolvido em cada empresa, individualizada pelo seu CNPJ, ou pelo grau de risco da atividade preponderante quando houver apenas um registro. 23 RE 343.446/SC - EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. Lei 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º,II; art. 150, I. I. - Contribuição para o custeio do a inconstitucionalidade da contribuição para o SAT, afirmando que não extrapola o Poder Regulamentar da Administração Pública o fato da lei deixar para o Poder Executivo a atribuição de determinar os conceitos de “atividade preponderante e grau de risco leve, médio e grave”, não havendo, portanto, afronta ao art. 5º, II (principio da legalidade genérica) e art. 150, I e IV (princípio da legalidade tributária), ambos da CRFB/88. Além da parcela básica, o SAT recebe uma contribuição adicional para o financiamento da aposentadoria especial (art. 57 § 6º da Lei nº 8.213/91). A premissa estabelecida para a criação desse adicional é o fato de que os segurados expostos a agentes nocivos se aposentam precocemente, após 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de trabalho nessas condições, impondo uma alíquota “extra” de 12% (doze por cento), 9% (nove por cento) e 6% (seis por cento), respectivamente. A cobrança desse adicional provocou críticas, tendo em vista a falta de liame entre a arrecadação da contribuição e o risco acidentário. Seguro de Acidente do Trabalho - SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT. II. - O art. 3º, II, da Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais. III. - As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio e grave", não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º,II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV. - Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional. V. - Recurso extraordinário não conhecido (BRASIL, 2011, g). Entretanto, o que houve foi um alargamento do conceito de proteção contra o risco social, abrangendo dentro do SAT não só os acidentes laborativos incapacitantes, como também o risco à saúde do trabalhador pela mera exposição à agentes nocivos. Outra crítica apresentada ao adicional do SAT foi uma suposta inconstitucionalidade da Lei nº 9.732/98 — lei de criação do adicional do SAT — visto que houve uma afronta ao art. 195 § 4º da CRFB/88 que condiciona a criação de uma nova fonte de custeio da previdência social à lei complementar. É equivocado o entendimento supracitado. O adicional do SAT não representa uma nova fonte de custeio, mas uma elevação da onerosidade da contribuição social já existente. Ou seja, é um aumento de alíquota. A União, ao invés de criar esse adicional, poderia simplesmente aumentar a alíquota do SAT em determinadas hipóteses de incidência, e não representaria criação de uma nova fonte de custeio ou novo tributo. Como já afirmado, o objetivo da parcela básica do SAT, prevista no art. 22, II da Lei nº 8.212/91, é custear os benefícios previdenciários decorrente de acidentes de trabalho que provocam incapacidade, seja ela temporária ou definitiva, e morte. Assim, surgindo alguma incapacidade laborativa a legislação previdenciária prevê a concessão ou de auxílio-doença acidentário — quando se tratar de uma incapacidade temporária — ou de aposentadoria por invalidez. O auxílio-doença acidentário é um benefício previdenciário precário — a precariedade decorre do fato da incapacidade ser temporária - concedido aqueles segurados (apenas os empregados, avulsos e segurados especiais tem direito) que sofrem de alguma enfermidade contraída em seu ambiente laborativo ou tenham sido vítima de algum acidente do trabalho. Tanto um quanto o outro deve provocar o afastamento do segurado de suas atividades normais pelo um período mínimo de 15 (quinze) dias. O segurado nessa situação, após passar pelo crivo da perícia-médica do INSS, gozará de uma renda mensal equivalente a 91% (noventa e um por cento) do salário-debenefício, a partir do 16º (décimo sexto) dia do afastamento. É pertinente salientar que o auxílio-doença acidentário comporta peculiaridades em relação ao auxílio-doença comum24. No auxílio-doença acidentário a carência é dispensada; gera uma estabilidade provisória na relação de trabalho do segurado; atrai a competência da justiça estadual para apreciação de demanda com essa matéria.25 O outro benefício previdenciário vinculado a parcela básica do SAT é a aposentadoria por invalidez. Como afirmado essa proteção social surge a partir do momento que o segurado sofra de uma incapacidade (doença ou acidente) que impeça, de forma definitiva, o exercício de qualquer atividade laborativa. Nesse caso, a renda mensal inicial (RMI) será equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, sem a aplicação do fator previdenciário. 26 A aposentadoria por invalidez pode partir da conversão do auxílio-doença ou ser diretamente concedida, quando a incapacidade definitiva for de plano verificada. Contudo, a aposentadoria por invalidez é a única espécie de aposentadoria que pode ser interrompida após a sua concessão, quando verificada a recuperação plena da enfermidade motivadora da incapacidade. Pode parecer um contrassenso, mas com a evolução da medicina uma doença que hoje não tem cura pode vir a ter no futuro, e em se tratando de um sistema que visa à proteção para os infortúnios da vida, não havendo mais a enfermidade que acometeu o segurado, nada mais justo do que a cessação da aposentadoria. É claro que se o segurado se enquadrar em outra hipótese de aposentação poderá converter a aposentadoria por invalidez por uma aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição. No entanto, o acidente sofrido pelo segurado pode acarretar a sua morte, gerando, assim, a concessão do benefício de pensão por morte acidentária aos seus 24 Esse benefício não é concedido aos segurados empregados domésticos, contribuintes individuais e contribuintes facultativos, visto que não estão sob o manto protetivo do SAT. 25 Essa atribuição de competência processual a justiça estadual é bastante criticada, tendo em vista que os magistrados estaduais não têm experiência na seara previdenciária, e, isso pode provocar injustiça para ambos os litigantes, bem como morosidade para se obter a tutela jurisdicional. O melhor seria que toda a matéria previdenciária fosse concentrada na justiça federal que é a justiça expert nesse tema. 26 A ausência do fator previdenciário no cálculo da renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez é justificável porque o segurado poderá sofrer qualquer enfermidade que provoque a sua incapacidade em sua juventude. Com isso, o valor de seu benefício ficaria reduzido por um ato alheio a sua vontade. Nunca é demais salientar que o fator previdenciário foi criado para evitar a aposentadoria voluntária de forma precoce. dependentes (decorrente de relação marital, de relação estável heteroafetiva ou homoafetiva e filhos). A renda mensal inicial (RMI) da pensão equivalerá a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. Por fim, o SAT, após a criação do seu adicional, passou a financiar os segurados que estão efetivamente expostos à agentes nocivos, e fazem jus a aposentadoria especial prevista no arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/91. Para a concessão da aposentadoria especial, o segurado deve comprovar a sua efetiva exposição a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos no período exigido pela legislação (15, 20 ou 25 anos). Essa comprovação é feita atualmente pelo formulário denominado perfil profissiográfico previdenciário (PPP), que é emitido pelo empregador, com base no laudo técnico de condições ambientais do trabalho (LTCAT), expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. A renda mensal inicial (RMI) da aposentadoria especial equivale a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. Devido a baixa idade dos trabalhadores nessa condição o legislador optou por não aplicar o fator previdenciário no momento da jubilação. 