PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA
PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA
Uma proposta de redefinição do papel
do Estado na educação?
Profª Drª Vera Maria Vidal Peroni | Coordenadora Geral
Profª Drª Theresa Adrião | Coordenadora
Brasília-DF
2007
Coordenadora-Geral de Linha Editorial e Publicações (CGLP)
Lia Scholze
Coordenadora de Produção Editorial
Rosa dos Anjos Oliveira
Coordenadora de Programação Visual
Márcia Terezinha dos Reis
Editor Executivo
Jair Santana Moraes
Revisão
Zippy Comunicação Ltda.
Projeto gráfico, diagramação e arte final
Marcos Hartwich
Capa
Raphael Caron Freitas
Tiragem 1.000 exemplares
Editoria Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, 4º Andar, Sala 418, CEP: 70047-900 – Brasília-DF – Brasil
Fones: (61)2104-8438, (61)2104-8042 – Fax: (61)2104-9812 – [email protected]
Distribuição Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414, CEP: 70047-900 – Brasília-DF – Brasil
Fone: (61)2104-9509 – [email protected] – www.inep.gov.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Programa Dinheiro Direto na Escola : uma proposta de redefinição do papel do Estado
na educação? / Vera Maria Vidal Peroni, coordenadora geral. – Brasília : Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007.
204 p.
ISBN 85-86260-42-8
1. Programa Dinheiro Direto na Escola. 2. Recursos federais. 3. Escola pública. 4.
Sistema municipal de ensino. I. Peroni, Vera Maria Vidal.
CDU 37.014.543
Sumário
Equipes de Pesquisa ............................................................................................. 7
Relação de Siglas e Abreviaturas ......................................................................... 11
Lista de Quadros e Tabelas ................................................................................. 17
Introdução .............................................................................................................. 21
1 O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) .................................................. 29
2 Marco referencial para análise .......................................................................... 39
2.1 Mudanças na configuração do Estado brasileiro ................................ 39
2.2 Público não-estatal: implicações para a escola pública
brasileira ............................................................................................ 40
2.3 O Estado na berlinda: o diagnóstico da crise e estratégias
hegemônicas para sua superação ..................................................... 42
2.4 O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)
e a reforma do Estado ...................................................................... 49
2.5 Participação, autonomia e descentralização: a gestão democrática
da escola e as orientações políticas nos anos 90 ............................. 52
2.6 Implicações do PDDE para a gestão escolar ...................................... 56
Programa Dinheiro Direto na Escola
5
3 Estudos de caso ................................................................................................ 65
3.1 Estado do Pará ................................................................................... 65
3.2 Estado do Piauí .................................................................................. 81
3.3 Estado do Mato Grosso do Sul .......................................................... 96
3.4 Estado de São Paulo ......................................................................... 111
3.5 Estado do Rio Grande do Sul ........................................................... 129
4 Análise dos casos .............................................................................................. 151
4.1 Caracterização das unidades executoras ............................................ 151
4.2 Relação entre os entre Federados e Estado/sociedade .................... 157
4.3 O impacto financeiro do PDDE nas escolas da amostra ................... 159
4.4 Democratização da gestão .................................................................. 164
4.5 Execução do Programa ....................................................................... 167
4.6 Principais problemas, vantagens e sugestões de acordo com
os sujeitos da pesquisa .................................................................... 173
5 Considerações finais .......................................................................................... 179
6 Referências bibliográficas .................................................................................. 189
6
Programa Dinheiro Direto na Escola
Equipes de Pesquisa
1 - Região Norte/Estado: Pará
Coordenadora Estadual
Profª. Drª Terezinha Fátima Andrade Monteiro dos Santos
(Universidade Federal do Pará – UFPA)
Professores(as) Pesquisadores(as)
Profª. Msc. Dalva Valente Guimarães Gutierres
(Professora da UFPA)
Msc. Luizete Cordovil Ferreira da Silva
(Aluna do Mestrado)
Pedagoga Cristiane Silva de Almeida
(Aluna da Especialização em Gestão da UFPA)
Fabíola Bouth Grello
(Aluna da Especialização em Gestão UFPA)
Lana Emília Almeida Rosas
(Aluna da Especialização em Gestão da UFPA)
Alunos(as) envolvidos(as)
Bárbara Márcia da Piedade da Silva
(Universidade Federal do Pará – UFPA)
Denise de Souza Nascimento
(Universidade Federal do Pará – UFPA)
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Heloisa Helena Meirelles Bahia
(Universidade Federal do Pará – UFPA)
2 - Região Nordeste/Estado: Piauí
Coordenadora Estadual
Rosana Evangelista da Cruz
(Universidade Federal do Piauí – UFPI)
Professores(as) Pesquisadores(as)
Prof. Ms. Francisco Williams de Assis Soares Gonçalves
(Universidade Federal do Piauí – UFPI)
Profª Ms. Liliene Xavier Luz
(Universidade Estadual do Piauí – Uespi)
Aluna envolvida
Samara de Oliveira Silva
(Bolsista UFPI/Fapepi)
3- Região Centro-Oeste/Estado: Mato Grosso do Sul
Coordenadora Estadual
Profª Drª Regina Tereza Cestari de Oliveira
(Universidade Católica Dom Bosco)
Professora Pesquisadora
Maria Ângela Bariani de Arruda Fachini
(Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul)
Aluna envolvida
Paula Priscila Bentos Ribeiro
(Bolsista IC-CNPq Universidade Católica Dom Bosco)
4 - Região Sudeste/Estado: São Paulo
Coordenadora Estadual
Profª Drª Theresa Adrião
(Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho – Unesp)
Professoras Pesquisadoras
Profª Drª Teise de Oliveira Guaranha Garcia
(Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP/RP)
Profa. Dra. Áurea de Carvalho Costa
(Universidade Júlio de Mesquista Filho – Rio Claro)
Alunas envolvidas
Rochelle Cristina Pegoraro
(Universidade Júlio de Mesquista Filho – Rio Claro)
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Egle Bezerra
(Universidade Júlio de Mesquista Filho – Rio Claro)
5 - Região Sul/Estado: Rio Grande do Sul
Coordenadora Estadual
Profª Drª Vera Maria Vidal Peroni
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Mestrandas
Maria Otilia Kroeff Susin
(Mestre em Educação Ppgedu/UFRGS)
Josiane Carolina Soares Ramos
(aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS)
Alunos(as) envolvidos(as)
Juliana Selau Lumertz
(Bolsista CNPq/UFRGS)
Fabiana Soares Mathias
(Bolsista BIC/UFRGS)
César Martinez
(Bolsista BIC/UFRGS)
José Rodrigo Pereira Saldanha
(Bolsista BIC/UFRGS)
Apoio: Edital Universal CNPq
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Relação de Siglas
e Abreviaturas
A
ABE – Associação Beneficente Educacional
ACPM/Federação – Associação de Círculo de Pais e Mestres
Apae – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais
Assepla – Assessoria de Planejamento, Finanças, Manutenção e Engenharia
B
Bird – Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
C
Cade – Centro de Atendimento e Desenvolvimento do Excepcional
CCJ – Comissão de Constituição e Justiça
CD – Conselho Deliberativo
CE – Conselho Escolar
CECDCT – Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia
CEE – Conselho Estadual de Educação
Ceee/RS – Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul
Cefam – Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
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Cefet – Centro Federal de Educação Tecnológica
Ceinf – Centro de Educação Infantil
CEM – Conselho Municipal de Educação
Cenp – Coordenadoria de Estudos e Normas
Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
Cepro – Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí
Cesupa – Centro de Estudos Superiores do Pará
CF – Constituição Federal
CGC – Cadastro Geral de Contribuintes
CIE – Centro de Informações Educacionais
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CME/POA – Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre
CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Coafin – Coordenação Financeira
Coredes – Conselhos Regionais de Desenvolvimento
CPERS/Sindicato – Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul
CPF – Cadastro de Pessoas Físicas
CPM – Círculo de Pais e Mestres
CPMF – Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores
e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira
CRE – Coordenadorias Regionais de Educação
CTG – Centro de Tradições Gaúchas
D
DE – Diretoria de Ensino
Demec – Delegacia do Ministério da Educação
Deplan – Departamento de Planejamento
E
EE – Escola Estadual
EEx – Entidade Executora
EF – Ensino Fundamental
EI – Educação Infantil
EJA – Educação de Jovens e Adultos
EM – Escola Municipal
Emeif – Escola Municipal de Educação Infantil
EPA – Escola Municipal de 1º Grau Porto Alegre
F
Famurs – Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul
Fapepi – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Piauí
Fasc – Fundação de Assistência Social e Comunitária
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Programa Dinheiro Direto na Escola
Fbesp – Fundação do Bem Estar Social do Pará
FDE – Fundação para o Desenvolvimento da Educação
FEE – Fundação de Economia e Estatística
FEP – Ver nota 21
Fiana – Faculdades de Educação e Engenharia de Pirassununga – Faculdades Integradas Anhanguera
FIC/Apae – Filantropia com Investimento Comunitário – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
Fiepa – Federação das Indústrias do Estado do Pará
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Fundef – Fundo de Desenvolvimento do Ensino fundamental e Valorização do
Magistério
Fundescola – Fundo de Desenvolvimento da Escola
Fundesp – Fundação Esperança
Funpapa – Fundação Papa João XXIII
G
GREs – Gerências Regionais de Educação
Greppe – Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais
I
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC – Iniciação Científica
Idec – Instituto de Desenvolvimento de Educação e Cultura
Idese – Índice de Desenvolvimento Sócio-econômico
Idesp – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Planalto
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
Iteai – Instituto de Tecnologia Aplicada à Informação
J
Jomeex – Jogos Municipais de Estudantes Excepcionais
L
LC – Lei Complementar
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
LOM – Lei Orgânica do Município
LSE – Levantamento de Situação Escolar
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M
Mare – Ministério de Administração e Reforma do Estado
MEC – Ministério da Educação e do Desporto
N
Nais – Núcleos de Ação Interdisciplinar
O
ONGs – Organizações Não-Governamentais
OP – Orçamento Participativo
Oscip – Organização da Sociedade Civil Pública
P
Paed – Programação de Complementação ao Atendimento Educacional
Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência
Pape – Programa de Adequação do Prédio Escolar
PAR – Plano de Aplicação de Recursos
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola
PDDEnet – Software para coleta e envio de dados cadastrais ao FNDE
PDE – Plano de Desenvolvimento da Escola
Pdrae – Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PES – Plano Estratégico Situacional
PGM – Procuradoria Geral do Município
PIB – Produto Interno Bruto
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMDE – Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
PME – Projeto de Melhoria da Escola
PMT – Prefeitura Municipal de Teresina
Pnae – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNE – Plano Nacional de Educação
PPB – Partido Progressista Brasileiro
Ppgedu/UFRGS – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
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Programa Dinheiro Direto na Escola
R
RA – Regime de Adiantamento
RE – Rede Estadual
Reme – Rede Municipal de Ensino
REX – Relação de Unidades Executoras e de Escolas Beneficiadas
RM – Rede Municipal
S
Saresp – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
SAS – Secretaria do Estado de Assistência Social
SE – Secretaria de Educação
SE/MS – Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul
Seade – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SEC/RS – Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul
Seduc/PA – Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará
Seduc – Secretaria do Estado da Educação
SEE – Secretaria de Estado da Educação
SEJA – Serviço de Educação de Jovens e Adultos
Semec – Secretaria Municipal de Educação de Belém
Semec – Secretaria Municipal de Educação e Cultura
Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
Serse – Serviço Social do Estado
Sesi – Serviço Social da Indústria
Setass – Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária do Mato Grosso do Sul
SIE – Sistemas de Informações Escolares
Sintep – Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Pará
SIR – Sala de Integração e Recursos
SME – Sistema Municipal de Ensino
Smed – Secretaria Municipal de Educação
Smed – Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande
SMT/POA – Sistema Municipal de Transportes de Porto Alegre
Suaop/MS – Superintendência de Apoio Administrativo e Operacional de Mato
Grosso do Sul
SUS – Sistema Único de Saúde
T
TCU – Tribunal de Contas da União
U
UCDB – Universidade Católica Dom Bosco
Uepa – Universidade do Estado do Pará
Programa Dinheiro Direto na Escola
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Uespi – Universidade Estadual do Piauí
UEx – Unidade Executora
UFPA – Universidade Federal do Pará
UFPI – Universidade Federal do Piauí
UFRA – Universidade Federal Rural da Amazônia
Uges – União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas
Unama – Universidade da Amazônia
Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
USP – Universidade de São Paulo
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Programa Dinheiro Direto na Escola
Lista de Quadros
e Tabelas
Quadro 1
Valor anual por escola para o ensino fundamental ............................................. 30
Quadro 2
Valor anual por escola para a educação especial ................................................ 31
Tabela 1
Comparativo dos recursos administrados pelas escolas estaduais e municipais
da amostra nacional no ano de 2004 ................................................................ 160
Tabela 2
Valor aluno-ano recurso descentralizado para as escolas da amostra ............... 162
LISTA DE TABELAS POR ESTADO
1. Estado do Pará
Tabela 1
Pará – Matrículas no ensino fundamental por dependência administrativa
– 1996 a 2004 ....................................................................................................... 66
Tabela 2
Pará – Repasses do PDDE para a rede estadual segundo número de escolas,
alunos e rubricas custeio e capital de 1996 a 2004 ............................................. 67
Tabela 3
Belém – Repasses do PDDE para a rede estadual segundo número de escolas,
alunos e rubricas custeio e capital de 1999 a 2004 ............................................. 69
Programa Dinheiro Direto na Escola
17
Tabela 4
Belém – Evolução do número de unidades executoras na rede estadual – 1999 a
2004 ........................................................................................................................ 69
Tabela 5
Programa Dinheiro Direto na escola "A" recebido desde 1998 até 2004 ............ 71
Tabela 6
Recursos recebidos pela escola "A" em 2004 ..................................................... 71
Tabela 7
Atendimento do ensino básico e modalidades especiais no município de Belém
por dependência administrativa – 2004 .............................................................. 74
Tabela 8
Belém – Repasses do PDDE para a rede municipal, segundo número de escolas,
alunos e rubricas custeio e capital – 1997 a 2004 ............................................... 76
Tabela 9
Recursos do PDDE transferidos para a escola "B" 1999 a 2004 .......................... 78
2. Estado do Piauí
Tabela 1
Processo de implantação do PDDE na rede estadual de educação do Piauí
– 1997-2004 ........................................................................................................... 82
Tabela 2
Número de matrículas e recursos do PDDE recebidos pela escola "A" ............... 85
Tabela 3
Recursos descentralizados administrados pela unidade executora da escola
estadual "A" .......................................................................................................... 87
Tabela 4
Processo de implantação do PDDE na rede municipal de educação de Teresina
– 1999-2004 ........................................................................................................... 89
Tabela 5
Matrículas e recursos do PDDE recebidos pela escola ......................................... 91
Tabela 6
Recursos descentralizados para a escola municipal "A"...................................... 94
Tabela 7
Sistematização dos dados financeiros da Apae – Teresina-PI ............................. 95
Tabela 8
Outros recursos recebidos pela Apae .................................................................. 95
3. Estado do Mato Grosso do Sul
Tabela 1
Recursos recebidos e gerados pela escola estadual .......................................... 101
18
Programa Dinheiro Direto na Escola
Tabela 2
Recursos recebidos e gerados pela escola municipal ........................................ 104
Tabela 3
Recursos recebidos e gerados pela escola municipal de educação especial ...... 109
4. Estado de São Paulo
Tabela 1
Dados de matrícula na educação básica por dependência administrativa
no Estado de São Paulo em 2004 ...................................................................... 112
Tabela 2
Participação do Sistema Estadual de Ensino no total de matrículas no ensino
fundamental – Estado de São Paulo ................................................................... 113
Tabela 3
Secretaria da Educação – Receitas Correntes ...................................................... 113
Tabela 4
Participação do PDDE (convênio FDE/ MEC – Secretaria de Educação) no total de
recursos repassados às APMS .............................................................................. 118
Tabela 5
Recursos destinados à Associação de Pais e Mestres da escola ........................ 119
Tabela 6
Pirassununga – Matrículas iniciais na rede municipal ........................................ 121
Tabela 7
Pirassununga – Repasse dos recursos do PDDE entre 1999 e 2004 ................... 126
5. Estado do Rio Grande do Sul
Tabela 1
Sistematização dos dados financeiros a escola "A" – 2003-2004 ..................... 133
Tabela 2
Sistematização dos dados do sistema sobre a implementação do PDDE
a 1997 a 2004 ....................................................................................................... 139
Tabela 3
Sistematização dos dados financeiros da escola "A" – 2001-2003 .................... 141
Tabela 4
Quadro de alunos matriculados na Apae/POA – 2003 e 2004 ............................ 142
Tabela 5
Sistematização dos Dados da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
de Porto Alegre Apae/ POA – 2003-2004 ........................................................... 143
Programa Dinheiro Direto na Escola
19
Intodução
Este relatório apresenta os resultados da pesquisa intitulada "Programa
Dinheiro Direto na Escola: uma redefinição do papel do Estado na educação?",
cujo objetivo central foi analisar o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), no
contexto da reforma educacional brasileira, como uma das expressões da redefinição
do papel do Estado, assim como suas conseqüências para a gestão da educação.
