ISSN 0047-2077 Novembro/Dezembro 2012 Volume 100 Número 5 Pneumonias adquiridas na comunidade Manifestações extraesofágicas da DRGE Ascite no paciente cirrótico Hipertireoidismo Falência hepática aguda Polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica A democracia e o silêncio acadêmico Editor: José Maria de Sousa e Melo In memoriam editorial ISSN 0047-2077 U Gerente Geral: Daila B. Melo Gerência Executiva: Lícia M.a S. Andrade Assistente: Thereza C. Jouan Alé m dos mais intrigantes questionamentos e motivo de grande preocupação ético-cultural é o silêncio que acometeu a classe médica universitária após o fim da ditadura. Em tempos idos jamais aceitaríamos o sucateamento que envolve os hospitais universitários, especialmente no Rio de Janeiro, berço das grandes revoluções de nosso país. Redação Editor Científico: Dr. José Galvão-Alves Redator-Chefe: Dr. Almir L. da Fonseca Coordenação Editorial: Sheila Guedes Revisor-Chefe: Waldyr dos Santos Dias Revisores: Joel Vasconcellos Sueli B. dos Santos Contato Médico: Jorge de Moura Bastos Assistente: Julliana P. Rodrigues Tráfego e Logística: Manassés S. Pinto Os jovens, iludidos pela ascensão da medicina de alta tecnologia e defensiva, passam a desejar os hospitais privados e não mais lutam pela qualificação dos nosocômios de ensino e aceitam passivamente a morte lenta e trágica destas unidades. Programação Visual Edson de Oliveira Vilar Editoração Eletrônica Valter Batista dos Santos Sonia R. Vianna e Silva Um país onde o conhecimento não emerge da Universidade está fadado ao fracasso acadêmico e corre o risco de privilegiar a tecnologia em detrimento do homem. Investe-se mais nas máquinas, aparelhos e prédios do que na sabedoria humana, e despreza-se a experiência dos mestres, alicerce maior das grandes sociedades ao longo da história. Publicidade Executivo de Contas (RJ): Silvio F. Faria Assistente: Carolina S. de Jesus Gerente (SP): Rodrigo Faccas Executivos de Contas: Anna Maria Caldeira Cauê Bonici Juliana Rampani Maria do Carmo Russo Assistente: Sirlei T.S. de Lima Secretária: M.a das Graças Santos Editora de Publicações Científicas Ltda. Os exemplos não mais se espelham no saber, na ética e no humanismo, mas sim nos valores econômicos, independente da forma de conquistá-los. Os jovens se dispersam em lutas e buscas individuais e distanciam-se das causas comuns, e assim enfraquecem o todo, diminuem seu poder reivindicatório e suas possíveis conquistas. Nos Centros Acadêmicos, as lideranças não mais discutem ideias e ideais, e sim privilégios e vantagens. Rio de Janeiro: Av. das Américas, 1.155 — Salas 1401 a 1404 — Barra da Tijuca — Tels.: 2492-1856 e 24932694 — Fax: 2492-1279 — CEP 22631-000 — Inscrição: 81.413.177 — CNPJ 33.897.679/0001-12 — E-mail: [email protected] — Site: www.epuc.com.br Conquistamos o direito de nos expressar, mas perdemos na forma, no conteúdo, na força da verdade e na maneira honesta e honrada de viver. São Paulo: Rua Dr. Diogo de Faria, 495 — Vila Clementino — Tel./Fax: 5549-2982 — CEP 04037-001 — Inscrição 108.704.425.112 — CNPJ 33.897.679/0002-01 — E-mail: [email protected] Precisamos estimular a retidão, o comportamento ético e as ações solidárias. Jornal Brasileiro de Medicina é uma revista médico-científica bimestralmente enviada a mais de 25.000 médicos com clínica ativa em todo o território nacional. JBM NÃO ACEITA EM HIPÓTESE ALGUMA MATÉRIA PAGA EM SEU ESPAÇO EDITORIAL. Número avulso: R$ 30,00 Registrado na Base de Dados Lilacs, organizada pela Bireme (ex-Index Medicus Latino Americano) Periodicidade: Bimestral Impressão: Gráfica Trena Distribuição: Door to Door e Diremadi Representante no México: Intersistemas S.A. de C.V. - México JBM reserva-se todos os direitos, inclusive os de tradução, em todos os países signatários da Convenção Pan-Americana e da Convenção Internacional sobre Direitos Autorais. Os trabalhos publicados terão seus direitos autorais resguardados pela EPUC que, em qualquer situação, agirá como detentora dos mesmos. Precisamos reconquistar a voz da verdade e da honestidade, pois estas são e sempre serão o caminho mais curto para a felicidade e grandes conquistas. A democracia não é apenas o direito de ir e vir, de contestar e de falar, mas, acima de tudo, o direito de viver melhor, de pensarmos o todo e de lutarmos pela igualdade entre os homens. Dr. José Galvão-Alves Publicações do Grupo: JBM z NOVEMBRO/DEZEMBRO z VOL. 100 z No 5 3 sumário 3 A democracia e o silêncio acadêmico 7 Pneumonias adquiridas na comunidade 17 23 Dr. José Galvão-Alves Profs. Rafael Leal, Gunther Kissman e Carlos Alberto de Barros Franco editorial artigos Manifestações extraesofágicas da DRGE Drs. Luiz J. Abrahão Junior e Eponina M. O. Lemme Conselho Científico Presidente José Galvão-Alves Membros Honorários Amaury Coutinho (PE) Affonso Berardinelli Tarantino (RJ) Clementino Fraga Filho (RJ) Mário Barreto Corrêa Lima (RJ) Renato Dani (MG) Membros Titulares Bahia Zilton A. Andrade Luis Guilherme Lyra Ascite no paciente cirrótico Prof. Angelo Alves de Mattos Brasília Columbano Junqueira Neto 27 Hipertireoidismo — Abordagem das principais causas e conduta diagnóstica Dra. Rosita Fontes Espírito Santo Carlos Sandoval 35 Falência hepática aguda Goiás Celmo Celeno Porto 41 Dr. Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto Minas Gerais Julio Chebli Polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica Paraná Miguel Riella Sergio Bizinelli Drs. Raquel Machado Andrade, Rafaela Elvira Rozza, Mauro Geller e Karin Soares Gonçalves Cunha Pernambuco José Roberto de Almeida 22 34 46 4 Atualidades médicas seções Dra. Andréa F. Mendes Panorama internacional Dra. Andréa F. Mendes Relato de caso Rio de Janeiro Aderbal Sabrá Azor José de Lima Evandro Tinoco Fábio Cuiabano Gilberto Perez Cardoso Jorge Alberto Costa e Silva José Manoel Jansen Marta C. Galvão Mauro Geller Henrique Sergio Moraes Coelho Glaciomar Machado Abscesso hepático — Qual a etiologia? São Paulo Drs. J. Galvão-Alves, M. C. Galvão, D. A. Cavalcanti e N. G. Pereira Capital Adib Jatene Flair José Carrilho José Eduardo Souza José Osmar Medina Pestana Nestor Schor Sender Miszputen 49 Noticiário 50 Índice geral Botucatu Oswaldo Melo da Rocha JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Pneumonias adquiridas na comunidade Rafael Leal Gunther Kissman pneumologia Pneumonias adquiridas na comunidade Professores auxiliares do Curso de Pneumologia da Escola Médica de Pós-graduação da PUC-Rio. Médicos da Clínica Barros Franco — Consultoria em Aparelho Respiratório. Carlos Alberto de Barros Franco Professor titular do Curso de Pneumologia da Escola Médica de Pós-graduação da PUC-Rio. Diretor médico da Clínica Barros Franco — Consultoria em Aparelho Respiratório. Membro titular da Academia Nacional de Medicina. Resumo Summary Introdução e início precoce dos antibióticos são determinantes para uma boa evolução clínica. Pneumonias adquiridas fora do ambiente hospitalar, definidas como pneumonias comunitárias, são patologias comuns e que podem apresentar diferentes níveis de gravidade. A abordagem diagnóstica e terapêutica depende de uma correta interpretação do quadro clínico e aspectos radiológicos. Este trabalho tem como objetivo rever as orientações atuais para o manejo das pneumonias comunitárias, baseado nos últimos dados disponíveis na literatura. As pneumonias continuam sendo uma das principais causas de morte em países desenvolvidos, mesmo nos dias atuais (1). As altas taxas de mortalidade, principalmente nos extremos das faixas etárias, justificam medidas de saúde pública, como as campanhas de vacinação. Os pacientes com quadros mais graves apresentam alta morbidade, geralmente com internações prolongadas, gerando custos muito elevados aos órgãos públicos ou planos de saúde privada. Suas diferentes apresentações e gravidades constituem um especial desafio nas unidades de emergência. A agilidade no diagnóstico e a escolha correta Pneumonia acquired outside the hospital, defined as community-acquired pneumonia, are common pathologies and may provide different levels of severity. The diagnostic and therapeutic approach depends on a correct interpretation of the clinical picture and radiologic aspects. This paper aims to review the current guidelines for the management of community-acquired pneumonia, based on the latest available data in the literature. Definição As pneumonias adquiridas na comunidade (PACs) são infecções do trato respiratório inferior, geralmente ocasionadas por bactérias, embora possam apresentar como agentes etiológicos vírus ou fungos. Caracterizam-se por acometer pacientes fora de unidades hospitalares, ou com até 48 horas de hospitalização. Os agentes etiológicos variam de acordo com a gravidade do quadro, sendo o S. pneumoniae responsável por quase metade dos casos de PACs (2) (Figura 1). PAC ambulatorial (leve) Internados (não em UTI) Internados em UTI (grave) S. pneumoniae S. pneumoniae S. pneumoniae M. pneumoniae M. pneumoniae Bacilos Gram-negativos C. pneumoniae C. pneumoniae H. influenzae Vírus respiratórios Vírus respiratóriosLegionella sp. H. influenzae H. influenzae Unitermos: Pneumonia adquirida na comunidade; diagnóstico; tratamento; antibióticos. Keywords: Community-acquired pneumonia; diagnostic; treatment; antibiotics. S. aureus Legionella sp. Figura 1: Principais agentes etiológicos da PAC ( J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009). JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 7 Pneumonias adquiridas na comunidade Indivíduos com internações recentes (menos de 90 dias), provenientes de asilos ou unidades assistenciais (incluindo home care), devem ser considerados um grupo particular, bem como aqueles dependentes de cuidados especiais, como quimioterapia ou hemodiálise. Desta forma, não serão o foco de discussão deste trabalho. Epidemiologia Segundo dados do Ministério da Saúde, ocorreram em 2007 cerca de 730 mil internações no Brasil apenas decorrentes de pneumonias (3). Este número corresponde à primeira causa de admissão hospitalar por doença no Sistema Único de Saúde (SUS), excluindo causas obstétricas e externas. Nos EUA, no ano de 2006, 1,2 milhão de pessoas foram hospitalizadas com pneumonia, com mais de 55 mil óbitos (4). As maiores incidências estão concentradas nos extremos da faixa etária, principalmente em menores de cinco anos e maiores de 70 anos. As taxas de mortalidade variam de acordo com a idade do indivíduo, observando-se os maiores coeficientes na população mais velha. Nesta parcela da população ainda se nota uma discreta curva de ascensão da mortalidade (Figura 2). Coeficiente/100.000 1000 100 10 1 2001 2002 2003 2004 Menor 5 anos 40 a 69 anos 5 a 39 anos 70 e mais 2005 Figura 2: Mortalidade por faixa etária na pneumonia adquirida na comunidade ( J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009). Fisiopatologia Diferentes mecanismos estão envolvidos na gênese da pneumonia em pacientes imunocompetentes. A inalação de agentes patogênicos é, sem dúvida, a forma mais comum de infec8 ção. Entretanto, devido principalmente ao envelhecimento da população, observa-se um aumento expressivo das infecções decorrentes de aspiração ou mesmo microaspiração secundárias a distúrbios de deglutição. Este grupo, antes fortemente associado a pneumonias nosocomiais, torna-se cada vez mais frequente entre os pacientes provenientes do domicílio. A inoculação direta de patógenos deve ser considerada nos pacientes com manipulação de vias aéreas inferiores ou em ventilação mecânica. A disseminação hematogênica é menos frequente e geralmente associada a quadros graves, nos quais existe alta incidência de infecção por S. aureus. Pneumonias por extensão direta de infecções em órgãos adjacentes são raras, porém podem ocorrer principalmente a partir do espaço pleural e coleções subdiafragmáticas. Diagnóstico História e exame físico O quadro clínico das PACs é composto pelo início súbito de febre, geralmente alta, calafrios, tosse, além de sintomas sistêmicos como taquicardia e taquipneia. A história clínica detalhada é fundamental para o diagnóstico correto, sobretudo na população mais idosa. Nestes pacientes os sintomas são geralmente menos exuberantes, e a presença de comorbidades como, por exemplo, insuficiência cardíaca pode facilmente mimetizar um quadro de infecção pulmonar. Fatores próprios de cada indivíduo, como história de alcoolismo, doença pulmonar prévia e outros, podem contribuir para direcionar o esquema de tratamento a ser iniciado (Tabela 1). Durante o exame físico a identificação de ruídos ventilatórios, como estertores e roncos localizados, na presença de sintomas sugestivos de infecção, reforça o diagnóstico de pneumonia. A ocorrência de derrame pleural deve ser pesquisada tanto no momento do diagnóstico como durante a evolução do quadro, por se tratar de complicação frequente que requer abordagem específica. A aferição dos sinais vitais, incluindo a oximetria de pulso, é mandatória para a estratificação de gravidade das pneumonias, como será discutido adiante. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Pneumonias adquiridas na comunidade TABELA 1: Diagnóstico microbiológico diferencial Alcoolismo S. pneumoniae, anaeróbios de boca e M. tuberculosis Doença pulmonar obstrutiva crônica S. pneumoniae, H. influenzae, M. catarrhalis, Legionella spp. Exposição a fezes de morcegos Histoplasma capsulatum Exposição a pássaros Chlamydia psittaci Aspiração Aeróbios e anaeróbios Bronquiectasias P. aeruginosa, S. aureus Uso de drogas injetáveis S. aureus, anaeróbios, S. pneumoniae, M. tuberculosis Neutropenia Aspergillus spp. Infecção por HIV M. tuberculosis, Pneumocystis jiroveci, Cryptococcus spp., Histoplasma spp. Asplenia S. pneumoniae, H. influenza Os consensos mais atuais de PAC orientam para a realização de radiografia simples de tórax, nas incidências póstero-anterior e perfil, em todos os pacientes com suspeita de pneumonia. Nos indivíduos com suspeita de derrame pleural deve ser acrescida a incidência em decúbito lateral sobre o lado suspeito. Adaptado de Cleveland Clinic: Current Clinical Medicine. 2. ed. Deve-se ter atenção aos sinais e sintomas extrapulmonares, que podem, em muitos casos, orientar para diagnósticos diferenciais. Mal estado de dentição associado à secreção de odor pútrido sugere a ocorrência de abscesso pulmonar. Alterações cutâneas como eritema multiforme e eritema nodoso podem representar infecções causadas por M. pneumoniae e M. tuberculosis, respectivamente (5). O baqueteamento com hipocratismo digital ocorre em pacientes com patologias que cursam com hipoxemia crônica, como o enfisema pulmonar. Diagnóstico radiológico Os consensos mais atuais de PAC orientam para a realização de radiografia simples de tórax, nas incidências póstero-anterior e perfil, em todos os pacientes com suspeita de pneumonia (2, 6). Nos indivíduos com suspeita de derrame pleural deve ser acrescida a incidência em decúbito lateral sobre o lado suspeito. Além de ser de baixo custo e fácil realização, a radiografia de tórax pode confirmar o diagnóstico e auxiliar na definição da gravidade, como nos casos de infiltrados multilobares. Apesar de muito útil, a radiografia de tórax não ajuda na determinação da etiologia do quadro. A tomografia computadorizada (TC) de tórax não está indicada para os pacientes com quadros leves de PAC. Deve ser empregada nos casos em que houver dúvida no diagnóstico e em casos de radiografia normal com suspeita clínica de pneumonia. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Nova TC de tórax deve ser realizada após quatro a seis semanas do diagnóstico em pacientes tabagistas e com mais de 50 anos, devido ao risco de neoplasia pulmonar associada à pneumonia (7, 8). Estratificação de risco Após o diagnóstico de PAC, os pacientes devem ser estratificados quanto à gravidade do quadro. Esta classificação determina o esquema antibiótico inicial e o local de tratamento. A realização de testes de identificação etiológica será definida dependendo do nível de gravidade de cada caso. Existem descritos na literatura diversos modelos para definição de gravidade e mortalidade. É importante ressaltar que em nosso meio as condições socioeconômicas precisam ser consideradas na tomada final de decisão. O Índice de Gravidade de Pneumonia (PSI em inglês) foi elaborado através da avaliação de 20 itens, entre dados físicos e laboratoriais (9) (Quadros 1 e 2). Sua aplicação na prática diária é restrita, em função dos múltiplos parâmetros analisados, o que pode retardar o diagnóstico. Além disso, por atribuir peso elevado à idade e à presença de comorbidades pode, em pacientes jovens e consequentemente sem doenças associadas, subestimar riscos. Um segundo modelo, proposto pela British Thoracic Society, denominado CURB-65, mostrou-se de mais fácil utilização nos serviços de emergência. Este protocolo considera parâmetros clínicos associados à doença agu9 Pneumonias adquiridas na comunidade QUADRO 1: Índice de Gravidade de Pneumonia (PSI) Achados laboratoriais e radiológicos pH < 7,35 Ureia > 65mg/dl Sódio < 130mEq/dl Glicose > 250mg/dl Hematócrito < 30% PO2 < 60mmHg Derrame pleural Exame físico Alteração do estado mental F. respiratória > 30 ciclos/min PA sistólica > 90mmHg Temperatura < 35oC ou > 40oC Pulso ≥ 125 bpm Fatores demográficos Idade Homens Mulheres Procedentes de asilos 1 ponto/ano de idade idade -10 idade +10 Comorbidades Neoplasia Doença hepática ICC Doença cerebrovascular Doença renal +30 +20 +10 +10 +10 +30 +20 +20 +10 +10 +10 +10 +20 +20 +20 +15 +10 J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009. QUADRO 2: Estratificação de risco, segundo o Índice de Gravidade de Pneumonia (PSI) Classe Pontos Mortalidade (%) Local sugerido de tratamento I II ≤ 70 0,6 Ambulatório III 71-90 2,8 Ambulatório ou internação breve 8,2 Internação IV – 0,1Ambulatório 91-130 V > 130 29,2 Internação J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009. da, facilitando sua aplicação. É baseado em uma pontuação de 0 a 5, onde cada um dos seguintes itens recebe um ponto: confusão mental; ureia superior a 50mg/dl; frequência respiratória maior que 30irpm e pressão arterial sistólica menor que 90mmHg ou diastólica inferior a 60mmHg, além da idade supe- rior a 65 anos (Figura 3). Quanto maior o número de pontos maior a gravidade do caso. A exclusão de doenças associadas pode, em alguns casos, subestimar a gravidade da infecção. Visando uma maior agilidade, uma versão simplificada foi criada, com a exclusão da mensuração da ureia (Figura 4). Escore CURB-65 0-1 2 3 ou + Mortalidade baixa, 1,5% Mortalidade intermediária, 9,2% Mortalidade alta, 22% Provável candidato ao tratamento ambulatorial Considerar tratamento hospitalar Tratamento hospitalar como PAC grave Escore 4-5: avaliar internação em UTI Figura 3: Escore CURB-65 ( J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009). 