5 O FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO – FAP 5.1 Metodologia Após fazer breve apontamentos sobre a evolução histórica da Previdência Social, seus benefícios e a sua forma de custeio, chegamos ao ponto principal do presente estudo, que é o Fator Acidentário de Prevenção (FAP). O FAP teve como fonte legislativa a Lei nº 10.666/2003 — após a conversão da Medida Provisória nº 83/2002 —, mais precisamente o seu art. 10, onde traz a possibilidade de redução ou aumento da alíquota do Seguro Acidente do Trabalho (SAT), in verbis: Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social (BRASIL, 2002). No art. 14 da Lei nº 10.666/2003, o legislador estipulou um prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias para o Poder Executivo regulamentar a matéria, que somente ocorreu com a edição do Decreto nº 6.042/2007, inserindo o art. 202-A no Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99). Em vista dos preceitos normativos supracitados (Lei nº 10.666/2003 e Decreto nº 3.048/99), o FAP consiste num multiplicador variável entre 0,50 (cinqüenta centésimo) até 2,00 (dois inteiros) que recai sobre a alíquota da contribuição relativa ao SAT (1%, 2% e 3%), possibilitando a redução ou majoração da carga tributária de determinado contribuinte. É evidente que o FAP tem como pilar de sustentação o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema protetivo, pois tentar impor uma conduta preventiva — de forma quase coercitiva — a atividade empresarial. Por outro lado, não deixa de ter um caráter extrafiscal, posto que tenta atribuir uma responsabilidade social aos contribuintes. Contudo, há de salientar que o FAP não atinge as empresas optantes do SIMPLES NACIONAL (Lei Complementar nº 123/2006), uma vez que o recolhimento tributário nesse sistema é feito em alíquota única para todos os impostos e contribuições elencados na lei, dentre elas as contribuições previdenciárias patronais. A aplicação em concreto da redução (até 50% do tributo) ou majoração (até 100% do tributo) vai depender do desempenho individual da empresa-contribuinte dentro da sua respectiva atividade econômica, pautada nas premissas metodológicas aprovadas pelo Conselho Nacional de Previdência Social (essa metodologia está disciplinada na Resolução MPS/CNPS nº 1.316/2010), devendo ser considerado nesse cálculo os índices de gravidade, frequência e custo. O § 2º do art. 202-A do Decreto nº 3.048/99 atribuiu pesos diferenciados a cada um desses índices (50%, 35% e 15%, respectivamente). O Ministério da Previdência Social publicará anualmente, através do diário Oficial da União, sempre no mesmo mês, os róis de percentis frequência, gravidade e custo por Subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e divulgará na rede mundial de computadores o FAP de cada empresa, com as respectivas ordens de freqüência, gravidade, custo e demais elementos que possibilitem a esta verificar o respectivo desempenho dentro da sua CNAE-Subclasse. (§ 5º do art. 202-A do Decreto nº 3.048/99). Para se chegar ao FAP da empresa são utilizados como período de extração dos elementos (frequência, gravidade e custo) os meses de janeiro a dezembro de cada ano até completar dois anos, ou seja, o FAP atribuído a determinada empresa em 2012 levou em consideração as ocorrências obtidas nos anos de 2009 e 2010. (§ 7º do art. 202-A do Decreto nº 3.048/99) No entanto, para aquelas empresas que foram constituídas após janeiro de 2007, o FAP somente será calculado a partir de 1º de janeiro do ano seguinte ao que completar dois anos de constituição. Com isso, as empresas-contribuintes nessa situação recolherão as contribuições para o SAT de modo simplificado, ou seja, nas alíquotas de 1%, 2% e 3%. Mas a vontade de arrecadar foi maior e está previsto uma exceção utilizando como período de extração dos elementos os meses de abril de 2007 a dezembro de 2008. (§ 9ª do art. 202-A do Decreto nº 3.048/99) Com o intuito de evitar eventual burla ao FAP, foi criada uma taxa de rotatividade — através da Resolução MPS/CNPS nº 1.309/2009 — para a aplicação desse fator. Isso significa que após a obtenção do índice do FAP não será permitida a redução da alíquota quando a empresa apresentar uma média de rotatividade em seus quadros funcionais (admissões e demissões) superior a 75% (setenta e cinco por cento), salvo exceções estipuladas na Resolução: 3. Taxa de rotatividade para a aplicação do Fator Acidentário de Prevenção - FAP 3.1. Após a obtenção do índice do FAP, conforme metodologia definida no Anexo da Resolução MPS/CNPS Nº 1.308, de 27 de maio de 2009, não será concedida a bonificação para as empresas cuja taxa média de rotatividade for superior a setenta e cinco por cento. 3.2. Para cumprir o estabelecido no item 3.1, a taxa média de rotatividade será definida e calculada da seguinte maneira: Definição 3.3. A taxa média de rotatividade do CNPJ consiste na média aritmética resultante das taxas de rotatividade verificadas anualmente na empresa, considerando o período total de dois anos, sendo que a taxa de rotatividade anual é a razão entre o número de admissões ou de rescisões (considerando-se sempre o menor), sobre o número de vínculos na empresa no início de cada ano de apuração, excluídas as admissões que representarem apenas crescimento e as rescisões que representarem diminuição do número de trabalhadores do respectivo CNPJ. Justificativa 3.4. A taxa média de rotatividade faz parte do modelo do FAP para evitar que as empresas que mantém por mais tempo os seus trabalhadores sejam prejudicadas por assumirem toda a acidentalidade. Fórmulas para o cálculo 3.5. O cálculo da taxa de rotatividade para cada ano é obtido da seguinte maneira: Taxa de rotatividade anual = mínimo (número de rescisões ocorridas no ano ou número de admissões ocorridas no ano)/número de vínculos no início do ano x 100 (cem) 3.6. Em seguida, calcula-se a taxa média de rotatividade da seguinte maneira: Taxa média de rotatividade = média das taxas de rotatividade anuais dos últimos dois anos Aplicação da taxa média de rotatividade 3.7. As empresas que apresentam taxa média de rotatividade acima de setenta e cinco por cento não poderão receber redução de alíquota do FAP, salvo se comprovarem que tenham sido observadas as normas de Saúde e Segurança do Trabalho em caso de demissões voluntárias ou término de obra (BRASIL, 2009). Desta forma, impede as empresas de trocar seus empregados com mais frequência para obter menores índices de sinistro, e, consequentemente, redução na carga tributária por vias transversas. A empresa-contribuinte, que não concordar com a alíquota do FAP que lhe foi atribuída pode apresentar uma impugnação no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação oficial do FAP (art. 202-B do Decreto nº 3.048/99). O órgão competente para apreciar tal questionamento é o Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional que é vinculado ao Ministério da Previdência Social. O Regulamento da Previdência Social restringiu a matéria a ser ventilada na impugnação eventualmente apresentada pelo contribuinte, haja vista que somente pode tratar de “divergências quanto aos elementos previdenciários que compõem o cálculo do FAP.” (art. 202-B § 1º do Decreto nº 3.048/99) Naturalmente, da decisão que apreciou a impugnação caberá recurso no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da intimação da decisão, cujo órgão competente para apreciar e julgar o recurso é a Secretaria de Políticas de Previdência Social. O processo administrativo de impugnação tem efeito suspensivo, motivo pelo qual os Tribunais não estão acolhendo pedidos de tutela antecipada em demanda apresentada pelo contribuinte com objetivo de suspender o FAP por eventual divergência de elementos previdenciários.27 Ao se aprofundar na metodologia do FAP percebe-se que o cálculo desse fator é extremamente complexo, o que motiva diversas suspeitas sobre sua constitucionalidade, 27 Agravo de Instrumento nº 2010.03.00.016409-7 – Relator: Desembargadora Federal: Vesna Kolmar – Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Data do Julgamento: 10/09/2009 - EMENTA: AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SAT/RAT. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO FAP. SENTENÇA DENEGATÓRIA DA ORDEM. APELAÇÃO. EFEITOS DO RECURSO. 1. Da análise do artigo 14, §3º, da Lei nº12.016/09, verifica-se que a sentença concessiva da ordem possibilita a execução provisória, afastando, dessa forma, a atribuição de efeito suspensivo a eventual recurso de apelação em mandado de segurança. 