Artigo Original
Carcinoma papilífero em cisto do ducto tireoglosso –
a tireoidectomia é necessária?
José Higino Steck1,2
Douglas Neumar Menon3
Antonio Lemos Gomes de Souza2
Lílian Fraianella1,2
Rogério Benatti Ferramola1,4
Papillary carcinoma of thyroglossal duct cyst –
is thyroidectomy necessary?
RESUMO
ABSTRACT
Introdução: o cisto do ducto tireoglosso (CDT) é a doença
congênita mais freqüente na região cervical. A presença de
neoplasia maligna associada a esse cisto é pouco comum e de
difícil diagnóstico pré-operatório. Objetivo: apresentar a
experiência com carcinoma papilífero em CDT. Pacientes e
Método: foram revistos 35 pacientes consecutivos submetidos à
ressecção de CDT e estudados três casos de carcinoma papilífero
dentro do cisto, com análise do tratamento dos mesmos.
Resultados: a incidência de carcinoma papilífero foi de 8,5% dos
cistos nessa série, sendo duas mulheres e um homem e idade
média de 27,3 anos (variação de 25 a 32 anos). Dois pacientes
tiveram diagnóstico após cirurgia de Sistrunk e um apresentava
biópsia aspirativa por agulha fina pré-operatória sugestiva de
neoplasia. Todos os casos foram conduzidos com tireoidectomia
total, um deles pela técnica vídeo-assistida, com pesquisa de corpo
inteiro com I131 após a cirurgia. Em um paciente, foi encontrada
neoplasia primária na tireóide. Conclusão: o carcinoma papilífero
em CDT é pouco freqüente. Embora o tratamento seja controverso,
nosso ponto de vista é que a tireoidectomia total deva ser indicada,
complementando a ressecção do cisto devido à possibilidade de
tratar-se de tumor metastático e para facilitar o seguimento
posterior. A técnica vídeo-assistida pode ser utilizada para realizar
a tireoidectomia total por tratar-se, em geral, de glândulas de
tamanho normal.
Introduction: the Thyroglossal duct cyst (TDC) is the most
common congenital disease of the cervical region. The presence of
associated malignant neoplasm in the cyst is uncommon and is
difficult to perform the preoperative diagnosis. Objective: to
present our experience with papillary carcinoma in the TDC.
Patients and methods: we reviewed 35 consecutive patients
submitted to TDC resection with three cases of papillary carcinoma
in the cyst and analyzed the treatment. Results: the incidence in
this series was 8.5% of papillary carcinoma in the cysts, with two
women and one man, whose mean age was 27.3 years (range, 25
to 32). Two patients were diagnosed after the Sistrunk procedure
and one had preoperative fine needle aspiration biopsy suggestive
of neoplasm. All patients underwent complementary total
thyroidectomy, one of them underthe videoassisted technique, and
total body scintigraphy. In one patient, papillary carcinoma was
found in the thyroid gland. Conclusion: the papillary carcinoma in
TDC is an uncommon entity. The treatment is controversial, but in
our point of view the total thyroidectomy is indicated as a
complement to the cyst resection because it can be metastatic, and
to facilitate the follow-up. The videoassisted technique may be used
to perform the total thyroidectomy because the glands have
commonly normal size.
Key words: papillary carcinoma; thyroglossal duct cyst; fine needle
aspiration cytology; videoassisted thyroidectomy.
Descritores: carcinoma papilífero; cisto tireoglosso; punção
aspirativa por agulha fina; tireoidectomia vídeo-assistida.
INTRODUÇÃO
O cisto do ducto tireoglosso (CDT) é formado a partir de um
defeito no fechamento do referido ducto durante a
embriogênese. Devido à produção de muco a partir das células
do ducto, pode ocorrer a formação de massa cística de
localização mais comum na linha média anterior do pescoço,
acima da cartilagem tireóidea, embora possa ocorrer em
qualquer ponto desde o forame cego da língua até a cartilagem
tireóidea1-4. Alguns autores citam o ducto do cisto tireoglosso
como sendo a malformação congênita mais comum da região
cervical, seguido pelos cistos e fístulas branquiais5-7. O cisto do
ducto tireoglosso manifesta-se mais comumente como nódulo
cervical anterior assintomático, mas pode infectar-se,
apresentando-se como abscesso ou fístula4,8.