10 JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Pneumonias adquiridas na comunidade Escore CRB-65 0 1 ou 2 3 ou 4 Mortalidade baixa, 1,2% Mortalidade intermediária, 8,15% Mortalidade alta, 31% Provável tratamento ambulatorial Avaliar tratamento hospitalar Hospitalização urgente Figura 4: Escore simplificado CRB-65 ( J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009). A oximetria de pulso e a radiografia de tórax agregam valor prognóstico ao modelo, tornando-o método de escolha na estratificação do paciente com pneumonia na sala de emergência. Exames complementares A radiografia de tórax, como discutido anteriormente, é obrigatória em todo paciente com suspeita de pneumonia. A oximetria de pulso, ainda no setor de emergência, deve ser aferida antes da eventual instalação de oxigênio suplementar e com o indivíduo em repouso. Valores abaixo de 90% indicam a realização de gasometria arterial, sendo a hipoxemia forte indicador de admissão para tratamento hospitalar. Atualmente existem inúmeros marcadores biológicos em diferentes fases de implementação. Os mais usados na prática clínica são a proteína C-reativa (PCR) e a procalcitonina (PCT), com utilização já bastante difundida nos serviços de emergência. Segundo o último consenso da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (2), estes marcadores devem ser utilizados como parte do diagnóstico, porém não podem ser o único instrumento na decisão sobre a indicação de tratamento. É importante lembrar que níveis séricos elevados destes marcadores podem ser encontrados em quadros distintos, como na pneumonite química e na lesão por inalação em queimados (10). Testes de identificação etiológica Em casos de pacientes com PAC sem critérios de gravidade, a literatura atual não recomenda a realização rotineira de exames de identificação etiológica (11). Isto se deve ao fato do baixo rendimento destes métodos e da baixa mortalidade neste grupo (inferior JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 a 1%), quando iniciado tratamento empírico correto e precoce. Diante de casos graves ou em indivíduos com condições como alcoolismo e doença pulmonar estrutural, a investigação etiológica deve ser considerada. A presença de derrame pleural ou cavitação pulmonar também indica abordagens específicas, com utilização por vezes de métodos invasivos. Em linhas gerais, a determinação do agente etiológico deve ser concentrada nos casos que requerem internação. Cada paciente necessita de um tipo de avaliação individualizada, buscando-se métodos que forneçam maior rendimento diagnóstico (Tabela 2). Devemos ressaltar que a necessidade de realizar qualquer exame justifica o retardo no início do tratamento com antibióticos. Exame de escarro Apesar do custo baixo e de não ser invasiva, a coleta de escarro não é indicada de forma habitual na PAC. Muitos indivíduos podem apresentar dificuldade em fornecer material — mulheres e idosos, sobretudo, são incapazes de fornecer material representativo das vias áreas inferiores (< 10 células epiteliais e > 25 polimorfonucleares por campo de pequeno aumento). A coleta de escarro deve ser reservada para os casos suspeitos de tuberculose pulmonar ou nos pacientes com doença estrutural de vias aéreas (p. ex., bronquiectasias), pelo risco de colonização por germes Gram-negativos multirresistentes. Hemocultura A coleta de hemoculturas está indicada nos pacientes graves que necessitam de internação, sobretudo em UTI. Sua aplicação Pontos-chave: > Em casos de pacientes com PAC sem critérios de gravidade, a literatura atual não recomenda a realização rotineira de exames de identificação etiológica; > A determinação do agente etiológico deve ser concentrada nos casos que requerem internação;; > Cada paciente necessita de um tipo de avaliação individualizada, buscando-se métodos que forneçam maior rendimento diagnóstico. 11 Pneumonias adquiridas na comunidade O primeiro passo para o tratamento após o diagnóstico de PAC é a classificação de gravidade de acordo com os critérios já mencionados (PSI e CURB-65). Esta classificação implicará na escolha do antibiótico e do local onde o caso deverá ser conduzido. TABELA 2: Exames complementares para diagnóstico etiológico Evidência Hemocultura Bacterioscopia Antígeno urinário Lavado e cultura para pneumococo broncoalveolar ou de escarroe Legionella sp. aspirado traqueal Outros Admissão em UTI Sim Sim Sim Sim Aspirado se realizada PAC grave intubação traqueal Abuso do uso de álcool Sim Sim Falha de tratamento clínico Sim Sim Sim Sim* Doença estrutural Não Sim Não Não Infiltrado cavitário Sim Sim Não Não BAAR Derrame pleural Sim Sim Sim Não Toracocentese UTI: unidade de terapia intensiva; PAC: pneumonia adquirida na comunidade; e BAAR: bacilo álcool-ácido resistente. * Não realizar em caso de falha de tratamento ambulatorial. J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009. rotineira, no entanto, ainda é controversa. Um estudo publicado em 2003, por Campbell e colaboradores, demonstrou que em uma coorte de 760 pacientes apenas três (0,4%) obtiveram alguma melhora após mudanças terapêuticas guiadas por resultado de hemocultura (11). Além disso, falso-positivos são comuns, especialmente se houver uso prévio de antibióticos (2). O crescimento de cepas Gram-positivas fora de um contexto clínico compatível sugere contaminação da(s) amostra(s) na coleta. Antígenos urinários Embora ainda não amplamente difundidos, os antígenos urinários para pneumococo e Legionella podem contribuir para o esclarecimento etiológico das pneumonias. Não invasivos e de rápida execução, o resultado de ambos não sofre interferência pelo uso prévio de antibióticos. O antígeno disponível para Legionella é positivo apenas para o sorogrupo 1. Embora seja o mais comum, este teste não é capaz de identificar infecções pelos outros sorogrupos de Legionella. Pode permanecer reagente por até um ano após o quadro infeccioso, o que aumenta o risco de resultados falso-positivos (5) em quadros pulmonares futuros. O teste urinário para S. pneumoniae possui sensibilidade que varia de 50% a 80% e especificidade que atinge 90% (12). Falso-positivos podem acontecer em pacientes com pneumonia por pneumococo nos três meses anteriores à realização do exame. 12 Os dados disponíveis na literatura ainda não permitem afirmar se um teste positivo para determinado antígeno urinário é capaz de justificar uma alteração de conduta ou é apenas de interesse epidemiológico. Tratamento O primeiro passo para o tratamento após o diagnóstico de PAC é a classificação de gravidade de acordo com os critérios já mencionados (PSI e CURB-65). Esta classificação implicará na escolha do antibiótico e do local onde o caso deverá ser conduzido. Nas formas leves de PAC, quando a mortalidade é próxima a 1%, o tratamento é preferencialmente domiciliar, exceto quando há dificuldade de uso de antibiótico por via oral ou impossibilidade de aquisição do mesmo por motivos socioeconômicos. Antibióticos macrolídeos ou betalactâmicos são indicados nesses casos. A presença de comorbidades como diabetes, alcoolismo, doenças malignas ou imunodeficiência, assim como história prévia de uso de antibiótico nos últimos três meses, torna necessária a ampliação do esquema terapêutico para quinolona respiratória ou associação de betalactâmico com macrolídeo. Os pacientes com critérios de gravidade devem ter o tratamento conduzido em ambiente hospitalar e ser avaliados quanto à necessidade de internação em unidade de terapia intensiva (UTI). Os critérios utilizados atualmente para a definição dos casos que necessitam de internação em unidades de terapia intensiva JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Pneumonias adquiridas na comunidade foram desenvolvidos por Ewing e colaboradores. A presença de dois critérios menores ou um critério maior define a necessidade de terapia intensiva. Essa avaliação fornece valor preditivo negativo próximo de 100%, com sensibilidade de 78% e especificidade de 94% na escolha dos pacientes com indicação de UTI (13, 14) (Quadro 3). QUADRO 3: Critérios de gravidade • Critérios maiores: a presença de um critério indica a necessidade de UTI — Choque séptico necessitando de vasopressores — Insuficiência respiratória aguda com indicação de ventilação mecânica • Critérios menores: a presença de dois critérios indica a necessidade de UTI — Hipotensão arterial — Relação PaO2 /FiO2 menor que 250 — Presença de infiltrados multilobulares J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009. Nos casos de pneumonias moderadas, ou seja, aquelas que os pacientes são internados fora da UTI, o esquema terapêutico proposto é o uso de quinolona respiratória ou associação de cefalosporina ou betalactâmico (betalactamase positiva) com macrolídeo. Para os pacientes internados na terapia intensiva é necessária a ampliação do espectro de cobertura, incluindo S. aureus, além de todas as medidas de suporte hemodinâmico e ventilatório adequadas. É recomendado o emprego de cefalosporinas de terceira geração ou carbapenêmicos ou associação de piperacilina com tazobactam e macrolídeo (Figura 5). É importante neste momento destacar a necessidade do início precoce do tratamento de pacientes com PAC, principalmente nas formas mais graves. Um estudo abrangente publicado em 2004 mostrou que a administração da primeira dose do antibiótico nas primeiras quatro horas após a chegada ao hospital estaria associada a uma menor mortalidade e menor tempo de internação (15). As diretrizes internacionais mais recentes estimulam o início da terapêutica entre quatro e oito horas, sem definir o tempo ideal da primeira dose. Porém é consenso que o tratamento seja iniciado o mais precocemente possível, ainda no setor de emergência. O tempo para tratamento é em geral de sete dias. O tratamento de PAC leve com macrolídeos, principalmente azitromicina, permite a utilização por período mais curto (cinco dias). O menor tempo de tratamento limita a indução de cepas resistentes, além de reduzir custos. Apesar dos resultados promissores, a azitromicina em microesferas (não disponível no Brasil) ainda não está liberada para uso corrente. A transição de antibioticoterapia parenteral para oral pode ser realizada quando o paciente se encontra afebril, com capacidade de ingestão oral e melhora clínica. É importante lembrar que, como qualquer tratamento, o uso de antibióticos deve ser ajustado a cada situação, podendo ser prolongado em casos de pneumonias necrosantes, presença de organismos intracelula- Previamente hígidos Macrolídeo Betalactâmico Ambulatoriais Doenças associadas Antibióticos (3 meses) Internados não graves Quinolona ou betalactâmico + macrolídeo Quinolona ou betalactâmico + macrolídeo Sem risco de Pseudomonas sp. Betalactâmico + quinolona ou macrolídeo Admitidos em UTI Com risco de Pseudomonas sp. Betalactâmico + quinolona Figura 5: Tratamento empírico baseado nos critérios de gravidade ( J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009). JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Pontos-chave: > Nos casos de pneumonias moderadas, o esquema terapêutico proposto é o uso de quinolona respiratória ou associação de cefalosporina ou betalactâmico; > Na terapia intensiva é necessária a ampliação do espectro de cobertura;; > É recomendado o emprego de cefalosporinas de terceira geração ou carbapenêmicos ou associação de piperacilina com tazobactam e macrolídeo. 13 Pneumonias adquiridas na comunidade res (p. ex., Pseudomonas sp.) e alterações estruturais, como bronquiectasias. Falha terapêutica Apesar de a maioria dos portadores de PAC evoluir com boa resposta e cura, cerca de 10%-24% dos pacientes hospitalizados (16) e até 7% dos tratados ambulatorialmente (17) podem apresentar algum tipo de complicação. Assim, todos os pacientes em tratamento de PAC, inclusive aqueles em tratamento domiciliar, necessitam ser periodicamente revistos, para se assegurar a eficácia e a segurança do tratamento. A falha no esquema inicial acarreta aumento significativo da mortalidade, assim como da morbidade. Isto determina maior tempo de internação e aumento dos custos totais do tratamento. As causas de falha terapêutica são inúmeras, sendo classificadas como precoces quando ocorre insuficiência respiratória com necessidade de ventilação mecânica e/ou choque séptico com menos de 72h de tratamento. A persistência de febre ou seu reaparecimento associados à piora ventilatória ou hemodinâmica após 72h caracterizam falha tardia de tratamento. As causas associadas ao fracasso da terapia inicial podem ser atribuídas à gravidade da própria doença ou até mesmo a diagnóstico incorreto, como nos casos de embolia pulmonar e Referências Endereço para correspondência: Carlos Alberto de Barros Franco Rua Macedo Sobrinho, 8/Grupo 203 22271-080 Rio de Janeiro- RJ barrosfranco@barrosfranco. com.br 14 11. MORAN, G.J.; TALAN, D.A. & ABRAHAMIAN, F.M. — Diagnosis and management of pneumonia in the Emergency Department. Infect. Dis. Clin. N. Am., 22: 53-72, 2008. 12. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA — Diretrizes brasileiras para pneumonia adquirida na comunidade em adultos imunocompetentes — 2009. J. Bras. Pneumol., 35(6): 574-601, 2009. 13. DATASUS — Homepage na internet. Informações de Saúde. Brasília, Ministério da Saúde. 14. NAIR, G.B. & NIEDERMAN, M.S. — Community-acquired pneumonia: An unfinished battle. Med. Clin. N. Am., 95: 1143-61, 2011. 15. SCHMITT, S. — Cleveland Clinic: Current Clinical Medicine. 2. ed. 16. AMERICAN THORACIC SOCIETY. INFECTIOUS DISEASES SOCIETY OF AMERICA — Guidelines for the management of adults with hospital-acquired, ventilator-associated, and insuficiência cardíaca. Uma vez identificada a falha terapêutica, deve-se rever todo o processo diagnóstico e de tratamento. Prevenção A vacinação antipneumocócica é indicada em adultos maiores de 65 anos, portadores de doença crônica ou imunodeprimidos. A revacinação é recomendada após cinco anos para os imunocomprometidos e para aqueles que receberam a primeira dose da vacina antes dos 65 anos de idade. Confere proteção da ordem de 60% a 70% em pacientes com sistema imune normal. A vacina anti-influenza deve ser administrada anualmente para adultos com mais de 60 anos, portadores de doença crônica, gestantes e profissionais de saúde. Sua eficácia está ligada a fatores imunes do paciente e à correlação entre os sorotipos incluídos em sua formulação e as cepas circulantes no ambiente. Esta vacina deve ser evitada em pessoas com alergia conhecida à proteína do ovo. A vacinação costuma ser muito bem tolerada, com baixos índices de efeitos colaterais. Sua utilização em larga escala é justificada devido ao fato de a infecção pelo vírus influenza juntamente com o pneumococo constituírem uma das principais causas de óbito em idosos. healthcare-associated pneumonia. Am. J. Respir. Crit. Care Med., 171(4): 388-416, 2005. 17. MITTL JR., R.L.; SCHWAB, R.J. et al. — Radiographic resolution of community-acquired pneumonia. Am. J. Respir. Crit. Care Med., 149(3 Pt. 1): 630-5, 1994. 18. WOODHEAD, M.A.; MACFARLANE, J.T. et al. — Prospective study of the aetiology and outcome of pneumonia in the community. Lancet, 1(8534): 671-4, 1987. 19. MULLER, B.; HARBARTH, S. et al. — Diagnostic and prognostic accuracy of clinical and laboratory parameters in community-acquired pneumonia. BMC Infect. Dis., 7: 10, 2007. 10. MASIÁ, M.; GUTIÉRREZ, F. et al. — Usefulness of procalcitonin levels in community-acquired pneumonia according to the patients outcome research team pneumonia severity index. Chest, 128(4): 2223-9, 2005. Obs.: As sete referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Manifestações extraesofágicas da DRGE Luiz J. Abrahão Junior Médico da Unidade de Esôfago do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho — Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ). Doutor em Gastroenterologia pela UFRJ e University of California, San Diego. Membro titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia e da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. International Member of the American Society for Gastrointestinal Endoscopy. gastroenterologia Manifestações extraesofágicas da DRGE Eponina M. O. Lemme Professora associada do Departamento de Clínica Médica e chefe da Unidade de Esôfago do Serviço de Gastroenterologia do HUCFF-UFRJ. Presidente da Sociedade Brasileira de Motilidade Digestiva no biênio 2010-11. Resumo Summary Introdução demonstrou que em torno de 12% apresenta vam azia pelo menos uma vez por semana (2). Com base no Consenso de Montreal, divide-se a DRGE em síndrome esofagiana (sintomática e com lesões, tais como esofagi te, estenose e esôfago de Barrett) e síndrome extraesofagiana (SEE). Esta é dividida em SEE de associação estabelecida e SEE de associação proposta (Quadro 1). Neste artigo abordaremos as SEEs, a que chamaremos de manifestações extraesofágicas (MEEs). A doença do refluxo gastroesofágico é decorrente do fluxo retrógrado de secreção cloridropéptica para o esôfago e órgãos adjacentes, causando um espectro variável de lesões e sintomas. Sua incidência vem aumentando nos últimos anos e sua prevalência estimada na população brasileira é de cerca de 12%. A DRGE tem como manifestações típicas a pirose e a regurgitação, podendo se apresentar com queixas extraesofágicas tais como asma, tosse crônica, dor torácica não cardíaca e sintomas otorrinolaringológicos. A doença do refluxo gastroesofági co (DRGE) é uma afecção crônica que se desenvolve quando o refluxo do conteú do gástrico causa sintomas incomodativos ou complicações, sendo sintomas incomo dativos aqueles definidos pelos pacientes (1). Suas manifestações clínicas incluem a pirose e a regurgitação (sintomas típicos) e sintomas atípicos, tais como dor torácica, tosse, manifestações otorrinolaringológicas (rouqui dão, pigarro, laringite) e asma, dentre outras. A doença do refluxo gastroesofágico apresenta alta prevalência na população em geral. Estima-se que cerca de 7%-10% dos in divíduos saudáveis apresentem azia, o sintoma capital da doença, diariamente. Estudo populacional no Brasil, avaliando aproximadamente 14 mil indivíduos saudáveis, JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Gastro-oesophageal reflux disease is caused by the retrograde flow of gastric acid-peptic secretion into the esophagus and adjacent organs, causing a variable spectrum of lesions and symptoms. Its incidence has been increasing in recent years and its estimated prevalence in the Brazilian population is about 12%. Typical manifestations of GERD are heartburn and regurgitation, but the disease may present with extraesophageal complaints such as asthma, chronic cough, non-cardiac chest pain and ENT symptoms. Unitermos: Refluxo gastroesofágico; refluxo laringofaríngeo/diagnóstico e terapia. Keywords: Gastroesophageal reflux; laryngopharyngeal reflux/ diagnosis and therapy. Fisiopatologia das manifestações extraesofágicas O mecanismo fisiopatológico pelo qual o refluxo gastroesofágico (RGE) induz as MEEs não está, ainda, muito bem elucidado. Admitem-se dois mecanismos para o sur gimento destas manifestações: 17 Manifestações extraesofágicas da DRGE QUADRO 1: Síndromes extraesofagianas (1) AssociaçãoAssociação estabelecida proposta TosseFaringite Laringite Sinusite Asma Fibrose pulmonar idiopática Erosão dentária Otite média crônica 1.Teoria do refluxo, segundo a qual o RGE atingiria a faringolaringea, ocasionando lesões nestas áreas por contato (mani festação ORL) ou por aspiração, gerando broncoespasmo/infecção (manifestação respiratória). 