2. Embora a aludida lei seja silente quanto ao apelo interposto de sentença denegatória da segurança, ou mesmo de sentença extintiva do processo sem exame de mérito, o recurso deve ser recebido no efeito meramente devolutivo, exceto quando houver ameaça de dano irreparável ou de difícil reparação, caso em que será recebido no duplo efeito, consoante entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. 3. In casu, não está presente a referida excepcionalidade, haja vista a suspensividade de que é dotada a impugnação apresentada pelos recorrentes na esfera administrativa, nos termos do Decreto nº 7.126/2010. 4. Agravo legal a que se nega provimento. a começar se houve ou não uma delegação pura para o Poder Executivo estipular as alíquotas do FAP, o fato da empresa-contribuinte não poder consultar os dados que colocaram seus “concorrentes” em melhor posição, dentre outras que serão abordadas nos tópicos seguintes. 5.2 Natureza jurídica A natureza jurídica do Seguro de Acidentes do Trabalho — SAT é tributária, haja vista que é classificado como uma contribuição previdenciária, atraindo, assim, as regras e princípios que regem o Direito Tributário. No entanto, é salutar para o presente estudo identificar também a natureza jurídica do Fator Acidentário de Prevenção — FAP para localizá-lo dentro do sistema jurídico. Pois bem, o FAP — como esclarecido no tópico 6.1 — influencia diretamente o quantum debeatur da contribuição do SAT, tendo em vista que interfere na alíquota desse tributo. A alíquota, por sua vez, é um dos elementos objetivos do fato gerador do tributo que tem por finalidade quantificar a prestação tributária. Assim, a natureza jurídica do FAP consiste num elemento que compõe a alíquota (fator interno) de contribuição do SAT, interferindo no valor do tributo (fator externo), podendo reduzir (até 50%) ou majorar (até 100%) essa alíquota, considerando o desempenho individual da empresa-contribuinte dentro da sua respectiva atividade econômica. 5.3 O FAP e o princípio da reserva legal tributária A inserção do FAP no ordenamento jurídico está gerando diversas controvérsias jurídicas que envolvem tradicionais princípios tributários. No centro dos debates jurídicos acerca da legitimidade do FAP está o princípio da reserva legal tributária.28 Esse princípio — que está ligado ao valor segurança — 28 O princípio da tipicidade também está no centro dos debates, mas será analisado no tópico seguinte. teve como marco histórico a Carta Magna de 1215, documento imposto pelos barões ingleses ao Rei João Sem Terra e tinha como fim limitar os poderes reais do soberano, uma vez que era comum o estabelecimento de tributos de forma abusiva em face dos cidadãos — leia-se barões, uma minoria privilegiada. A limitação imposta ao poder de tributar do Rei condicionava a imposição de tributos à prévia autorização do Conselho de Comuns, trazendo certa segurança jurídica aos cidadãos. O ideal imposto pelos barões ingleses se disseminou pelo velho mundo até atravessar o atlântico, se fazendo presente na Carta da Filadélfia de 1787. Aliás, a Revolução Americana foi motivada justamente pela insatisfação dos colonos americanos com a Coroa Inglesa, que estava taxando de forma exacerbada as suas colônias. No Brasil, o princípio da reserva legal tributária se faz presente desde a Constituição do Império de 1824 (arts. 36, I e 171). A atual Carta Magna de 1988 traz o princípio disciplinado no art. 150, I com o seguinte texto: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. O Poder Constituinte Originário impôs uma limitação ao poder de tributar do Estado. Na verdade, o pacto social permitiu a exação tributária desde que seguisse o trâmite democraticamente escolhido, isto é, os representantes do povo (Congresso Nacional) devem aprovar o projeto de lei que tem como matéria exigir ou aumentar tributo. No entanto, existe um ponto de discordância na doutrina quanto a rigidez do princípio da reserva legal tributária, posto que alguns defendem ser uma reserva absoluta da lei, como é o caso de Alberto Xavier, citado por Luiz Emygdio F. da Rosa Jr (p. 280-281), in verbis: No direito tributário, o princípio da legalidade revestiu sempre um conteúdo bem mais restrito. Com vista a proteger a esfera de direitos subjetivos dos particulares do arbítrio e do subjetivismo do órgão de aplicação do direito — juiz ou administrador — e, portanto, a prevenir a aplicação de “tributos arbitrários”, optouse neste ramo do Direito por uma formulação mais restritiva do princípio da legalidade, convertendo-o numa reserva absoluta de lei, no sentido de que a lei, mesmo no sentido material, deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério da decisão no caso concreto. Se o princípio da reserva de lei formal contém em si a exigência da lex scripta, o princípio da reserva absoluta coloca-nos perante a necessidade de uma lex stricta: a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por ele diretamente fornecidos. A decisão do caso concreto obtém-se, assim, por mera dedução da própria lei, limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o fato na norma, independentemente de qualquer livre valoração pessoal. Para essa corrente, não basta que a lei autorize previamente a cobrança do tributo, tem que estar presente nela todos os elementos do fato gerador abstrato (objetivos e subjetivos). Os defensores dessa linha de pensamento chegam a tal conclusão considerando também o princípio da tipicidade tributária, que será analisado no tópico seguinte. Para outra corrente, capitaneada por Ricardo Lobo Torres29, poderia haver delegação para o Poder Executivo regulamentar alguns elementos da obrigação tributária, desde que essa delegação não seja pura. O Supremo Tribunal Federal — por unanimidade — já encampou a tese da reserva absoluta de lei ao apreciar a Medida Cautelar na ADI 1286/PE. Naquela oportunidade, o relator do processo, Min. Celso de Mello, emitiu voto no sentido de suspender a eficácia de texto legal que permitia o Poder 29 Cf. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar,2007, Vol. IV, pág. 566/571. Executivo concedesse isenção fiscal, a seu bel prazer, a favor de refinarias de petróleo que se instalassem no Estado de Pernambuco30. 30 ADI 1286/PE - E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE OUTORGA AO PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE DISPOR, NORMATIVAMENTE, SOBRE MATÉRIA TRIBUTARIA - DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA - MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO - POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PRINCÍPIO DA RESERVA ABSOLUTA DE LEI EM SENTIDO FORMAL PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - CONVENIENCIA DA SUSPENSÃO DE EFICACIA DAS NORMAS LEGAIS IMPUGNADAS - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - A essência do direito tributário - respeitados os postulados fixados pela própria Constituição - reside na integral submissão do poder estatal a rule of law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da Republica, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributaria. Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional de lei. - A nova Constituição da Republica revelou-se extremamente fiel ao postulado da separação de poderes, disciplinando, mediante regime de direito estrito, a possibilidade, sempre excepcional, de o Parlamento proceder a delegação legislativa externa em favor do Poder Executivo. A delegação legislativa externa, nos casos em que se apresente possível, só pode ser veiculada mediante resolução, que constitui o meio formalmente idôneo para consubstanciar, em nosso sistema constitucional, o ato de outorga parlamentar de funções normativas ao Poder Executivo. A resolução não pode ser validamente substituída, em tema de delegação legislativa, por lei comum, cujo processo de formação não se ajusta a disciplina ritual fixada pelo art. 68 da Constituição. A vontade do legislador, que substitui arbitrariamente a lei delegada pela figura da lei ordinária, objetivando, com esse procedimento, transferir ao Poder Executivo o exercício de competência normativa primaria, revela-se irrita e desvestida de qualquer eficácia jurídica no plano constitucional. O Executivo não pode, fundando-se em mera permissão legislativa constante de lei comum, valer-se do regulamento delegado ou autorizado como sucedâneo da lei delegada para o efeito de