Apoiada parcialmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a pesquisa foi realizada no período de março de 2004
a dezembro de 2005. Buscou compreender as peculiaridades e conseqüências do
PDDE, tendo em vista distintas experiências da realidade educacional brasileira ao
envolver um Estado de cada região do País: Pará (Norte), Piauí (Nordeste), São
Paulo (Sudeste), Mato Grosso do Sul (Centro-Oeste) e Rio Grande do Sul (Sul). Em
cada Estado, equipes de pesquisadores, vinculadas a instituições de ensino superior, desenvolveram a investigação com o propósito de analisar os processos de
implantação e implementação do PDDE no âmbito da gestão dos sistemas e das
escolas.
O Programa foi analisado tendo em vista que as estratégias do capitalismo, na tentativa de superação de sua crise estrutural (globalização, reestruturação
produtiva e neoliberalismo), têm redefinido o papel do Estado, principalmente em
relação às políticas sociais. No caso brasileiro, essas redefinições foram contempladas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, no qual as políticas
sociais deixam de ser consideradas atividades exclusivas do Estado e passam
para a esfera "pública não-estatal" (Bresser Pereira, 1997, p. 7), instituída por
meio da criação das organizações sociais (OS), organizações de direito privado,
públicas, não-estatais.
Programa Dinheiro Direto na Escola
21
Nessa direção, o Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado (Pdrae)
propõe mudanças na estrutura organizacional do aparelho estatal a partir da
criação de mecanismos de descentralização, de redução da estrutura hierárquica e
da introdução da avaliação de resultados. É uma nova concepção de administração pública centrada nos resultados, que o Pdrae denomina de "gerencial", nos
moldes empresariais, por considerar que grande parte dos males sociais advém
de problemas de mau gerenciamento das instituições do Estado.
Portanto, a pesquisa analisou o Programa Dinheiro Direto na Escola como
parte desse movimento. De certa forma, é a materialização de como estão ocorrendo, na política educacional brasileira, as redefinições do papel do Estado, mais
especificamente, as redefinições ocorridas nas propostas de financiamento e gestão escolar, frisando que temos como pressuposto que a política educacional não
é simplesmente determinada pelas mudanças que estão ocorrendo na redefinição
do papel do Estado, mas parte constitutiva dessas mudanças.
Partiu-se, ainda, do entendimento de política educacional como política
social que não se separa da política econômica, por serem parte de uma mesma
totalidade – daí a necessidade de estudar-se o desenvolvimento econômico. De
igual modo, não se pode analisar a política econômica descolada da política
social: "a totalidade é sempre relativa, embora possa figurar em certo momento
como totalidade autônoma, destinada a servir de campo para uma investigação"
(Vieira, 1992, p. 21).
Entende-se, ainda, que as políticas públicas, especificamente as sociais,
surgem a partir de demandas sociais, de interesses político-partidários, de movimentos de lutas, entre outros, em um cenário de tensões, lutas, conflitos e negociações, próprio de uma sociedade democrática. No caso particular da pesquisa
que é objeto deste Relatório, buscou-se localizar o momento em que a gestão
passou a ser central no conjunto das políticas públicas para a modernização do
Estado brasileiro.
Nosso objetivo geral, portanto, foi analisar o Programa do governo federal
Dinheiro Direto na Escola (Medida Provisória nº 2.100-31) e as implicações para a
organização e o funcionamento da escola pública decorrentes da constituição de
unidades executoras como entidades de direito privado nos seguintes Estados:
Rio Grande do Sul, São Paulo, Piauí, Pará e Mato Grosso do Sul.
Nossos objetivos específicos foram:
1. Compreender a natureza do Programa do governo federal Dinheiro Direto na Escola (PDDE);
2. Analisar as conseqüências da implantação/implementação do Programa
do governo federal Dinheiro Direto na Escola para a organização e a
gestão dos "sistemas" educacionais de cada Estado envolvido no que
se refere a:
- alterações na natureza e dinâmica dos processos decisórios no interior
de cada sistema;
- produção de mecanismos de fiscalização para o repasse financeiro do
Programa;
22
Programa Dinheiro Direto na Escola
3. Analisar as conseqüências da implantação/implementação do Programa
Dinheiro Direto na Escola para a organização e a gestão democrática da
escola pública no que se refere a:
- alterações nas práticas decisórias e no locus onde tais práticas se
desenvolvem;
- envolvimento dos diferentes segmentos escolares nos processos decisórios
e possíveis alterações na dinâmica da participação;
- existência de diferentes configurações para as unidades executoras nos
diferentes Estados e suas conseqüências para a gestão escolar;
4. Estudar as conseqüências financeiras do Programa, particularmente com
relação a:
- alteração do custo-aluno, a partir da análise das quantias e responsabilidades que passaram a ser administradas pela própria escola em relação
ao custeio das rubricas transferidas quando ainda sob responsabilidade
do órgão central;
- prioridades de investimento com os recursos descentralizados;
5. Analisar as peculiaridades regionais do Programa Dinheiro Direto na
Escola com base nos estudos de cada Estado.
A concepção metodológica que norteou o desenvolvimento da pesquisa
levou em consideração a importância das peculiaridades regionais, as relações de
força manifestas e as especificidades presentes na materialização de uma política
governamental. Dessa forma, considerou-se imprescindível para a realização do
estudo a participação de pesquisadores de diferentes Estados. Atendendo a essa
exigência metodológica, a pesquisa contou com um Estado de cada região brasileira, adotando os seguintes procedimentos:
- Seleção e leitura de bibliografia relacionada ao objeto de estudo;
- levantamento, organização e análise de documentos oficiais relativos à
criação e regulamentação do Programa PDDE na esfera federal, estadual
e nos municípios envolvidos;
- entrevistas com representantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE) e Ministério da Educação (MEC) que participaram da
elaboração do Programa ou de sua implementação;
- entrevistas com componentes do corpo técnico de cada sistema de ensino em estudo, responsáveis por acompanhar a implantação do PDDE;
- estudo, em cada um dos Estados, em duas escolas de ensino fundamental, uma vinculada à rede estadual e outra à rede municipal, e em uma
unidade de educação especial no RS, no PI e no MS por meio de:
• entrevistas a partir de roteiro elaborado a fim de que os pesquisadores
mantivessem parâmetros mínimos para proceder à análise do conjunto
Programa Dinheiro Direto na Escola
23
de casos. Todavia, buscou-se, nas entrevistas, preservar as condições
para que as peculiaridades locais fossem registradas. Foram entrevistados representantes de todos os segmentos integrantes das unidades
executoras e do Conselho de Escola ou Colegiado Escolar, quando foi o
caso;
• participação em reuniões das unidades executoras ou em outras instâncias coletivas de decisão; análise de atas e outros documentos relacionados à gestão da unidade escolar e ao PDDE; e
• reuniões nacionais nas quais foram desenvolvidos os seguintes aspectos: discussão do referencial teórico; elaboração dos instrumentos de
pesquisa; socialização dos dados de cada Estado; análise dos dados;
produção do relatório técnico-científico.
Desse modo, por meio do estudo dos cinco casos escolhidos intencionalmente, tendo em vista o propósito da pesquisa de apropriar-se das características
do Programa nas diversas regiões do Brasil, buscamos, ao mesmo tempo em que
analisávamos cada situação, ainda que sem intenções de generalizações (Stake,
1983), relacionar os casos estudados com o contexto em que se apresentaram.
Isso porque, como em Rockwell (1986, p. 47), se entende, neste trabalho, que o
fenômeno eleito para a investigação deva ser percebido
a partir de suas relações com o contexto social mais amplo e não apenas em
função de suas relações internas (Luckács, 1967). Metodologicamente, isto implica, por um lado, complementar a informação de campo com informações
relativas a outras ordens sociais (por exemplo, a estrutura e política educacionais do país) e, por outro lado, buscar interpretações e explicações a partir de
elementos externos à situação particular. Desse modo, não se realizam estudos
de caso, mas estudos sobre casos (Rockwell, 1986, grifos meus).
Observe-se que a ética na coleta das informações foi contemplada, entre
outros procedimentos, pela realização de entrevistas somente mediante o consentimento prévio dos entrevistados e pelo respeito às opções de anonimato, quando foi o caso. A utilização de áudio somente ocorreu com a autorização específica
dos participantes. A adesão à pesquisa foi voluntária.
Por fim, vale ressaltar que os dados empíricos sobre a execução do PDDE
utilizados para compor as comparações e sustentar as reflexões presentes neste
Relatório sobre os diferentes sistemas/redes são relativos ao ano de 2004, ainda
que se complementem com dados e informações anteriores na medida em que se
quer relacionar aspectos da implantação e gestão do Programa.
Diante do exposto, este Relatório está organizado em quatro capítulos,
assim configurados: o primeiro capítulo descreve o Programa, desde a sua implantação até o ano de 2004. No segundo capítulo, é apresentado o marco teórico
da pesquisa, enfatizando os eixos de análise Estado e Políticas Públicas e Gestão
Democrática na Escola e no Sistema. O capítulo está constituído por parte dos
textos elaborados pelas equipes e debatidos nas reuniões nacionais. O terceiro
capítulo é composto pelos estudos de caso realizados nos Estados da amostra.
24
Programa Dinheiro Direto na Escola
No quarto capítulo, faz-se a análise, com base nas experiências estaduais e municipais, enfocando os principais aspectos que sistematizam os resultados da pesquisa: caracterização das unidades executoras; relação entre os entes federados;
impactos financeiros nas escolas da amostra; democratização da gestão; execução do Programa; e principais problemas, vantagens e sugestões, de acordo com
os sujeitos da pesquisa. Nas considerações finais, apresentamos uma síntese a
partir do marco referencial de análise e dos pontos que se destacaram no decorrer
da pesquisa, como: a relação público/privado, a gestão democrática e a
descentralização/centralização.
Programa Dinheiro Direto na Escola
25
1
O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)
O objetivo deste item é descrever o processo de criação, implantação e
implementação do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), apontando as
alterações expressas na legislação referente ao Programa ao longo do período de
1995 a 2005.
O governo federal criou, em 1995, o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE), com denominação alterada para Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), pela Medida Provisória nº 1.784, de 14 de
dezembro de 1998, reafirmada pela Medida Provisória nº 2.100-32, de 24 de maio
de 2001, que se justifica pela necessidade de adotar medidas racionalizadoras,
menos burocráticas, de modo que os recursos cheguem com mais agilidade e
diretamente às escolas, conforme Resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) nº 12, de 10 de maio de 1995 (Brasil, 1995).