2. Teoria do reflexo, em que o estímulo pelo ácido refluído geraria um reflexo de natu reza vagal, desencadeando tosse e pigarro, os quais, acentuados pelo hábito e fatores emocionais, propiciariam lesões na laringe e perpetuação dos sintomas. O mesmo estímulo poderia gerar refle xo esofagobrônquico, com vias aferente e eferente de natureza vagal e surgimento de broncoespasmo. A combinação dos dois me canismos poderia também estar presente no mesmo paciente (3). Pontos-chave: > Das manifestações respiratórias associadas ao refluxo, a asma e a tosse crônica são as mais estudadas; > Há maior incidência de refluxo em asmáticos, sendo encontrado em 55% a 80% dos pacientes; > Pacientes com DRGE têm maior prevalência de asma do que os que não possuem DRGE, sendo o fator isolado que mais dificulta o controle da asma. 18 Papel do refluxo “não ácido” nas MEEs da DRGE O refluxo “não ácido” ou fracamente áci do é o que ocorre no período pós-prandial, e o refluxato é o conteúdo gástrico tamponado pelo alimento ou cujo pH foi alterado pelo uso de IBP. Tem sido relacionado a sintomas persistentes, principalmente à tosse e re gurgitação em pacientes em uso de IBPs. O refluxo “não ácido” pode ser demonstrado pelo emprego da impedâncio-pHmetria pro longada, equipamento que avalia, por meio de cateter contendo pares de eletrodos de impedância, o trânsito de bolus no interior do esôfago, quer de forma anterógrada (deglu tição, alimento) ou retrógrada (refluxo), e sua consistência (líquida, sólida ou gasosa). O pH do refluxato é avaliado por um sensor de pH, podendo ser ácido (pH abaixo de 4) ou “não ácido” ou fracamente ácido (acima de 4). A maior importância do método é a possibilidade de correlação entre os sintomas ocorridos e episódios de refluxo (índice de sintomas po sitivo), sejam eles ácidos ou não ácidos, para que se estabeleçam a causalidade e o trata mento adequado. Estima-se que 12%-15% dos pacientes com tosse crônica persistente na vigência de IBPs possam ter este sintoma relacionado a refluxo “não ácido” (14). Manifestações respiratórias Das manifestações respiratórias associa das ao refluxo, a asma e a tosse crônica são as mais estudadas. Há maior incidência de refluxo em asmá ticos, sendo encontrado em 55% a 80% dos pacientes, porém é difícil avaliar a verdadeira importância da associação, pois tanto a DRGE como a asma são de grande prevalência na população em geral. Pacientes com DRGE têm maior prevalência de asma do que os que não possuem DRGE, sendo o fator isolado que mais dificulta o controle da asma (4). O surgimento de sintomas respiratórios na idade adulta, a piora ou o desencadeamento dos sintomas com refeições copiosas, inges tão de bebidas alcoólicas ou pela madrugada, após as mesmas, constituem elementos para o diagnóstico. Outras peculiaridades seriam a ausência de componente intrínseco e a má resposta a broncodilatadores e corticos teroides. Quando interrogados, 40%-70% dos pacientes apresentarão sintomas típicos, existindo, portanto, uma parcela de pacientes em que a asma pode ser a única manifestação. Considera-se tosse crônica a que persiste por três ou mais semanas em não fumantes (3). Está presente em 10%-40% dos pacientes com refluxo, e a maioria atribui seu início a uma infecção respiratória. Em pacientes não fumantes, que não estejam usando inibidores da enzima con versora da angiotensina e com radiografia de tórax normal, as causas mais comuns de tosse crônica são descarga pós-nasal, DRGE e asma ou bronquite crônica, responsáveis por mais de 90% dos casos. A tríade principal da tosse crônica envolve asma, secreção pós-nasal e refluxo. A tosse re lacionada a refluxo predomina durante o dia e em posição ortostática, durante a fonação, ao se levantar da cama e ao se alimentar. Alguns pacientes podem referir sintomas noturnos. Pode ser não produtiva ou produzir excesso JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Manifestações extraesofágicas da DRGE de muco, tendo duração média de 13-58 meses. Entre 40%-70% dos pacientes não têm sintomas de refluxo, enquanto a parcela restante refere os sintomas típicos preceden do ou sucedendo o aparecimento da tosse. Os critérios de seleção para se investigar refluxo em pacientes com tosse crônica in cluem não tabagismo, ausência de irritantes ambientais, exclusão de asma, secreção pós-nasal e uso de inibidores de enzima con versora de angiotensina (ECA), Rx de tórax e seios da face normais. Outras manifestações que podem estar relacionadas ao refluxo são a pneumonia de aspiração, bronquiectasia, bronquite crônica, fibrose pulmonar e presença de esclerose sistêmica progressiva. O diagnóstico da tosse secundária à DRGE pode ser difícil, uma vez que muitos pacientes não apresentam os sintomas típicos da doença. Manifestações otorrinolaringológicas A relação entre DRGE e manifestações do trato aerodigestivo superior, ou otorri nolaringológicas (ORLs), também tem sido bastante estudada. Em torno de 25% dos pacientes com DRGE apresentam sintomas relacionados à cabeça e pescoço e 10% dos pacientes que procuram o ORL têm sintomas ou sinais que podem ser atribuídos a refluxo. As queixas mais frequentes são rouquidão, redução do volume ou falha vocal, pigarro, necessidade de “clareamento” da garganta e sensação de globo cervical, sintomas estes que vêm isoladamente ou em combinação, disfagia de localização alta, por vezes com engasgos ao ato da deglutição, e sensação de asfixia noturna, acompanhada ou não de estridor laríngeo. Metade dos pacientes, quando interroga dos, apresentarão queixas típicas, e a existên cia de pirose diária ou frequente é preditiva de refluxo em pacientes com queixas ORLs. É importante uma história cuidadosa, pois as queixas laríngeas necessitam diagnóstico di ferencial. Fatores de risco associados incluem uso frequente da voz, tabagismo, história de infecções do trato respiratório superior, vômi tos, secreção pós-nasal, regurgitação noturna, sintomas alérgicos, contato com animais, uso recente de ar condicionado ou exposição a JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 ambientes novos contendo material sintético. As manifestações ORLs mais frequentemente descritas estão no Quadro 2. QUADRO 2: Manifestações ORLs da DRGE (4) Rouquidão Alterações vocais Tosse Globo Dor de garganta Pigarro Faringite Laringite Granuloma de prega vocal Disfagia Estenose subglótica Câncer de laringe Os critérios de seleção para se investigar refluxo em pacientes com tosse crônica incluem não tabagismo, ausência de irritantes ambientais, exclusão de asma, secreção pós-nasal e uso de inibidores de enzima conversora de angiotensina (ECA), Rx de tórax e seios da face normais. Recentes “candidatos” a manifestações ORLs da DRGE são a sinusite crônica, a otite média recorrente, causa frequente de otite em crianças, e o laringospasmo paroxístico (5). Deve-se suspeitar de refluxo em casos de rouquidão pela manhã, piora dos sintomas com chocolate, café, refeições copiosas, em casos de ganho de peso precedendo o início dos sintomas e presença de pirose e/ou re gurgitação ácida, observada em metade dos pacientes (4). A maioria dos pacientes com queixa ORL, com ou sem sintomas típicos associados, procura um ORL para investigação, sendo na maioria das vezes realizada uma laringoscopia. Anormalidades na laringe associadas à DRGE incluem laringite posterior (edema ou erite ma), frequentemente referida como “laringite de refluxo”, nódulos em pregas vocais, úlceras de contato e granulomas, estenose de laringe, aspecto calcetado de parede posterior e muco excessivo. No entanto, estas anormalidades não são específicas da DRGE. Um estudo de monstrou pelo menos um destes achados em 85% de um grupo de mais de 200 voluntários saudáveis (6). Investigação Infelizmente, não há um teste definitivo que identifique o refluxo como causa das manifestações extraesofágicas da DRGE. A investigação deve se iniciar com a rea lização da endoscopia digestiva alta (EDA), embora a esofagite erosiva seja incomum neste grupo de pacientes, em torno de 5%-10%, e de modo geral leve — ao contrário das manifestações típicas, em que está 19 Manifestações extraesofágicas da DRGE presente em 30%-50% dos mesmos. Alguns recomendam a EDA apenas em pacientes com queixas típicas associadas de longa duração e para a procura de esôfago de Barrett. Na ausência de esofagite erosiva, o méto do de escolha para o diagnóstico de refluxo neste grupo de pacientes é a pHmetria (PHM) esofagiana prolongada, que apresenta maior sensibilidade neste particular. Meta-análise envolvendo cinco estudos e 316 pacientes com queixas ORLs demonstrou refluxo anor mal em 44%, em média (7). Em pacientes asmáticos, a meta-análise de nove estudos e 646 pacientes encontrou média de refluxo por PHM em 51% (8). A positividade da PHM depende em grande parte dos critérios de seleção (história altamente sugestiva, pacientes consecutivos ou ao acaso), do número de pacientes e da natureza do estudo (pros pectivo, retrospectivo). Na investigação das manifestações extra esofágicas da DRGE tem sido preconizada a PHM de dois sensores, o distal na posição tradicional (5cm acima do esfíncter inferior) e um proximal. Entretanto, não existe consenso a respeito da importância do refluxo proximal, dos valores normais e nem do melhor posicio namento do segundo sensor, se no esôfago alto, esfíncter superior ou faringe. Devido a estas controvérsias, tem sido questionada a utilidade da PHM de dois sensores. A impedâncio-pHmetria está principal mente indicada nos pacientes com suspeita de DRGE e manifestações extraesofágicas que persistem, apesar do uso de IBPs em dose dupla, para o diagnóstico de refluxo não ácido e correlação com índice de sinto mas (Figura 1). Mais recentemente, dois métodos têm ganhado importância na investigação das MEEs da DRGE. O primeiro é a dosagem da pepsina salivar, o Peptest, um método simples e não invasivo para se diagnosticar refluxo laringofaríngeo. Outro novo método é a pHmetria de faringe minimamente invasiva, o Restech, capaz de detectar quantidades mínimas de ácido refluído para a faringe com mínimo desconforto (Figura 2). Figura 2: pHmetria de faringe — Restech. Pontos-chave: > Na ausência de esofagite erosiva, o método de escolha para o diagnóstico de refluxo neste grupo de pacientes é a pHmetria (PHM); > Na investigação das manifestações extraesofágicas da DRGE tem sido preconizada a PHM de dois sensores; > Não existe consenso a respeito da importância do refluxo proximal. 20 Figura 1: Traçado de impedâncio-pHmetria. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Manifestações extraesofágicas da DRGE Tratamento das manifestações extraesofágicas Interroga-se se as manifestações extra esofágicas da DRGE seriam uma associação ou causalidade, devido à sua elevada prevalência. Há significativa associação epidemiológica entre as MEEs e a DRGE, inclusive com expli cações fisiopatológicas plausíveis. A relação temporal entre os sintomas e refluxo pode ser demonstrada por PHM, e há eficácia de inter venções terapêuticas em alguns pacientes (9). Em relação à asma, uma revisão de oito estudos controlados e randomizados (10) revelou que o tratamento da DRGE levou à melhora sintomática de 60% dos asmáticos tratados e reduziu a necessidade de uso de broncodilatadores, porém a melhora das provas de função pulmonar (PFPs) ocorreu em apenas 25% dos pacientes. Outra meta -análise, envolvendo 12 estudos de pacientes tratados com antagonistas H2 ou inibidores de bomba protônica (IBPs), demonstrou que de modo geral não havia melhora das PFPs, dos sintomas da asma ou noturnos, embora um seleto subgrupo tenha se beneficiado da terapêutica antirrefluxo (11). Estudo recente de pacientes com tosse crônica, randomizado, placebo-controlado, com IBPs em dose dupla, demonstrou ausên cia de melhora dos sintomas ou da qualidade de vida dos pacientes (12). Em relação às manifestações ORLs, de cinco estudos controlados (IBPs versus place bo) apenas um mostrou resultados favoráveis aos IBPs (4). Estudo recente envolvendo 145 pacientes com “laringite de refluxo”, tratados com esomeprazol duas vezes ao dia versus Referências 11. VAKIL, N. et al. — The Montreal definition and classification of gastroesophageal reflux disease: A global evidence-based consensus. Am. J. Gastroenterol., 101(8): 1900-20, 2006. 12. MORAES-FILHO, J.P. et al. — Prevalence of heartburn and gastroesophageal reflux disease in the urban Brazilian popu lation. Arq. Gastroenterol., 42(2): 122-7, 2005. 13. FRYE, J.W. & VAEZI, M.F. — Extraesophageal GERD. Gastroenterol. Clin. North Am., 37(4): 845-58, 2008. 14. RICHTER, J.E. — Review article: Extraoesophageal mani festations of gastro-oesophageal reflux disease. Aliment. Pharmacol. Ther., 22 (Suppl. 1): 70-80, 2005. 15. POELMANS, J. & TACK, J. — Extraoesophageal manifesta tions of gastro-oesophageal reflux. Gut, 54(10): 1492-9, 2005. 16. HICKS, D.M. et al. — The prevalence of hypopharynx findings associated with gastroesophageal reflux in normal volunteers. J. Voice, 16(4): 564-79, 2002. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 placebo, por quatro meses, revelou que a resolução dos sintomas ORLs ocorreu em ape nas 15% e 16% dos dois grupos, e a melhora dos sintomas foi semelhante (13). As razões da falta de resposta das MEEs ao tratamento com IBPs têm sido analisadas e envolvem falta de adesão ao tratamento, necessidade de doses maiores do que as habituais, além de tempo mais prolongado de tratamento. Na maior parte dos casos o paciente melhora da pirose, preditora da as sociação, e persistem as MEEs, sugerindo que elas não seriam causadas por RGE. Questiona-se se o tratamento deve ser feito na base da suspeita clínica (estratégia empírica) ou após estratégia investigativa, com o diagnóstico de refluxo anormal feito por PHM antes do tratamento. Nas duas es tratégias preconiza-se, além das medidas pos turais e comportamentais, o emprego de IBPs duas vezes ao dia (em jejum e antes do jantar) por três meses, avaliando-se a resposta e/ou prosseguimento de investigação após isto (9). No tocante ao refluxo não ácido, uma vez estabelecida relação causa/efeito através do índice de sintomas positivo, alguns autores têm recomendado a realização da fundoplica tura, principalmente nos indivíduos com reflu xo ácido anormal em pHmetria convencional prévia. Drogas inibidoras dos relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior (EEI) podem ser utilizadas (como, por exem plo, o baclofeno), com resultados variáveis e efeitos colaterais indesejáveis (sonolência). Novas drogas inibidoras dos relaxamentos transitórios do EEI, com melhor perfil de se gurança, estão em estudo. 17. WONG, R.K. et al. — ENT manifestations of gastroesophageal reflux. Am. J. Gastroenterol., 95(8 Suppl.): S15-22, 2000. 18. HAVEMANN, B.D.; HENDERSON, C.A. & EL-SERAG, H.B. — The association between gastro-oesophageal reflux disease and asthma: A systematic review. Gut, 56(12): 1654-64, 2007. 19. GALMICHE, J.P.; ZERBIB, F. & BRULEY DES VARANNES, S. — Review article: Respiratory manifestations of gastro -oesophageal reflux disease. Aliment. Pharmacol. Ther., 27(6): 449-64, 2008. 10. FIELD, S.K. & SUTHERLAND, L.R. — Does medical antireflux therapy improve asthma in asthmatics with gastroesophageal reflux? A critical review of the literature. Chest, 114(1): 275-83, 1998. Obs.: As quatro referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. Endereço para correspondência: Luiz J. Abrahão Junior Av. Jornalista Alberto Francisco Torres, 145/801 24230-001 Niterói- RJ 21 atualidades médicas Profa. Dra. Andréa F. Mendes Conduta nas fraturas relacionadas à osteoporose no sexo masculino N. Engl. J. Med. Diretrizes para manejo da rinossinusite bacteriana aguda Arthritis Care Res. A Infectious Diseases Society of America (IDSA) publicou diretrizes para o manejo da rinossinusite bacteriana aguda (RSBA), em adultos e crianças (Chow, A.W. et al. “IDSA Clinical Practice Guideline for Acute Bacterial Rhinosinusitis in Childrens and Adults”. Clin. Infect. Dis. 2012; 54(8):e72-e112). Ela boradas por especialistas de múltiplas especialidades — pediatras, clínicos gerais e infectologistas, entre outros — as novas diretrizes trazem orientações práticas sobre o manejo diagnóstico e terapêutico, incluindo dados relevantes sobre a antibioticoterapia empírica. Como se sabe, a maior parte dos quadros de rinossinusite é de etiologia viral; aqueles bacterianos representam cerca de 5%-10% e, em geral, surgem como complicação de infecção viral do trato respiratório superior ou manifestação alérgica. Na prática a diferenciação é difícil, e a etiologia bacteriana deve ser considerada na existência de uma das situações clínicas descritas a seguir: sintomas persistentes por mais de 10 dias; quadro grave caracterizado por febre alta, secreção nasal mucopurulenta e dor facial, por três a quatro dias; ou piora súbita dos sintomas, após a infecção do trato respiratório superior ter melhorado, por período de cinco a seis dias. Após diagnóstico clínico, as recomendações são para início imediato de terapia antimicrobiana empírica, sendo a droga de escolha a associação amoxicilina e ácido clavulânico, por sete a 10 dias. O levofloxacino é descrito como opção para pacientes alérgicos à penicilina. A avaliação por imagem, preferencialmente por tomografia computadorizada, fica reservada para os que não melhoram com o tratamento farmacológico adequado; visa à identificação de complicações supurativas ou de causas não infecciosas que justifiquem o quadro clínico. As principais recomendações para manejo dos pacientes com RSBA se encontram descritas em um didático algoritmo. 22 Em mulheres, o tratamento da osteoporose e suas complicações está bem definido na literatura médica mundial, com base em evidências científicas fornecidas por diversos estudos clínicos. Entre os indivíduos do sexo masculino, em especial a partir dos 50 anos de idade, a doença tem sido cada vez mais diagnosticada e estudada. Atualmente, a mortalidade por fraturas relacionadas à osteoporose é maior entre indivíduos do sexo masculino, havendo a necessidade de estudos e diretrizes que orientem o adequado manejo desses casos. Em publicação recente no periódico The New England Journal of Medicine, Boonen, S. e cols. abordam o assunto, trazendo o resultado de um estudo multicêntrico, duplo-cego e controlado por placebo, que buscou avaliar a eficácia do ácido zoledrônico (AZ) em reduzir o risco de fraturas em homens portadores de osteoporose (“Fracture Risk and Zoledronic Acid Therapy in Men with Osteoporosis”. N. Engl. J. Med. 2012; 367:1714-23). O estudo avaliou 1.199 homens entre 50 e 85 anos, com diagnóstico de osteoporose, randomizados para receberem placebo ou AZ (5mg, IV) ao início do estudo e 12 meses após. O objetivo primário foi avaliar o surgimento de fraturas vertebrais ao longo de um período de 24 meses, durante os quais todos receberam suplementação com cálcio e vitamina D. Ao término do período de acompanhamento concluíram que o medicamento esteve associado a um menor risco de fraturas, do ponto de vista radiológico (1,6% vs. 4,9% no grupo placebo, representando redução de risco de 67% com o uso de AZ); entretanto, apesar de o AZ também ter reduzido a incidência de fraturas manifestas clinicamente, essa diferença não alcançou significado estatístico. O grupo que recebeu AZ apresentou ainda maior densidade mineral óssea e menor redução estatural, quando comparado ao placebo. Finalmente, os autores descrevem que não houve diferenças estatísticas entre os dois grupos no que diz respeito à mortalidade e eventos adversos graves. Tais resultados certamente suportam o uso do AZ como terapia antirreabsortiva também em homens com osteoporose. Cabe ressaltar, entretanto, que nove dos pacientes que receberam AZ apresentaram IAM (vs. dois no grupo placebo); seja essa associação por casualidade ou não, o médico deve estar atento para possíveis complicações cardiovasculares quando decidir prescrever a droga. Consenso sobre a interpretação dos níveis plasmáticos de troponina na prática clínica J. Am. Coll. Cardiol. O infarto agudo do miocárdio (IAM) é, sem dúvida, uma das principais causas de mortalidade e morbidade em todo o mundo. Seu diagnóstico precoce é fundamental para que o tratamento imediato seja iniciado, resultando em melhor prognóstico. Atualmente, o eletrocardiograma, em associação à dosagem plasmática de troponina cardíaca, constitui a pedra angular para o diagnóstico em um paciente com suspeita clínica de IAM. O American College of Cardiology (ACC), em conjunto com outras renomadas sociedades médicas, publicou recentemente as resoluções de um consenso sobre como utilizar e interpretar, na prática clínica diária, as elevações plasmáticas de troponina (Newby, L.K. et al. “ACCF 2012 Expert Consensus Document on Practical Clinical Considerations in the Interpretation of Troponin Elevations”. J. Am. Coll. Cardiol. 2012; online first). Entre os pontos-chaves do consenso, os autores destacam que a elevação sérica de troponina é um marcador extremamente confiável de necrose miocárdica (apesar de não específico), devendo ser sempre realizada quando se suspeitar clinicamente de IAM. Entretanto, recomendam que sua utilização seja feita de modo consciente nas decisões clínicas. Desse modo, nos pacientes com síndrome coronariana aguda sem elevação do segmento ST, uma avaliação de risco global — mais que um único marcador sorológico — deve ser utilizada para guiar a decisão terapêutica. Além disso, sugerem que o teste não seja empregado rotineiramente, em contextos clínicos que sugerem patologia cardíaca não isquêmica. São exceções a essa regra a avaliação do prognóstico cardiológico em pacientes com doença renal crônica e pacientes em tratamento quimioterápico, com suspeita de cardiotoxicidade. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Ascite no paciente cirrótico Angelo Alves de Mattos Professor titular da Disciplina de Gastroenterologia e do Curso de Pós-graduação em Hepatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Resumo Summary A ascite é uma complicação frequente no paciente com cirrose, com prevalência ao redor de 10%. Em um período de 10 anos espera-se que metade dos pacientes apresentem esta complicação. Seu aparecimento já traduz mau prognóstico, com mortalidade ao redor de 50% em três anos. Deve ser ressaltado que sua presença também aumenta a morbidade desta população de doentes, uma vez que há risco adicional de outras complicações, como a peritonite bacteriana espontânea (1). Tendo em vista sua incidência e o prognóstico empobrecido que empresta ao paciente, é fundamental um tratamento adequado. Em geral, os pacientes com ascite necessitam hospitalização, embora aqueles com derrame peritoneal de pequeno volume possam ser manejados em nível ambulatorial (2). É fundamental que seja identificada, afastada ou tratada, quando possível, a causa da hepatopatia. Assim, por exemplo, em um paciente com hepatopatia decorrente do alcoo lismo é importante que o uso de álcool seja suspenso. O tratamento do VHB, da hepatite autoimune e da hemocromatose também pode traduzir uma melhora da ascite (1). O repouso em decúbito dorsal, enaltecido no passado, hoje em dia é regido pelas condições clínicas do paciente (2). A dieta com restrição de sódio é um passo importante do tratamento, sendo preconizado o uso de 2 gramas ao dia (3, 4, 5). Em regra, é orientado somente que os pacientes não coloquem sal em sua dieta e que evitem alimentos sabidamente com maior conteúdo de sódio (em média fica permitida uma ingesta de 4,6 a 6,9 gramas de sal ao dia) (2). O déficit de excreção hídrica é um achado comum no cirrótico; no entanto, a ingestão de água só deve ser restringida naqueles pacientes em que a concentração sérica de sódio for inferior a 120-125mEq/l. Caso o paciente apresente hiponatremia significativa (inferior a 120mEq/l), os diuréticos devem ser suspensos (3, 4, 5). Quando do tratamento da ascite, é importante que o clínico esteja atento para evitar a utilização de medicamentos que prejudiquem a função renal, tais como os anti-inflamatórios não esteroides, inibidores da enzima conversora de angiotensina, antagonistas dos receptores da angiotensina e mesmo drogas nefrotóxicas como os aminoglicosídeos. É Este artigo, ao fazer uma revisão da literatura no que tange ao tratamento da ascite no paciente com cirrose, enfatiza a importância da dieta com restrição de sal; do papel da espironolactona no início do tratamento em pacientes com um primeiro episódio de ascite e do tratamento combinado (espironolactona e furosemida) nas ascites recorrentes e da paracentese terapêutica, com reposição de albumina, na ascite tensa. Conclui ressaltando a importância da avaliação do transplante hepático nesta população de doentes. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 clínica médica Ascite no paciente cirrótico The present article, reviewing medical literature regarding treatment of ascites in cirrhotic patients, emphasizes the importance of a sodium restricted diet; it also explains the role of espironolactone as the first treatment in a patient with the first episode of ascites, that of the combined treatment with espironolactone and furosemide in cases of recurrent ascites and that of therapeutical paracentesis with albumin replacement in patients with tense ascites. It concludes highlighting the importance of evaluating cirrhotic patients with ascites for liver transplantation. Unitermos: Ascite; albumina; cirrose; diuréticos. Keywords: Ascites; albumin; cirrhosis; diuretics. 23 Ascite no paciente cirrótico Pontos-chave: > No início do tratamento são utilizados diuréticos poupadores de potássio; > Preferencialmente a espironolactona, em decorrência do hiperaldosteronismo existente no paciente com cirrose; > A dose inicial é de 100mg, podendo ser aumentada a cada 3-5 dias, até um máximo de 400mg/dia. 24 também importante atentar para o uso de contrastes radiológicos endovenosos, uma vez que os mesmos podem induzir a uma insuficiência renal aguda (1). Como a resposta à dieta com restrição de sódio é deficiente, o uso de diuréticos deve ser considerado desde o início do tratamento. Tendo em vista a presença de edema periférico concomitante proteger o paciente quanto ao desenvolvimento de hipovolemia, em decorrência de sua mobilização preferencial e ilimitada, fica sugerido que o tratamento pode resultar em uma perda média de 1kg/ dia naqueles pacientes com ascite e edema periférico e de 300-500g/dia naqueles só com ascite (reabsorção limitada) (6). No início do tratamento são utilizados diuréticos poupadores de potássio, preferencialmente a espironolactona, em decorrência do hiperaldosteronismo existente no paciente com cirrose. A dose inicial é de 100mg, podendo ser aumentada a cada 3-5 dias, até um máximo de 400mg/dia. O intervalo de dias utilizado para a modificação da dose é basea do no fato de que o pico de ação da droga ocorre entre o terceiro e o quinto dia de seu uso. Esse regime resulta em uma natriurese adequada em 75% dos pacientes. Como os principais metabólitos da espironolactona, sua porção ativa, têm meia-vida plasmática longa, está justificada sua administração uma vez ao dia (7, 8). Sendo o sítio de ação da espironolactona ao nível do néfron distal, a retenção proximal de sódio e de água explica a falha terapêutica em alguns pacientes. Nestes casos, associa-se um diurético de alça. A droga habitualmente utilizada é a furosemida, variando a dose de 40 a 120-160mg/dia (9). Existe controvérsia na literatura no que tange ao melhor esquema de diuréticos a ser utilizado inicialmente nos pacientes com cirrose e ascite. Santos et al. (10) avaliaram a utilização de espironolactona versus espironolactona e furosemida em pacientes com ascite moderada, após dieta e repouso. Em um grupo, quando necessário, aumentavam as doses de ambos os diuréticos a cada quatro dias (doses máximas de 400mg para a espironolactona e de 160mg para a furosemida) e no outro o aumento da dose inicial era da espironolatona e, na ausência de resposta, era então acrescida a furosemida. A resposta ao tratamento, as complicações e a velocidade de mobilização da ascite foram semelhantes nos dois grupos. Recentemente, Angeli et al. (11), também avaliando pacientes com ascite moderada, após dieta e repouso, fizeram estudo com desenho semelhante e observaram que o tratamento combinado foi mais efetivo na ascite moderada. Em editorial, Bernardi (12) comenta que embora os dois estudos sejam prospectivos, controlados e randomizados, avaliavam populações distintas. Assim, no primeiro estudo, 60% dos pacientes tinham ascite de início recente, em 40% a aldosterona estava normal e todos apresentavam creatinina dentro da normalidade, permitindo sucesso com a espironolactona isoladamente em dose baixa e com poucos efeitos colaterais. Já no segundo estudo, em 70% dos pacientes a ascite era recidivante, a maior parte apresentava hiperaldosteronismo e tinha diminuição da taxa de filtração glomerular. Então, o sucesso se fazia esperado, ou com altas doses de um antagonista da aldosterona ou com tratamento combinado. Conclui referindo que os pacientes com ascite de início recente devem ser tratados de forma distinta daqueles com ascite recidivante. Recentemente foram publicadas as diretrizes da European Association for the Study of the Liver (EASL) (2), sendo que, a este respeito, se posicionam da seguinte maneira: os pacientes com um primeiro episódio de ascite podem ser tratados com doses iniciais de espironolactona; no entanto, os pacientes com ascite recorrente devem ser tratados com a terapia combinada. Nos pacientes com derrame peritoneal volumoso (ascite tensa) a proposta terapêutica a ser avaliada é a paracentese com reposição de albumina. A terapêutica através da paracentese, com infusão endovenosa de 8 gramas de albumina por litro de ascite drenado, mostrou-se mais efetiva, acarretando menos complicações e diminuindo o tempo de internação dos pacientes, quando comparada com o tratamento à base de diuréticos. Ressaltamos que a reposição com albumina tende a minorar a disfunção circulatória que pode ocorrer após a paracentese (disfunção circulatória pós-paracentese). Recente meta-análise, avaliando ensaios prospectivos, controlados e randomizados em pacientes com ascite volumosa e JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Ascite no paciente cirrótico que realizaram paracentese e reposição com albumina ou outros expansores, demonstrou que a albumina diminui a incidência de síndrome pós-paracentese, de hiponatremia e de mortalidade (13). Embora a paracentese terapêutica com reposição volumétrica seja o tratamento de eleição para os pacientes com ascite volumosa, ela não corrige a retenção renal de sódio existente, e esses pacientes devem utilizar diuréticos após a remoção do líquido de ascite. É importante enfatizar que o transplante hepático é a forma de terapia definitiva a ser ofertada aos pacientes com ascite, principalmente quando a mesma for considerada refratária (14). As alternativas anteriormente consideradas seriam, então, procedimentos terapêuticos que proporcionariam uma vida mais digna a esta população de pacientes até a sua realização. A sobrevida dos pacientes transplantados em nosso meio é excelente, sendo ao redor de 80% em um ano e de 60% em 15 anos (15). O déficit de excreção de água, decorrente de uma anormalidade funcional renal, é um achado frequente nos cirróticos com ascite. A depuração de água livre está diminuída em 75% dos pacientes com cirrose, sendo que a hiponatremia pode ser observada em um terço dos mesmos, apresentando uma correlação direta com a gravidade da hepatopatia. Assim, drogas que aumentem a excreção de água livre poderiam influir na hiponatremia dilucional e na hipo-osmolaridade, consequentes à retenção renal de água observada nesses pacientes. Atualmente, os antagonistas dos receptores V2 (vaptans) estão sendo avaliados. Embora estudos iniciais com o satavaptan tenham sido promissores, o mesmo não ocorreu quando da avaliação em estudo de fase 3 (16). Recentemente outro medicamento, o tolvaptan, foi aprovado pela FDA para o tratamento da hiponatremia em pacientes com cirrose. A despeito de, atualmente, ser muito pobre a experiência com tais medicamentos em pacientes com cirrose e ascite, espera-se que em futuro próximo agentes aquaréticos venham a ser utilizados na prática médica, proporcionando, assim, resposta terapêutica mais eficaz quando em comparação com o tratamento convencional (17). Ao finalizarmos esta revisão, entendemos de interesse as considerações feitas na última diretriz da American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) (3) e na da EASL (2) no que tange ao tratamento da ascite. Assim, os principais passos a serem considerados são estes: tratamento da causa da hepatopatia; restrição de sódio e início precoce de diuréticos; restrição hídrica quando o sódio sérico for inferior a 120-125mEq/l; na ascite tensa, realizar paracentese terapêutica, repondo albumina (mandatória quando o volume drenado for superior a 5 litros); e avaliar a indicação de transplante em pacientes com ascite. Referências 17. WONG, F. & BLENDIS, L. — The pathophysiologic basis for the treatment of cirrhotic ascites. Clin. Liver Dis., 5: 819-32, 2001. 18. ZERVOS, E.F. & ROSEMURGY, A.S. — Management of medically refractory ascites. Am. J. Surg., 181: 256-64, 2001. 19. RUNYON, B.A. — Management of adult patients with ascites due to cirrhosis. Hepatology, 39: 841-56, 2004. 10. SANTOS, J.; PLANAS, R. et al. — Spironolactone alone or in combination with furosemide in the treatment of moderate ascites in nonazotemic cirrhosis. A randomized comparative study of efficacy and safety. J. Hepatol., 39: 187-92, 2003. 11. GORDON, F.D. — Ascites. Clin. Liver Dis., 16: 285-99, 2012. 12. EUROPEAN ASSOCIATION FOR THE STUDY OF THE LIVER — EASL clinical practice guidelines on the management of ascites, spontaneous bacterial peritonitis, and hepatorenal syndrome in cirrhosis. J. Hepatol., 53: 397-417, 2010. 13. RUNYON, B.A. — AASLD Practice Guidelines Committee. Management of adult patients with ascites due to cirrhosis: An update. Hepatology, 49: 2087-107, 2009. 14. GINÈS, P.; CÁRDENAS, A. et al. — Management of cirrhosis and ascites. N. Engl. J. Med., 350: 1646-54, 2004. 15. MOORE, K.P.; WONG, F. et al. — The management of ascites in cirrhosis: Report on the Consensus Conference of the International Ascites Club. Hepatology, 38: 258-66, 2003. 16. SHEAR, L.; CHING, S. & GABUZDA, G.J. — Compartmentalization of ascites and edema in patients with hepatic cirrhosis. N. Engl. J. Med., 282: 1391-6, 1970. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 É importante enfatizar que o transplante hepático é a forma de terapia definitiva a ser ofertada aos pacientes com ascite, principalmente quando a mesma for considerada refratária. Endereço para correspondência: Angelo Alves de Mattos Rua Cel. Aurélio Bitencourt, 35/Ap. 201 90430-080 Porto Alegre-RS [email protected] Obs.: As sete referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. 25 Hipertireoidismo Abordagem das principais causas e conduta diagnóstica endocrinologia Hipertireoidismo Abordagem das principais causas e conduta diagnóstica Rosita Fontes Endocrinologista do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luis Capriglione (IEDE/RJ). Professora do Curso de Especialização em Endocrinologia e Metabologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Resumo Summary A tireotoxicose é um estado hiperme tabólico decorrente dos efeitos de níveis teciduais elevados de hormônios tireoidea nos (HTs). O hipertireoidismo é a causa mais comum, e decorre do excesso de hormônios produzidos pela tireoide. Outras causas de tireotoxicose ocorrem por produção extrati reoideana ou administração exógena de hor mônios tireoideanos. A principal causa de tireotoxicose, o bócio difuso tóxico (BDT) de causa autoimune, responsável por até 80% dos casos, é aqui abordado, assim como as demais causas. O tratamento é realizado com drogas antitireoideanas, iodo radio ativo ou cirurgia e exige acompanhamento de longo prazo, tanto pela possibilidade de recidivas como do desenvolvimento de hipotireoidismo. Thyrotoxicosis is a hypermetabolic state due to the effects of high tissue levels of thyroid hormones (TH). Hyperthyroidism is the most common cause and results from excess hormones produced by the thy roid. Other causes of thyrotoxicosis occur extra thyroid production or exogenous administration of thyroid hormones. The main cause of thyrotoxicosis, the diffuse toxic goiter (DTG) of autoimmune cause, accounting for up to 80% of cases, is dis cussed here, as well as other causes. The treatment is performed with antithyroid drugs, radioactive iodine or surgery and re quires long-term follow-up, due to both the possibility of recurrence and the develop ment of hypothyroidism. et ent quist, nimilique voluptaturia. Introdução locais envolvidos (1). Em outro estudo, em uma cidade no sul do país, a prevalência em uma população com diabetes mellitus tipo 1, doença sabidamente associada às disfunções tireoideanas autoimunes, foi de 9,7% (8). Realizamos em nosso serviço um levantamento com 336.231 indivíduos que dosaram hormônio estimulador da tireoide (TSH) e T4 livre (T4L) e observamos hipertireoidismo em 2,1% dos adultos, em 1,8% dos púberes e em 0,2% dos menores de 12 anos. Apesar de terem sido excluídos do levantamento todos os que usavam antitireoideanos, hormônios tireoideanos ou medicações que pudessem interferir nas dosagens hormonais, a ocorrência mais elevada do que o relatado na literatura pode ser explicada porque havia indivíduos nos quais a função tireoideana A tireotoxicose é um estado hipermetabólico decorrente dos efeitos de níveis teciduais elevados de hormônios tireoideanos (HTs). O hipertireoidismo é a causa mais comum e decorre do excesso de hormônios produzidos pela tireoide. Segundo estudos clássicos, como o National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) e o Whickham Survey, é uma doença mais incidente e prevalente em mulheres, com incidência de 1:1.000 casos por ano e prevalência entre 1% e 2%, cerca de 10 vezes mais do que nos homens. Em crianças ocorre em 0,02%, com pico de incidência entre 11 e 15 anos (3, 4). No Brasil, em uma comunidade do Nordeste a prevalência foi de 5,9%, mas os próprios autores comentam a possibilidade de fatores genéticos e/ou ambientais JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Unitermos: Hipertireoidismo; tireoide. Keywords: Hyperthyroidism; thyroid. 27 Hipertireoidismo Abordagem das principais causas e conduta diagnóstica foi pesquisada por apresentarem suspeita da doença, principalmente entre os menores de 18 anos, justamente o grupo onde o percentual de exames alterados foi maior. Outras causas de tireotoxicose ocorrem por produção extratireoideana ou administração exógena de hormônios tireoideanos. As principais causas de tireotoxicose são resumidas a seguir. Causas frequentes Bócio difuso tóxico (BDT) ou doença de Graves (DG) É responsável por 50% a 80% dos casos. Decorre da ação do anticorpo estimulador do receptor de TSH (TSAb) sobre a tireoide, que produz HT em quantidades excessivas. Incide na relação de sete a 10 mulheres para cada homem. Geralmente vem acompanhado de bócio e pode estar associado à oftalmopatia, dermatopatia infiltrativa e acropatia (2, 3, 10). Pontos-chave: > Doença de Graves (DG) é responsável por 50% a 80% dos casos; > Decorre da ação do anticorpo estimulador do receptor de TSH (TSAb) sobre a tireoide, que produz HT em quantidades excessivas; > Incide na relação de sete a 10 mulheres para cada homem. 