disciplinar, normativamente, temas sujeitos a reserva constitucional de lei. - Não basta, para que se legitime a atividade estatal, que o Poder Público tenha promulgado um ato legislativo. Impõe-se, antes de mais nada, que o legislador, abstendo-se de agir ultra vires, não haja excedido os limites que condicionam, no plano constitucional, o exercício de sua indisponível prerrogativa de fazer instaurar, em caráter inaugural, a ordem jurídico-normativa. Isso significa dizer que o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado - como o Poder Executivo - produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar. O legislador, em consequência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o exercício do poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas - (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de calculo tributaria, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal. - Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo. Mais tarde, o STF flexibilizou essa tese da reserva absoluta de lei ao analisar a constitucionalidade da classificação de risco do SAT (leve, médio e grave) sobre o prisma da delegação, acolhendo a segunda corrente doutrinária. A própria CRFB possibilita algumas exceções ao princípio da reserva legal tributária, como a prevista no art. 153, § 1º31, que permite a alteração de alíquotas, pelo Poder Executivo, no imposto de importação, no imposto de exportação, no IPI e no IOF, desde que sejam respeitadas as condições e limites disciplinados em lei. Todos os impostos elencados na norma constitucional têm uma finalidade extrafiscal a ser atingida. No caso das contribuições previdenciárias, dentre elas o SAT, o Constituinte Originário não vislumbrou qualquer fim extrafiscal do tributo que justificaria uma exceção ao princípio da reserva legal tributária. Assim, respeitando o princípio da reserva legal tributária o SAT — e também o FAP — foi instituído através de lei, mas tal norma trouxe conceitos jurídicos indeterminados (risco leve, médio e grave) para a formação do fato gerador e delegou ao Poder Executivo a definição do sujeito passivo em cada um deles. Nesse ponto, o debate passa para o campo de outro princípio tributário, da tipicidade. 31 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer natureza; IV - produtos industrializados; V operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar. § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. 32 Segundo Ricardo Lobo Torres o princípio da tipicidade que se inseriu no Direito Brasileiro teve como fonte o do jurista alemão Karl Larenz, que chegou a distinguir tipo aberto e tipo fechado, abandonando essa ideia já na 3ª edição de seu livro. Cf. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, Vol. 2, pág. 471. 5.4 O FAP e o princípio da tipicidade tributária O princípio da tipicidade tem suas origens no Direito Alemão32, e não há consenso na doutrina sobre a sua autonomia, mas certamente é um corolário do princípio da reserva legal tributária. A tipicidade consistiria na definição do tipo legal tributário de forma fechada, atribuindo todos os elementos da obrigação tributária na norma, não deixando margem para o Administrador agir de forma discricionária no momento da aplicação em concreto desta, isto é, a atividade seria plenamente vinculada, como determina o art. 3º do Código Tributário Nacional — CTN. Para o Ricardo Lobo Torres, essa visão de tipicidade aberta ou fechada foi extraída de Karl Larenz, mas o próprio jurista alemão abandou tal classificação mais tarde. A distinção entre princípio da reserva legal e o princípio da tipicidade é bem delineada por Sacha Calmon ao dizer que “enquanto o princípio da legalidade diz respeito ao veículo (lei), a tipicidade entronca com o conteúdo da lei (norma)” (EMYGDIO, 2005, p. 285). Para a doutrina majoritária, liderada por Alberto Xavier, o ordenamento jurídico brasileiro adotou o princípio da tipicidade no art. 97 do CTN, in verbis: Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. Nota-se que o preceito legal determina que a alíquota tributária também deve ser estipulada por lei. Sobre esse ponto, Luciano Amaro (2010, p. 139-140) diz: Mesmo em relação aos tributos cujas alíquotas, nas citadas circunstâncias, podem ser alteradas sem lei formal, é preciso sublinhar que sua criação depende, em todos os seus aspectos, de definição em lei (formal), mesmo quanto às alíquotas. Não pode a lei criar o tributo sem lhe precisar a alíquota... (...) A Constituição não dá à lei o poder de delegar ao Executivo a livre fixação da alíquota. Em relação aos impostos excepcionados, também não lhe permite que autorize o Executivo a modificar as alíquotas quando ele julgue conveniente, ou de acordo com as diretrizes ou razões que ele próprio venha a traçar, uma vez que a atuação do Executivo se submete ao cumprimento das condições especificadas pela lei a par de observar os limites nela fixados... Pautado no entendimento supracitado, o FAP estaria afrontando os incisos II e IV do art. 97 do CTN e o art. 150, I da CRFB/88, uma vez que a lei que instituiu o FAP possibilita a redução ou a majoração da alíquota da contribuição para o SAT, e, consequentemente, reflete no pagamento a menor ou a maior do tributo. Com isso, tomando com lição os ensinamentos de Luciano Amaro, não se poderia delegar para o Poder Executivo o estabelecimento em concreto de uma progressividade da alíquota do SAT por mais que haja limites mínimos e máximos estipulados em lei formal. A análise do FAP deve ser feita sob enfoque diferente do que foi feito no julgamento da SAT pelo STF (RE 343446/SC), visto que a lei do SAT apenas reservou ao regulamento o enquadramento da atividade de cada empresa-contribuinte ao risco social, sem proporcionar reduções ou majorações tributárias. Já na lei do FAP houve uma delegação para o Administrador elaborar a metodologia de cálculo que afeta diretamente a alíquota do tributo, podendo, essa metodologia ser alterada a critério da Administração Pública, refletindo na carga tributária suportada pelo contribuinte. É evidente que o FAP entra em choque com o princípio da reserva legal tributária e o princípio da tipicidade tributária, visto que dependendo do fator atribuído a empresa-contribuinte, haverá uma diminuição ou aumento da alíquota contributiva do SAT. 5.5 O FAP e o princípio da anterioridade tributária Em busca de segurança jurídica foi introduzido nos ordenamentos jurídicos contemporâneos o princípio da anualidade tributária, que consiste numa autorização anual, promovida pelo órgão de representação do povo (Congresso Nacional, por exemplo), para a cobrança do tributo. Assim, os tributos tinham um prazo de validade (anual), podendo ser prorrogado por mais um ano. No Brasil, o princípio da anualidade tributária foi introduzido através da Constituição de 1946 e permaneceu no sistema jurídico até a Emenda Constitucional nº 1/69, quando foi substituído pelo princípio da anterioridade tributária. O princípio da anterioridade tributária também foi extraído do valor segurança jurídica, posto que o cidadão não pode ser pego de surpresa com a instituição de um tributo novo ou a majoração de tributo já existente. A CRFB/88 disciplina o princípio da anterioridade tributária no art. 150, III, alínea “b”33, onde proíbe a cobrança do tributo instituído ou majorado no mesmo exercício financeiro que tenha sido publicada a lei tributária. A Emenda Constitucional nº 42/2003 ampliou a segurança jurídica dos contribuintes, haja vista que inseriu o princípio da anterioridade nonagesimal34, que consiste na proibição de cobrar tributo antes do prazo de 90 (noventa) dias, mesmo que a lei tenha sido publicada no exercício anterior. As contribuições previdenciárias estão dentro de uma exceção ao princípio da anterioridade tributária, haja vista que não precisam ter uma lei publicada no exercício anterior para legitimar a sua cobrança. No entanto, devem respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal para entrar em vigor a lei que instituiu ou majorou a contribuição previdenciária. Como foi esclarecido no tópico 6.1 do presente estudo, o Ministério da Previdência Social publicará anualmente os róis de percentis de frequência, gravidade e custo por Subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas — CNAE e divulgará na rede mundial de computadores o FAP de cada empresa. Ou seja, numa determinada data do ano o contribuinte saberá se a contribuição para o SAT no ano aumentou ou diminuiu. 