JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E POLITICAS PÚBLICAS
Autora: Tatiana dos Reis Balaniuc M. Moreira
Fiscal da Vigilância Sanitária do Município de Ribeirão Preto - SP, Advogada,
Especialista em Saúde Pública, cursando Especialização em Direito Sanitário no
Instituto de Direito Sanitário Aplicado –IDISA, Campinas SP.
Resumo: O direito à saúde chegou ao Judiciário há algum tempo. Este direito constitucional
vem sendo tema de milhares de ações judiciais, e esse fato ganhou o nome de “judicialização
do direito à saúde”. Questionamos até onde o Judiciário pode interferir em decisões que
cabem exclusivamente a Administração como elaborar suas políticas públicas. Questionamos
também se ele leva em conta que o orçamento público é finito e que os montantes advindos
das demandas judiciais estão prejudicando a Saúde e acabando com suas possibilidades de
defender o interesse coletivo. Breve análise do voto do Ministro Gilmar Mendes nos autos da
Apelação Cível nº 408729/CE (2006.81.00.003148-1) e da Resolução nº 31/2010 do CNJ.
Em 2009 o Ministro Gilmar Mendes tratou do assunto judicialização da saúde ao
proferir um voto fantástico quando recebeu um agravo regimental que tinha como assunto
principal excluir a União da responsabilidade no caso. Ele manteve a decisão recorrida
reforçando a responsabilidade conjunta dos três entes da federação e a possibilidade do
Judiciário se envolver sim em questões públicas quando não respeitados os princípios e
normas já definidas na saúde.
Para isso o Ministro analisou detalhadamente o direito fundamental a saúde levando em
conta às experiências e os dados colhidos na Audiência Pública – Saúde, realizada naquela
Corte nos meses de abril e maio de 2009 onde profissionais do Judiciário e da Saúde se
reuniram para debater o assunto.
A decisão do Ministro foi a favor de manter um tratamento para autora fora dos
protocolos do SUS, orçado em R$ 52.000,00 por mês com um medicamento sem registro no
órgão competente (ANVISA).
A União alegava que o caso em questão, causava grave lesão à ordem, economia e
saúde pública. Dizia que os protocolos e diretrizes terapêuticas do SUS não estavam sendo
respeitados, e que a decisão violava o principio da separação de poderes e as normas e
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regulamentos do SUS, e que também desconsiderava a função exclusiva da Administração de
definir políticas públicas, caracterizando uma invasão do Judiciário nestas diretrizes.
A União defende que deslocar recursos estatais desta forma causa uma descontinuidade
da prestação de serviços de saúde para o restante da população e que o interesse coletivo deve
sempre prevalecer. No entanto o Supremo por diversas vezes garantiu direitos individuais
mesmo que isso causasse prejuízo ao interesse coletivo.
A saúde é um direito público subjetivo que deve ser garantido mediante prestações do
Estado e que são passíveis de garantia via judicial. Todas as dimensões dos direitos
fundamentais têm custo público, por isso é necessário levar em conta a quantidade do recurso
disponível. O principal argumento contra a judicialização é a dimensão destes valores que
impedem uma prestação completa dos direitos sociais. Esta dependência de recursos para
efetivação dos direitos faz com que as políticas públicas sejam essenciais para definir estas
regras, e gastar mais com um do que com outro envolve adotar critérios de distribuição de
recursos.
Em razão de não haver recurso financeiro suficiente para satisfazer todas as
necessidades sociais o governo precisa ter bem definido suas políticas e prioridades. Tem que
escolher os critérios de justiça que pretende atender. Por isso a Administração Publica não
aceita a interferência do Judiciário alegando que este não teria condições de analisar as
prioridades e suas conseqüências.
Quando a Constituição Federal diz no seu artigo 196 que saúde é um direito de todos e
dever do Estado, ela continua a frase dizendo que este dever deve ser garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos.
Portanto a saúde não é só o SUS, ela deve ser garantida mediante políticas públicas,
como saneamento, moradia, emprego, lazer, esporte, e muitas outras,
pois como bem
sabemos saúde não é apenas ausência de doença mas sim um completo bem estar físico e
mental que precisa de diversos fatores para ser garantido. Não podemos exigir que o SUS
arque com toda a despesa que envolve o garantir a saúde da população ao qual o Estado é
obrigado. Sabemos que diversos fatores colaboram para este fim, e hoje o SUS esta pagando
sozinho uma conta que não é dele.