A ocorrência de malignização é rara, sendo encontrada em
menos de 1% dos casos5,9-12, sendo que, atualmente, são
descritos aproximadamente 250 casos na literatura
mundial9,10,12-14. Quando ocorre, o tipo histopatológico mais
freqüentemente observado é o carcinoma papilífero, seguido,
mais raramente, pelo carcinoma espinocelular e carcinoma
folicular9,10,14,15. O diagnóstico quase sempre é feito após a
ressecção do cisto, mas a biópsia aspirativa com agulha fina
pode auxiliar o diagnóstico pré-operatório, embora não sejam
raros os resultados falso-negativos 10,14 . A origem da
malignização é imprecisa, podendo corresponder a neoplasia
primária do ducto tireoglosso, metástases de carcinoma
primário de tireóide ou neoplasia primária de tecido tireoideano
ectópico em cisto tireoglosso13,16.
(1) Médico Assistente do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Municipal Dr. Mario Gatti, Campinas.
(2) Cirurgião de Cabeça e Pescoço da Clínica de Oncologia Cirúrgica e Cabeça e Pescoço ONCCAPE, Campinas.
(3) Médico Residente do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Municipal Dr. Mario Gatti, Campinas.
(4) Mestre pelo Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis HOSPHEL, São Paulo.
Instituições: Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Municipal Dr. Mario Gatti, Campinas e Oncologia Cirúrgica e Cabeça e Pescoço ONCCAPE
Correspondência: Av. Andrade Neves, 295 – 2º andar – 13013-161 Campinas, SP. E-mail: [email protected]
Recebido em: 05/12/2006; aceito para publicação em: 10/01/2007.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 36, nº 1, p. 9 - 11, janeiro / fevereiro / março 2007
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PACIENTES E MÉTODO
Este trabalho relata três casos de carcinoma papilífero em cisto
tireoglosso em uma série de 35 cirurgias consecutivas em um
período de cinco anos, realizadas em dois serviços: Hospital
Municipal Dr. Mario Gatti e ONCCAPE (Clínica de Oncologia
Cirúrgica e Cabeça e Pescoço), ambos na cidade de
Campinas, além de revisão da literatura pertinente ao tema.
RESULTADOS
Em um período de cinco anos, foram realizadas 35 cirurgias
para tratamento de CDT, com idade variando de 2 a 61 anos
(média, 24,4) e 17 pacientes do gênero feminino (48,5%) e 18
do masculino (58,5%), todos tratados por cirurgia de Sistrunk.
Três pacientes foram diagnosticados com carcinoma papilífero
dentro do cisto, sendo dois pacientes do gênero feminino e um
do masculino. A idade desses pacientes variou de 25 a 32 anos
na data da cirurgia, com média de 27,34 anos. A história préoperatória de todos os casos não diferiu das conhecidas
apresentações para o cisto do ducto tireoglosso, sendo a
principal queixa a de nódulo na região cervical anterior. Dois
pacientes tiveram diagnóstico após a cirurgia para ressecção
do cisto e um apresentava biópsia aspirativa por agulha fina
pré-operatória sugestiva de carcinoma papilífero mas, tratado
em outro Serviço, teve apenas a Cirurgia de Sistrunk realizada
inicialmente. Os resultados do exame anátomo-patológico
foram descritos como: caso 1: “carcinoma papilífero de tireóide
em cisto tireoglosso de 2cm, com infiltração focal da parede do
cisto”; caso 2: “carcinoma papilífero de tireóide de 1 cm
(formação cística com projeções papilíferas)”; caso 3:
“carcinoma papilífero infiltrando parede do cisto e músculo
estriado”. Em nenhum dos casos foi realizada biópsia
aspirativa por agulha fina pré-operatória. Dois dos casos foram
estudados com ultra-sonografia cervical antes de prosseguir
com a terapêutica, sendo evidenciado volume tireoidiano
normal nos dois casos (7,4 cm3 no caso 1 e 8,5 cm3 no caso 2).
Em um dos casos, foi encontrado um nódulo tireoidiano de
4mm de diâmetro no lobo esquerdo (caso 1), cujo resultado
final mostrou ser carcinoma papilífero da tireóide. A conduta,
após o diagnóstico de carcinoma nos três casos, foi de
tireoidectomia total, sendo usada a técnica vídeo-assistida em
um dos casos. O exame anátomo-patológico das peças
cirúrgicas revelou “microcarcinoma papilífero de tireóide em
nódulo único a esquerda de 5mm” em um dos casos, “bócio
colóide” em outro e tireoidite de Hashimoto, sem neoplasia na
peça do último dos casos. Após a tireoidectomia total, os casos
foram conduzidos com pesquisa de corpo inteiro, sem
evidências de metástases a distância, sendo programada
radioiodoterapia para o caso com carcinoma na glândula
tireóidea. Todos os pacientes foram submetidos à supressão
hormonal com Levotiroxina e seguimento com tireoglobulina
sérica.