33 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - cobrar tributos: (...); b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; 34 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - cobrar tributos: c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; 33 Art. 195 – (...) § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". Pois bem, considerando que o FAP de determinada empresa seja superior a “1”, isso representará um efetivo aumento no SAT. Nessa situação, a “nova” alíquota da contribuição do SAT somente poderá ser cobrada após o transcurso do período de 90 (noventa) dias, como apregoa o §6º do art. 195 da CRFB/8835, sob pena de afrontar o princípio da anterioridade nonagesimal. Contudo, há de salientar que essa situação ocorreria ano após ano sempre que houver um FAP superior a “1”. 5.6 O FAP e o princípio da proporcionalidade Para finalizar o embate entre o Fator Acidentário de Prevenção e os princípios é necessário fazer uma avaliação acerca da razoabilidade/proporcionalidade do art. 10 da Lei nº 10.666/2003. O princípio da razoabilidade tem origem no Direito norte-americano decorrente da interpretação da cláusula do devido processo legal sob o enfoque substantivo. A Suprema Corte Americana se utilizou dessa exegese para declarar a inconstitucionalidade de algumas leis. Esse período ficou conhecido como a era Lochner já que a decisão que marcou foi proferida no caso Lochner vs. New York.36 Na concepção norte-americana a análise da razoabilidade da lei deve ser feita primeiramente no campo interno da norma verificando a relação racional e proporcional entre os motivos, meios e os fins da norma. Após isso passaria para uma análise no campo externo da norma, ou seja, confrontaria a norma com princípios expressos ou implícitos do texto constitucional. O princípio da proporcionalidade tem origem no Direito alemão decorrente de uma interpretação do Estado de direito. Seria uma norma constitucional não escrita. Na concepção alemã a análise da proporcionalidade se subdivide em: a) adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) necessidade ou exigibilidade, que impõe a 36 Nessa ação se questionou a validade de uma lei de New York que limitava a jornada de trabalho dos padeiros. verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingir os fins visados; e c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido. Para alguns doutrinadores, dentre eles o Prof. Luís Roberto Barroso37, o princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade são considerados como um princípio só, não fazendo distinção — salvo de origens — entre eles. Esse entendimento também é acolhido pelo Supremo Tribunal Federal que em seus julgados menciona como princípio da razoabilidade/proporcionalidade. É assim que será tratado no presente estudo. O objetivo do FAP é bem delineado no art. 10 da Lei nº 10.666/2003. A norma tem como objetivo forçar o investimento na segurança do trabalho, reduzindo os incidentes que provocam incapacidade laborativa — temporária ou definitiva — e, consequentemente, reduzir o custo como a concessão de benefícios previdenciários, nem que seja por uma arrecadação maior. Analisando o FAP sob o prisma da adequação, verifica-se que a medida adotada pelo Poder Público atinge os objetivos traçados, haja vista que o contribuinte certamente passou a investir mais em prevenção contra acidentes, incentivado pela redução da sua carga tributária. Na análise da necessidade ou exigibilidade, o FAP dificilmente passaria. Isso porque o FAP — como diversamente mencionando — possibilita uma redução ou uma majoração do tributo. Assim, para o atingimento do fim visado pela norma — prevenção em acidentes — bastaria o incentivo fiscal para reduzir a carga tributária. Ora, em um país cuja carga tributária é uma das maiores do mundo e, onde a atividade empresarial arca com um custo de encargos sociais muito elevados, é difícil de imaginar que um empresário deixe de investir em prevenção contra acidentes quando isso resultaria em redução na sua carga tributária. Assim, a majoração do tributo pela incidência do FAP é um elemento desnecessário na norma, haja vista que bastaria a redução do tributo para atingir o fim pretendido pelo legislador. 37 Cf. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 305. Mesmo diante da reprovação no critério da necessidade ou exigibilidade, vejamos sob o enfoque da proporcionalidade em sentido estrito. O FAP impõe um ônus aos contribuintes consistente no investimento na prevenção de acidentes. Mas esse não é o único ônus, pois existe um agravamento na carga tributária caso o investimento feito não obtenha o resultado pretendido, qual seja, a redução dos índices de acidente. Desta forma, a empresa que investiu em prevenção pode não obter a redução da alíquota da contribuição do SAT se outras empresas investiram mais e obtiveram um FAP melhor. Assim, se a empresa investiu e ainda teve a sua carga tributária aumentada, qual empresário iria investir dinheiro sem ter a certeza de que irá obter o retorno — no caso a redução da alíquota? É evidente que o ônus suportado pelos contribuintes é muito maior que o benefício a ser buscado — redução nos índices de acidentes pelo investimento em prevenção —, haja vista que não será atingido o objetivo da norma. 5.7 Análise pretoriana do FAP O presente tópico do estudo tem como objetivo resumir o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os Tribunais Regionais Federais (TRF) acerca do Fator Acidentário de Prevenção – FAP. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é expressado nos seguintes acórdãos: MANDADO DE SEGURANÇA. FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO. CRITÉRIOS DE CÁLCULO. PORTARIA MINISTERIAL N. 457/2007. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PRECEDENTES. 1. Entre os requisitos específicos da ação mandamental está a comprovação, mediante prova pré-constituída, do direito subjetivo líquido e certo do impetrante. 2. Na hipótese, discutese a respeito dos critérios de cálculo do Fator Acidentário de Prevenção - FAP. Trata-se de discussão baseada em fatos controvertidos, para cuja elucidação seria imprescindível extensa dilação probatória, inviável em mandado de segurança. Precedentes da 1ª Seção: MS 13443 / DF, Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 06/10/2008; MS 13.438/DF, Eliana Calmon, DJe 1º/09/2008. 3. Mandado de segurança extinto sem julgamento do mérito. (MS 13445/DF MANDADO DE SEGURANÇA 2008/0064159-8 – Relator: Ministro Teori Abino Zavascki – Primeira Seção do STJ – Data do julgamento: 10/12/2008 – DJe: 19/12/2008). PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO (FAP). CARÁTER SANCIONADOR. VIOLAÇÃO DO ART. 3º DO CTN. ILEGALIDADE DO CRITÉRIO DE DESEMPATE. APRECIAÇÃO ADMINISTRATIVA DAS DIVERGÊNCIAS. TESES NÃO ANALISADAS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. DIVULGAÇÃO DE DADOS. SÚMULA 7/STJ. 1. Descumprido o necessário e indispensável exame das teses invocadas pelo acórdão recorrido, apto a viabilizar a pretensão recursal da recorrente, a despeito da oposição dos embargos de declaração. Incidência da Súmula 211/STJ. 2. Imprescindível a alegação de violação do art. 535 do Código de Processo Civil, quando da interposição do recurso especial com fundamento na alínea "a" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, se o recorrente entende persistir algum vício no acórdão impugnado, sob pena de incidir no intransponível óbice da ausência de prequestionamento. 3. O recurso especial não comporta conhecimento, pois é inviável o conhecimento de recurso especial que visa, em essência, a declaração de inconstitucionalidade do art. 10 da Lei n. 10.666/2003, sem que haja violação autônoma de legislação infraconstitucional pelo acórdão recorrido. 4. A alegada violação do art. 97 do CTN reforça a pretensão do recorrente em reconhecer a inconstitucionalidade do art. 10 da Lei n. 10.666/2003, pois o referido artigo do Codex Tributário apontado como violado tem caráter eminentemente constitucional, o que afasta a competência do STJ para análise da demanda. Precedentes. 