O Programa tem como objetivo repassar, diretamente às escolas públicas
do ensino fundamental e organizações não-governamentais sem fins lucrativos
que atuem com educação especial, dinheiro para custeio e manutenção de suas
atividades, com recursos oriundos do Salário-Educação1, distribuídos pelo FNDE
segundo o número de alunos matriculados.
Os recursos, inicialmente, deveriam ser repassados para a Secretaria Estadual ou Municipal de Educação ou para a unidade executora das escolas, sendo
1
O salário-educação foi instituído pela Lei nº 4.440, de 27 de outubro de 1964, sendo uma contribuição
social correspondente a 2,5% da folha de pagamento das empresas vinculadas à Previdência Social.
Programa Dinheiro Direto na Escola
29
destinados apenas ao custeio das despesas das escolas, e poderiam ser usados
na manutenção e conservação do prédio escolar, aquisição de material necessário
ao funcionamento da escola, capacitação e aperfeiçoamento de profissionais da
educação, avaliação da aprendizagem, implementação do projeto pedagógico,
aquisição de material didático/pedagógico e desenvolvimento de atividades educacionais diversas (Brasil, 1995).
A partir de 1997, com base na idéia "de que a própria comunidade é quem
sabe aplicar o dinheiro para resolver os seus problemas", para que esses recursos
cheguem diretamente às escolas, passa-se a exigir que cada instituição escolar
crie a sua unidade executora. Em outras palavras, as escolas com mais de 99
alunos, para receberem os recursos, precisam criar, obrigatoriamente, uma unidade executora, ou seja, uma "entidade de direito privado, sem fins lucrativos,
representativos da comunidade escolar (caixa escolar, conselho escolar, associação de pais e mestres, etc.), responsável pelo recebimento e execução dos recursos financeiros recebidos pelo FNDE (...)" (Brasil, 1997a).
A unidade executora, portanto, "tem como função administrar recursos
transferidos por órgãos federais, estaduais, municipais, advindos da comunidade,
de entidades privadas e provenientes da promoção de campanhas escolares, bem
como fomentar atividades pedagógicas da escola" (Brasil, 1997a, p. 11).
Entre as funções específicas, estão, por exemplo, prestar assistência ao aluno carente, realizar manutenção e conservação física da escola e dos equipamentos,
bem como a limpeza de suas instalações, e promover a integração escola-famíliacomunidade (Brasil, 1997a, p. 11). Isso significa que a unidade executora, além dos
recursos repassados pelo Programa, deve administrar recursos provenientes de uma
outra fonte, ou seja, oriundos de campanhas organizadas pela comunidade escolar.
A Resolução FNDE/CD nº 12/1995 apresentou os valores totais que deveriam ser recebidos, sendo que, com a Resolução FNDE/CD nº 3 de 1997 (art. 2º),
esses valores passaram a ser divididos entre despesas de custeio e de capital.
Quadro 1 - Valor anual por escola para o ensino fundamental
Valor anual por escola (R$ 1,00)
Número
de alunos
por escola
De 21 a 50
De 51 a 100
De 101 a 250
De 251 a 500
De 501 a 750
De 751 a 1.000
De 1.001 a 1.500
De 1.501 a 2.000
Mais de 2.000
Regiões N, NE e CO*
Custeio
Capital
Total
Custeio
Capital
600
1.300
2.300
3.200
5.300
7.500
8.600
12.000
16.000
400
700
1.000
1.400
1.700
2.400
3.000
600
1.300
2.700
3.900
6.300
8.900
10.300
14.400
19.000
500
1.100
1.500
2.200
3.700
5.200
7.000
8.000
12.000
300
500
800
1.000
1.200
2.000
2.500
Fonte: Resolução FNDE/CD nº 3, de 1997.
(*) Exceto o Distrito Federal.
30
Regiões S, SE e DF
Programa Dinheiro Direto na Escola
Total
500
1.100
1.800
2.700
4.500
6.200
8.200
10.000
14.500
Com esse dinheiro, a escola pode adquirir material permanente, fazer sua manutenção e conservação, capacitar e aperfeiçoar os profissionais da educação, contratar setores para elaborar processos e indicadores de avaliação da aprendizagem, implementar seu projeto pedagógico e desenvolver atividades pedagógicas
diversas (Brasil, 1997b).
Como se pode verificar no Quadro 1, as Regiões Norte, Nordeste e CentroOeste recebem um valor maior do que as Regiões Sul, Sudeste e o Distrito Federal. No caso dessas últimas regiões, por exemplo, uma escola de 1.501 a 2 mil
alunos recebe R$ 10 mil; se ela tiver 2 mil alunos, isso significará uma quantia de
R$ 5,00 aluno/ano.
Quadro 2 - Valor anual por escola para a educação especial
Número
de alunos
por escola
De 06 a 25
De 26 a 45
De 46 a 65
De 66 a 85
De 86 a 125
De 126 a 200
De 201 a 300
Mais de 300
Valor anual por escola (R$ 1,00)
Custeio
Capital
Total
525
900
1.350
1.800
2.400
2.850
3.450
4.500
525
900
1.350
1.800
2.400
2.850
3.450
4.500
1.050
1.800
2.700
3.600
4.800
5.700
6.900
9.000
Fonte: Resolução FNDE/CD nº 3, de 1997.
Apesar da exigüidade dos recursos, faz-se necessário que a unidade executora seja inscrita no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC), do Ministério da
Fazenda, para poder abrir conta bancária e participar de benefícios como subvenções e isenção do Imposto de Renda, além de assinatura de convênios com órgãos governamentais.
A Resolução FNDE/CD nº 3, de 27 de fevereiro de 2003, reeditou as resoluções anteriores reafirmando que:
O Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE consiste na transferência, pelo
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, de recursos financeiros, consignados em seu orçamento, em favor das escolas públicas do ensino
fundamental das redes estadual, do Distrito Federal e municipal, destinados à
cobertura de despesas de custeio, manutenção e de pequenos investimentos, de
forma a contribuir, supletivamente, para a melhoria física e pedagógica dos
estabelecimentos de ensino beneficiários (art. 1º).
Conforme a referida Resolução, os recursos financeiros devem ser repassados às escolas públicas do ensino fundamental das redes estadual, do Distrito
Federal e municipal.
Programa Dinheiro Direto na Escola
31
No entanto, em 27 de março de 2004, foi editada a Resolução FNDE/CD nº 10,
incluindo, explicitamente, o repasse dos recursos também às instituições privadas de
educação especial ao afirmar, em seu artigo 1º, que o Programa Dinheiro Direto na
Escola (PDDE) consiste na transferência, pelo FNDE, de recursos financeiros consignados em seu orçamento em favor das escolas, assim especificadas:
• públicas das redes estaduais, distrital e municipais no ensino fundamental, inclusive nas modalidades especial e indígena;
• privadas de educação especial, mantidas por organizações não-governamentais (ONG), ou outras entidades similares, sem fins lucrativos e inscritos no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
Ao definir que, por unidade executora, "entende-se a entidade ou instituição responsável pelo recebimento, execução e prestação de contas dos recursos
transferidos, pelo FNDE", especificam-se essas unidades da seguinte forma:
• Unidade Executora Própria (UEx) – entidade de direito privado, sem fins
lucrativos, representativa da comunidade escolar dos estabelecimentos
públicos de ensino públicos beneficiários do PDDE (caixa escolar, associação de pais e mestres, conselho escolar ou similar);
• Entidade Executora (EEx) – prefeitura municipal e secretarias de educação estadual e do Distrito Federal, ao receberem e executarem os recursos do PDDE destinados às escolas públicas que não instituíram as UEx;
• Entidade Mantenedora (EM) – organização não-governamental (ONG), ou
outra entidade similar, sem fins lucrativos e inscrita no CNAS, responsável pela manutenção de escolas privadas de educação especial
beneficiárias do PDDE (art. 3º, § 2º).
Como se vê, modifica-se o conceito de unidade executora própria (UEx)
para entidade sem fins lucrativos, representativa da comunidade escolar, assim
como se modifica o conceito de entidade mantenedora (EM) para entidade sem
fins lucrativos, inscritas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), responsável pela manutenção de escolas privadas de educação especial beneficiárias
do PDDE.
Além disso, a Resolução FNDE/CD nº 16, de 19/4/2004, definiu que os
recursos poderiam ser destinados, excepcionalmente, às escolas de ensino fundamental situadas em regiões afetadas pelo desastre natural provocado pelas fortes
chuvas.
Os recursos transferidos, à conta do PDDE a Título Emergencial, destinam-se à
cobertura de despesas de custeio, de forma a contribuir, supletivamente, para a
recuperação física e pedagógica dos estabelecimentos de ensino afetados por
desastre natural provocado por inundações, com vistas à consecução dos objetivos de recondução e promoção da normalidade do ambiente escolar (art. 2º).
No que se refere aos recursos destinados às escolas pelo PDDE, destaca-se
que, de 1995 a 2004, não houve qualquer acréscimo na tabela de repasse dos
32
Programa Dinheiro Direto na Escola
recursos às escolas. O dinheiro continuou a ser repassado uma vez por ano, tendo
como base o número de alunos matriculados no ensino fundamental, extraído do
Censo Escolar do ano anterior.
Porém, a Resolução FNDE nº 10, de 22/3/2004, art. 5º, alterou a tabela de
repasses, acrescentando um fator moderador/fator de correção ao número de alunos matriculados, visando contornar as disparidades verificadas nos repasses para
escolas de mesma classe, com matrículas diferenciadas, consistindo em R$ 1,30 por
matrícula excedente entre o maior e menor número da mesma classe.
A nova fórmula de calcular assegura um valor base por escola, segundo sua
classificação nos intervalos de classe de número de alunos, acrescendo-se o
produto da constante K pelo número de alunos obtido da diferença entre a
quantidade real de discentes e o limite inferior de cada classe, obedecendo a
localização da escola, segundo as regiões brasileiras2. Por exemplo, uma escola
no Estado do Acre, com 701 alunos matriculados, deve receber R$ 8.900,00 +
(701 – 501) x K. Portanto, pela nova forma, o valor a ser repassado à escola
aumentou o equivalente à parcela de (701 – 501) x K (Paz, 2005, p. 42).
Paz (2005, p. 43) acentua outra grande novidade do Programa, definida
em 2003 e implementada também em 2004, ou seja,
a prerrogativa de a escola programar os valores que tem direito a receber, segundo as categorias econômicas de custeio e de capital. Esta medida veio ao
encontro dos interesses dos estabelecimentos de ensino e tem a finalidade de
aumentar a autonomia da gestão financeira da escola, propiciando-lhes melhores condições de planejamento do emprego do dinheiro e, desta forma, visa
contribuir para o aumento da racionalidade do emprego dos recursos. Além
destas inovações mais recentes, uma conquista singular foi a prerrogativa de
reprogramação de saldos.
A possibilidade de utilização dos saldos no exercício seguinte contribuiu para a
racionalidade do emprego dos recursos, uma vez que possibilitou a aquisição
de bens e a contratação de serviços tempestivamente.
Com relação às fontes de recursos para o PDDE, verifica-se, em 2004,
conforme dados sistematizados pela Diretoria Financeira do PDDE, a seguinte
distribuição: contribuição do Salário-Educação (23%); produto da aplicação dos
recursos à conta do Salário-Educação (15%); contribuição do Salário-Educação
referente à contrapartida de empréstimos internacionais (37%); e produto da aplicação dos recursos à conta do Salário-Educação das contrapartidas (24%) (Gonçalves, Cruz, Luz, 2004, p. 134-135).
Assim, dois aspectos são relevantes e merecem destaque: 1) o alto porcentual
de recursos advindos das aplicações do Salário-Educação e 2) a utilização de
parte dos recursos do Salário-Educação como contrapartida de empréstimos internacionais (Gonçalves, Cruz, Luz, 2004, p. 134).
2
A diferença de valores pagos às escolas, segundo a localização do estabelecimento de ensino nas
regiões brasileiras, segue determinação legal de redistribuição dos recursos educacionais oriundos da
Contribuição Social do Salário-Educação, com vistas à promoção da redução das desigualdades regionais.
Programa Dinheiro Direto na Escola
33
A Resolução FNDE/CD nº 17, de 9 de maio de 2005, estabeleceu, em seu
artigo 4º, que as escolas públicas receberão os recursos financeiros do PDDE em
parcela única anual. As principais mudanças introduzidas no PDDE pela referida
Resolução podem ser sintetizadas da seguinte forma:
• as escolas públicas com até 50 alunos, que não possuírem unidade
executora própria (UEx), receberão recursos por intermédio da entidade
executora (EEx) – prefeitura municipal e secretarias estaduais de educação e do Distrito Federal (art. 4º, inciso I).
• as escolas públicas acima de 50 alunos receberão os recursos por intermédio da unidade executora própria (UEx); e
• as escolas públicas com até 99 alunos é facultada a formação de consórcio de modo a constituírem uma única UEx que as represente, desde que
as unidades escolares sejam integrantes da mesma rede de ensino. No
entanto, os consórcios constituídos até 2003, poderão continuar com
até 20 escolas, porém, os consórcios constituídos em 2004 e os que
vierem a ser constituídos, a partir da publicação dessa Resolução, somente poderão congregar, no máximo, cinco escolas, com o fim de constituir uma única UEx; (art. 4º, inciso III, alínea b).
• as escolas públicas, com mais de 50 alunos, deverão, obrigatoriamente,
destinar, do montante recebido, 20% à cobertura de despesas de capital e
80% à cobertura de despesas de custeio (art. 5º, § 2º), isso no caso de não
terem informado, ao FNDE, na fase de adesão ao PDDE, os porcentuais de
recursos que desejarão receber, no exercício seguinte ao da informação, em
custeio ou capital, ou em ambas as categorias econômicas (art. 5º, § 4º);
• as escolas públicas, com até 50 alunos, que não possuírem UEx somente
receberão recursos destinados à cobertura de despesas de custeio (art. 5º,
§ 4º).