28 cedida de febre e faringite. A tireoide é aumentada e pode-se palpar um ou mais nódulos. Um hipertireoidismo, geralmente leve, que dura até seis semanas, ocorre em 50% dos pacientes, por destruição tecidual e liberação de HT. Em 33% dos pacientes esta fase é seguida por hipotireoidismo, que pode durar até seis meses e, então, o retorno ao eutireoidismo. É pouco frequente que resulte em hipotireoidismo definitivo (15). Em um levantamento realizado em nosso serviço não observamos aumento da incidência em qualquer época do ano. Silenciosa — Provavelmente autoimune, classicamente apresenta as mesmas fases da tireoidite subaguda; no entanto, a fase tireotóxica pode ser percebida em somente 5% a 20% dos pacientes, nos quais costuma durar de três a quatro meses. Apresenta um pequeno bócio não doloroso (15). Bócio multinodular tóxico (BMNT) Geralmente ocorre em uma glândula multinodular na qual um ou mais nódulos passam a funcionar autonomamente, produzindo quantidades aumentadas de HT. Ocorre devido a mutações somáticas que levam à ativação do receptor do TSH, além de outros mecanismos ainda pouco elucidados. É mais prevalente em populações com insuficiência de iodo (11, 12). Pós-parto — Tireoidite autoimune definida como o desenvolvimento de disfunção tireoideana dentro de 12 meses após o parto. Ocorre em 5% de mulheres previamente eutireoideanas e não é acompanhada de dor. Em 25% a 40% a evolução é semelhante à da tireoidite subaguda; 20% a 30% apresentam apenas tireotoxicose e 40% somente hipotireoidismo (15, 16). Bócio nodular tóxico (BNT) Adenoma produtor de hormônios tireoideanos independentemente do TSH. Quando atinge determinado tamanho, geralmente acima de 2,5 a 3cm, é capaz de levar ao hipertireoidismo. Na Dinamarca encontrou-se incidência de 5,7% entre todas as causas de hipertireoidismo. No Brasil, um estudo mostrou, em uma pequena série de casos com consumo marginal de iodo, alta prevalência (86% dos casos) de mutações ativadoras do receptor do TSH, ao contrário do que foi observado em outros estudos com alta ingestão de iodo, onde estas mutações parecem ser menos prevalentes (13, 14). Aguda — Por infecção bacteriana, geralmente Staphylococcus aureus, Streptococci species, Klebsiella pneumoniae ou Escherichia coli; ou fúngica, geralmente em imunossuprimidos, por espécies de Aspergillus, Candida e Coccidioides species. Raramente cursa destruição tireoideana capaz de levar a hipertireoidismo (17). Causas pouco frequentes Tireoidites Subaguda, granulomatosa ou de Quer vain — É a causa mais comum de dor em tireoide uni ou bilateral, que pode ser pre- Induzido por drogas Induzido pela administração de iodo (Jod-Basedow) — Ocorre quando medicamento contendo excesso de iodo é administrado a pacientes em determinadas condições predisponentes, como bócio em regiões com deficiência endêmica de iodo, eutireoideanos com doença de Graves, principalmente após tratamento com antitireoideanos, bócio nodular atóxico, bócio multinodular atóxico e bócio difuso atóxico (BDA) (17). JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Hipertireoidismo Abordagem das principais causas e conduta diagnóstica Induzido por amiodarona — Ocorre em 1,7%, 7,9% e 11,9% dos residentes em áreas com ingestão de iodo alta, intermediária ou baixa, respectivamente, na relação de 3,2 pacientes do sexo masculino para um do sexo feminino (23). Clinicamente, a recorrência de arritmias cardíacas que haviam sido controladas com a medicação pode sugerir o diagnóstico (21). Pode ocorrer por dois mecanismos: no tipo I, que geralmente incide em pacientes com doença tireoideana preexistente, há aumento da produção de HT, já que grandes quantidades de iodo são liberadas para a circulação durante a sua biotransformação; já no tipo II o hipertireoidismo é decorrente de uma tireoidite devido aos efeitos tóxicos da amiodarona e seu metabólito ativo, a desetilamiodarona. Os dois tipos podem coexistir, e o hipertireoidismo pode durar vários meses (18, 19, 22). Tireotoxicose induzida por medicamentos contendo tri-iodotironina (T3) e tireomiméticos — É causada pela prescrição médica de fórmulas contendo tri-iodotironina, geralmente com finalidade de emagrecimento; pela adição não mencionada na fórmula do hormônio a alimentos e produtos ditos naturais, fitoterápicos e homeopáticos; e pela ingestão do tireomimético tiratricol (2, 24, 25, 26). Tireotoxicoses iatrogênica e factícia — São variações do mesmo processo de ingestão de hormônio tireoideano exógeno, a primeira por excesso da medicação prescrita e a outra por ingestão abusiva proposital pelo paciente. A administração excessiva de hormônios tireoideanos cursa sem bócio e causa sintomas de hipertireoidismo ou apenas sintomas cardiovasculares e pode levar a disfunção cardíaca grave, mas reversível com a retirada da medicação (27, 28, 29). Hiperêmese gravídica Ocorre em gestações que cursam com níveis especialmente elevados de gonadotrofina coriônica (hCG) e se caracteriza por um quadro grave de náuseas e vômitos com perda de peso, desidratação, cetose, alterações hidroeletrolíticas significativas (hiponatremia, hipopotassemia e alcalose metabólica) e aumento das enzimas hepáticas. Em estatísticas que variam de 25% a mais de 70% dos casos, o aumento da hCG está associado a aumento JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 dos hormônios tireoideanos. Em geral, os sinais e sintomas de tireotoxicidade são mínimos ou mesmo ausentes. O quadro é transitório e a maioria normaliza espontaneamente entre quatro e 20 semanas de gestação, paralelamente à queda da hCG, com melhora dos vômitos e ganho de peso. Em 15% a 20% dos casos o hipertireoidismo ultrapassa este período (30). Pós-cirurgia para hiperparatireoidismo Hipertireoidismo transitório pode ocorrer em cerca de um terço dos pacientes paratireoidectomizados, com normalização em cerca de um mês. O quadro é muitas vezes subclínico (31). O hipertireoidismo induzido por amiodarona ocorre em 1,7%, 7,9% e 11,9% dos residentes em áreas com ingestão de iodo alta, intermediária ou baixa, respectivamente, na relação de 3,2 pacientes do sexo masculino para um do sexo feminino. Causas raras Tireotropinomas — Tumores produtores de TSH, geralmente macroadenomas, raros. Resistência hipofisária ao hormônio tireoideano (RHHT) — Maior resistência do mecanismo de retroalimentação dos HTs na hipófise do que em tecidos periféricos (33). Tumores trofoblásticos funcionantes — Incluindo mola hidatiforme, coriocarcinoma ou carcinoma embrionário metastático do testículo (2). Carcinoma de tireoide hiperfuncionante e grandes ou múltiplas metástases de carcinoma folicular de tireoide — Capazes de secretar hormônios tireoideanos autonomamente (34). “Struma ovarii” — Por focos hiperfuncionantes de tecido tireoideano presentes em 5% a 20% dos teratomas (35). Induzido por interferon — Manifestando-se tanto por mecanismos imunitários (hipertireoidismo autoimune) como por efeito tóxico direto na tireoide (tireoidite destrutiva) (36). Hipertireoidismo congênito — Por mutações ativadoras do receptor do TSH (37). “Hamburger” tireotoxicose — Causada pelo consumo de carne moída contendo glândula tireoide (38). Síndrome de McCune-Albright — Causada por mutações ativadoras no gene para a subunidade alfa da proteína estimuladora G (gnas), na qual pode ocorrer hipertireoidismo (39). 29 Hipertireoidismo Abordagem das principais causas e conduta diagnóstica Recém-nascidos de mães com doença de Graves — Geralmente transitório, ocorrendo ao nascimento ou alguns dias após, por passagem transplacentária de títulos elevados de TSAb materno (37). Irradiação cervical — Aumenta o risco de hipertireoidismo autoimune de cinco a 20 vezes, porém é relacionada a altas doses (40, 41). Exposição ocupacional — A solventes e outras substâncias que levam à tireotoxicose (42). Quadro clínico O paciente com hipertireoidismo apresenta um quadro clínico com os sintomas e sinais típicos mencionados no Quadro (2, 6). As crianças apresentam aceleração do crescimento, avanço da idade óssea e geralmente têm oftalmopatia (5). Os idosos podem ter hipertireoidismo apático, com clínica discreta, que pode ser de difícil diagnóstico e apresentar apenas perda de peso, fraqueza muscular proximal e fibrilação atrial (2, 8). O hipertireoidismo implica em alto risco de mortalidade. Uma meta-análise demonstrou que esta associação é de aproximadamente 20%, e tanto pode ser pelas complicações do hipertireoidismo como por comorbidades pioradas pela associação com ele. Deve-se a todas as causas, mas principalmente às cardiovasculares. Por exemplo, a prevalência de fibrilação atrial no momento do diagnóstico de hipertiroidismo pode chegar a 30%, principalmente em idosos, e 10% a 15% deles têm um evento arterial embólico (9). Diagnóstico laboratorial Em 95% dos casos o dado laboratorial marcador de tireotoxicose é a combinação de TSH suprimido com T4L elevada. Exceções são os tumores produtores de TSH, a RHHT e o hipertireoidismo secundário ao uso de tri-iodotironina. Os anticorpos antitireoi deanos são complementares na caracterização da natureza autoimune da doença. Outras dosagens podem auxiliar no diagnóstico diferencial e são comentadas em relação às principais causas. No BDT, a causa mais frequente, a T3L ou a T3T costumam estar proporcionalmente mais elevados do que a T4L, mas geralmente não são necessários para o diagnóstico. A antiperoxidase tireoideana (ATPO) é positiva em 50% a 80%; a antitireoglobulina (ATG) é positiva em 50% a 70%, mas a positividade da ATPO dispensa esta dosagem. Na doença de evolução mais longa a glândula pode ser multinodular e a positividade do TRAb é útil nos casos em que QUADRO: Sintomas e sinais de hipertireoidismo SintomasSinais Nervosismo e labilidade emocional Taquicardia Sensibilidade ao calor Hipertermia Fadiga Sudorese quente Pontos-chave: Sensação de palpitação Perda de peso (ganho em 10% a 30%) > O hipertireoidismo implica em alto risco de mortalidade; DispneiaTremores > Uma meta-análise demonstrou que esta associação é de aproximadamente 20%; > Tanto pode ser pelas complicações do hipertireoidismo como por comorbidades pioradas pela associação com ele. 30 Aumento do apetite Descontração rápida dos reflexos profundos Aumento da frequência de evacuações Geralmente cursa com bócio (sem bócio na tireotoxicose factícia) Oligo ou amenorreia Olhar fixo e brilhante, retração palpebral Pode haver queixas de ardência e sensação de Sinais de oftalmopatia, dermatopatia e acropatia corpo estranho oculares no BDT Dor local e odinofagia na tireoidite subaguda Dor na tireoidite subaguda JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Hipertireoidismo Abordagem das principais causas e conduta diagnóstica as características clínicas não sejam suficientes para o diagnóstico diferencial com BMNT. Já os bócios nodulares, seja o BMNT ou o BNT, às vezes são diagnosticados ainda na fase de hipertireoidismo subclínico, quando a T4L ainda estará normal, ou como tireotoxicose por T3, em que, além do TSH suprimido, somente T3L ou T3T estará aumentada (20). A tireoidite mais comum, que é a subaguda, se caracteriza por velocidade de hemossedimentação (VHS) bastante elevada, tipicamente acima de 100mm, e proteína C-reativa (PCR) elevada em níveis inflamatórios. A ATPO é positiva em 25% dos casos. Esses anticorpos estão também positivos em 50% dos casos de tireoidite silenciosa e em mais de 80% da tireoidite pós-parto. Já a tireoidite aguda cursa com marcadores de autoimunidade negativos e marcadores inflamatórios moderadamente elevados. No hipertireoidismo pela amiodarona, a T3L ou a T3T podem estar elevadas, mas a relação FT4/FT3 é muito maior do que no BDT. Na tireotoxicose por T4, a T3L ou a T3T estão normais. No tipo I a ATPO pode ser positiva. Nas formas de hipertireoidismo induzidas por hormônios tireoideanos, a alteração laboratorial dependerá do hormônio ingerido. Assim, se o medicamento for a tri-iodotironina o TSH estará suprimido com T4L baixa ou até mesmo indosável e T3L ou T3T elevadas. Já na iatrogênica e na factícia por uso de L-T4, o TSH está suprimido e a T4L, elevada. A tireoglobulina é baixa, devido à supressão exógena da atividade tireoideana. O tireotropinoma e a RHHT se diferenciam da maioria das formas de hipertireoidismo por não cursarem com TSH suprimido. Nos tireotropinomas ambos, TSH e T4L, estão elevados e a subunidade alfa geralmente também está elevada nos tumores grandes, podendo estar normal nos microadenomas. A globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG), que reflete o grau de hipertireoidismo hepático, e outros marcadores da ação tecidual dos HTs estão elevados (32). Na RHHT o TSH geralmente está normal ou levemente elevado. A subunidade alfa e os marcadores da ação do HT tecidual, como a SHBG, estão normais. Na síndrome de McCune-Albright outras alterações podem estar presentes, como JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 aumento do hormônio de crescimento (GH), prolactina (PRL), androgênios por hiperplasia adrenal autônoma e hipofosfatemia da osteo malácia hipofosfatêmica, sem alteração dos hormônios hipofisários. Em recém-nascidos de mães com doença de Graves espera-se TRAb elevado pela passagem transplacentária. O algoritmo ao final deste trabalho mostra a utilidade dos principais exames de análises clínicas no diagnóstico do hipertireoidismo. A tireoidite mais comum, que é a subaguda, se caracteriza por velocidade de hemossedimentação (VHS) bastante elevada, tipicamente acima de 100mm, e proteína C-reativa (PCR) elevada em níveis inflamatórios. A ATPO é positiva em 25% dos casos. Outras alterações laboratoriais A alteração das enzimas hepáticas costuma ser discreta e reverter com o tratamento, devendo ser diferenciada da hepatite tóxica decorrente do tratamento, principalmente com propiltiouracil, ou da colestática associada ao metimazol; a dosagem seriada de enzimas não prediz a ocorrência de formas graves de hepatite, sendo dispensada. Leucocitose pode estar presente no paciente não tratado; com o uso de antitireoideanos (ATs) leucopenia transitória é pouco comum, agranulocitose rara e anemia aplástica muito rara; não há necessidade de acompanhamento seriado da série branca, a não ser que haja febre e sintomas e sinais de infecção. Hiperglicemia, geralmente leve, se deve à inibição catecolaminérgica da liberação de insulina e glicogenólise aumentada; indivíduos predispostos podem desenvolver diabetes mellitus; muito raramente, anticorpo anti-insulina é positivo e pode ocorrer hipoglicemia. Hipercalcemia com hipercalciúria e marcadores de reabsorção e formação óssea aumentados deve-se ao efeito de estimulação do HT sobre a remodelação óssea (8). Dois extremos da doença: hipertireoidismo subclínico e crise tireotóxica O hipertireoidismo subclínico se caracteriza por níveis normais de T4L e T3L ou T3T, e o TSH pode estar nitidamente suprimido, abaixo de 0,1µUI/ml, ou baixo mas detectável, entre 0,1µUI/ml e o valor de referência mínimo do método, geralmente em torno de 03µUI/ml a 0,4µUI/ml. As causas são as mesmas do hipertireoidismo clínico (13). Em que pesem os dados de maior ocorrência de fibrilação arterial, principalmente acima 31 Hipertireoidismo Abordagem das principais causas e conduta diagnóstica Algoritmo Dados clínicos sugestivos de hipertireoidismo TSH Suprimido Normal Elevado T4L Rever dados clínicos T4L Normal Elevado Hipertireoidismo Anticorpos antitireoideanos Positivos Provável d. autoimune; tireoidites T3L Elevado Suspeita mantida T4L Normal Negativos Hipertireoidismo subclínico Outras causas Outros exames complementares Elevado Normal Subunidade alfa Hipotireoidismo subclínico Rever diagnóstico Normal Elevado Sugere tumor produtor TSH* Elevado Sugere SRHT** Dados clínicos SHBG TSH – Hormônio estimulador da tireoide; T3L – Tri-iodotironina livre; T4L – tiroxina livre; SRHT – Síndrome de resistência ao hormônio tireoideano; SHBG – Globulina ligadora de hormônios sexuais. * O adenoma produtor de TSH geralmente é visualizado na ressonância magnética, enquanto na SRHT a sela turca é normal. ** O diagnóstico definitivo é estabelecido pela demonstração de mutação no gene TRb, que ocorre em 85% dos casos de SRHT. Pontos-chave: > A crise tireotóxica (CT) decorre da perda aguda da capacidade de manter os mecanismos compensatórios de termorregulação, cardiovasculares e metabólicos; > Geralmente ocorre no paciente que apresenta doença tireoideana prévia; > É uma condição fatal se não for diagnosticada e tratada de imediato. 32 de 65 anos, e a possibilidade de aumento de reabsorção óssea nesses pacientes, não há consenso a respeito da realização de triagem para hipertireoidismo subclínico na população (7). A crise tireotóxica (CT) decorre da perda aguda da capacidade de manter os mecanismos compensatórios de termorregulação, cardiovasculares e metabólicos, causada pelo excesso de HT. Geralmente ocorre no paciente que apresenta doença tireoideana prévia, quando há um evento clínico ou cirúrgico desencadeante. É uma condição fatal se não for diagnosticada e tratada de imediato. Os níveis de T3 e T4 não são diferentes dos encontrados no hipertireoidismo não complicado. O TSH está tipicamente suprimido, exceto nos raros casos de CT secundária a hipertireoidismo por adenoma hipofisário. O hemograma mostra leucocitose discreta com desvio para a esquerda, mesmo na ausência de infecção; se esta Normal Elevado Teste TRH Resposta aumentada Ausência de resposta coexiste a leucocitose pode ser acentuada. Hiperglicemia leve a moderada mesmo em não diabéticos não é incomum. Hipercalcemia de grau variável se deve tanto ao aumento da reabsorção óssea como pela hemoconcentração. Transaminases e bilirrubinas geralmente estão elevadas e, caso haja icterícia sem causa explicada, o prognóstico é desfavorável. Se houver rabdomiólise a creatinofosfoquinase estará aumentada. Cortisol elevado indica resposta adequada ao estresse, devendo-se avaliar com cuidado níveis normais que podem estar inapropriados para o quadro apresentado (10). Outros exames complementares Ultrassonografia de tireoide — Pode ser útil nos casos com bócio e suspeita de nódulo, a fim de avaliar as características do mesmo, uma vez que a existência de hipertireoidismo não exclui a concomitância de malignidade. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Hipertireoidismo Abordagem das principais causas e conduta diagnóstica Nos casos suspeitos a complementação diagnóstica é realizada com a punção por agulha fina da tireoide (PAAF) e classificação citológica pelo sistema de Bethesda. Cintigrafia e captação de Na131I — Desnecessária na confirmação de BDT. Tem sua aplicação principal quando são detectados nódulos, a fim de auxiliar na caracterização de BNT ou BMNT. Nesses casos a captação do iodo é restrita ou mais intensa nas áreas autônomas. Na tireoidite subaguda, tipicamente, observa-se captação extremamente baixa. Ressonância nuclear magnética — Se o diagnóstico indica tumor hipofisário Tratamento O BDT é tratado com antitireoideanos, iodo radioativo ou cirurgia. Entre os antitireoideanos, a medicação de escolha é o tapazol (TPZ), geralmente na dose de 5 a 30mg/dia, por um período não inferior a um a dois anos. O nível de T4L definirá os ajustes terapêuticos Referências 11. PONTES, A.A.N.; ADAN, L.F. et al. — Prevalência de doenças da tireoide em uma comunidade do nordeste brasileiro. Arq. Bras. Endocrinol. Metab., 46: 544-9, 2002. 12. MANDEL, S.; LARSEN, P.R. & DAVIES, T.F. — Thyrotoxicosis. In: Larsen, P.R.; Kronenberg, H.M. et al. (eds.) — Williams’ textbook of endocrinology. 10. ed., Philadelphia, WB Saunders Co., 2002. p. 362-405. 13. HOLLOWELL, J.G.; STAEHLING, N.W. et al. — Serum TSH, T4, and thyroid antibodies in the United States population (1988 to 1994): National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III). J. Clin. Endocrinol. Metab., 87: 489-99, 2002. 14. VANDERPUMP, M.P.J.; TUNBRIDGE, W.M.G. et al. — The incidence of thyroid disorders in the community: A twenty-year follow-up of the Whickham survey. Clin. Endocrinol., 43: 55-68, 1995. 15. LA FRANCHI, S. — Hyperthyroidism. In: Kliegman — Nelson textbook of pediatrics. 19. ed., Saunders Elsevier, 2011. p. 1909-15. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 no início do tratamento, pois o TSH pode demorar vários meses para normalizar, mesmo com o paciente já eutireoideano. T3L ou T3T podem ser usadas, principalmente quando os níveis de T4L são limítrofes e há dúvida em relação ao ajuste da medicação. Geralmente os pacientes evoluem para eutireoidismo dentro de seis a 12 semanas de tratamento. Por ser uma doença autoimune, faz parte da sua história natural, mesmo em indivíduos não tratados, a possibilidade de evolução para eutireoidismo ou hipotireoidismo. É essencial a atenção à oftalmopatia nesta doença, pela necessidade de tratamento específico, que vai desde medidas de proteção ocular nos casos leves até corticoterapia, radioterapia ou cirurgia em casos avançados. Já os pacientes com BNT e BMNT podem usar antitireoideanos por algum período, mas raramente evoluirão com cura espontânea, sendo indicado o tratamento com cirurgia ou iodo radioativo. No BNT a injeção de etanol também é uma opção. 16. BRENT, G.A. — Clinical practice. Graves’ disease. N. Engl. J. Med., 358: 2594-605, 2008. 17. SILVA, R.C. — Importância da avaliação da função tireoidiana em pacientes com diabetes mellitus. Arq. Bras. Endocrinol. Metab. (série na internet), 49(2): 180-2, 2005 (citado em 29 de março de 2012). 18. NAYAK, B. & HODAK, S.P. — Hyperthyroidism. Endocrinology and Metabolism Clinics, 36(3): 617-56, 2007. 19. BRANDT, F.A. — Critical review and meta-analysis of the association between overt hyperthyroidism and mortality. Eur. J. Endocrinol., 165(4): 491-7, 2011. 