5. Inviável a modificação de entendimento firmado no acórdão recorrido quando a tese do recorrente demanda o reexame do acervo fático-probatório dos autos, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. Recurso especial não conhecido. (REsp 1277853/SC RECURSO ESPECIAL 2011/0217362-0 – Relator: Ministro Humberto Martins – Segunda Turma do STJ – Data do Julgamento: 03/11/2011 – DJe: 11/11/2011). De acordo com os julgados supracitados, o STJ não enfrentou o tema diretamente. Isso porque os recursos que chegaram ao Egrégio Tribunal não foram conhecidos por falta de prequestionamento da matéria ou por se tratar de reexame de provas. No entanto, o STJ consolidou o entendimento no sentido de que não cabe mandado de segurança para impugnar o FAP, uma vez que necessita de dilação probatória para analisar esse tema, inviável na via mandamental. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região enfrentou as discussões do FAP diretamente como se verifica nos seguintes julgados: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. CONTRIBUIÇÃO. SAT. FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO. RECURSO ADMINISTRATIVO. EFEITO SUSPENSIVO. DECRETO N. 7.126/10. DECISÃO MANTIDA. 1. O Decreto nº 7.126/2010 deu nova redação ao artigo 202-B do Decreto nº 3.048/99 e atribuiu efeito suspensivo aos processos administrativos que discutem o recolhimento da contribuição ao SAT, com o acréscimo do multiplicador FAP. 2. Nesse diapasão, "afigura-se cabível recurso administrativo com efeito suspensivo das decisões atinentes a apuração do cálculo do Fator Acidentário de Prevenção - FAP, nos termos do artigo 202-B, § 3º, do Decreto nº 3.048/99." (AG 0013792-07.2010.4.01.0000/DF, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Oitava Turma, e-DJF1 p.527 de 17/06/2011). 3. Presentes os requisitos autorizativos da liminar buscada. CTN, art.151.4. Agravo regimental não provido. Decisão mantida. (AGA 001257186.2010.4.01.0000/DF – Relator: Desembargador Federal Reynaldo Fonseca – Sétima Turma do TRF 1 - Data do Julgamento: 25/10/2011 – e-DJF1 p.243 de 04/11/2011) TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PARA O SEGURO ACIDENTE DE TRABALHO - SAT, ALÍQUOTA. ELEVAÇÃO MEDIANTE A APLICAÇÃO DO FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO - FAP. DECRETO Nº. 3.048/1999, ALTERADO PELOS DECRETOS Nº.S 6.042/2007 E 6.957/2009. DISCUSSÃO ACERCA DA SUA LEGITIMIDADE. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E PERICULUM IN MORA. OCORRÊNCIA. I - Afigura-se plausível juridicamente o entendimento no sentido de que a elevação das alíquotas da contribuição para o Seguro Acidente de Trabalho - SAT, prevista nas alíneas "a", "b" e "c" do inciso II do art. 22 da Lei nº. 8.212/91, por simples Decreto, como no caso, em que o seu cálculo opera-se mediante a apuração do Risco de Acidentes do Trabalho - RAT por aplicação do Fator Acidentário de Prevenção - FAP, previsto no art. 202-A do Decreto nº. 3.048/1999, com as alterações introduzidas pelos Decretos nº.s 6.042/2009 e 6.957/2009, a caracterizar, em princípio, violação ao princípio da reserva legal (CF, art. 150, I), extrapolando os limites do poder regulamentador, na espécie. Configuração do requisito cautelar do fumus boni iuris, na hipótese dos autos. II - No caso concreto, encontrando-se presentes a plausibilidade jurídica do pedido e o periculum in mora, impõe-se a concessão da antecipação da tutela postulada, de forma a sobrestar a exigibilidade da exação, nos moldes impostos ao contribuinte, sem prejuízo do seu regular recolhimento, com observância da alíquota anteriormente praticada. III - Agravo de instrumento provido. (AG 0011273-59.2010.4.01.0000 – Relator: Desembargador Federal Souza Prudente – Oitava Turma do TRF 1 – Data do Julgamento: 23/09/2011 – e-DJF1 p.451 de 21/10/2011). PROCESSUAL CIVIL - TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO AO RAT - ÍNDICE FAP (LEI Nº 10.666/03; RESOLUÇÕES MPS/CNPS Nºs 1.308/09 E 1.309/09) - PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE - DECISÃO MANTIDA - AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.1. A jurisprudência da Sétima Turma deste Tribunal, na esteira da orientação do colendo STF, é no sentido do recebimento dos embargos de declaração, opostos contra decisão singular do Relator, como agravo regimental. 2. Possibilidade de recebimento dos embargos de declaração como agravo regimental, em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal, já que opostos no prazo legal do recurso cabível (art. 557, § 1º, do CPC). Precedentes desta Corte. 3- O FAP - Fator Acidentário de Prevenção, que leva em consideração os índices de frequência, gravidade e custos dos acidentes de trabalho, está previsto no artigo 10 da Lei n.º 10.666/2003, que dispõe no sentido de que as alíquotas de contribuição ao RAT poderão ser reduzidas ou majoradas.4 - O STF entendeu constitucional a regulamentação do SAT, atual RAT, por regulamento do Poder Executivo (STF, RE nº RE 343.446, DJ 20.3.2003, Rel. Min. Carlos Velloso), princípio também aplicável aos regulamentos do FAP - Fator Acidentário de Prevenção. 5 - Com efeito, nessa linha de raciocínio, a regulamentação do FAP, segundo metodologia adotada pelo CNPS, expressamente previstas em lei, não demonstra violação à Constituição Federal. 6- Registre-se que "a Lei Nº10.666, de 08 MAI 2003 (dispõe sobre a concessão da aposentadoria especial ao cooperado de cooperativa de trabalho ou de produção) previu que, em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, as alíquotas previstas na Lei nº 8.212/91, art. 22, II (1%, 2% ou 3%) podem ser reduzidas em até 50% ou aumentadas em até 100% (o que redunda na flutuação da alíquota de 0,5% até 6%), em razão do desempenho da empresa em relação à atividade econômica exercida, conforme dispuser regulamento com cálculo segundo metodologia do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS). (...) A flutuação de alíquota (0,5% até 6%) e a regulamentação do FAP segundo metodologia adotada pelo CNPS estão expressamente previstas na Lei nº 10.666/03, razão por que não parece, em juízo de delibação, haver infringência à CF/88. A prerrogativa de o Poder Executivo adotar metodologia de cálculo para a aplicação de alíquotas diferenciadas do RAT (dentro do limite legal) corresponde à dinâmica da realidade fática inerente à complexidade da aferição dos critérios constantes da lei." (in AGA 0025822-74.2010.4.01.0000/BA, DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p.249 de 18/03/2011). 7- Ademais, a matéria é de reserva legal e, nesse sentido, a jurisprudência não respalda o temporário afastamento, via medida liminar, de norma legal salvo em ação própria perante a Corte Suprema ou em sede de controle difuso de constitucionalidade, respeitada a regra prevista no art. 97 da CF/88 (reserva de plenário). "A presunção da constitucionalidade das leis é mais forte e afasta a "eventual" relevância do fundamento, notadamente se o vício não é manifesto ou flagrante." (AGA 0025022-46.2010.4.01.0000/DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO AMARAL, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p.672 de 19/11/2010). Ausente a verossimilhança das alegações (art. 273 do CPC). 8- Agravo regimental improvido. (AGA 0017708-49.2010.4.01.0000/MG – Relator: Desembargador Federal Reynaldo Fonseca – Sétima Turma do TRF 1 – Data do Julgamento: 14/06/2011 – e-DJF1 p.288 24/06/2011). Nota-se que o entendimento do TRF da 1ª Região oscila com relação à ilegalidade e a inconstitucionalidade do FAP. No entanto, o mérito da matéria não chegou a ser apreciada pelo referido tribunal, uma vez que todas as decisões se referem a recursos de agravo em face de decisões de tutelas antecipadas, ou seja, a cognição é superficial nessa fase processual. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região enfrentou as discussões do FAP também em sede de recurso de agravo, e manteve a decisão que deferiu a tutela antecipada, como se verifica no único julgado disponível no sítio do tribunal: EMENTA AGRAVO INTERNO. SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE. FAP. PODER GERAL DE CAUTELA. OBSERVÂNCIA DOS REQUESITOS À CONCESSÃO DA MEDIDA. DECISÃO NÃO TERATOLÓGICA. 