Verifica-se, também, que a Resolução excluiu a possibilidade de as escolas
poderem aplicar os recursos para capacitação e aperfeiçoamento de profissionais
da educação.
Um ponto ainda a ser considerado é o que estabelece o art. 18 da Resolução, ou seja, os repasses do PDDE, no caso de falta de apresentação da prestação
de contas por culpa ou dolo dos gestores das unidades executoras sucedidas,
somente serão restabelecidos se, além de os dirigentes sucessores apresentarem,
ao FNDE, cópia autenticada de representação contra os antecessores no respectivo órgão do Ministério Público, a autarquia tiver instaurado as correspondentes
Tomadas de Contas Especiais.
Finalmente, os dados da execução do PDDE mostram que em 1995 havia 11.643
unidades executoras, sendo 7.017 em escolas estaduais, 4.626 em escolas
municipais e nenhuma ONG, atendendo 28.350.299 alunos, correspondendo
ao montante de R$ 229.348.000. Enquanto 132.663 escolas não tinham unidade executora. Em 2004, atinge o número de 75.056 unidades executoras, sendo 27.041 estaduais, 48.015 municipais e 1.587 ONG, enquanto 40.677 escolas
não têm unidade executora, atendendo 29.543.278 alunos, correspondendo a
34
Programa Dinheiro Direto na Escola
R$ 257.744.278. Isso significa um crescimento da adesão de escolas ao Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) (www.fnde.gov.br. Acesso em 20 nov.
2005).
Programa Dinheiro Direto na Escola
35
2
Marco referencial para análise
Neste capítulo, apresentamos, em forma de fragmentos de artigos, o
material de análise produzido pelo grupo de pesquisadores para os seminários
e reuniões nacionais realizados no desenvolvimento da pesquisa, com o objetivo de construir o necessário subsídio teórico para proceder à análise dos dados.
Acreditamos que, dessa maneira, além de sistematizar o campo teórico a
partir do qual analisamos o material empírico, ilustramos a dinâmica adotada
pelo grupo de pesquisadores para a elaboração desse mesmo campo teórico,
tendo em vista a construção de consensos, ainda que provisórios, a respeito
dos seguintes temas:
• Mudanças na configuração do Estado brasileiro;
• Políticas para a gestão da educação:
- no âmbito dos sistemas educacionais;
- no âmbito das escolas públicas, tendo em vista o previsto pelo PDDE.
O período priorizado para o enquadramento da análise dos temas acima
corresponde, em linhas gerais, aos anos de 1995-2004, sem que se ignorem as
prévias condições históricas que certamente influíram nas tendências ressaltadas
em nossas produções.
2.1
Mudanças na configuração do Estado brasileiro
Dada a centralidade dessa questão para a própria elaboração do projeto
de pesquisa e, conseqüentemente, para a contextualização do PDDE no campo
Programa Dinheiro Direto na Escola
39
das alterações político-institucionais percebidas no período entre meados dos
anos 90 e início do século XXI, os primeiros trabalhos produzidos pelos pesquisadores envolvidos apresentaram esforços de sistematização dessa problemática.
Por essa razão, apresentamos alinhavos das produções do grupo de
pesquisa sobre a temática, cujo referencial teórico básico, mesmo mantendo-se
constante desde a proposição da pesquisa, foi ampliado e refinado com as
contribuições de todos os envolvidos.
É por isso que iniciamos este tópico com a transcrição de parte da produção de Oliveira (2004), de forma a pautar o entendimento das mudanças nas
relações entre Estado e sociedade civil induzidas pelas políticas governamentais
adotadas no período. Estas, por sua vez, têm seus fundamentos retratados em
fragmento de artigo de Peroni e Adrião (2005) que traz as matrizes teóricas que
fundamentam a constituição da esfera pública não-estatal em que se insere o
Programa aqui analisado. Em seguida, reproduzimos parte do material elaborado
por Gonçalves, Luz e Cruz (2004), que relaciona o PDDE às reformas observadas
no Estado brasileiro.
Por fim, apresentamos, a partir das contribuições de Adrião, Costa e Garcia
(2004) e de Santos, Gutierres e Dias (2004), reflexões sobre as características e
tendências de alterações na gestão da educação deflagradas no período analisado
e a maneira como tais alterações se expressam na proposta de gestão escolar que
se encontra associada ao PDDE.
2.2
Público não-estatal: implicações para a escola pública brasileira3
O primeiro ponto a esclarecer refere-se à própria compreensão do que seja
a "esfera do público". Recorre-se, inicialmente, ao Novo Dicionário Aurélio e verifica-se que o adjetivo público expressa: "do ou relativo, ou procedente, ou destinado ao povo, à coletividade; que serve para uso de todos; comum; relativo à
governança de um país; manifesto; notório". Enquanto o adjetivo privado designa: "que não é público; particular; favorito; confidente".
Diante desses significados, o termo público, que se origina do latim publicu,
refere-se ao que é popular, aos interesses coletivos. O termo privado, por sua vez,
do latim privatu, assume o sentido de negação em relação ao primeiro e, assim,
opõe-se ao público.
As categorias público e privado, de origem grega, alteram-se ao longo dos
diferentes períodos históricos, que expressam concepções de mundo distintas.
Com a constituição da sociedade moderna, a categoria histórica público assume
um outro significado, ou seja, relacionado ao poder público, que é o Estado.
Cabe esclarecer, também, qual o sentido em que se toma aqui o termo
Estado. Trata-se do Estado enquanto instituição formada na modernidade para gerir
o modo de produção capitalista, ou seja, inserido em um projeto determinado de
sociedade que nasce da decadência do modo de produção feudal:
3
Este item constitui-se em parte do artigo de OLIVEIRA, R. T. C. Público não-estatal: implicações para a
escola pública brasileira. In: JORNADA DO HISTEDBR: História e Historiografia da Educação: abordagens e
práticas educativas, 4. [Anais...]. Ponta Grossa: UEPG, 2004. p.1-15. 1CD-ROM. ISBN 85-86941-39-5.
40
Programa Dinheiro Direto na Escola
O Estado moderno, ou o Estado nacional constitui-se com as tarefas de definir,
ampliar e consolidar sua base territorial, o país; de instituir e fixar no país a
nação, sua base humana, considerando-lhe unidade; de estabelecer, como cimentos dessa unidade, a língua, a cultura e a educação, tornando-as orgânicas
em relação ao todo nacional; e de fornecer a legitimidade institucional da sociedade, considerada em seus aspectos políticos, econômicos e propriamente
sociais, mediante o ordenamento jurídico (Castanho, 2001, p. 22-23).
No sentido moderno, o Estado constitui-se na organização da sociedade
para a produção capitalista, abarcando, em uma dimensão ampla, o conjunto dos
organismos públicos e privados de dominação burguesa. Esse entendimento
corresponde à concepção ampliada de Estado desenvolvida por Gramsci (1984),
segundo a qual "Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia
revestida de coerção". Assim, a noção geral de Estado abrange a sociedade política, correspondendo basicamente ao núcleo governamental que exerce o domínio
legal por meio dos mecanismos de coerção sobre toda a sociedade, bem como a
sociedade civil, compreendendo os aparelhos privados de hegemonia.
Segundo o pensador italiano,
permanecemos sempre no terreno da identificação de Estado e de governo, identificação que não passa de uma reapresentação da forma corporativo-econômica,
isto é, da confusão entre sociedade civil e sociedade política, pois se deve notar
que na noção entram elementos que também são comuns à sociedade civil4.
Nesse sentido, deve-se entender Estado além do aparelho governamental,
também o aparelho "privado" de "hegemonia" ou sociedade civil (Gramsci, 1984,
p. 147-149).
A sociedade política tem por função o exercício da coerção, da manutenção, pela força, da ordem estabelecida. Porém, ela não se restringe ao simples
domínio militar, mas igualmente ao governo jurídico enquanto força "legal".
A sociedade civil, por sua vez, é um conjunto complexo e constitui organizações que assumem a forma de "partidos"5, ou seja, "trata-se efetivamente de
partes da sociedade que constituem agrupamentos com interesses comuns que se
organizam para a defesa e ampliação de seus interesses" (Saviani, 1987, p. 17).
4
Gramsci (1984, p. 75) constata que: “No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e
gelatinosa; no Ocidente, havia entre o Estado e a sociedade civil uma justa relação e em qualquer abalo
do Estado imediatamente descobria-se uma poderosa estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas
uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas casamatas; em
medida diversa de Estado para Estado, é claro, mas exatamente isto exigia um acurado reconhecimento
do caráter nacional”.
5
É indispensável considerar, também, a concepção gramsciana de "partido" em sentido ampliado,
estabelecendo a distinção entre "partidos políticos" e "partidos ideológicos". O partido político é entendido "como organização prática (ou tendência prática), isto é, como instrumento para a solução de um
problema ou de um grupo de problemas da vida nacional e internacional". O partido ideológico, por sua
vez, é o partido como "ideologia geral, superior aos vários agrupamentos mais imediatos" (Gramsci,
1987, p. 204-205). O partido político corresponde ao organismo da sociedade civil que se relaciona
diretamente com a sociedade política, tendo em vista a posse, o controle ou a fiscalização do aparelho
governamental. Já a própria base da sociedade civil é formada pelos partidos ideológicos, estando entre
eles: a imprensa, as editoras, as igrejas, as associações culturais, profissionais ou comunitárias, as
escolas públicas e privadas que se relacionam indiretamente com a sociedade política por meio dos
partidos políticos.
Programa Dinheiro Direto na Escola
41
"Na estrutura de massa das democracias modernas, tanto as organizações estatais como o complexo de associações na vida civil constituem para a arte política
o mesmo que as 'trincheiras' e as fortificações permanentes da frente na guerra de
posição" (Gramsci, 1984, p. 92).
Dessa forma, fica evidente que a sociedade política é constituída pelo
conjunto dos organismos públicos mantidos pelo Estado (sociedade política).
Segundo essa concepção, o governo não se confunde com o Estado, na medida
em que não constitui o Estado no todo. Já a sociedade civil abarca o conjunto dos
aparelhos privados de hegemonia, tanto da classe dominante quanto da classe
trabalhadora.
Saviani (1985, p. 15) alerta-nos que, na sociedade contemporânea, delimitar os conceitos de "esfera pública" e de "esfera privada" requer certo cuidado,
pois, na sociedade capitalista, fundada na propriedade privada dos meios de
produção, o público é sempre, ainda que de modo contraditório, privado. "Tratase, com efeito, de apresentar os interesses privados (da classe dominante) como
expressão 'genuína' do interesse público (do conjunto da sociedade). Em outras
palavras, trata-se de organizar o poder privado (de uma classe) na forma de poder
público (o Estado)".
Mas o problema de fundo é, então: o que existe de novo em torno do
papel do Estado, especificamente, do Estado brasileiro e, em decorrência, do
conceito de público no atual contexto histórico?
2.3
O Estado na berlinda: o diagnóstico da crise
e estratégias hegemônicas para sua superação6
Parte-se do pressuposto de que a origem das mudanças propostas para a
educação na década de 90 tem como substrato um diagnóstico que identifica a
crise do capitalismo como resultado da crise do Estado. Esse diagnóstico é comungado por duas orientações políticas: o neoliberalismo e a "terceira via". Em
ambas, a crítica à ineficácia do Estado de bem-estar social é um dos aspectos
passíveis de serem generalizados.
Para a teoria neoliberal, não é o capitalismo que está em crise, mas o
Estado. Portanto, a estratégia adotada para a superação da crise seria a reforma
do Estado por meio da diminuição de sua atuação. Em linhas gerais, segundo
essa perspectiva, duas causas levaram à crise do Estado: a primeira deve-se a um
excessivo gasto governamental provocado pela permanente necessidade de se
legitimar por meio do atendimento às demandas da população por políticas sociais, o que causou a crise fiscal. Além disso, para essa lógica, as políticas sociais,
por constituírem-se em mecanismos de distribuição da riqueza, confrontavam-se
6
Parte constitutiva de trabalho apresentado por Peroni e Adrião em Reunião Nacional da Pesquisa
realizada em Porto Alegre (RS), em julho de 2004, e posteriormente publicada em forma de artigo no livro
ADRIÃO, T.; PERONI, V. (Org.). O Público e o privado na educação: interfaces entre Estado e Sociedade.
São Paulo: Xamã, 2005.
42
Programa Dinheiro Direto na Escola
com o direito à propriedade privada, razão pela qual provocariam distorções
indesejáveis nas sociedades de mercado e deveriam ser suprimidas. A segunda
causa encontrava-se no papel regulador desempenhado pelo Estado na esfera
econômica, prática que atrapalhava o livre andamento do mercado. Como condição para a superação de tais causas, o neoliberalismo atribuía ao mercado a
capacidade de superar as falhas do Estado, inclusive tomando de empréstimo a
lógica mercantil e adotando-a na gestão de instâncias estatais como forma de
torná-las mais eficientes e produtivas.
Uma vez que a pré-condição para a superação da crise passava pela reforma do Estado, duas eram as prescrições, tendo em vista o seu redimensionamento:
a racionalização de recursos, entendida como a diminuição na extensão das políticas sociais existentes, e o esvaziamento do poder das instituições governamentais, já que as instituições democráticas, além de mais permeáveis às pressões e
demandas da população, perdiam em eficiência se comparadas às de mercado.
Em vista disso, o papel do Estado relativo às políticas sociais seria completamente alterado.