10. IGLESIAS P. — Severe hyperthyroidism: Aetiology, clinical features and treatment outcome. Clin. Endocrinol., 72(4): 551-7, 2010. Obs.: As 32 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. Endereço para correspondência: Rosita Fontes Rua Almirante Alexandrino, 2214/SS-201 — Santa Teresa 20241-261 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 33 panorama internacional Biomarcadores inflamatórios e doenças cardiovasculares N. Engl. J. Med. Por representarem importante causa de morbiletalidade, ao redor de todo o mundo, as doenças cardiovasculares (DCVs) são frequentemente motivo de estudo, em busca de métodos que permitam diagnóstico cada vez mais precoce, assim como identificação e correção de seus fatores de risco. Nos últimos anos, a utilização de marcadores biológicos de inflamação — a exemplo da proteína C-reativa (PCR) e fibrinogênio — como forma de predizer o risco para o desenvolvimento de um primeiro evento cardiovascular tem sido motivo frequente de debate. Um exemplo é o artigo intitulado “C-reactive Protein, Fibrinogen, and Cardiovascular Disease Prediction”, publicado recentemente no periódico The New England Journal of Medicine (N. Engl. J. Med. 2012; 367:1310-20). Nele, os investigadores do grupo The Emerging Risk Factors Collaboration descrevem os resultados de uma meta-análise que incluiu 52 estudos prospectivos, com dados de quase 250 mil pacientes sem histórico prévio de DCV. O objetivo principal foi avaliar o impacto desses marcadores em predizer o risco de um primeiro evento cardiovascular, além do real valor de sua realização rotineira. Quando associados a um modelo básico de avaliação — que incluiu a pesquisa de fatores de risco classicamente utilizados para o estudo das DCVs, como idade, sexo, tabagismo, pressão arterial, histórico de diabetes e dislipidemia — a dosagem dos níveis de PCR e fibrinogênio resultou em um aumento estatisticamente significativo (1,52%) na capacidade de classificar os pacientes como apresentando risco baixo, intermediário ou alto para o desenvolvimento de DCV. Os autores estimam que a adição de ambos os marcadores, mas principalmente da PCR, é capaz de prevenir pelo menos um evento cardio34 Profa. Dra. Andréa F. Mendes randomizados que compararam o uso de probióticos (Bifidobacterium, Lactobacilli, Saccharomyces e Streptococcus) ao placebo ou a nenhum tratamento em cerca de 3.800 pacientes imunocompetentes, adultos ou pediátricos, em uso de antibió ticos. Considerando a rara ocorrência de eventos adversos associados aos probióticos (cerca de 9% vs. 13% no grupo-controle; principalmente náuseas e febre), os autores concluem que se deve pensar em prescrevê-los aos pacientes considerados em risco de DACD, durante a utilização de antibióticos de amplo espectro. vascular em cada 400-500 pacientes rastreados, ao longo de uma década. Como os ganhos adicionais demonstrados com a inclusão dos biomarcadores inflamatórios como fatores de risco para as DCVs são modestos, o médico deve sempre considerar a relação custo/benefício antes de solicitar tais exames no acompanhamento rotineiro de seus pacientes. Meningite bacteriana aguda The Lancet A edição de 10 de novembro de 2012 do periódico The Lancet traz três artigos abordando aspectos diversos do manejo da meningite bacteriana aguda (MBA), doença que permanece como importante causa de óbito e incapacidade física. O primeiro deles, de Brouwer, M.C. e cols. (“Dilemmas in the Diagnosis of Acute Community-acquired Bacterial Meningitis”), aborda os principais dilemas com os quais o médico se depara quando está frente a um paciente com suspeita clínica de MBA. A anamnese e o exame físico isoladamente costumam não ser suficientes para confirmar ou excluir o diagnóstico, tornando fundamental a realização de punção lombar para análise do liquor — exame que deve ser interpretado de modo cuidadoso, pois há variações relacionadas à causa, idade, estado imunológico e realização ou não de tratamento prévio. Em outro artigo, “Advances in Treatment of Bacterial Meningitis”, van de Beek e cols. debatem o tratamento da MBA, destacando dois pontos principais: a otimização da antibioticoterapia, considerando o surgimento crescente de bactérias multirresistentes, e as controvérsias atuais relacionadas à terapia adjuvante (a exemplo de corticosteroides, indução de hipotermia, glicerol e paracetamol). Finalmente, discute-se o papel da vacinação ao redor do mundo, levando-se em consideração os três principais agentes etiológicos da MBA: Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis (MacIntyre, P.B. et al. “Effect of Vaccines on Bacterial Meningitis Worldwide”). Probióticos na prevenção da colite pseudomembranosa Ann. Intern. Med. Entre as complicações que podem advir do uso de antimicrobianos, especialmente os de amplo espectro, estão a diarreia associada ao Clostridium difficile (DACD) e a colite pseudomembranosa. A colonização da flora intestinal pelo C. difficile geralmente se dá em ambiente nosocomial e as manifestações clínicas surgem quando o equilíbrio normal da flora intestinal é quebrado pelo uso de antimicrobianos, havendo liberação de toxinas que causam dano e inflamação da mucosa intestinal. A DACD pode acometer crianças e adultos, caracterizando-se clinicamente pelo surgimento de diarreia — frequentemente acompanhada de cólica abdominal, com ou sem manifestações sistêmicas — durante, ou até diversas semanas após, terapia com antibiótico. Os principais fármacos relacionados são a clindamicina, cefalosporinas e penicilinas de amplo espectro. De acordo com uma meta-análise publicada no periódico Annals of Internal Medicine, a utilização de probióticos concomitante ao curso de antibiótico é capaz de prevenir a DACD, reduzindo sua incidência em 66% (Johnston, B.C. et al. “Probiotics for the Prevention of Clostridium difficile-associated Diarrhea: A Systematic Review and Meta-analysis”. Ann. Intern. Med. 2012; online first). Os autores chegaram a tal conclusão após analisarem dados referentes a 20 estudos JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 medicina intensiva Falência hepática aguda Falência hepática aguda Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto Médico assistente do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante de Fígado do Hospital Universitário Oswaldo Cruz — Universidade de Pernambuco. Especialista em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira — AMIB. Resumo Summary Falência hepática aguda é uma síndrome clínica devastadora, com alta taxa de mortali dade, apesar dos recentes avanços da terapia intensiva. Determinar a causa tem importan tes implicações prognósticas, e o transplante de fígado é um tratamento que salva vidas em casos selecionados. O conhecimento das últimas diretrizes e protocolos pode levar a melhores resultados. Acute liver failure is a devasting clinical syndrome, with high mortality rate, despite critical care advances. Determining the cause has important prognostic implications, and the orthotopic liver transplantation is a life -saving treatment in select cases. Knowledge of the latest guidelines and treatment proto cols can lead to improved patient case. Introdução (CID) (4). Acredita-se que aproximadamente 2 mil pessoas por ano nos EUA sejam acometidas, com 3,5 mortes por milhão de habitantes. Essa síndrome não é uma entidade clínica simples, e pode ser originada por uma grande variedade de causas (5). A etiologia da FHA apresenta variações geográficas e socioeconômicas (6). Na Europa e EUA predominam o uso do paracetamol e reações idiossincrásicas a drog as; nos países em desenvolvimento, as hepatites virais agudas (7). A identi ficação precoce da etiologia (quando possível!) permitirá o uso de tratamento específico: paracetamol, n-acetilcisteína; env enenamento por Amanita phal Falência hepática aguda (FHA) é uma síndrome caracterizada pelo desenvolvimento de encefalopatia e coagulopatia dentro de 26 semanas do início dos sintomas (icterícia) (1). É uma desordem rara e complexa, podendo levar à morte por falência de múltiplos órgãos. Sua apresentação clínica é rápida, dramática e requer abordagem multidisciplinar intensiva. Na ausência do transplante de fígado, a mortalidade pode chegar a 60% (2). Definição e etiologia Desde as primeiras descrições da FHA (1950) como entidade clínica distinta, várias classificações foram sugeridas para melhor caracterizar a síndrome (3) (Quadro 1). Paciente sem doença hepática prévia Icterícia + Coagulopatia Encefalopatia A maioria dos casos de FHA ocorre em mulheres jovens. Seu registro acurado é pobre, devido à ausência de código na classificação internacional de doenças JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 = Unitermos: Falência hepática; hepatite fulminante; transplante de fígado. Keywords: Hepatic failure; fulminant hepatitis; liver transplantation. Falência hepática aguda loid es, penicilina; hepatite B fulm inante, lami vudina; vírus do herpes sim ples, aciclovir; e esteatose aguda da gravidez, delivramento (Quadro 2). 35 Falência hepática aguda QUADRO 1: Classificações da FHA NomenclaturaDefinição Autor Insuficiência hepática fulminante Insuficiência hepática aguda grave, caracterizada pelo surgimento de encefalopatia no intervalo de 8 semanas do início dos sintomas, sem doença hepática prévia Trey & Davison Insuficiência hepática subaguda (início tardio) Insuficiência hepática aguda caracterizadaGimson pelo surgimento de encefalopatia no intervalo de 8 a 24 semanas do início dos sintomas, sem doença hepática prévia Insuficiência hepática: Hiperaguda Aguda Subaguda Encefalopatia hepática dentro de 7 dias do início da icterícia Encefalopatia hepática entre 8 e 28 dias do início da icterícia Encefalopatia hepática entre 4 e 12 semanas do início da icterícia Insuficiência hepática: Aguda grave Fulminante Subfulminante Coagulopatia (fator V < 50%) Coagulopatia e encefalopatia dentro de 2 semanas do início da icterícia Coagulopatia e encefalopatia entre 2 e 12 semanas do início da icterícia O’Grady Benhamou QUADRO 2: Etiologia da FHA Causa Agente responsável Hepatite viral VHA, VHB, VHD, VHE, CMV, hepatite soronegativa Relacionada a drogas Paracetamol (dose relacionada), reações idiossincrásicas (tuberculostáticos, estatinas, drogas ilícitas, anticonvulsivantes, anti-inflamatórios não esteroides, ciproterona e muitas outras) Toxinas Tetracloreto de carbono, Amanita phalloides Eventos vasculares Hepatite isquêmica, síndrome de Budd-Chiari, doença veno-oclusiva Outras Doenças hepáticas relacionadas à gravidez, doença de Wilson, linfoma, carcinoma, trauma Diagnóstico O reconhecimento precoce é fundamental para guiar o tratamento e obter bons resultados. Na identificação de alteração do sensório (encefalopatia) deve-se hospitalizar o paciente e transferi-lo para um centro transplantador (8, 9). Obter história clínica pode ser difícil (presença ou não de encefalopatia). Caso no exame físico percebam-se estigmas de doença hepática (aranhas vasculares, esplenomegalia), afasta-se o diagnóstico de 36 FHA. Icterícia, fígado não palpável e encefalopatia podem ser os únicos achados à admissão do paciente. Quanto à avaliação laboratorial, ela é extensiva, variando da classificação sanguínea ao nível de ceruloplasmina sérica. A biopsia hepática pode ser realizada (transjugular), mas deve ser muito bem avaliada, para não causar mais dano (coagulopatia). A USG de abdome pode ser solicitada para se observar a textura do parênquima e outros achados que sugiram doença hepática crônica (10). JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Falência hepática aguda Aspectos clínicos e manejo As manifestações iniciais podem ser inespecíficas. A curva das transaminases não prediz o prognóstico; entretanto, a sua queda associada com aumento progressivo da bilirrubina e INR selam o diagnóstico de FHA. Com a necrose hepática maciça aparecem as disfunções dos vários sistemas. Encefalopatia hepática A sua origem é diferente daquela que ocorre nos pacientes cirróticos. Na FHA o edema cerebral é a principal causa de morte precoce. A TAC de crânio deve ser solicitada nos estágios 3 e 4 da encefalopatia. Atenção especial para a hipertensão intracraniana (PIC) que se estabelece silenciosamente (11). O manejo da PIC requer a instalação de monitores invasivos de PIC, administração de manitol 20% ou solução salina hipertônica. Tiopental e fenobarbital podem também ser usados (12). A hipotermia vem sendo utilizada, com ressalvas, em alguns centros transplantadores. Elevar o decúbito cefálico em 30º e hiperventilar são atitudes simples que podem ser utilizadas inicialmente (13). Coagulopatia É caracterizada por prolongamento do tempo de protrombina e disfunção plaquetária. Apesar da severidade da coagulopatia, não é usual a hemorragia espontânea. Proteínas anticoagulantes C, S e antitrombina III apresentam diminuição em sua produção (14). A administração profilática de plasma fresco não é necessária e dificulta a avaliação do escore prognóstico (15). Atual mente, plasma fresco, plaqueta, crioprecipitado ou fatores recombinantes/complexo protrombínico só devem ser utilizados em vigência de sangramento ou antes de procedimentos invasivos. Disfunção pulmonar Injúria pulmonar aguda pode acontecer em pacientes com FHA e contribui aumentando a morbimortalidade. Alterações na vasculatura e na permeabilidade são observadas na FHA. O edema cerebral pode ser acelerado pelas manobras da estratégia JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 ventilatória protetora utilizada na síndrome do desconforto respiratório do adulto (SDRA) (16). Falência renal Ocorre em 70% dos pacientes e é multifatorial. Desidratação, sepse, hipotensão, drogas, etc. podem ser a origem da injúria renal. Síndrome hepatorrenal pode ocorrer, mas não está relacionada com a severidade da FHA. Porém, a presença da síndrome da resposta inflamatória prediz disfunção renal. Terapia de substituição renal frequentemente é necessária (17). A etiologia da FHA apresenta variações geográficas e socioeconômicas: na Europa e EUA predomina o uso do paracetamol e reações idiossincrásicas a drogas; nos países em desenvolvimento, as hepatites virais agudas. A identificação precoce da etiologia permitirá o uso de tratamento específico. Alterações hemodinâmicas Quando semelhantes à sepse são comuns: resistência vascular sistêmica e pulmonar básica, elevado débito cardíaco, hipermetabolismo e hipotensão. Acidose e hiperlactemia são frequentes. Hipovolemia deve ser corrigida (ressuscitação com cristaloides) e vasopressores podem ser necessários (18). Infecção e sepse O sistema imune está alterado na FHA, principalmente a relação complemento/opsonização e o sistema inato. A infecção é causa de morte em um terço dos pacientes com FHA. As enterobactérias são as mais frequentes e, depois, os Gram-positivos, devido aos procedimentos invasivos. Infecção fúngica também pode ocorrer. A infecção piora a encefalopatia. Na FHA, a síndrome da resposta inflamatória sistêmica está associada à injúria pulmonar, sepse e falência de múltiplos órgãos. Antibioticoprofilaxia deve ser feita, e atenção especial com infecção fúngica é mandatória (19). Desordens eletrolíticas e acidobásicas Hiponatremia, hiper e hipopotassemia, hiperlactatemia, acidose metabólica e hipofosfatemia são comuns. Níveis aumentados de fósforo podem estar associados com mau prognóstico. Hipoglicemia Ocorre em mais de 45% dos pacientes com FHA. A monitorização da glicose é mandatória e glicose hipertônica é necessária. Suporte nutricional deve ser iniciado o mais precocemente possível. 37 Falência hepática aguda Sangramento gastrointestinal Existe alto risco de sangramento gastrointestinal nos pacientes com FHA, e a profilaxia com antiácidos pode ser utilizada. Transplante de fígado Avanços nos cuidados críticos aumentam a sobrevida espontânea nos pacientes com FHA (entre 15% e 40%). Com o advento do transplante de fígado (TxF) a taxa de sobrevida pode chegar a 60%. Devido à grande variabilidade na sobrevida entre pacientes com FHA, é muito difícil estabelecer quem vai precisar ou não do TxF. É obrigatória a atenção ao aparecimento de contraindicações nesses pacientes, para evitar um transplante fútil (20). Prognóstico A decisão de incluir um paciente com FHA na lista de transplante de emergência é difícil. O julgamento entre o risco de recuperação espontânea com suporte intensivo e indicação tardia ao TxF faz parte do exercício contínuo da equipe transplantadora. Vários escores de prognóstico foram propostos, baseados em suporte matemático, sorológico, histológico e radiológico (Quadro 3). O escore MELD (Model for End-stage Liver Disease) também foi testado e aprovado para ser utilizado entre pacientes com FHA. Os critérios do King’s College e de Clichy (Quadros 4 e 5) são os mais utilizados para avaliar os pacientes que necessitarão de TxF. QUADRO 3: Indicadores prognósticos na FHA Lactato (sérico) QUADRO 5: Critério de pior prognóstico de Clichy Listar o paciente para TxF se: Fósforo (sérico) •Encefalopatia e idade < 20 anos com fator V < 20% Relação fator VIII/V Interleucinas 6 e 8 (circulantes) Histologia hepática (necrose) Tempo de protrombina (INR) •Encefalopatia e idade < 30 anos com fator V < 30% Tamanho do fígado à tomografia Razão corporal da cetona arterial Proteína carreadora da vit. D (sérica) Pontos-chave: > A decisão de incluir um paciente com FHA na lista de transplante de emergência é difícil;; > O julgamento entre o risco de recuperação espontânea com suporte intensivo e indicação tardia ao TxF faz parte do exercício contínuo da equipe transplantadora; > A FHA apresenta alta mortalidade, e enquanto espera o TxF o paciente poderá desenvolver contraindicações médicas. 38 MELD (> 32) QUADRO 4: Critério de pior prognóstico do King’s College Paracetamol Listar para TxF se: • pH arterial < 7,3 Ou os três parâmetros abaixo em 24 horas: • Encefalopatia grau III-IV • INR > 6,5 • Creatinina > 3,5 Não paracetamol Listar para TxF se: • INR > 6,5 (sozinho) Ou três dos cinco parâmetros abaixo: • Idade < 10 e > 40 • Intervalo > 7 dias entre a icterícia e a encefalopatia • INR > 3,5 • Bilirrubina > 17,5 • Etiologia desfavorável: sorologia viral negativa, doença de Wilson, halotano, reação idiossincrásica à droga JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Falência hepática aguda Considerações finais Conclusão A FHA apresenta alta mortalidade, e enquanto espera o TxF o paciente poderá desenvolver contraindicações médicas (disfunções orgânicas terminais). Aparelhos de suporte hepático podem ser utilizados como ponte para o TxF ou para ajudar na recuperação espontânea. Existem dois tipos: artificial e bioartificial. Em ambos há evidência de melhora neurológica e diminuição do grau da encefalopatia, mas sem a observação de qualquer melhora na sobrevida. O transplante de fígado continua sendo o tratamento de escolha para os pacientes que não se recuperam da FHA. Entretanto, marcadores prognósticos devem ser utilizados para impedir transplante de fígado entre pacientes com contraindicações, isto é, transplante fútil. Referências 7. TSAI, M.H.; CHEN, Y.C. et al. — Hemodynamics and metabolic studies on septic shock in patients with acute liver failure. J. Crit. Care, 23(4): 468-72, 2008. 8. KRAMER, D.J. — Invited commentary: Septic shock in acute liver failure. J. Crit. Care, 23(4): 473-4, 2008. 9. COTÉ, G.A.; GOTTSTEIN, J.H. et al. — Acute Liver Failure Study Group. The role of etiology in the hyperamylasemia of acute liver failure. Am. J. Gastroenterol., 104(3): 592-7, 2009. 10. RASCHKE, R.A.; CURRY, S.C. et al. — Results of a protocol for the management of patients with fulminant liver failure. Crit. Care Med., 36(8): 2244-8, 2008. 1. RIFAI, K. & BAHR, M.J. — Acute liver failure. Internist (Berl.), 44(5): 585-90, 592-8, 2003. 2. CRAIG, D.G.N.; LEE, A. et al. — Review article: The current management of acute liver failure. Aliment. Pharmacol. Ther., 31(3): 345-58, 2010. 3. LARSON, A.M. — Diagnosis and management of acute liver failure. Curr. Opin. Gastroenterol., 26(3): 214-21, 2010. 4. TROTTER, J.F. — Practical management of acute liver failure in the Intensive Care Unit. Curr. Opin. Crit. Care, 15(2): 163-7, 2009. 5. MUNOZ, S.J.; STRAVITZ, R.T. & GABRIEL, D.A. — Coagulopathy of acute liver failure. Clin. Liver Dis., 13(1): 95-107, 2009. 