DISCUSSÃO
O carcinoma em cisto tireoglosso, na maioria das vezes,
constitui-se em achado de exame anátomo-patológico de peça
cirúrgica após exérese do cisto. A biópsia aspirativa por agulha
fina poderia constituir um método auxiliar no diagnóstico préoperatório de malignidade, porém, ainda há a necessidade de
maiores estudos para avaliar a eficácia do método. Alguns
autores defendem o uso da PAAF10,16,17, enquanto outros deixam
de dar crédito ao método, ao demonstrar um número elevado
de resultados falso-negativos. A presença de corpos de
psamoma ou células escamosas atípicas na PAAF deve alertar
para a presença de carcinoma18. O tipo histológico mais citado
na literatura é o carcinoma papilífero19, concordando com a
nossa amostra, onde 100% dos casos foram deste tipo.
Nossa amostra revelou uma prevalência de 8,5% de
10
malignização, discordando da literatura, que cita algo em torno
de 1% dos CDT como sendo a real prevalência desse tipo de
doença. Esse fato pode se dever a dois motivos: primeiro, nosso
Serviço trata preferencialmente adultos, sendo os casos de
crianças tratados pelo Serviço de Cirurgia Pediátrica, o que
diminui nossa amostragem e, segundo, é um Serviço de
referência de casos operados em outros Serviços (um dos
casos foi encaminhado de outro Serviço após a cirurgia de
Sistrunk ter sido realizada e o carcinoma ter sido
diagnosticado). De qualquer forma, são números que estão
longe de ser desprezíveis e ter conhecimento dessa
possibilidade é imprescindível para a ideal condução dos casos
de CDT20.
A cirurgia de escolha nos casos de CDT é a técnica de Sistrunk,
que consiste na ressecção do cisto associada à secção do osso
hióide. A ressecção da porção central do osso hióide é a
conduta também em casos de carcinoma com invasão da
parede do cisto e do tecido adjacente, para obter margem de
segurança. A conduta na tireóide nos casos de malignização é
controversa, sendo preconizada a tireoidectomia total,
associada ou não a linfadenectomia para alguns autores9,10,14,15,
enquanto outros preferem terapia supressiva após a cirurgia de
Sistrunk12, sendo que alguns preconizam apenas seguimento
clínico-radiológico do caso após a exérese11. A tireoidectomia
total parece-nos mais adequada, devido ao achado de
carcinoma na glândula tireóide em um de nossos casos e, não
raro, na literatura21. O seguimento pode ser feito através de
exame físico do pescoço, ultra-sonografia do sítio cirúrgico e
cintilografia de corpo inteiro com iodo radioativo e tireoglobulina
sérica. Em alguns casos, foi encontrado um tumor primário na
tireóide, fato que reforça alguma conduta complementar à
cirurgia de Sistrunk15, além de facilitar o seguimento da
neoplasia.
A técnica vídeo-assistida constitui alternativa interessante para
a realização da tireoidectomia, devido ao volume pequeno, em
geral, dessas glândulas, com bons resultados estéticos22.
Linfadenectomia cervical fica reservada aos casos de
metástases linfonodais21,23. A ultra-sonografia pré-operatória
não parece ter valor na diferenciação entre cisto simples ou
aqueles com malignização, mas uma utilização viável desse
método seria na identificação de nódulos tireoidiano
concomitantes ao cisto tireoglosso24, embora o achado de
tireóide normal não deva desencorajar a tireoidectomia,
justificada pelo achado freqüente de carcinomas em tireóide
radiologicamente normal25. O prognóstico dos pacientes com
carcinoma papilífero é bom, com ótimo índice de cura se bem
conduzidos26.
CONCLUSÃO
A malignização encontrada em casos de CDT é incomum,
porém, o conhecimento desse tipo de apresentação é
fundamental ao cirurgião. Dessa forma, torna-se imperativa a
realização de exame anátomo-patológico em todos os casos. A
tireoidectomia total deve ser realizada pela possibilidade de
carcinoma de tireóide como foco primário de uma metástase no
CDT, além da pesquisa de corpo inteiro, no intuito de rastrear
metástases à distância ou remanescentes de tecido tireoidiano.
A tireoidectomia facilita também o seguimento desses
pacientes com tireoglobulina sérica. A técnica vídeo-assistida
pode ser utilizada com segurança para realizar a tireoidectomia
total por tratar-se, em geral, de glândulas de tamanho normal.
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