Consoante com tais prescrições, a perspectiva neoliberal sugeria, basicamente, duas estratégias: a primeira buscava transferir a responsabilidade pela
execução e pelo financiamento das políticas sociais diretamente para o mercado,
por meio da privatização de setores da estrutura estatal; a segunda, no caso do
que fosse mantido no âmbito do Estado, propunha a introdução da lógica mercantil em seu funcionamento. Nesse último caso, vale lembrar o incentivo a processos
concorrenciais entre setores da atividade pública ou entre estes e setores privados, tanto para angariar subsídios públicos para a oferta de seus serviços, quanto
para legitimar as mudanças organizacionais no interior da esfera estatal resultantes da introdução da lógica mercantil.
Porém, para o êxito de tais estratégias, além do apelo ideológico que o
cenário conservador do neoliberalismo tece, faz-se necessário construir um substrato
teórico que legitime tais reformas. Esse substrato tem na economia neoclássica e,
mais recentemente, na public choice7 seus principais propositores, cuja idéiachave seria adequar a racionalidade econômica aos processos coletivos de tomada de decisão, nos quais se inscreve a gestão da esfera pública, para diminuir as
externalidades da política, uma vez que elas, forçosamente, prejudicariam a
maximização de resultados.
No entanto, essa adequação encontra uma limitação a priori, qual seja, a
natureza dos serviços sociais, que não permitiria, sob efeito de comprometer ou
mesmo inviabilizar a oferta desses serviços, a implementação irrestrita da chamada regulação pelo mercado. Isso porque a relação entre os demandatários dos
serviços sociais (entendidos como agentes econômicos) e a oferta desses mesmos
serviços, entre os quais se encontra a educação, não resultariam de uma concorrência perfeita. Nisso parece residir uma das diferenças entre as prescrições
neoliberais do início do século XX, representadas pelo "caminho da servidão", de
7
Corrente teórica que busca a aplicação dos instrumentos de análise da teoria econômica neoclássica ao
estudo dos fenômenos políticos, entendidos em um sentido amplo (Buchanan, McCormick, Tollison,
1984).
Programa Dinheiro Direto na Escola
43
Friedrich Hayek (1983), e a atual releitura dessas proposições, que têm nos teóricos da escola de Chicago seus principais expoentes.
Tentando responder a essa peculiaridade sem deixar de recorrer à premissa da racionalidade econômica liberal, os neoliberais propõem, para aquelas situações em que privatizar um dado setor público não levaria ao estabelecimento
das almejadas relações concorrenciais (pois se manteria o monopólio da oferta
sobre as mãos privadas), um "choque de mercado no interior do Estado": eis aqui
a origem do quase-mercado.
A alternativa encontrada foi a de introduzir concepções de gestão privada nas
instituições públicas sem alterar a propriedade das mesmas [...]. Surge, assim, a
noção de "quase-mercado" que, tanto do ponto de vista operativo quanto
conceitual, diferencia-se da alternativa de mercado propriamente dita, podendo,
portanto, ser implantada no setor público sob a suposição de induzir melhorias
(Oliveira, Souza, 2003).
Nesses termos, o quase-mercado poderia ser compreendido como uma
proposição adequada àquelas organizações, que, embora não pudessem integrar
o mercado, nele disputariam, segundo suas características, vantagens adicionais
como condição para o aumento de sua eficiência (Adrião, 2001). Essa proposição
aplica-se à educação pública.
No mesmo período, por volta do início dos anos 90, surgiu outra tentativa
de responder à crise do capitalismo no marco do próprio capitalismo. Comungando do mesmo diagnóstico neoliberal para a crise, o formato do Estado de bemestar social, o novo trabalhismo inglês (new labor) de Tony Blair adotou o que
aqui se convencionou chamar de "terceira via".
Batizada por Antony Giddens, um dos teóricos dessas reformas, a
terceira via se refere a uma estrutura de pensamento e de prática política que
visa adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou fundamentalmente ao longo das últimas duas ou três décadas. É uma terceira via no sentido
de que é uma tentativa de transcender tanto a social-democracia do velho estilo
quanto o neoliberalismo (Giddens, 2001, p. 36).
Para Giddens, o resultado dessa tentativa seria a constituição de um novo
Estado democrático que teria como base: a descentralização do poder, agora
entendida como a relação entre Estados-Nações no contexto de economias
globalizadas; o aumento da eficiência na ação governamental como forma de
afirmar a competência do Estado na sociedade de mercado; a dupla democratização, representada, de um lado, pela ampliação de mecanismos de democracia
direta e da descentralização do poder para esferas locais e, de outro, pela possibilidade de tais mecanismos interferirem de fato nas decisões, agora globais; a
renovação da esfera pública por meio do aumento da transparência; e o Estado
disposto a atuar como administrador de riscos, o que significa expor suas opções
de políticas ao debate público e submeter-se a ele (Giddens, 2001, p. 82-87).
Para tanto, teriam que se impor reformas no padrão de organização e gestão
do Estado, delineando-se para os governos mudanças em seus desempenhos:
44
Programa Dinheiro Direto na Escola
a reforma do Estado e do governo deveria ser um princípio orientador básico da
política da terceira via - um processo de aprofundamento e ampliação da democracia. O governo pode agir em parceria com instituições da sociedade civil para
fomentar a renovação e o desenvolvimento da comunidade (Giddens, 2001, p.
79).
Sem romper com os preceitos básicos do neoliberalismo, o novo trabalhismo
inglês de Blair, ao apostar na terceira via como estratégia para se descolar da
social-democracia, "associa a preservação da social-democracia e elementos básicos do neoliberalismo" (Antunes, 1999, p. 95).
Para os propositores da terceira via, o desejado redesenho no padrão de
intervenção do Estado britânico, tendo em vista os efeitos das reformas neoliberais
de Thatcher, pressupunha a consolidação de novos interlocutores8, ou melhor, de
novos parceiros na oferta e manutenção das políticas sociais. Tais parceiros, identificados em segmentos da sociedade civil, comporiam o que aqui entendemos
por terceiro setor.
Terceiro setor: uma definição aproximada
A primeira observação a fazer refere-se à imprecisão com que a literatura
da área trata o termo "terceiro setor", ora aproximando-o de uma genérica definição de sociedade civil, ora referindo-se a um formato específico juridicamente
definido de instituição privada, ora, ainda, identificando-o com as tradicionais
entidades de caráter assistencial ou filantrópico. Segue-se que o cerco a sua
definição se dá, então, por exclusão: o terceiro setor refere-se a esferas da sociedade que não se encontram no mercado e tampouco no Estado.
Montaño (2002, p. 182) alerta para o reducionismo do conceito de terceiro
setor: "como se o 'político' pertencesse à esfera estatal, o 'econômico' ao âmbito
do mercado e o social remetesse apenas à sociedade civil".
Para Fernandes (1994), o terceiro setor seria caracterizado como o público
não-estatal e pressuporia a existência do Estado e do mercado. O conceito designaria
"um conjunto de iniciativas particulares com um sentido público" (Fernandes, 1994,
p. 127). Já para Montaño (2002), o terceiro setor estaria em contraposição a um
primeiro setor, identificado com o Estado, e a um segundo, que seria o mercado. Szazi
(2003) define-o como o "conjunto de agentes privados com fins públicos, cujos programas visavam atender direitos sociais básicos e combater a exclusão social e, mais
recentemente, proteger o patrimônio ecológico brasileiro" (Szazi, 2003, p. 22).
Montaño (2002) destaca também que, entre os diversos autores que trabalham com o tema, alguns se referem a ele como atividades públicas desenvolvidas
por particulares, outros como função social em resposta às necessidades sociais,
e há ainda os que o apresentam como valores de solidariedade local, auto-ajuda
e ajuda mútua.
8
Ressalte-se a alteração na constituição partidária, mediante a substituição da defesa da propriedade
coletiva pela defesa do empreendimento do mercado e da competição.
Programa Dinheiro Direto na Escola
45
Apesar das definições pouco claras, há consenso em relação à tendência
de transferência da responsabilidade sobre a oferta de políticas sociais da esfera
estatal para instâncias de natureza privada dos mais diversos formatos: empresas,
sociedades sem fins lucrativos, fundações, etc. Em meados da década de 90, o
chamado terceiro setor havia gastado no Brasil o correspondente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) daquele ano (Szazi, 2003, p. 21).
A responsabilidade pelo atendimento das demandas sociais passa a ser
delegada aos próprios indivíduos, que buscam atendê-las por meio de atividades
de ajuda mútua, voluntária, benemérita, etc. Ao mesmo tempo, as políticas sociais
mantidas no âmbito do Estado têm seu tratamento alterado: são descentralizadas
para os níveis locais das esferas governamentais e passam a ter uma natureza
menos universalista (Montaño, 2002).
Nesses termos, o crescimento do terceiro setor parece indicar que "o que
na realidade está em jogo não é o âmbito das organizações, mas a modalidade,
fundamentos e responsabilidades inerentes à intervenção e respostas para a questão
social" (Montaño, 2002, p. 185).
O novo formato para o trato da questão social e também da educação
impõe a transferência de fundos públicos para o setor privado, já que o terceiro
setor, em geral, não tem condições de autofinanciamento. "Esta transferência é
chamada, ideologicamente, de 'parceria' entre o Estado e a sociedade civil, com o
Estado supostamente contribuindo, financeira e legalmente, para propiciar a participação da sociedade civil" (Montaño, 2002, p. 19).
Se atentarmos para a normalização dessas parcerias, temos que a parceria
entre o poder público e a entidade qualificada será feita mediante um contrato de
gestão9 pelo qual a organização social (OS) apresenta um programa de trabalho a
ser avaliado por indicadores de qualidade e produtividade.
Essa qualificação é restrita a organizações que direta ou indiretamente
atuem na esfera da promoção dos chamados direitos sociais. Em síntese, as
[...] organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas para atividades de relevante valor social, que independem de
concessão ou permissão do Poder Público, criadas por iniciativa de particulares
segundo modelo previsto na lei, reconhecidas, fiscalizadas e fomentadas pelo
Estado (Modesto, 2001, p. 17).
As organizações sociais no marco da reforma
do Estado brasileiro
Ao abordarem-se, ainda que esquematicamente, as estratégias de reforma
do Estado expressas pela introdução do quase-mercado na gestão pública e pelas
9
Contrato de gestão é "o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como
organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes [...]" (Lei nº 9.637 de 15/5/98 , art. 5º).
"O contrato de gestão elaborado em comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização
social discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização
social" (Lei nº 9.637 de 15/5/98, art. 6º).
46
Programa Dinheiro Direto na Escola
sugestões que compõem a pauta de mudanças propostas pela terceira via, especialmente aquela relativa ao incremento do terceiro setor como co-responsável
pelo atendimento das demandas sociais, buscou-se sublinhar a constante referência de seus proponentes a um mesmo diagnóstico para a crise do capitalismo: o
modelo de intervenção estatal originário do pacto keynesiano. Ressaltamos, portanto, que a terceira via não rompe com o diagnóstico neoliberal de que o "culpado" pela crise é o Estado.
A identificação da crise fiscal do setor público como o principal agente da
estagnação econômica redundou na defesa da diminuição dos gastos e dos investimentos públicos na oferta de políticas sociais. No olho do furacão, encontra-se
um padrão de investimento governamental em políticas de bem-estar social cuja
expansão deveria ser freada.
No Brasil, a forma mais orgânica que as intenções de reforma no padrão
de investimento e funcionamento estatal adquiriram encontra-se no Plano diretor
da reforma do aparelho de Estado (Brasil, 1995), desenvolvido durante a primeira
gestão de Fernando Henrique Cardoso, sob a coordenação do então ministro Luiz
Carlos Bresser Pereira.
Na proposta de reforma do Estado, o cidadão é adjetivado: é o cidadãocliente, o que, portanto, de acordo com as leis de mercado, não inclui todos os
cidadãos, pois os clientes dos serviços do Estado seriam apenas os contemplados
pelo núcleo estratégico e por atividades exclusivas. As políticas sociais assumiriam uma nova conotação, pois seriam consideradas, pelo plano diretor da reforma,
serviços não-exclusivos do Estado e, assim sendo, de propriedade pública nãoestatal ou privada.
Nesse plano, encontram-se explicitadas as estratégias que deveriam ser
adotadas pelo governo federal para que a reforma no Estado fosse viabilizada: a
privatização, a terceirização e/ou a publicização de serviços ou atividades prestados
pelo Estado. Por privatização, o documento entende transferência, para a iniciativa
privada, da propriedade de dado setor com vistas a transformá-lo em uma instituição de e para o mercado. A terceirização corresponderia ao processo de transferência, para o setor privado, de serviços caracterizados como auxiliares ou de apoio às
atividades desenvolvidas pelo Estado. A publicização, por sua vez, consistiria "na
transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que
hoje o Estado presta" (Pereira, 1997, p. 7). Essa é a definição que mais diretamente
nos interessa, uma vez que o processo de publicização significa a transformação de
"uma organização estatal em uma organização de direito privado, pública, nãoestatal" (Pereira, 1997, p. 8), consubstanciando uma forma "intermediária" de propriedade entre as tradicionais propriedades privada e estatal.
De acordo com Bresser Pereira, tais atividades, por contarem com razoável
assistência financeira por parte do Estado e referirem-se a serviços e instituições
em que a privatização pura e simples não se aplicaria – casos como os da educação escolar, das universidades, dos hospitais, da pesquisa científica, etc. –, poderiam adquirir um caráter competitivo por meio da implantação da administração
gerencial, do aumento do controle social sobre seus resultados e da constituição
de quase-mercados. Por isso, a reforma do Estado nessa área implicaria sua
publicização, ou seja, a transferência de sua gestão e controle para um setor
denominado público não-estatal (Pereira, 1998).