1. SOMENTE É POSSÍVEL A MODIFICAÇÃO DE DECISÃO TERATOLÓGICA OU FORA DA RAZOABILIDADE JURÍDICA, O U EM CASOS DE FLAGRANTE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER, O QUE NÃO OCORREU IN CASU.2. O JUIZ A QUO, DENTRO DO SEU PODER GERAL DE CAUTELA, VISLUMBROU A PRESENÇA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DA MEDIDA PLEITEADA NO WRIT.3. O ATO JUDICIAL ATACADO ESTÁ DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO E NÃO É ABUSIVO. TAMPOUCO É FLAGRANTEMENTE CONTRÁRIO À LEI. AO REVÉS, A DECISÃO DEU À HIPÓTESE RAZOÁVEL INTERPRETAÇÃO JURÍDICA.4. O FATO DO ENTENDIMENTO ADOTADO TER SIDO CONTRÁRIO AO INTERESSE DA RECORRENTE NÃO AUTORIZA A REFORMA DA DECISÃO.5.AGRAVO IMPROVIDO. (AGRAVO 2010.02.01.004754-3 – RELATOR: JUIZ CONVOCADO THEOPHILO MIGUEL – DATA DO JULGAMENTO: 01/03/2011 – DJE: 28/03/2011). Contudo, a fundamentação para negar provimento ao recurso foi pautada no entendimento de que o juiz que analisa a tutela antecipada tem um poder geral de cautela que só pode ser afastado no caso de decisão teratologia, o que não ocorreu no caso. Os Tribunais Regionais Federais da 3ª, 4ª e 5ª Regiões tem o mesmo entendimento sobre o FAP, como se verifica nos acórdãos abaixo: TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. MAJORAÇÃO DA ALÍQUOTA DE RECOLHIMENTO DO RAT/SAT. EMPREGO DO FAP. ART. 10 DA LEI Nº 10.666/2003, ART. 202-A DO DECRETO Nº 3.048/1999, E RESOLUÇÕES Nº 1.308 E 1.309/2009 DO CNPS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE E DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A Lei nº 10.666/2003, artigo 10, introduziu na sistemática de cálculo da contribuição ao SAT o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), como um multiplicador de alíquota que irá permitir que, conforme a esfera de atividade econômica, as empresas que melhor preservarem a saúde e a segurança de seus trabalhadores tenham descontos na referida alíquota de contribuição. Ou não, pois o FAP é um índice que pode reduzir à metade, ou duplicar, a alíquota de contribuição de 1%, 2% ou 3%, paga pelas empresas, com base em indicador de sinistralidade, vale dizer, de potencialidade de infortunística no ambiente de trabalho. O FAP oscilará de acordo com o histórico de doenças ocupacionais e acidentes do trabalho por empresa e incentivará aqueles que investem na prevenção de agravos da saúde do trabalhador. 2. Não há que se falar, especificamente, na aplicação de um direito sancionador, o que invocaria, se o caso, o artigo 2° da Lei nº 9.784/99; deve-se enxergar a classificação das empresas face o FAP não como "pena" em sentido estrito, mas como mecanismo de fomento contra a infortunística e amparado na extrafiscalidade que pode permear essa contribuição SAT na medida em que a finalidade extrafiscal da norma tributária passa a ser um arranjo institucional legítimo na formulação e viabilidade de uma política pública que busca salvaguardar a saúde dos trabalhadores e premiar as empresas que conseguem diminuir os riscos da atividade econômica a que se dedicam. 3. Ausência de violação do princípio da legalidade: o decreto não inovou em relação às as Leis nºs 8.212/91 e 10.666/2003, apenas explicitou o que tais normas determinam. O STF, por seu plenário, no RE n° 343.466/SC (RTJ, 185/723), entendeu pela constitucionalidade da regulamentação do então SAT (hoje RAT) através de ato do Poder Executivo, de modo que o mesmo princípio é aplicável ao FAP. 4. Inocorrência de inconstitucionalidade: a contribuição permanece calculada pelo grau de risco da atividade preponderante da empresa, e não de cada estabelecimento, sem ofensa ao princípio da igualdade tributária (art. 150, II, CF) e a capacidade contributiva, já que a mesma regra é aplicada a todos os contribuintes, sendo que a variação da expressão pecuniária da exação dependerá das condições particulares do nível de sinistralidade de cada um deles. 5. Apelo da União Federal e remessa oficial providos. (AMS – Apelação Cível 332287 – Relator: Desembargador Federal Johonsom Di Salvo – Primeira Turma do TRF 3 – Data do Julgamento: 29/11/2011). TRIBUTÁRIO. SAT/RAT. FAP - SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 10 DA LEI 10.666/03. ART. 202-A DO DECRETO 3.048/99. CONSTITUCIONALIDADE. LEGALIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO. 1. A Lei nº 11.457/07 atribuiu à Secretaria da Receita Federal do Brasil a competência para fiscalizar e arrecadar as contribuições sociais, enquanto que o Ministério da Previdência Social tão somente regulamentou a forma de apuração e cobrança do tributo em questão. Desse modo, a legitimidade passiva é unicamente da Fazenda Nacional, uma vez que à ela incumbe a exigência de contribuição inquinada de inválida, seja pelo vício de constitucionalidade, seja pelo de legalidade. 2. Não há falar em ilegalidade do art. 202-A do Dec. nº 3.048/1999 e das Resoluções CNPS nºs 1.308/2009 e 1.309/2009, em razão de o Fator Acidentário de Prevenção FAP estar expressamente previsto no art. 10 da Lei nº 10.666/2003, sendo certo que o Dec. nº 6.957/2009 não inovou em relação ao disposto nas Leis nºs 8.212/1991 e 10.666/2003, porquanto somente dispôs sobre as hipóteses de incidência às quais serão aplicáveis as alíquotas. 3. Orientação firmada no âmbito deste Tribunal. (Apelação nº 5002327-78.2010.4.04.7000 – Relator: Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik – Data do Julgamento: 30/11/2011 – DE: 01/12/2011). CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PARA O RAT - RISCO AMBIENTAL DO TRABALHO. CONSTITUCIONALIDADE. FONTE DE CUSTEIO. PREVISÃO NO ART. 195, CF. DESNECESSIDADE DE LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR. FAP – FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO. LEGALIDADE. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS. LEGALIDADE. TRANSPARÊNCIA QUANTO AOS DADOS UTILIZADOS NO CÁLCULO. OBSERVÃNCIA PELO ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Constitucionalidade da contribuição social acidentária ao RAT/SAT reconhecida pelo STF. Fonte de custeio prevista no artigo 195, I da CF, sendo desnecessária a exigência de legislação complementar para sua instituição. 2. O Fator Acidentário de Prevenção - FAP (art. 10 da Lei nº. 10.666/03) permite o aumento ou a redução das alíquotas de acordo com o desempenho da empresa a ser aferido com base nos resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia embasada em critérios científicos aprovada pelo CNPS - Conselho Nacional da Previdência Social. 3. As normas determinadoras da forma de incidência do FAP fazem mera regulamentação da matéria, seja enquadrando atividades dentro de categorias de risco leve, médio e grave, seja disciplinando a forma de aferição das alíquotas aplicáveis, não instituindo, nem aumentando base de cálculo ou alíquota, o que afasta a alegação de inconstitucionalidade por violação ao princípio da legalidade. 4. Legalidade da metodologia do cálculo e da forma de aplicação dos critérios da composição do FAP, tendo em vista a ampliação da cultura de prevenção dos acidentes e doenças do trabalho, dando o mesmo tratamento às empresas que se encontram em condição equivalente, tudo em conformidade com as disposições constitucionais. 5. Legalidade da delegação ao Poder Executivo dos critérios para aferição da alíquota aplicável, em virtude da dinâmica da realidade fática inerente à complexidade da aferição dos critérios constantes da lei. 6. Não procede a alegação de falta de transparência quanto às informações necessárias à conferência do cálculo do FAP, pois a aferição da exatidão da apuração da RAT pode ser feita com base nas informações que são disponibilizadas pelo Órgão Previdenciário, por meio de sua página eletrônica na internet, onde os contribuintes podem conferir seus índices de frequência, gravidade e custo. 