Medicamentos caríssimos e muitas vezes sem registro na ANVISA como o discutido
nesta ação, próteses e tratamentos fora dos protocolos do SUS são exigidos sem uma análise
profunda causando um enorme prejuízo ao Sistema.
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Outro fator absurdo é o fato do Judiciário ter se tornado uma porta de entrada para um
sistema de saúde contrariando as regras de acesso definidas em lei.
O cidadão brasileiro tem um maravilhoso direito constitucional de possuir um sistema
de saúde universal e integrado. Ele não valoriza esse beneficio, e ao invés de lutar por ele, se
recusa usar o sistema, muitas vezes fala com descaso ou vergonha, prefere pagar um convênio
particular, mas quando necessita uma prestação cara , que o convênio não cobre, vem exigir
do Sistema (SUS) via judicial.
Este cidadão deveria estar incluído no sistema para ter direito ao tratamento integral, ele
deveria entrar pela “porta da frente”, ou seja, pela atenção básica através das consultas
iniciais, ou pela urgência e emergência, mas nunca através do Judiciário.
Este deveria ser um remédio apenas para exigir que políticas fossem cumpridas, mas
ninguém entra na Justiça para reclamar de falta de médicos nos postos, falta de ações
preventivas feitas pelos municípios, falta de programas específicos, mas sim para exigir
prestações caríssimas que oneram o sistema e muitas das vezes não tem nem mesmo sua
eficácia comprovada.
Sem esquecer o fato de que o Sistema (SUS) esta sub-financiado, seu orçamento esta
muito aquém das suas necessidades, e como se não bastasse ele vem sendo sobrecarregado
com ações judiciais.
Claro que sabemos as falhas do Sistema, as filas, a falta de profissionais, a demora nos
agendamentos, a falta de leitos, mas todos esses problemas seriam infinitamente menores se
houvesse um financiamento adequado, com todos os entes do governo participando com o que
lhe cabe, investindo na saúde e nas suas políticas.
Por outro lado, temos que considerar que o Judiciário serve para garantir que estes
direitos sociais sejam concretizados e não corra o risco de ficar apenas no papel. As decisões
judiciais têm impactado a saúde e muitas vezes de forma negativa, gerando um gasto
desproporcional esquecendo que a receita é finita e isso precisa ser urgentemente resolvido.
Na maioria das vezes estas decisões são contrárias às políticas estabelecidas pelo governo
para área da saúde e vai muito além das possibilidades orçamentárias previstas.
No entanto o direito a saúde tem uma dimensão individual reconhecida e que tem sido
garantido no judiciário. O Judiciário, como guardião da Constituição, deveria assegurar que as
políticas sociais fossem cumpridas no entanto acaba entendendo que os direitos individuais
são prioridade. Com isso compromete o SUS, que tem o principal objetivo cuidar da saúde de
todos defendendo o interesse coletivo.
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O financiamento público não é suficiente para cobrir o atendimento que deve ser
integral, dar preferência para as atividades coletivas e ainda arcar com as despesas relativas as
demandas judiciais pois cumprindo estas decisões que privilegiam o interesse individual
causam um gasto excessivo e o orçamento previsto fica comprometido.
A Recomendação do CNJ nº 31/2010 veio ajudar a Saúde Pública confirmando a
necessidade do estudo profundo e da discussão do assunto pelos advogados, juízes, e também
a necessidade do Judiciário ouvir os técnicos para decidir através de pedidos bem
fundamentados e documentados, podendo defender o interesse individual e suas necessidades
mas sem prejudicar completamente o coletivo respeitando as políticas pré definidas ( como
medicamentos com registro no órgão competente, vagas de UTI, ..).
Recomendar também que o Direito a Saúde, matéria denominada Direito Sanitário seja
estudado nas faculdades e pelos magistrados é de extrema importância mas infelizmente ainda
não esta acontecendo dentro das universidades.
O Judiciário deve trabalhar para que as políticas públicas já existentes sejam cumpridas,
deve para isso ter parâmetros para suas decisões sem exigir prestações descabidas, que não
estejam entre os protocolos do SUS. Aceitamos que ele deva considera os avanços da
medicina e da indústria farmacêutica e que por isso estas políticas e protocolos possam estar
desatualizadas e não fazer disto uma regra rígida.
Concluímos que se faz fundamental o Judiciário ser um auxiliar do Governo e não um
adversário, pois quando ele toma decisões que causam um impacto tão grande no orçamento
toda a população é prejudicada.
Concluímos ainda que as Recomendações do CNJ devem ser aplicadas com rigor, assim
como as políticas públicas do governo devem ser respeitadas e fiscalizadas.
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