6. BLEI, A.T. — Brain edema in acute liver failure. Crit. Care Clin., 24(1): 99-114, 2008. Obs.: As 10 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. Endereço para correspondência: Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto Rua Jacobina, 45/1002 — Graças 52011-180 Recife-PE [email protected] Tema Central: Diagnóstico e terapêutica em Gastroenterologia Coordenação científica: Prof. José Galvão-Alves Convidados internacionais Vicente Arroyo (Espanha) • Fernando Magro (Portugal) Apoio Santa Casa da Misericórdia do RJ Federação Brasileira de Gastroenterologia JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Sociedade de Gastroenterologia do RJ Sociedade Brasileira de Clínica Médica do RJ 39 Polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica endocrinologia Polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica Raquel Machado Andrade Aluna de mestrado do Programa de Pós-graduação em Patologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ. Rafaela Elvira Rozza Aluna de doutorado do Programa de Pós-graduação em Patologia da UFF. Mauro Geller Professor titular de Imunologia Clínica da Faculdade de Medicina do Centro Universitário Serra dos Órgãos. Professor titular do Curso de Especialização em Imunologia Clínica do Instituto de Pós-graduação Médica Carlos Chagas. Professor e coordenador do Setor de Facomatoses do Serviço de Genética Clínica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Karin Soares Gonçalves Cunha Professora adjunta da Faculdade de Odontologia do Polo Universitário de Nova Friburgo da UFF. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Patologia da Faculdade de Medicina da UFF. Resumo O hormônio do crescimento (GH), ou somatotropina, é um hormônio secretado pela glândula hipófise anterior, cuja função é promover e controlar o crescimento corporal. Polimorfismos em receptores de hormônios têm sido apontados como importantes no desenvolvimento de muitas doenças e, entre os polimorfismos do gene GHR, o polimorfismo representado pela deleção do éxon 3 do gene GHR (GHRd3) tem sido o mais estudado. Este polimorfismo tem influência sobre a expressão e/ou responsividade do GHR, afetando sua ligação ao GH. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão sobre o polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica. Introdução O hormônio do crescimento (GH), ou somatotropina, é um hormônio secretado pela glândula hipófise anterior cuja função é promover e controlar o crescimento corporal (1). O GH apresenta uma variedade de funções biológicas em diferentes tecidos e células, atuando sobre a mitogênese, diferenciação e metabolismo (2). JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Summary Growth hormone (GH) or somatotropin is a hormone secreted by the anterior pituitary gland, whose function is to promote and control the body growth. Polymorphisms in hormone receptors have been identified as important in the development of many diseases, and, among the GHR gene polymorphisms, the polymorphism represented by the deletion of exon 3 of the GHR gene (GHRd3) has been the most studied. This polymorphism influences the expression and/or responsiveness of GHR, affecting its binding to GH. The aim of this study is to perform a review of GHRd3 polymorphism and its implications for clinical practice. et ent quist, nimilique voluptaturia. O GH promove seus efeitos biológicos diretamente, através de sua ligação ao receptor do hormônio do crescimento (GHR) em células-alvo, ou indiretamente, via indução da secreção do fator de crescimento similar à insulina tipo 1 (IGF-1), o qual atua sinergicamente com o GH em muitas funções (3). A hipo e a hipersecreção do GH provocam anomalias físicas e/ou metabólicas, como na- Unitermos: Hormônio do crescimento; somatotropina; receptores do hormônio do crescimento; polimorfismo genético. Keywords: Growth hormone; somatotropin; growth hormone receptors; genetic polymorphism. 41 Polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica nismo, gigantismo e acromegalia. Além disto, trabalhos têm identificado o GH e IGF-1 como potentes indutores de crescimento celular em vários tumores benignos e malignos (4-7). Polimorfismos em receptores hormonais têm sido apontados como importantes no desenvolvimento de muitas doenças, incluindo neoplasias (6, 8). Alguns desses polimorfismos têm sido relacionados com a maior expressão dos seus receptores. Polimorfismos no gene GHR têm sido descritos nos éxons 3, 4, 6, 9 e 10 (7). No entanto, o polimorfismo representado pela deleção completa do éxon 3 do GHR (GHRd3) tem sido o mais estudado. No GHRd3, esta deleção corresponde a 22 aminoácidos localizados fora do sítio de ligação do domínio extracelular do receptor (4). As consequências funcionais desta deleção ainda não foram totalmente elucidadas. Entretanto, tem sido relatado que este polimorfismo pode influenciar a expressão ou responsividade do receptor, afetando, assim, a ligação ao GH (8). O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão da literatura sobre o polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica. Material e métodos Pontos-chave: > A hipo e a hipersecreção do GH provocam anomalias físicas e/ou metabólicas, como nanismo, gigantismo e acromegalia; > Trabalhos têm identificado o GH e IGF-1 como potentes indutores de crescimento celular em vários tumores benignos e malignos; > Polimorfismos em receptores hormonais têm sido apontados como importantes no desenvolvimento de muitas doenças, incluindo neoplasias. 42 Foi realizado um levantamento bibliográfico através das ferramentas de pesquisa Google Acadêmico (http://scholar.google. com.br) e PubMed (http://www.ncbi.nlm. nih.gov/pubmed), utilizando as palavras-chaves GHRd3, receptor, hormônio do crescimento e polimorfismo. Os artigos disponíveis foram selecionados e, após sua leitura, algumas referências citadas foram também selecionadas para o desenvolvimento desta revisão. Revisão da literatura Receptor do hormônio do crescimento O gene que codifica o GHR está localizado no cromossomo 5p13-p12, apresenta nove éxons numerados de 2 a 10 e uma região de íntrons com 3.400 pares de bases (4, 9). O éxon 2 codifica o peptídeo de sinal, os éxons 3 a 7 codificam o domínio extracelular, o éxon 8 codifica o domínio transmembranar e os éxons 9 e 10 codificam o domínio citoplasmático do GHR (4). O GHR é uma proteína transmembranar do tipo 1 localizada na membrana citoplasmática; sua estrutura, como um todo, assemelha-se ao receptor de prolactina e seu domínio extracelular se assemelha aos receptores da superfamília das citocinas, sendo um sítio potencial para glicosilação (2). O GHR é uma proteína integral de membrana, com aproximadamente 637 aminoácidos, sendo 246 aminoácidos do domínio extracelular, um único domínio transmembranar e 350 aminoácidos do domínio citoplasmático (4, 9, 10). Polimorfismo GHRd3 Em 1989, Godowski et al. (4) foram os primeiros a relatar a existência de duas isoformas do GHR, sendo uma caracterizada pela deleção do éxon 3 (GHRd3) e a outra que possui o comprimento completo (GHRfl) do éxon 3 (4, 9, 11). A prevalência do polimorfismo GHRd3 na população em geral é de 49%, sendo que 37% são heterozigotos e 12% são homozigotos (12). A sequência do éxon 3 é composta por 66 nucleotídeos, que são flanqueados por duas regiões de elementos retrovirais longos de repetição (LTR) com 251 pares de bases (PB), anterior e posterior a este mesmo éxon (10). No GHRd3 existe a deleção de toda a extensão do éxon 3 e dos elementos de repetição posterior ao éxon, permanecendo a LTR anterior. Esta deleção corresponde a 22 aminoácidos localizados fora do sítio de ligação do domínio extracelular do receptor (4, 8). Origem do polimorfismo GHRd3 A perda do éxon 3 pode ser explicada, em parte, por um mecanismo mediado por um retrovírus (10). Esta deleção espécie-específica ocorreu tardiamente durante a evolução dos primatas, sendo o produto de recombinação intracromossomial entre retroelementos específicos de primatas que flanqueiam o éxon 3 (8). Desta forma, existe a hipótese de o GHRd3 ser proveniente de um splicing alternativo espécie-específico do DNA genômico do GHRfl, sendo esta deleção herdada de forma mendeliana (10). Entretanto, estudos realizados correlacionando fenótipo e genótipo in vitro e in vivo levantaram evidências contra a existência de splicing alternativo envolvendo a deleção do éxon 3 (13-15). JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica Alterações funcionais do GHRd3 As consequências funcionais do GHRd3 ainda não foram bem elucidadas, pois, embora tenham sido descritas mais de 50 mutações em vários éxons do GHR, somente uma foi observada no éxon 3 (GHR W16X ), porém ainda não se sabe qual é a sua função (13). Tem sido relatado que o polimorfismo GHRd3 pode influenciar a expressão ou responsividade do receptor, afetando, assim, a ligação ao GH e aumentando sua ação (8, 16). A razão do aumento da responsividade do GHRd3 não é conhecida, entretanto, o mecanismo molecular não parece envolver maior ligação ou menor internalização do hormônio, mas sim um dobramento mais fácil ou precoce do receptor, facilitando sua ligação ao GH (17). Dos Santos et al. (8) relataram também que é possível que o GHRd3 altere o processamento, o transporte e a estabilidade do receptor, além da ligação a outros ligantes e a dimerização dos monômeros de GHR e transdução de sinal. A deleção do éxon 3 está associada à perda de quatro sítios de fosforilação, uma área de N-glicosilação no DNA e à substituição de uma alanina por asparagina no final do éxon 2, que provavelmente afeta a glicosilação pós-transcricional da parte extracelular do receptor (8, 16). Esta modificação gera mudança de carga, tamanho e hidrofobicidade do domínio extracelular do receptor (8). Provavelmente, estas mudanças interferem na interação do receptor com as proteínas envolvidas na transdução de sinal (16). GHRd3 e puberdade precoce Tem sido cada vez mais discutida a importância do eixo GH/IGF-1 no desenvolvimento gonadal. Sorensen et al. (18) relataram que a homozigose para a deleção do éxon 3 apresenta-se relacionada com desenvolvimento gonadal e aumento dos níveis de testosterona precoces em meninos, quando comparados com homozigotos sem a deleção. GHRd3 na terapia com hormônio do crescimento recombinante Vários estudos têm investigado o polimorfismo GHRd3 e sua maior responsividade em pacientes submetidos ao tratamento com GH recombinante (19-22). Binder et al. (11) demonstraram que crianças nascidas com baixa estatura para a idade gestacional e JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 portadoras da síndrome de Turner, que pos suíam a deleção do éxon 3 em pelo menos um alelo, submetidas à reposição farmacológica de GH, apresentaram maior taxa e velocidade de crescimento, quando comparadas com as crianças que possuíam o GHR completo. Assim, constatou-se que a presença de pelo menos um alelo de GHRd3 favorece maior incremento na altura após reposição hormonal (11). Wassenaar et al. (12), em um estudo de meta-análise, verificaram que pacientes com deficiência severa de GH também apresentaram taxa e velocidade de crescimento maiores após reposição hormonal quando possuíam pelo menos um alelo de deleção no éxon 3, quando comparados com os homozigotos sem deleção (11, 12). A razão do aumento da responsividade do GHRd3 não é conhecida, entretanto, o mecanismo molecular não parece envolver maior ligação ou menor internalização do hormônio, mas sim um dobramento mais fácil ou precoce do receptor, facilitando sua ligação ao GH. Influência do polimorfismo GHRd3 no crescimento espontâneo e suas vias compensatórias Nos portadores do gene GHRd3, existe uma via hipofisária compensatória sobre a secreção do GH, que diminui os níveis séricos deste hormônio, reduzindo o efeito do GHRd3 no crescimento espontâneo (8, 11, 12). Desta forma, não se espera que a presença do polimorfismo GHRd3 esteja relacionada com variações fisiológicas do crescimento humano (8, 11, 12). Entretanto, durante o desenvolvimento pré-natal, a presença do GHRd3 influencia negativamente o crescimento. Crianças nascidas com baixa estatura são em sua maioria homozigotas para deleção do éxon 3 quando comparadas com crianças nascidas com tamanho normal (18, 23). Essa diferença provavelmente ocorre por fatores maternos e pela via compensatória GH/GHR placentário (24-26). Devido a uma maior responsividade do GHR placentário, a secreção do GH placentário seria diminuída, assim como a do IGF-1 e o aporte de nutrientes, fazendo que o feto tivesse menor crescimento (24-26). Pantel et al. (4), em 2003, relataram o caso de uma criança portadora de uma doença autossômica recessiva contendo, no seu genótipo, a mutação GHR (W16x) no éxon 3 e uma mutação no éxon 4 (C38x), levando a um fenótipo de insensibilidade congênita ao GH. Durante a avaliação genotípica dos pais, observou-se que a presença de apenas um alelo normal (GHRfl) ou um alelo contendo a 43 Polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica deleção completa do éxon 3 (GHRd3) garantiu um crescimento normal, já que os pais não eram portadores da doença. GHRd3 na acromegalia O polimorfismo GHRd3 parece ter impacto relevante na avaliação bioquímica pós-tratamento da acromegalia. Mesmo após a neurocirurgia, é mantida a discrepância entre os níveis séricos IGF-1/GH, fato que não se observa na presença do GHRfl (27). A ausência do éxon 3 também pode estar associada com maior morbidade clínica nos pacientes com acromegalia (28). As complicações nos indivíduos GHRd3 com acromegalia podem estar associadas com o aumento da prevalência da osteoartrite, dolicocólon e pólipos adenomatosos no cólon (29). Pontos-chave: > O polimorfismo GHRd3 parece ter impacto relevante na avaliação bioquímica pós-tratamento da acromegalia; > Mesmo após a neurocirurgia, é mantida a discrepância entre os níveis séricos IGF-1/GH, fato que não se observa na presença do GHRfl; > As complicações nos indivíduos GHRd3 com acromegalia podem estar associadas com o aumento da prevalência da osteoartrite, dolicocólon e pólipos adenomatosos no cólon. 44 GHRd3 e o metabolismo da glicose e lipídeos Estudos têm sugerido que a presença de pelo menos um alelo do GHRd3, em crianças saudáveis e adolescentes normais durante a puberdade, está relacionada com secreção de insulina elevada para um determinado grau de sensibilidade e também a níveis elevados de triglicerídeos (18). Desta forma, eles sugerem que é possível que este polimorfismo possa desempenhar um papel importante na capacidade compensatória das células ß pancreáticas (18). Indivíduos homozigotos para GHRd3 parecem ser menos suscetíveis ao desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 2 (30). Todavia, quando outros fatores estão envolvidos e são característicos para o desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2, o alelo GHRd3 confere um fenótipo indicativo de desordem metabólica (30). Vários trabalhos têm estudado o papel das citocinas pró-inflamatórias e da autoimunidade no desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 1 (31-34). Em um estudo com portadores desta doença foi observada relação entre a presença do GHRd3, a concentração de anticorpos anti-insulina e a concentração aumentada de citocinas pró-inflamatórias, com aumento da expressão proteica do GHRd3 em células de mucosa gástrica (33). Esse estudo é preliminar, sendo necessário o desenvolvimento de pesquisas com diferentes modelos experimentais e metodologias, a fim de verificar sua correspondência no sistema imunológico e sua verdadeira relação com a presença de autoanticorpos (33). GHRd3 e doença arterial coronariana Maitra et al. (35) relataram, em um estudo com pacientes indianos portadores de doença arterial coronariana, que a presença do GHRd3 aumentou o nível sérico da lipoproteína de alta densidade (HDL, high density lipoprotein), demonstrando efeito protetor no desenvolvimento da doença arterial coronariana. Porém, são necessárias outras pesquisas para confirmação dos dados nas diferentes etnias (35). Conclusão O polimorfismo GHRd3 apresenta características distintas do receptor GHRfl: maior responsividade ao GH e, provavelmente, maior expressão do receptor nas células-alvo. Desta forma, todos os sistemas que são alvos do GH estão sujeitos a um aumento de responsividade, porém nos indivíduos normais existem vias compensatórias, diminuindo a secreção do GH pela hipófise e aumentando a secreção de insulina pelas células ß pancreáticas. O GHRd3 representa um fator de risco para complicações em portadores de acromegalia e um fator preditivo de melhor resposta ao tratamento de reposição hormonal em pacientes com baixa estatura. Desta forma, é importante identificar o genótipo com relação ao gene GHR em candidatos a tratamento com GH recombinante, para que se possa ajustar a dose para melhor resposta terapêutica (8, 11). Além disto, a presença do GHRd3 representa um possível marcador genético preditivo de doença coronariana. No entanto, ainda é necessária a elucidação dos mecanismos de ação e funções deste polimorfismo, já que pouco se sabe sobre sua funcionalidade, suas características e suas implicações. Outras pesquisas são necessárias para melhor entender as aplicações clínicas a partir de descobertas sobre o polimorfismo GHRd3. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Polimorfismo GHRd3 e suas implicações na prática clínica Referências 11. MEDEIROS, R.J. & DE SOUSA, M. — Compreendendo o hormônio do crescimento nos âmbitos da saúde, desenvolvimento e desempenho físico. Revista da Faculdade de Educação Física da Unicamp, 6(3): 1983-930, 2008. 12. BILLESTRUP, N.; HANSEN, J.A. et al. — Molecular mechanism of growth hormone signalling. Endocr. J., 45(Suppl.): S41-5, 1998. 13. CARTER-SU, C.; RUI, L. & STOFEGA, M.R. — SH2-B and SIRP: JAK2 binding proteins that modulate the actions of growth hormone. Recent Prog. Horm. Res., 55: 293-311, 2000. 14. PANTEL, J.; GRULICH-HENN, J. et al. — Heterozygous nonsense mutation in exon 3 of the growth hormone receptor (GHR) in severe GH insensitivity (Laron syndrome) and the issue of the origin and function of the GHRd3 isoform. J. Clin. Endocrinol. Metab., 88(4): 1705, 2003. 15. BENGTSSON, B.A.; EDÉN, S. et al. — Epidemiology and long-term survival in acromegaly. A study of 166 cases diagnosed between 1955 and 1984. Acta Med. Scand., 223(4): 327-35, 1988. 16. C UNHA, K.S.G.; BARBOZA, E.P. & DA FONSECA, E.C. — Identification of growth hormone receptor in localised JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 neurofibromas of patients with neurofibromatosis type 1. JCP, 56(10): 758, 2003. 17. GODDARD, A.D.; COVELLO, R. et al. — Mutations of the growth hormone receptor in children with idiopathic short stature. N. Engl. J. Med., 333(17): 1093-8, 1995. 18. DOS SANTOS, C.; ESSIOUX, L. et al. — A common polymorphism of the growth hormone receptor is associated with increased responsiveness to growth hormone. Nat. Genet., 36(7): 720-4, 2004. 19. GODOWSKI, P.J.; LEUNG, D.W. et al. — Characterization of the human growth hormone receptor gene and demonstration of a partial gene deletion in two patients with Laron-type dwarfism. Proc. Natl. Acad. Sci. U S A, 86(20): 8083-7, 1989. 10. PANTEL, J.; MACHINIS, K. et al. — Species-specific alternative splice mimicry at the growth hormone receptor locus revealed by the lineage of retroelements during primate evolution. JBC, 275(25): 18664, 2000. Obs.: As 25 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. Endereço para correspondência: Karin Soares Gonçalves Cunha Hospital Universitário Antônio Pedro Rua Marquês do Paraná, 303 — Centro 24033-900 Niterói-RJ [email protected] 45 relato de caso Abscesso hepático Qual a etiologia? Abscesso hepático Qual a etiologia? J. Galvão-Alves Chefe da 18a Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro — Serviço de Clínica Médica. Professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico--Educacional Souza Marques. Professor titular de Pós-graduação em Gastroenterologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Membro titular da Academia Nacional de Medicina. Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia (2010-2012). Professor de Clínica Médica da Uni-FOA — Universidade da Fundação Osvaldo Aranha. M. C. Galvão Professora de Radiologia da FTESM. Professora mestre responsável do Curso de Radiologia da UniFOA — Universidade da Fundação Osvaldo Aranha. Professora da UGF — Universidade Gama Filho. Radiologista do Hospital Federal da Lagoa, RJ. D. A. Cavalcanti Médica membro do “staff” da 18a Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Docente auxiliar do Curso de Especialização de Gastroenterologia pela PUC-RJ. N. G. Pereira Professor associado da Faculdade de Medicina da UFRJ, Infectologia. Professor adjunto de Clínica Médica da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques — FTESM. Doutor em Medicina Tropical — FIOCRUZ. História patológica pregressa — Hipertensão arterial sistêmica, doença arterial coronariana (infarto agudo do miocárdio em 1989, revascularização em 2004), fibrilação atrial, marcapasso definitivo, insuficiência cardíaca compensada, apendicectomia, prostatite três meses antes. História de tratamento dentário há cerca de um mês. Medicações em uso: losartana potássica, ramipril, amiodarona, varfarina, aldactone, AAS, esomeprazol e domperidona. História social — Etilista (em média 40g de etanol/dia); nega tabagismo. Queixa principal — Febre e cansaço. História da doença atual — Aproximadamente 12 dias antes teve início episódio de febre vespertina diária, com temperatura axilar aferida, em média, de 37,5⁰C, Evolução — Solicitados hemograma, bioquímica, EAS, urinocultura, hemoculturas, tomografia computadorizada do abdome e ecocardiograma transtorácico. M.B., sexo masculino, 68 anos, branco, casado, proveniente de Petrópolis (RJ), empresário. 46 Revisão de sistemas — Desconforto em hipocôndrio direito. Exame físico — Lúcido e orientado, afebril (temperatura axilar: 36⁰C), anictérico, acianótico, hidratado, normocorado. Sinais vitais: PA: 110 x 60mmHg; FC: 70bpm; FR: 18irpm; SatO2: 95% em ar ambiente. Abdome flácido, depressível, peristáltico. Fígado palpável à inspiração profunda, com borda romba e lisa, dor de pequena intensidade. Loja do marcapasso sem sinais de infecção. Relato do caso Os exames demonstravam: Hb 10,8g/ dl; leucócitos 11.700; PCR 14,9; INR 2,8. Eco: disfunção diastólica significativa do VE. Tomografia do abdome: lesão de parede espessa e irregular em segmento VIII hepático não captante de contraste, de conteúdo liquefeito, podendo corresponder a abscesso hepático ou lesão tumoral com conteúdo necrótico. Solicitados anticorpo anti-E. histolytica, pesquisa de antígeno para E. histolytica nas fezes e hepatocintigrafia. Optou-se por não drenar no momento (alto risco cardiovascular, INR elevado), iniciando-se metronidazol 750mg VO, 8/8h. Evoluiu com melhora clínica (afebril > 48h) e laboratorial (PCR em queda, leucócitos normais): alta hospitalar no D8 de metronidazol (programados 10 dias). Após cinco dias o paciente retornou ao hospital com queixa de dispneia e sem febre, sendo diagnosticada descompensação da insuficiência cardíaca, com modificação das medicações (inclusão de furosemida e dabigatrana). A hepatocintigrafia confirmou o achado da TC prévia, sugestiva de abscesso hepático. Nova TC, com redução da coleção intra-hepática. Alta hospitalar após compensação cardíaca — afebril, completados 14 dias de metronidazol e com PCR normal. Sorologia negativa para ameba. Retorno da febre. Nova TC: aumento da formação hepática hipodensa ovalada no segmento VIII, medindo 5,6cm nesse estudo versus 4,2cm no exame do dia 08/11; discreta infiltração na gordura peri-hepática adjacente à lesão. Suspensão dos anticoagulantes e início de ciprofloxacino e metronidazol. Drenagem percutânea guiada por TC. Cultura: S. viridans; iniciada amoxacilina com clavulanato (guiado por antibiograma), com melhora clínica. USG após tratamento não identifica mais a lesão descrita em exames anteriores. associada a calafrios. Referia ainda astenia significativa, não apresentando disposição para realizar suas atividades do dia a dia. Utilizou amoxacilina por conta própria, pois havia apresentado episódio anterior semelhante com febre e astenia, tendo sido diagnosticado com prostatite por médico urologista e tratado com sucesso. Não houve melhora com o uso do antibiótico referido, o que levou o paciente a buscar serviço de emergência. JBM Diagnóstico final — Abscesso hepático piogênico. NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5 Abscesso hepático Qual a etiologia? Discussão Após o resultado da TC do abdome, o diagnóstico de abscesso hepático amebiano (AHA) foi considerado, iniciando-se metronidazol 750mg via oral, três vezes ao dia. Embora a diferenciação entre abscesso hepático amebiano e abscesso hepático piogênico (AHP) não seja possível por exame de imagem, o AHA comumente localiza-se no lobo direito, próximo ao diafragma, e geralmente é único. É possível tratá-lo conservadoramente, baseando o diagnóstico na suspeita clínica, imagem hepática e teste sorológico, reservando a aspiração para quando houver incerteza diagnóstica, quando não houver resposta à antibioticoterapia após cinco ou sete dias ou quando o abscesso, no lobo esquerdo, está próximo ao pericárdio (4). Este paciente apresentava-se anticoagulado, motivo principal para não se realizar a drenagem de imediato, e respondeu bem ao esquema proposto: melhora da febre, normalização da leucometria e queda da PCR. Porém, após o término da terapia, houve recidiva da sintomatologia. Nesse momento chegou o resultado negativo do teste sorológico para E. histolytica. Este teste deve ser interpretado num contexto clínico, porque os níveis séricos permanecem elevados por anos após a cura. A sensibilidade é de aproximadamente 95% e a especificidade é maior que 95% (4). A negatividade, portanto, praticamente exclui este diagnóstico. Passou-se a considerar o diagnóstico de AHP, e foi iniciada terapia empírica com ciprofloxacino e metronidazol, até que o paciente tivesse condições clínicas de ser submetido à drenagem percutânea. O resultado da cultura evidenciou S. viridans e a terapia, guiada pelo antibiograma, foi instituída com sucesso. Os microrganismos podem alcançar o fígado por diversas vias: ductos biliares, em pacientes com colangite supurativa; sistema venoso portal, em pacientes com apendicite ou diverticulite; pela artéria hepática, como ocorre em pacientes com osteomielite ou com endocardite bacteriana subaguda (3). Ocorrem geralmente no curso de uma doença biliar, porém aproximadamente 40% são “criptogênicos” em sua origem (2). A flora oral tem sido proposta como origem potencial em tais casos, principalmente em pacientes com grave doença peridental (4). A maioria dos AHPs são polimicrobianos. Os microrganismos mais frequentemente isolados são Escherichia coli e Klebsiella, Proteus, Pseudomonas e espécies de Streptococcus, particularmente o grupo Streptococcus milleri. Algumas cepas virulentas de Klebsiella pneumoniae podem causar abscesso hepático na ausência de doença hepatobiliar de base. Com a melhora nos métodos de cultivo e diagnóstico precoce, o número de casos causados por organismos anaeróbicos tem aumentado. Provavelmente, este fato justifica a melhora clínica do paciente com o uso do metronidazol. O AHP associado à colangite piogênica recorrente pode ser causado por Salmonella typhi. Espécies de Clostridium e Actinomyces são causas incomuns de abscesso hepático e casos raros são causados por Yersinia enterocolitica, Pasteurella multocida, Haemophilus parainfluenzae e Listeria. O abscesso hepático (AH) causado por infecção por Staphylococcus aureus é mais comum em crianças e em pacientes com septicemia ou outras condições associadas à baixa resistência do hospedeiro, incluindo doença granulomatosa. Em casos de AH, enquanto a etiologia não está definida, devemos usar um esquema que cubra suas principais causas (E. histolytica, anaeróbios, Gram-negativo e Streptococcus do grupo viridans), como, por exemplo, levofloxacino (E. viridans e Gram-negativo) + metronidazol (anaeróbios e E. histolytica), fazendo-se posteriormente os ajustes baseados nas culturas. Endereço para correspondência: Referências 1. HARISSON — Medicina Interna. 17. ed., Rio de Janeiro, Mc Graw Hill, 2008. p. 811-2. 2. MCPHEE, S.J. & PAPADAKIS, M.A. — Current medical diagnosis & treatment. 21. ed., Mc Graw Hill, 2012. p. 681-2 e 1462-3. JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO 3. DE MATOS, A.A. & DANTAS-CORRÊA, E.B. — Tratado de Hepatologia. Rio de Janeiro, Rubio, 2010. p. 66, 277-81. 4. SLEISENGER & FORDTRAN’S — Gastrointestinal and liver disease. Pathophysiology/diagnosis/management. Philadelphia, Saunders Elsevier, 2010. p. 1366-9. VOL. 100 No 5 José Galvão-Alves Rua Real Grandeza, 108/Sala 123 — Botafogo 22281-034 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 47 noticiário Tratamento cardíaco invasivo é mais eficaz em diabéticos Ferring apresenta Menopur De acordo com a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, a ausência de gravidez após um ano de relações sexuais frequentes sem uso de método contraceptivo é classificada como infertilidade. Para o casal que se encaixa nesse perfil vale reforçar que existem vários tratamentos visando reverter esse quadro e aumentar as chances de gravidez. Um deles é Menopur (menotropina), uma associação de hormônios naturais entre o FSH, folículo-estimulante, e o LH, luteinizante, para a indução da ovulação em técnicas de reprodução assistida. É um medicamento em pó liofilizado e diluente para solução injetável de administração intramuscular ou subcutânea. Quando perguntado sobre a atuação desses medicamentos no corpo humano, o diretor médico da Ferring Pharmaceuticals, Rogerio Acquaroli, explica que Menopur, por exemplo, “é um medicamento de indução altamente purificado e sua composição foi desenvolvida utilizando substâncias naturais do próprio corpo humano, proporcionando um estímulo que resulta na indução da produção de hormônios sexuais”. Muitas pessoas não sabem que esse tipo de tratamento também pode ser realizado em homens — neles Menopur estimula a produção de espermatozoides. Na mulher, Menopur estimula o crescimento do folículo, apresentando níveis menores de progesterona, o que pode resultar em melhor receptividade endometrial para a implantação do embrião. É importante ressaltar que os tratamentos devem ser iniciados sob a supervisão de um médico com experiência na área de fertilidade, pois existe uma grande variação na resposta ao tratamento de paciente para paciente. Isto dificulta a definição de um esquema posológico, o que exige um ajuste de dosagem individual. JBM z NOVEMBRO/DEZEMBRO z Pesquisa publicada pelo New England Journal of Medicine, abrangendo 140 hospitais e 1,9 mil diabéticos portadores de doença coronariana em estágio avançado, revela que a cirurgia para implante de pontes, como safena e mamária, é mais indicada nesses pacientes que a angioplastia. O estudo Avaliação de Revascularização Futura em Pacientes com Diabetes foi coordenado pelos pesquisadores Michael Farkouh e Valentin Fuster, da Escola de Medicina Mount Sinai, de Nova York. Foram selecionados 3.309 pacientes, dos quais 1,9 mil aceitaram participar da pesquisa. Com idade média de 63 anos, 71% dos participantes eram do sexo masculino, 40% tinham colesterol elevado e 83% apresentavam obstrução em múltiplas artérias, o que caracteriza o estágio mais avançado da doença coronariana. O estudo custou 400 milhões de dólares e foi patrocinado pelo National Institutes of Health (NIH) e por fabricantes de stent. Os pacientes passarão por uma reavaliação sete anos após o procedimento. Anvisa debate nanotecnologia A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) promoveu, no dia 31/10, discussão temática sobre nanotecnologia e vigilância sanitária. Foram debatidos conceitos e apresentadas as perspectivas da área no Brasil, sendo também abordados os riscos sanitários relacionados ao tema. A nanotecnologia — o estudo da manipulação da matéria numa escala atômica e molecular — é considerada uma área estratégica, com inúmeras possibilidades de aplicação. Seu desenvolvimento tem VOL. 100 z No 5 atraído a atenção dos cientistas e dos governos em todo o mundo. É um campo promissor, que já mostra resultados na produção de componentes eletrônicos de alta precisão e tecnologia, empregados em diversas áreas — como Medicina, Eletrônica, Ciência da Computação, Física, Química, Biologia e Engenharia dos Materiais. Participaram do debate o farmacêutico e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, André Luís Gemal; o diretor do Departamento de Tecnologia Inovadora da Secretaria de Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, João Batista Bó; o secretário substituto da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico, Adalberto Fazzio; e o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, William Waissmann. CFM proíbe uso de terapias antienvelhecimento A Resolução 1999/2012, aprovada pelo plenário do Conselho Federal de Medicina (CFM), prevê que os médicos brasileiros que prescreverem terapias com o objetivo específico de conter o envelhecimento, práticas conhecidas como antiaging, estarão sujeitos às penalidades previstas em processos ético-profissionais. No caso de condenação, após denúncia formal, eles poderão sofrer penas que variam de uma advertência até a cassação do registro profissional. A decisão, publicada no Diário Oficial da União do dia 19 de outubro, se baseia em extensa revisão de estudos que concluiu pela inexistência de evidências científicas que justifiquem e validem a prescrição destas práticas. Na avaliação do plenário do CFM, o aumento da longevidade não decorre tratamentos específicos, mas de uma mudança de atitude, que inclui a adoção de hábitos saudáveis (melhor alimentação, prática de esportes, abandono do tabaco e uso limitado do álcool, entre outros pontos). O Conselho entende que a prescrição e o emprego de tratamentos de forma inadequada colocam a saúde dos pacientes em risco, posição idêntica à de outros órgãos de regulação nacionais e internacionais. 49 índice geral Artigos — A RAZÃO DO USO DO rtPA NA TROMBÓLISE DO AVE ISQUÊMICO — Dr. Victor Massena — no 3 — p. 19 — ALBUMINA HUMANA — USOS E ABUSOS — Dr. Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto — no 1 — p. 12 — ASCITE NO PACIENTE CIRRÓTICO — Prof. Angelo Alves de Mattos — no 5 — p. 23 — ASMA — A ARTE DO ENCONTRO — Dr. Hisbello S. Campos — no 2 — p. 44 — CÂNCER DE MAMA — ALCANCE DO TRATAMENTO LOCAL — Drs. Ludmila Helene Ferreira de Freitas, Natália Bragança Oliveira, Priscilla Kelly Soares Torres, Thaís Meyin Lin Santos e Marcos Mendonça — no 1 — p. 38 — CÂNCER DE PELE — O PAPEL DA EXPOSIÇÃO SOLAR COMO FATOR CAUSAL E DA FOTOPROTEÇÃO NA PREVENÇÃO — Drs. Heron Fernando de Sousa Gonzaga, Ana Cristina Nazari, Ana Carolina Nazari Bonessi, Amanda de Queiroz Assis Andreotti e Maria Augusta Jorge — no 1 — p. 15 — DESMITIFICANDO O USO DE BETABLOQUEADORES NO TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA — Dr. Marcelo Montera — no 4 — p. 15 — DIARREIA AGUDA — Drs. Antônio Carlos Moraes e Fernando M. M. Castro — no 3 — p. 41 — DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO — Dr. Hisbello S. Campos — no 4 — p. 27 — DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO — Dr. José Galvão-Alves — no 3 — p. 67 — ETIOPATOGENIA DO DIABETES MELLITUS TIPO 2 — Dr. Leão Zagury — no 2 — p. 39 — FALÊNCIA HEPÁTICA AGUDA — Dr. Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto — no 5 — p. 35 — GRAU DE INVESTIGAÇÃO DE DISFUNÇÃO ERÉTIL POR CARDIOLOGISTAS E ENDOCRINOLOGISTAS NO MUNICÍPIO DE MARÍLIA/SP — Drs. Geraldo Benedito Gentile Stefano, Ronaldo Garcia Rondina, Luiz Henrique Soares Santos Stefano e Bruno Garcia de Rossi — no 1 — p. 34 — HEPATITE AGUDA — COMO AVALIAR? — Drs. Adávio de Oliveira e Silva, Raul Carlos Wahle, Evandro de Oliveira Souza, Verônica Desiree Samudio Cardozo, Maria Elizabeth Calore Neiva, Flávia Costa Cardoso, Fábio Rosa Moraes e Gerusa Máximo de Almeida — no 4 — p. 63 — HIPERTENSÃO ARTERIAL RESISTENTE — DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO — Drs. Evandro Tinoco Mesquita e Antonio José Lagoeiro Jorge — no 2 — p. 16 — HIPERTIREOIDISMO — ABORDAGEM DAS PRINCIPAIS CAUSAS E CONDUTA DIAGNÓSTICA — Dra. Rosita Fontes — no 5 — p. 27 — INSUFICIÊNCIA EXÓCRINA DO PÂNCREAS — ETIOLOGIAS — Dr. José Galvão-Alves — no 2 — p. 23 — MANIFESTAÇÕES EXTRAESOFÁGICAS DA DRGE — Drs. Luiz J. Abrahão Junior e Eponina M. O. Lemme — no 5 — p. 17 — MICROBIOTA INTESTINAL — SUA IMPORTÂNCIA E FUNÇÃO — Drs. Claudio Fiocchi e Heitor Siffert Pereira de Souza — no 3 — p. 30 — MIRIZZI — O HOMEM E A SÍNDROME — Dr. Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto — no 1 — p. 22 — NOVAS PERSPECTIVAS DE TRATAMENTO MEDICAMENTOSO DO DIABETES MELLITUS — Drs. João Roberto de Sá e Tiago Munhoz Vidotto — no 4 — p. 7 — O CONTEXTO DO TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS NO BRASIL EM 2011 — Drs. José O. Medina Pestana, Valter Duro Garcia, Claudia Rosso Felipe, Mário Abbud-Filho, Nelson Zocoler Galante, Eliana Regia Barbosa de Almeida e Emil Sabbaga — no 2 — p. 7 — OTOSCOPIA — EXAME DA ORELHA — Drs. Guilherme Eduardo Wambier, Henrique Wending Sava, Claudia Paraguaçu Pupo Sampaio e Angelo Amado de Paula — no 1 — p. 24 — PNEUMONIAS ADQUIRIDAS NA COMUNIDADE — Drs. Rafael Leal, Gunther Kissman e Carlos Alberto de Barros Franco — no 5 — p. 7 — POLIMORFISMO GHRd3 E SUAS IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA CLÍNICA — Drs. Raquel Machado Andrade, Rafaela Elvira Rozza, Mauro Geller e Karin Soares Gonçalves Cunha — no 5 — p. 41 — REATIVAÇÃO DE TUBERCULOSE NO TRATAMENTO COM IMUNOBIOLÓGICOS — Drs. Priscila Regina Orso Rebellato, Adriane Reichert Faria e Roberto Gomes Tarlé — no 1 — p. 32 — RINOSSINUSITE — Dr. Jair de Carvalho e Castro — no 4 — p. 41 — TERAPIA BIOLÓGICA EM ARTRITE REUMATOIDE — NOVAS PERSPECTIVAS NO CONTROLE E REMISSÃO — Drs. W. A. Bianchi, G. B. Maretti, D. V. Bianchi, R. F. Elias e B. V. Bianchi — no 2 — p. 57 50 — TRANSTORNOS DE ANSIEDADE — TERAPIA COM ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA — Drs. Flávia Paes, Adriana Cardoso Silva, Antonio E. Nardi, Sergio Machado e José A. Crippa — no 4 — p. 35 — TRATAMENTO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL — O ESTADO DA ARTE — Drs. Eduardo B. Saad, Luiz Antônio Inácio Jr., Charles Slater e Luiz Eduardo Camanho — no 3 — p. 7 —TROMBOFILIAS — A PREVENÇÃO DIRECIONADA A UMA GRAVIDEZ BEM-SUCEDIDA — Drs. Luciana Lara dos Santos, Rosangela Franco Guedes, Aline Paszternak Paixão, Patrícia Maria Paixão Vaintraub e Marco Túlio Vaintraub — no 1 — p. 8 Seções Atualidades médicas — no 1 — p. 31 — no 3 — p. 39 — no 5 — p. 22 Congresso — no 1 — p. 46 Diagnóstico laboratorial — TUBERCULOSE — Dr. Helio Magarinos Torres Filho — no 3 — p. 53 Editorial — — — — — A ARTE DA CLÍNICA MÉDICA — no 2 — p. 3 A ATUALIZAÇÃO MÉDICA CONTINUADA — no 4 — p. 3 A DEMOCRACIA E O SILÊNCIO ACADÊMICO — no 5 — p. 3 OUVIDOS PARA OUVIR — no 1 — p. 3 PROF. ISMAR CHAVES DA SILVEIRA — no 3 — p. 3 Imagem e diagnóstico (Coordenação: Dra. Marta Carvalho Galvão) — ENDOMETRIOSE DA BEXIGA — Drs. Marta Carvalho Galvão, Carolina Souza Nogueira, Edson Balieiro Junior e Guilherme Tabet — no 3 — p. 72 Imagem em medicina interna (Coordenação: Dra. Marta Carvalho Galvão) — APENDICITE AGUDA — Dras. Marta Carvalho Galvão, Beatriz da Cunha Raymundo e Mariana de Magalhães Bastos — no 2 — p. 36 —RABDOMIOSSARCOMA DO MEDIASTINO ANTERIOR — UM TUMOR COMUM EM LOCALIZAÇÃO RARA — A PROPÓSITO DE UM CASO — Dras. Marta Carvalho Galvão e Carolina Souza Nogueira — no 4 — p. 58 Notas de psiquiatria — TIROS EM REALENGO — Dr. Alfredo Castro Neto — no 1 — p. 21 Noticiário — no 1 — p. 47 — no 2 — p. 66 — no 3 — p. 74 — no 4 — p. 74 — no 5 — p. 49 Noticiário especial — no 4 — p. 73 Panorama internacional — no 1 — p. 7 — no 2 — p. 55 — no 3 — p. 51 — no 4 — p. 13 — no 5 — p. 34 Relato de caso — ABSCESSO HEPÁTICO: QUAL A ETIOLOGIA? — Drs. J. Galvão-Alves, M. C. Galvão, D. A. Cavalcanti e N. G. Pereira — no 5 — p. 46 — DOENÇA DE CROHN, COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA E SÍNDROME DO ANTICORPO ANTIFOSFOLIPÍDEO — ASSOCIAÇÃO INCOMUM OU MERA CASUALIDADE? — Drs. J. Galvão-Alves, M. C. Galvão, D. A. Cavalcanti e H. Rzetelna — no 2 — p. 31 — “SLING” URETRAL PUBOVAGINAL E CIRURGIA DE CONTROLE DE DANOS — Drs. Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto e Diogo Camarotti — no 1 — p. 44 — TUMOR SECRETOR DE CATECOLAMINA NEGATIVO PARA CINTILOGRAFIA COM 123IODO-MIBG — Drs. Alan Yazaldy Chambi Cotrado, Maria Fernanda Rezende, Bernardo Sanches L. Vianna, Rodrigo Rodrigues Batista, Marcos F. H. Cavalcanti, Marcelo César G. Carneiro, Jader Cunha de Azevedo, Renata Christian Martins Felix, Nilton Lavatori Correa, Evandro Tinoco Mesquita, Marcus Vinicius J. Santos, Claudio Tinoco Mesquita e José Galvão-Alves — no 3 — p. 59 JBM NOVEMBRO/DEZEMBRO VOL. 100 No 5