7. Apelação improvida.” (Apelação Cível nº 529598/CE – Relator: Desembargador Federal Francisco Barros Dias – Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Data do Julgamento: 25/10/2011 – DJE: 03/11/2011). As decisões supracitadas se utilizam do mesmo argumento, haja vista que reconhecem a legalidade e constitucionalidade do art. 10 da Lei 10.666/03. O principal fundamento é o fato do STF ter julgado a constitucionalidade da contribuição do SAT (RE 343.466/SC). No entanto, a questão é diferente das abordas no FAP. Diante dos julgados apresentados, verifica-se que a maioria dos tribunais afasta as alegações de ilegalidade ou inconstitucionalidade do FAP. 6 CONCLUSÃO Após analisar as peculiaridades do Fator Acidentário de Prevenção – FAP podemos estabelecer as seguintes premissas: 1 – A evolução histórica da Seguridade Social demonstra que o primeiro sistema de seguro contra os riscos sociais surgiu na Alemanha durante os anos de 1883 até 1892, prevendo a proteção contra os acidentes de trabalho, invalidez e velhice. Esse modelo Bismarkiano foi aprimorado pelo Plano Beveridge, idealizado na Inglaterra em 1942. Estes modelos moldaram a atual estrutura de Seguridade Social observada em grande parte dos países, inclusive no Brasil. A diferença entre um modelo e outro é que o Beveridge estendeu o manto de proteção às áreas de saúde e assistência social; 2 – No Brasil, o marco inicial da Previdência Social Pública se deu com Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682/1923) e passou por diversas modificações até chegar ao sistema previdenciário vigente, consistente num seguro coletivo de filiação e contribuição compulsórias, pautado na organização Estatal; 3 – O sistema previdenciário vigente estabelece princípios e regras próprias que identificam sua autonomia no ordenamento jurídico. Dentre os princípios da Previdência Social deve-se destacar o princípio da solidariedade e o princípio do equilíbrio financeiro atuarial; 4 – A Previdência Pública no Brasil é dividida em 02 (dois) regimes: O Regime Geral de Previdência Social – RGPS e o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos – RPPS, sendo o primeiro voltado para os trabalhadores da iniciativa privada e o segundo sendo voltado para os servidores públicos. A crítica que se faz é que seria melhor haver um único regime previdenciário, haja vista que hoje não se justifica mais fazer distinção entre o trabalhador do setor privado e o trabalhador do setor público; 5 – O custeio do regime geral de previdência social é de responsabilidade de toda a sociedade, efetuando o recolhimento das contribuições previdenciárias que tem natureza jurídica de tributo, diante do atual regime constitucional. Dentre essas contribuições está o Seguro Acidente do Trabalho – SAT, que é uma contribuição adicional cobrada das empresas visando à cobertura de acidentes do trabalho, principalmente para cobrir os custos na concessão de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e aposentadoria especial; 6 – O Fator Acidentário de Prevenção – FAP foi introduzido no ordenamento jurídico através da Lei nº 10.666/2003 (art. 10), e possibilitou a redução (50%) ou aumento (100%) da alíquota da contribuição do SAT. A lei concedeu uma delegação ao Poder Executivo para estabelecer as premissas metodológicas para o cálculo do FAP, devendo considerar nesse cálculo os índices de gravidade, frequência e custo. Coube ao Ministério da Previdência Social a tarefa de divulgar o FAP de cada empresa. 7 – Um ponto bastante criticado é o fato da empresa contribuinte não poder ter acesso aos elementos de outra empresa da mesma Subclasse. Isso seria importante porque um erro na verificação dos elementos da outra empresa pode representar uma troca na ordem de classificação, e, consequente redução do FAP. Para o Dr. Carlos Alberto Pereira de Castro e o Dr. João Batista Lazzari seria uma afronta ao direito de defesa do contribuinte.38 8 – O FAP consiste num elemento que compõe a alíquota da contribuição do SAT, sendo, portanto, um dos elementos do fato gerador desse tributo, o que atrai a observância aos princípios que regem o direito tributário; 9 – Dentre os princípios tributários que devem ser observados está o princípio da reserva legal tributária. Parte da doutrina entende que essa reserva legal tributária é absoluta, ou seja, apenas através de lei em sentido formal e material é que pode exigir 38 Cf. Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari. Manual de Direito Tributário. 13ª edição. Ed. Conceito – São Paulo/SP, 2011, págs. 276/277. Os autores fazem os seguintes apontamentos: “Outro aspecto de suma importância e que causou completo descontentamento dos contribuintes é a posição de cada empresa na subclasse da CNAE, uma vez que, embora o contribuinte tenha acesso ao seu número de ordem, não possui informação acerca do desempenho das demais, para o fim de conferir se a posição por ela alcançada é realmente justa. Saliente-se, ainda, que tal critério contribui de forma preponderante para a fixação da alíquota do Fator Acidentário de Prevenção – FAP. Esse fato é determinante para comprometer o resultado da formula empreendida pelo Fisco, pois impedindo as empresas de comparar os seus resultados com os de suas “concorrentes”, resta também tolhido o direito de defesa do contribuinte, o que é inadmissível no ordenamento jurídico vigente”. ou aumentar os tributos. O próprio Supremo Tribunal Federal já teve julgado encampando essa corrente. Na nossa concepção, a reserva legal tributária não é absoluta, uma vez que pode ser estabelecido na norma tributária conceitos jurídicos indeterminados, desde sejam apenas para estabelecer conceito técnico-jurídico, e não delegar ao Poder Executivo o elemento quantitativo do tributo, deixando a conveniência e oportunidade da Administração aumentar ou diminuir o tributo fora das exceções constitucionais. 10 – No embate do FAP com o princípio da tipicidade, verifica-se que a alíquota é um dos elementos do fato gerador e deve ser estipulada por lei. No caso em questão, apenas a alíquota básica do SAT é fixada por lei, já que o índice do FAP incide sobre ela alterando para menos ou para mais, influenciando no resultado final do tributo, ou seja, no quanto deverá ser recolhido de contribuição previdenciária para o SAT. 11 – Aqueles que defendem a legalidade e a constitucionalidade do FAP apresentam como argumento o entendimento do STF no julgamento do RE 343.446/SC, no qual foi declarada a constitucionalidade do SAT. Ocorre que, estabelecer o grau de risco da atividade empresarial (leve, médio e grave), e, consequentemente, as alíquotas da contribuição do SAT, é completamente diferente de atribuir à Administração o poder de estabelecer parâmetros para um índice (FAP), que interferirá no resultado final do tributo a ser recolhido. Ora, basta o Ministério da Previdência Social alterar seus critérios metodológicos que importará em diminuição ou aumento na contribuição previdenciária. Foi justamente essa insegurança jurídica que o Constituinte Originário quis evitar ao estabelecer o princípio da reserva legal tributária. 12 – Mesmo considerando que o FAP não afronta os princípios da reserva legal tributária e o princípio da tipicidade tributária há de se fazer uma análise sob o enfoque do princípio da razoabilidade/proporcionalidade do art. 10 da Lei nº 10.666/2003. Verificamos no estudo que não é necessário o aumento da alíquota da contribuição do SAT para atingir o fim proposto pela norma, que consiste no incentivo ao investimento em prevenção de acidentes no trabalho. Assim, o FAP esbarraria no subprincípio da necessidade ou exigibilidade, haja vista que bastaria conceder um incentivo fiscal para atingir o resultado pretendido. 13 – Ainda na análise do princípio da razoabilidade/proporcionalidade, o FAP não passaria pelo crivo da proporcionalidade em sentido estrito, porque o ônus imposto ao contribuinte — investimento na prevenção de acidentes — não necessariamente representaria a redução na carga tributária da empresa, uma vez que concorre com os outros contribuintes da sua atividade empresarial. Sendo constatada tal hipótese, a empresa diminuirá o investimento em prevenção de acidentes já que prevenindo ou não sua carga tributária será elevada. 14 – Afastando todos os argumentos contrários ao FAP e verificando o aumento na alíquota da contribuição para o SAT, deve-se respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal, só podendo cobrar a nova alíquota após transcorrer 90 (noventa) dias da publicação do FAP da empresa. 15 – Em resumo, na nossa concepção, o FAP está afrontando o art. 150, I da CRFB/88 (princípio da reserva legal tributária), o art. 97, II e IV do CTN (princípio da tipicidade tributária), o art. 150, III, alínea “c” da CRFB/88 (princípio da anterioridade nonagessimal) e o princípio da razoabilidade/proporcionalidade. REFERÊNCIAS AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. _________. 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