Programa Dinheiro Direto na Escola
47
Para essa concepção, que guarda semelhança com as proposições teóricas
tanto da public choice10 quanto da terceira via, parece ser necessário fundar um
aparentemente novo modo de o Estado organizar-se e funcionar, sintetizado na
denominação de "Estado social-liberal". Pereira (1996, p.14) chama de Estado
social-liberal um arranjo político-administrativo em que o Estado continua responsável pelos direitos básicos de saúde e educação da população, mas "de forma
crescente os executa por intermédio de organizações públicas não-estatais competitivas". Portanto, esse Estado "é uma espécie de síntese ou de compromisso
entre os direitos individuais, assegurados pelo Estado, mas viabilizados pelo
mercado".
O Estado social-liberal, que é social porque mantém suas responsabilidades
pela área social, mas é liberal porque acredita no mercado e contrata a realização dos serviços sociais de educação, saúde, cultura e pesquisa científica de
organizações públicas não-estatais, é que financia a fundo perdido com orçamento público (Pereira, 1996, p. 14).
Tais organizações seriam mais eficientes, por serem mais flexíveis e competitivas, e atenderiam melhor aos direitos sociais. Porém, é importante atentar
para o fato de que o Estado continuaria a financiar os serviços prestados por elas,
apesar de seu controle político e ideológico passar para as próprias organizações
públicas não-estatais.
Ao determo-nos sobre as prováveis conseqüências surgidas da
operacionalização das organizações públicas não-estatais, vemos emergirem ao
menos duas contradições: a primeira refere-se ao papel efetivamente desempenhado pelo Estado, pois, conforme anunciado no plano de reforma, o Estado teria
fortalecidas as suas funções de regulação e coordenação, particularmente em
nível federal, mas essa condição vê-se minimizada à medida que o Estado transfere o controle político-ideológico das ações para as próprias organizações públicas não-estatais, reservando-se apenas potencialmente a função de financiá-las.
A segunda contradição decorre do formato de financiamento proposto. Na
realidade, o financiamento das OS ainda é um ponto obscuro, uma vez que a Lei
nº 9.637, de 1998, que dispõe sobre as organizações sociais, e o art. 12 do
Programa Nacional de Publicização indicam que poderão ser destinados às organizações sociais recursos orçamentários e bens públicos necessários ao contrato
de gestão. Portanto, se as OS terão a obrigatoriedade de investir seus excedentes
financeiros no desenvolvimento de suas próprias atividades, conforme Peroni (2003),
e se os recursos orçamentários e bens públicos poderão ser destinados a essas
organizações – o que não significa que necessariamente o serão –, está criada
uma imprecisão que certamente acarretará prejuízo para a oferta dos serviços
10
Para a public choice, o paradigma da ação humana, em todas as dimensões, passa pela relação de
troca, pelo jogo de interesses. Isso é tanto um pressuposto quanto uma prescrição, pois os defensores da
teoria têm as instituições de mercado e as relações de troca como modelo. Após a Segunda Guerra
Mundial, houve uma expansão da política como processo decisório, momento em que foram apontadas
falhas do mercado e o Estado apresentou-se como o meio para se sanarem essas falhas. Em contraposição,
a public choice desenvolveu uma teoria das falhas do Estado, que seus teóricos denominaram de rent
seeking society.
48
Programa Dinheiro Direto na Escola
destinados às OS. Isso torna a contradição apontada ainda mais complexa, pois,
além de não ficar claro quem financiará, também não é esclarecido a quem caberá
a coordenação e regulação (Peroni, 2003).
Assinala-se que a ausência de financiamento público, aliada à transferência da função executora dos serviços, em uma atmosfera competitiva, tenderá a
conduzir, mesmo que implicitamente, a coordenação e a regulação dessas organizações para o mercado. Assim sendo, quem as regularia efetivamente não seria o
Estado, mas o mercado ou, como vimos anteriormente, um quase-mercado.
Se tomarmos o conteúdo proposto para as OS presente no plano e o
compararmos ao indicado para a consolidação das organizações da sociedade
civil públicas (Oscips), tem-se que a novidade consiste na configuração do setor
público não-estatal por meio da transformação de instâncias constitutivas da estrutura estatal em entidades juridicamente privadas.
2.4
O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e a reforma do Estado11
O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) guarda profundas relações
com o processo de reforma do Estado iniciado nos anos 90, uma vez que a
definição das políticas públicas para a educação no Brasil, desde então, ocorre em
meio ao processo de contenção de recursos financeiros na área social, sendo o
PDDE parte de um conjunto de reformas no campo da educação para os países
latino-americanos, articuladas com os interesses econômicos externos.
Implantado em 1995, ainda sob a designação de Programa de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE) e sob a responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o PDDE constitui-se em um
dos mais importantes programas de financiamento do ensino fundamental com
características de descentralização. Sua abrangência compreende escolas públicas
do ensino fundamental, das redes estadual e municipal e as escolas de educação
especial mantidas por organizações não-governamentais sem fins lucrativos.
A descentralização – um dos mais importantes eixos das reivindicações
populares dos anos 70 e 80 contra a hierarquização do poder no regime militar,
que ocorre no bojo das reformas dos anos 90 – transcende o universo da política
hegemônica, ganhando outra significação. A nova retórica da descentralização,
que pretende estimular a participação da sociedade na esfera pública, tem como
finalidade a aproximação entre financiamento e administração, tanto nas relações
do poder público com o mercado, quanto na transferência de responsabilidades
para os municípios e para a escola no caso da educação. Assim, pode-se justificar
a restrição do financiamento público para a educação, alegando-se que os problemas educacionais não decorrem da falta de recursos, mas da falta de uma melhor
administração desses recursos. Para Krawczyk (2002), a descentralização, nas suas
11
Fragmento do artigo de GONÇALVES, F. W.; LUZ, L. X.; CRUZ, R. E. O Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE) como política educacional do estado contemporâneo. Série Estudos – Periódico do Mestrado em
Educação, Campo Grande (MS), n. 18, p. 127-142, 2004. ISSN 1414-5138.
Programa Dinheiro Direto na Escola
49
diferentes dimensões (para o mercado, a municipalização e a escola), consolida
um dos principais eixos da reforma educacional em curso da América Latina,
caracterizando uma nova organização e gestão do sistema educativo e da escola.
O PDDE é pertinente, ainda, aos propósitos da reforma do Estado em
curso por focalizar determinadas ações no âmbito da escola e por ser um Programa de caráter suplementar, uma vez que o governo federal não pretende assumir
o custeio total das atividades de manutenção e desenvolvimento das escolas
beneficiadas pelo Programa. Atitude similar pode ser observada no argumento
utilizado para justificar o baixo per capita dos recursos destinados pelo FNDE para
a manutenção do Programa Nacional de Alimentação Escolar. O Programa estimula a autonomia gerencial da própria dotação de recursos federais para a manutenção das escolas, tal como expressam seus objetivos, quais sejam:
... concorrer para a elevação da qualidade do ensino fundamental, reforçando a
autonomia gerencial e a participação social das unidades escolares, bem como
contribuir para a melhoria da infra-estrutura física e pedagógica das escolas por
meio do repasse de recursos financeiros, em caráter suplementar (Brasil, 1995,
p. 3).
Esses objetivos exigem a transformação dos Conselhos Escolares, Associações de Pais e Mestres e Caixa Escolar em entidades de direito privado denominadas Unidades Executoras (UEx), exigência legal para recepção e gestão dos recursos do PDDE pela escola. Do mesmo modo, o PDDE tem motivado Secretarias de
Educação a instituírem programas próprios, com características e critérios similares e com a utilização da mesma estrutura administrativa: as UEx, como é o caso
dos programas da rede estadual do Piauí e da rede municipal de Teresina (Gonçalves, Luz, Cruz, 2003).
Segundo documento do FNDE, que orienta acerca do Programa Dinheiro
Direto na Escola:
As unidades executoras, comumente chamadas de Caixa Escolar, Associação de
Pais e Mestres ou Conselho Escolar constituem-se em associações civis, sem fins
lucrativos, que assumem a função tradicionalmente exercida pelos estados e
municípios. Elas passam a responsabilizar-se pelo recebimento e execução dos
recursos financeiros transferidos pelo FNDE, caracterizando, desse modo, a
desconcentração decisória e funcional (Brasil, 2001, p. 2) (grifos nossos).
Além do aparato jurídico e institucional, o governo federal, como ator
principal de um novo modelo de gestão, complementa sua ação no processo de
implementação do PDDE por meio de aparato técnico, elaborando documentos
que orientam as escolas-alvo a iniciar seu processo de organização e inserção no
Programa. São documentos que explicitam as responsabilidades das esferas de
governo, o quadro de exigências e orientações relacionadas à utilização e distribuição dos recursos e a constituição e funções das UEx (Resolução FNDE nº 10/
2004). Mais especificamente, a organização do Programa ocorre via FNDE, o qual
disponibiliza os recursos diretamente para as escolas por meio de suas UEx, que
devem possuir CNPJ, conta bancária e se constituir como órgãos deliberativos com
poder de compra, após a tomada de preços em estabelecimentos comerciários ou
prestadores de serviços, conforme a situação.
50
Programa Dinheiro Direto na Escola
No que concerne ao processo de avaliação, este se restringe, normalmente, à prestação de contas, que, em um primeiro momento, deve ser feita no
departamento financeiro da Secretaria de Educação, de acordo com a dependência administrativa da escola (estadual ou municipal). Essas instâncias a posteriori
prestam contas ao FNDE, até o dia 28 de fevereiro do ano seguinte ao ano de
recebimento dos recursos, sendo que o repasse subseqüente está condicionado à
prestação de contas referente ao ano anterior. Essa conotação da avaliação corrobora a natureza contábil do programa e a concepção quantitativista que tem
predominado nas avaliações do sistema educacional, sem preocupação com os
aspectos qualitativos de natureza pedagógica que fomentam a dinamicidade do
processo educativo.
Em relação aos recursos destinados às escolas pelo PDDE, destaca-se que,
de 1995 a 2004, não houve qualquer acréscimo na tabela de repasse dos recursos
para as escolas. Além disso, o Programa determina critérios para sua aplicação,
impedindo a autonomia da escola em definir suas prioridades.
Mesmo com essas limitações, observa-se um crescente processo de adesão das escolas ao Programa, pois, de 1995 para 2002, ocorreu um aumento de
36% nos recursos destinados ao PDDE. Além disso, verifica-se um processo intenso de criação de UEx, tendo havido um efetivo aumento, superior a 650%, no
número de escolas que contam com esse tipo de organização no período analisado. A diferença no porcentual de aumento de recursos e de UEx justifica-se pelo
fato de as escolas, mesmo não tendo UEx, receberem os recursos pelas suas
Secretarias de Educação.
Quanto às fontes de recursos para o PDDE, em 2004, verificamos que o
Salário-Educação é a principal, sendo distribuído em forma de contribuição do
Salário-Educação (23%); produto da aplicação dos recursos à conta do SalárioEducação (15%); contribuição do Salário-Educação referente à contrapartida de
empréstimos internacionais (37%) e produto da aplicação dos recursos à conta do
Salário-Educação das contrapartidas (24%).
Além dessas fontes ordinárias do PDDE destinadas às escolas de ensino
fundamental, no ano de 2004, o Programa passou a ser encaminhado, também,
para escolas de ensino médio localizadas em municípios em situação de emergência que tenham sido prejudicados pelas fortes chuvas causadoras de enchentes
em vários Estados do País. Para custear essa modalidade, o FNDE destinou recursos ordinários do Tesouro Nacional e recursos da Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino, ou seja, parte dos 18% obrigatórios da União para a educação, conforme determina o artigo 212 da Constituição Federal, o que significa que o ensino
médio está à mercê dos parcos recursos destinados ao ensino fundamental e
pouco evidenciado nas reformas do governo federal.
Dois aspectos fazem-se relevantes e merecem destaque quanto às fontes
de recursos do PDDE: 1) o alto porcentual de recursos advindos das aplicações do
Salário-Educação e 2) a utilização de parte dos recursos do Salário-Educação
como contrapartida de empréstimos internacionais.
O primeiro, sobre o porcentual considerável de recursos advindos dos
resultados de aplicações (39%), motiva a seguinte ilação: possivelmente, essa
realidade justifique-se pelo fato de os recursos do PDDE serem encaminhados
Programa Dinheiro Direto na Escola
51
para as escolas, normalmente, no segundo semestre de cada ano, portanto, permanecendo aplicados até o período de liberação.
O segundo, extremamente relevante para a compreensão da forma de
organização do PDDE e dos elementos que evidenciam a linha política adotada no
processo de sua implantação e implementação, refere-se aos recursos provenientes do Salário-Educação, que assumem o papel de contrapartida de empréstimos
internacionais (37%), conforme evidenciado acima.
2.5
Participação, autonomia e descentralização: a gestão
democrática da escola e as orientações políticas nos anos 9012
As lutas pela democratização da educação inserem-se no conjunto das
lutas sociais pela redemocratização do País no final dos anos 70 e 80. As produções acadêmicas na área revelam não apenas as características dos movimentos
sociais e das políticas públicas, como também o esforço em sistematizar o
entendimento sobre democracia no âmbito dos sistemas educativos e da unidade escolar.
A produção acadêmica, cuja temática é a democratização da gestão escolar
nos anos 80 e início dos anos 90, registra em levantamento bibliográfico mais de
cem pesquisas e artigos sobre o tema (Ghanem Junior, 1995). Em 1999, a Associação
Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae) publica O Estado da Arte
em política e gestão da educação no Brasil de 1991 a 199713. O relatório insere-se
em uma ampla pesquisa que implicou a análise de 922 documentos, entre teses de
doutorado, dissertações de mestrado e pesquisas docentes.
As pesquisas foram agrupadas em 11 categorias: Direito à educação e
legislação; Escola, instituições educativas e sociedade; Financiamento da educação; Gestão da escola; gestão da universidade; Gestão de sistemas educacionais;
Municipalização e gestão municipal; Planejamento e avaliação educacionais; Políticas da educação; Profissionais da educação; Público e privado na educação14.
A categoria Gestão da escola representou 14,4% do total, com 134 documentos. As pesquisas foram agrupadas em quatro conjuntos, segundo a incidência de abordagem: democratização e autonomia, organização do trabalho escolar,
função e papel do gestor e gestão pedagógica (Anpae, 1999, p. 25).
Registra-se que, dentre os 134 trabalhos que abordaram a gestão da escola, 45,5% tiveram como foco central a democratização e a autonomia, conjunto
em que se agrupam investigações que dizem respeito
12
Item elaborado a partir do texto de Adrião, Garcia e Costa (2004) intitulado O Programa Dinheiro Direto
na Escola e a gestão escolar, produzido para a Reunião Nacional da Pesquisa, ocorrida em Porto Alegre,
em julho de 2004.
13
O estudo realizado para a produção do relatório deu prosseguimento a um levantamento iniciado em
1997 que resultou em relatório de pesquisa intitulado "Situação e Perspectiva da Administração da
Educação no Brasil" (Anpae, 1998).
14
A categorização refere-se, segundo os organizadores, ao foco principal da análise desenvolvida (Anpae,
1998, p. 16).
52
Programa Dinheiro Direto na Escola
à democratização da educação, democratização da gestão da escola, participação, gestão participativa, eleição de diretores, papel do gestor, conselho de
gestão escolar, conselho deliberativo e conselho de classe, direção colegiada,
envolvimento da comunidade, provimento do cargo e identidade e autogoverno
da escola (Anpae, 1999, p. 208).
O tema democratização da gestão escolar concentrou 61 pesquisas, com
maior incidência em estudos de mecanismos institucionais de gestão democrática
da escola.
Essa breve apresentação de estudos sobre a produção na área da gestão
escolar indica-nos a relevância do tema em um momento em que o País buscava
a democratização de suas instituições políticas. A democratização da gestão da
escola implicava, naquele contexto, a combinação de três fatores: ampliação das
possibilidades de participação nos processos de tomada de decisão na gestão da
educação e na gestão escolar; busca de autonomia para as unidades escolares; e
descentralização de gestão e financiamento. Ao contrário dos estudos clássicos
no campo da administração, segundo os quais a função administrativa na escola
restringe-se ao cumprimento de determinações externas produzidas nas instâncias responsáveis pelo planejamento, o pressuposto da gestão democrática da escola é a explicitação dos conteúdos políticos da administração, para que a população usuária exerça democraticamente o controle sobre o Estado em relação à
qualidade dos serviços prestados.
Tal condição exige ruptura com estruturas burocratizadas e verticalizadas,
requerendo autonomia para as unidades escolares e descentralização nos processos de tomada de decisão e utilização de recursos. Portanto, a democratização da
gestão escolar implica necessariamente a desburocratização dos sistemas de ensino e a autonomia da escola. Como afirma Mendonça (2000), a gestão democrática
deve ser vista como:
...um conjunto de procedimentos que inclui todas as fases do processo de
administração, desde a concepção de diretrizes de política educacional, passando pelo planejamento e definição de programas, projetos e metas educacionais,
até suas respectivas implementações e procedimentos avaliativos (Mendonça,
2000, p. 96).
No plano das políticas públicas para a educação, a democratização da gestão escolar integrou os discursos governamentais no início da década de 80. Os
governadores eleitos pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)
apresentavam em seus programas os temas participação e descentralização em
resposta às expectativas depositadas pelos votos nas urnas (Adrião, 2001). A autora
mencionada sintetiza as propostas de mudança na gestão que estiveram no centro
do debate materializando-se em diversas políticas públicas durante essa década:
Em síntese, as mudanças na gestão escolar, com vistas a sua democratização,
pressupunham a articulação de três mecanismos básicos: medidas voltadas para
descentralização político-administrativa das estruturas governamentais, para o
aumento de participação dos usuários e funcionários nos processos decisórios
escolares e o aumento da autonomia pedagógica e de gasto para as unidades
escolares (Adrião, 2001, p. 49).
Programa Dinheiro Direto na Escola
53
A mesma autora observa, entretanto, que o tratamento dado a esses mecanismos na rede pública estadual de ensino de São Paulo combinou processos
de centralização administrativa e relativa autonomia pedagógica, além da baixa
permeabilidade dos órgãos superiores do sistema (Adrião, 2001).
Em 1988, com a aprovação da Constituição Federal, pela primeira vez na
história constitucional brasileira a educação é integrada aos direitos sociais. As
características desse direito são também explicitadas com maior clareza do que
nas constituições anteriores (Oliveira, 2001).
Os princípios constitucionais que regem a educação nacional, expressos
no artigo 206 da Constituição Federal (CF) de 1998, incluem, em seu inciso VI, a
gestão democrática da escola pública15. A importância dos princípios, pelo menos
do ponto de vista formal, consiste no fato de que "não podem ser desrespeitados
por qualquer medida governamental ou pela ação dos componentes da sociedade
civil, tornando-se uma espécie de referência para validar legalmente as normas
que dele derivam" (Adrião, Camargo, 2001, p. 70).
No contexto das lutas sociais dos anos 1980, os conteúdos atribuídos aos
termos "participação", "autonomia" e "descentralização" diferem significativamente daqueles apresentados pelas políticas reformistas dos anos 90. Apesar de
a Constituição Federal refletir (ainda que limitadamente) demandas dos setores
progressistas por ampliação da participação, na década seguinte, as reformas
políticas, dentre elas as implementadas na educação, irão refletir novos conteúdos, mais adequados ao projeto neoliberal, especialmente nos anos 90.
Os anos 90 caracterizam-se por uma alteração na correlação de forças
entre setores progressistas e conservadores, produzindo o que Oliveira (2001)
denomina de "inflexão neoliberal" no plano das políticas públicas, em geral, e
nas políticas educacionais, em particular. A educação escolar brasileira passa por
ampla reforma que habilmente incorpora pontos defendidos pelos setores progressistas da sociedade, como a descentralização e a autonomia, mas em um
processo de recontextualização que caracterizaria medidas de natureza pontual.
O mesmo autor avalia que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996, ao definir com maior clareza do que a CF/88 a distribuição de responsabilidades pela educação entre os entes federados, explicita o
sentido de descentralização agora assumido: trata-se da transferência de responsabilidade sobre a gestão de sistemas de ensino para municípios, Estados e
Distrito Federal, ao mesmo tempo em que a União controla o "produto", por meio
das avaliações nacionais. A autonomia da escola é, dessa maneira, "monitorada"
pela União, que estabelece os resultados desejáveis para os processos de ensino.
No tocante à administração de recursos financeiros, a autonomia da escola
dá-se, principalmente, por meio de transferências de recursos, como no caso do
próprio Programa Dinheiro Direto na Escola, programa federal que transfere recursos em caráter suplementar para o ensino fundamental, exigindo para tanto que
as escolas instituam entidades de direito privado, as unidades executoras (UExs).
A administração de recursos financeiros por meio das UExs pode ser entendida
15
Limitados, exclusivamente, à escola pública (BRASIL. Constituição Federal de 1988. DOU 5/10/1988).
54
Programa Dinheiro Direto na Escola
como uma particularidade importante no processo de instauração de um novo padrão de gestão nas escolas, pois se trata de responsabilizar uma entidade paralela
à estrutura estatal por decisões políticas significativas para o funcionamento da
escola, uma vez que lida com a definição do uso de recursos disponíveis para a
implementação de projetos, alterações nos espaços físicos, formação de pessoal e
outras ações. Cabe lembrar, ainda, que as UExs podem captar recursos.
O debate político sobre a ampliação da autonomia esteve, nos anos 80,
centrado na produção de mecanismos de participação na gestão da educação e na
gestão escolar, enfatizando a criação de órgãos colegiados em que todos os
segmentos envolvidos nos processos educativos estivessem representados e a
partir dos quais o controle democrático sobre o Estado pudesse ser exercido. No
âmbito da unidade escolar, os órgãos colegiados, como os Conselhos de Escola,
são, sob essa perspectiva, depositários das expectativas em torno da democratização da gestão, pois os processos eletivos para sua composição e a possibilidade de se instituírem como órgãos gestores efetivamente responsáveis pelas decisões mais relevantes para a escola potencialmente fazem de tais órgãos instrumentos de ampliação da participação e de exercício de autonomia.
A inovação dos órgãos colegiados de gestão foi timidamente apresentada
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que, em seu
art. 14, estabelece os seguintes princípios a serem observados na implantação da
gestão democrática nos sistemas de ensino:
- participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
- participação da comunidade escolar e local em conselhos escolares ou
equivalente.
Além de a LDB não estabelecer uma regulamentação para a organização da
gestão democrática, entregando aos sistemas a responsabilidade de formular suas
diretrizes, sequer deixa claro se os "conselhos escolares ou equivalentes" terão
caráter deliberativo ou não (Paro, 2001).
Não se trata, evidentemente, de uma preocupação relevante na legislação
a criação de normas e preceitos que efetivamente contribuam para a implementação
da participação da comunidade na gestão escolar. Essa ausência de preocupação
com a democratização da gestão escolar integra-se ao contexto político dos anos
90, em que as vias democráticas não são necessariamente tidas como importantes para o aumento da eficiência e eficácia da gestão estatal.
Para as unidades escolares, o esvaziamento do significado político da
participação na gestão escolar parece ficar configurado na combinação entre criação de unidades executoras de direito privado e pouco estímulo à produção de
mecanismos coletivos de gestão.
Cabe lembrar que, na reforma educacional promovida durante o regime
militar pela Lei nº 5.692/71, as escolas foram obrigadas a criar entidades que
congregassem "professores e pais de alunos com objetivo de colaborar para o
eficiente funcionamento dos estabelecimentos de ensino (art. 62). Por essa
medida, as Associações de Pais e Mestres, as APMs, tornaram-se obrigatórias
Programa Dinheiro Direto na Escola
55
(Bueno, 1987). Esvaziadas de possibilidades políticas democráticas e visando
à colaboração financeira com o funcionamento das escolas, as APMs trouxeram para dentro das unidades escolares os pais de alunos, porém sob tutela e
por meio de "regras burocráticas, ou seja, estabelecendo uma condição de
cidadania sob controle" (Sposito, 1990, p. 53).
As APMs funcionam atualmente como unidades executoras. Por isso, temse a transferência de decisões cabíveis ao Conselho de Escola para essas entidades auxiliares, que excluem em sua composição alunos e funcionários, o que
ocorre, por exemplo, na rede estadual de ensino paulista. A forte tradição autoritária da APM faz com que nos perguntemos se não estaríamos presenciando, no
esvaziamento do órgão político da escola, uma nova forma de participação sob
tutela, sob controle, enfim, um retrocesso político em relação às lutas pela democratização da gestão escolar empreendidas a partir dos anos 80.
2.6
Implicações do PDDE para a gestão escolar16
Com a emergência das OS, estabelece-se uma nova relação entre Estado e
sociedade no que tange à oferta dos serviços sociais, especialmente. Nessa relação, institui-se uma nova parceria "[...] baseada em resultados, que conjuga autonomia, flexibilidade e responsabilidade na gestão" (Sposito, 1990, p. 121). Nessa
parceria, o Estado assume o compromisso de financiar, total ou parcialmente, os
serviços, e as OS assumem a prestação desses, sendo as responsáveis pelos
resultados definidos no contrato de gestão assumido na parceria.
Esse processo de saída e ao mesmo tempo de fortalecimento do Estado
pode ser evidenciado na lógica de funcionamento do projeto das OS, já que a
Medida Provisória n° 1.591 prescreve as condições para que as entidades possam
se habilitar como organização social, limitando a autonomia em seu sentido de
obediência às regras da administração pública.
No caso específico dos serviços de educação ofertados pela escola, essa
também passa a ser a lógica que orienta a oferta dos serviços educacionais (delegação de funções, do MEC às UEx, com recursos públicos) por meio de uma
parceria estabelecida entre Estado e sociedade. Nessa direção,
A operacionalização do programa [PDDE] tem por base o princípio da parceria,
envolvendo as três esferas de governo (federal, municipal e estadual) e, sobretudo, a participação ativa da comunidade escolar, por meio de organizações representativas, chamadas Unidades Executoras (UEx) (Brasil, 2004e, p. 1, grifo nosso).
Na parceria, ao FNDE cabe, entre outras atribuições, "[...] prover os recursos para execução do PDDE"; e às UEx,
16
Item elaborado a partir do artigo de SANTOS, T. F.; GUTIERRES, D. V.; SILVA, L. A relação gestão e
autonomia financeira como política na escola (2004), apresentado em Reunião Nacional ocorrida em
Campinas/SP no período de 4 a 7 de julho de 2005.
56
Programa Dinheiro Direto na Escola
a) empregar os recursos em favor das escolas que representam, de conformidade com os critérios e as normas estabelecidas [e elaboradas pelo FNDE, como
vimos] para execução do PDDE; b) prestar contas à Secretaria de Educação do
Estado ou do Distrito Federal ou do município a que a escola pertença, da
utilização dos recursos recebidos (Brasil, 2003a, p. 2, grifo nosso).
Da transferência da responsabilidade pela execução dos serviços ofertados
pela escola, ocorrida com essa parceria, decorrem duas grandes atribuições às
UEx: aplicar os recursos, transferidos e captados, em ações que incidam, efetivamente, na melhoria da oferta dos serviços e prestar contas dessa aplicação. Às
UExs compete, portanto, não apenas exercer direitos sobre os recursos da escola
(recebê-los e administrá-los), como também cumprir com compromissos assumidos na parceria com o MEC. Nesse sentido, a autonomia proposta no PDDE não
está somente em garantir direitos às UExs sobre os recursos da escola, mas também fazer com que essa assuma novas obrigações.
A Unidade Executora é uma entidade jurídica de direito privado sendo um órgão
de representação de pais, professores, funcionários da escola e da comunidade
em geral. Como pessoa jurídica, ela possui autonomia para exercer direitos e
contrair obrigações com os recursos recebidos de órgãos governamentais, de
entidades públicas e privadas, doações e outros (Brasil, 1995 ou 1996a, p. 9,
grifo nosso).
No PDDE, um possível descumprimento do compromisso do Estado com a
UEx, estabelecido na parceria (transferir recursos financeiros), é evidenciado na
possibilidade de o MEC não dispor de recursos financeiros suficientes para a
execução do Programa, ainda que sua fonte principal (quota federal do SalárioEducação) continue existindo e seja destinada, "exclusivamente"17, para os programas federais voltados para o ensino fundamental.
Analisando essa questão na Resolução nº 10 de 2004, o que fica evidente
é que o Estado não garante incondicionalmente a transferência de recursos federais para as UEx, como podemos constatar no trecho abaixo:
Concluídos os procedimentos de adesão e de habilitação, ao PDDE, das secretarias de educação dos Estados e do Distrito Federal, das prefeituras municipais,
das UEXs e das EM e ultimados os preparativos de abertura de contas correntes,
o FNDE providenciará os correspondentes repasses, desde que haja disponibilidades orçamentária e financeira e as entidades adeptas e habilitadas estejam
com as prestações de contas de exercícios anteriores ao do repasse aprovadas
ou estejam enquadradas na situação prevista no art. 18 desta Resolução (Brasil,
2004a, p. 8, grifo nosso).
Isso significa que às UExs é imposto um compromisso de parceria com o
MEC (executar os serviços antes sob a incumbência desse) sem que as condições
financeiras sejam efetivamente asseguradas pela outra parte (Estado), o que põe
17
Como vimos no Capítulo 2, trata-se de uma fonte de recursos voltada para o atendimento de programas
educacionais que tem sido bastante "solidária" com outras áreas de investimento do governo federal
(Ramos, 2003).
Programa Dinheiro Direto na Escola
57
em jogo a oferta pública dos serviços da escola. Isso porque a unidade executora
da escola é regida, de acordo com o Programa de Publicização, pelo modelo de
organizações sociais, no qual "não existe nenhum instrumento jurídico ou
institucional que garanta a manutenção do aporte dos recursos necessários à sua
sobrevivência, mesmo quando atingidos todos os resultados determinados no
contrato de gestão" (Barreto, 1999, p. 129).
A execução das atividades a serem realizadas pela escola por meio do
Programa, como, por exemplo, a contratação de serviços que garantam a manutenção da escola, já foi descentralizada e assumida pelas UExs na medida em que
elas aderiram ao Programa18.
Se essa possibilidade de falta de recursos ocorrer ou se eles se tornarem
insuficientes a cada ano (dadas as demandas da escola pública), as unidades de
ensino ver-se-ão obrigadas a captar recursos privados, a partir de diferentes formas que lhe são asseguradas no PDDE, pois essas demandas da comunidade
persistem e exigem soluções, muitas imediatas. Essa possibilidade de captação
de recursos privados é legalmente assegurada às UExs, já que "[...] Os meios e
recursos para atender os objetivos da UEx serão obtidos mediante: a) contribuição voluntária dos sócios; b) convênios; c) subvenções diversas; d) doações; e)
promoções escolares; f) outras fontes" (Brasil, 1995 ou 1996a, p. 27, grifo nosso).
À medida que o Estado concede autonomia às escolas (transferindo não
apenas recursos, mas também funções e atribuições) e não garante recursos financeiros suficientes para que as unidades de ensino realizem os serviços de educação, essas são obrigadas a resolver, por si mesmas, os problemas decorrentes da
escassez. Ao que parece, o governo brasileiro optou por acatar a recomendação
da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) e do Banco Mundial (BM) diversificando as fontes de financiamento da educação pública e incentivando o co-financiamento, já que, além de receberem recursos públicos, as escolas podem, por meio do PDDE, captar recursos de outras fontes para sua sobrevivência ou para disputar lugar no ranking entre as escolas.
Para isso, no caso específico das escolas beneficiárias do PDDE, criam-se
UExs que dão às escolas condições legais de captar recursos de formas variadas.
Para isso, elas também dispõem de autonomia financeira, enquanto técnica de
gestão, bastando que sejam criativas na forma de buscar soluções para o problema da falta e/ou insuficiência dos recursos e assim atender rapidamente às demandas da comunidade beneficiada.
Nesse processo, a participação e a contribuição de todo e qualquer cidadão é
fundamental, já que, para o MEC, todos são co-responsáveis pela oferta da educação.
A participação e a contribuição dos cidadãos na escola de seus filhos justificamse, segundo da Paz (2002), por duas razões fundamentais: 1- a CF (art. 205), que
torna todo cidadão co-responsável pela promoção da educação; e 2- a estreita
18
Na verdade, não se trata de uma adesão das escolas, mas do ministério responsável pela oferta do
serviço de educação que aquelas realizam, nesse caso, o MEC. Assim sendo, as escolas públicas tomam
a conformação de uma organização social de direito privado responsável pela oferta dos serviços de
educação porque o MEC optou pelo Programa de Publicização proposto pelo governo brasileiro para o
setor de serviços sociais e científicos.
58
Programa Dinheiro Direto na Escola
relação entre a participação dos pais no Conselho Escolar e os resultados dos
alunos. [quanto maior o envolvimento dos pais, maior o desempenho dos alunos]. Assim é que Xavier e Amaral Sobrinho (1999) afirmam que "[...] uma comunidade bem informada pode encontrar caminhos mais eficientes para reivindicar
a melhoria da qualidade da escola" (Brasil, 2002c, p. 9-10, grifos nossos).
A sociedade é "convocada" a participar na manutenção da escola pública,
e esse processo de "participação" é compreendido pelo governo brasileiro como
um exercício de cidadania, uma vez que "mobiliza a comunidade e promove o seu
envolvimento nas atividades escolares" (Brasil, 2004e, p. 1, grifo nosso).
Ser cidadão, nesse desenho, não pressupõe os direitos de ter educação
pública assegurados, mantidos e regulamentados pelo Estado a partir dos interesses e reivindicações da população, mas o compromisso de contribuir para que
esse serviço seja ofertado, ou seja, responsabilizar-se por parte de sua manutenção. É o cidadão "mais participativo" e "menos espectador" de que nos fala
Pereira (1998a).
Ora, se, de um lado, o Estado descentraliza recursos públicos para as
escolas executarem ações voltadas para a manutenção e desenvolvimento do
ensino (MDE) e assim criarem espaços de decisão, ainda que limitados, acerca do
emprego dos recursos públicos, de outro, ele coloca à disposição das UExs um
conjunto de estratégias de substituição da manutenção pública da escola pela
manutenção privada no momento em que diversifica as fontes de recursos da
escola via PDDE.
É importante ressaltar que o PDDE não traz, como novidade, a prática de
captação de recursos privados pela escola pública. Essa prática tem-se dado muito comumente nas escolas por meio de festas (como a junina e a de misses
escolares) e feiras escolares (como a da pechincha), por exemplo, com o objetivo
de angariar fundos, ao lado de aquisição de papel para avaliações, de apostilas
vendidas por alguns professores para a realização de pequenas ações na escola.
Isso, por si só, não compromete a manutenção pública da escola. O que compromete essa manutenção é, a nosso ver, a tendência à substituição do aporte público pelo privado na medida em que as fontes para a manutenção das unidades de
ensino se tornam, concorrentemente, públicas e privadas e também porque tais
iniciativas acabam se transformando em cobranças indiretas permanentes dos
pais e alunos.
Ainda que o Programa tenha sido criado a partir de uma política de
descentralização de recursos financeiros federais (o que, em tese, significa que a
autonomia proposta pelo Programa impunha apenas uma autonomia de gestão
financeira, e não autonomia financeira), cabendo às UExs a administração dos
recursos públicos transferidos, o governo brasileiro, ao diversificar as fontes de
recursos da educação no PDDE, institui a lógica da participação financeira privada
na escola pública. Por isso, para além de uma autonomia de gestão financeira, a
autonomia proposta no PDDE é uma autonomia financeira. A partir da Resolução
n° 17 de 9/5/05, os colegiados das escolas não são mais denominados de unidades executoras, passando a chamarem-se entidades sem fins lucrativos.
Referindo-se ao papel do Conselho Escolar na implementação dessa autonomia, o MEC afirma que:
Programa Dinheiro Direto na Escola
59
O Conselho Escolar, instrumento de participação da comunidade, deve ser o
maior aliado do gestor na construção da autonomia financeira da escola. O
repasse de recursos financeiros para a escola, se for bem trabalhado, pode se
transformar em ponto de partida para a própria formação e o fortalecimento dos
conselhos (Brasil, 2001d, p. 283).
Santos (2004, p. 7), ao analisar a configuração dos Conselhos no PDDE
(enquanto uma organização social, no padrão de ONGs), afirma que eles "poderão servir de mantenedores da unidade escolar" na medida em que, ao fomentar
as ações em parceria na escola, o MEC institui a lógica da captação de recursos
privados na escola pública. Para a autora, isso pode estimular a competição na
escola "por meio de diferentes estratégias, como a criação de ranking, prêmios de
gestão, etc., obrigando as escolas a funcionarem como organizações sociais e
buscarem qualquer tipo de parceria [...] em nome da melhoria das suas condições
materiais".
Com essa medida, afirma Santos (2004, p. 7),
[...] o Estado poderá ter espaços objetivos para se desobrigar de sua responsabilidade com a educação. O Programa Dinheiro Direto na Escola é um exemplo
emblemático dessa ideologia de abertura e fomento às ações em parceria, na
busca pela captação de novos recursos capazes de viabilizar a autonomia das
unidades escolares para se autofinanciarem.
Nesse contexto, o papel do Estado de mantenedor dos serviços oferecidos
pela escola cede espaço para outros atores (em especial, os membros das UExs)
que, se desejosos de uma educação de qualidade, devem também "fazer a sua
parte" na educação, contribuindo e cooperando de toda forma, para o que a
conjugação de esforços coletivos é uma condição básica:
Art. 3º – Constituem finalidades específicas das UEx a conjugação de esforços, a
articulação de objetivos e a harmonia de procedimentos, o que a caracteriza por:
[...] b) promover a aproximação e a cooperação dos membros da comunidade
pelas atividades escolares; [...] d) cooperar na conservação dos equipamentos e
prédios da unidade escolar [...] (Brasil, 1995, 1996a, p. 20, grifo nosso).
Este repasse de responsabilidades pelo financiamento das ações da escola
fica mais explícito na medida em que o MEC, exatamente como propunha a Cepal,
recomenda que cada escola constitua um fundo financeiro para que as unidades
de ensino dêem conta de realizar ações não previstas com recursos repassados
pelo Programa.
Art. 44 – A UEx constituirá um fundo de reserva para situações emergenciais,
cujo percentual deverá ser decidido pela Diretoria, em assembléia (Brasil, 1995,
1996a, p. 28) (grifo nosso).
A colaboração financeira da comunidade na manutenção da escola pública
foi prevista na reforma do Estado por Bresser Pereira (2001), que já definia que a
sociedade assumiria parte dos compromissos financeiros dos serviços sociais executados pelas organizações sociais.
60
Programa Dinheiro Direto na Escola
A desresponsabilização do Estado com a oferta pública dos serviços executados pela escola via UEx não está apenas na questão do financiamento, mas
também na prestação dos serviços a serem realizados nas unidades de ensino.
Aqui, o que o MEC propõe é a substituição da prestação estatal dos serviços pelo
serviço voluntário, que pode ser realizado por todo e qualquer membro da UEx,
desde que interessado em "colaborar" com a escola. A colaboração voluntária na
realização de ações e/ou serviços na escola pode se dar a partir das especificidades
de cada unidade de ensino e será determinada tendo em vista a conjugação de
diversos fatores.
A Unidade Executora será constituída com número ilimitado de sócios pertencentes às categorias: efetivos – serão sócios efetivos os pais de alunos, o diretor
e o vice-diretor do estabelecimento de ensino, os professores e os alunos;
colaboradores – serão sócios colaboradores o pessoal técnico-administrativo,
os pais de ex-alunos, os ex-diretores do estabelecimento de ensino, os exprofessores, os ex-alunos e os demais membros da comunidade, desde que
interessados em prestar serviços ao estabelecimento de ensino e aceitos pela
Diretoria (Brasil, 1995, 1996a, p. 16-17, grifo nosso).
Ao introduzir a lógica do voluntariado na prestação dos serviços na escola,
o Estado não apenas se exime da responsabilidade de arcar com as despesas
financeiras desses serviços (transformando, por exemplo, os pais de alunos nos
responsáveis pela realização voluntária dos serviços de marcenaria, hidráulicos e
elétricos da escola), como também dispensa serviços especializados na realização
de ações a serem executadas nas unidades de ensino, já que qualquer um pode
fazê-lo, desde que tenha disposição, boa vontade e tempo para isso.
Programa Dinheiro Direto na Escola
61
3
Estudos de caso
3.1
Estado do Pará
O Sistema Estadual de Educação do Pará foi oficialmente criado em 1998
pela Lei nº 6.170, de 15 de dezembro daquele ano, embora a Secretaria Estadual
de Educação (Seduc) já existisse desde 195119. Do ponto de vista da gestão e
normatização, compreende as instituições de educação básica e superior mantidas
pelo poder público estadual, a Secretaria de Estado de Educação e do Desporto
(Seduc), como órgão executivo, e o Conselho Estadual de Educação (CEE)20, como
órgão normativo, consultivo e deliberativo. Mais de 90% dos municípios são subordinados às normatizações do Conselho Estadual por não possuírem sistema
constituído.
A política educacional tem no Plano Decenal de Educação para Todos do
Estado do Pará – 1993/200321 uma importante referência para a década subseqüente à sua definição. Ao avaliar a situação educacional no Estado, o Plano
19
De acordo com o site da Seduc, essa Secretaria foi criada em agosto de 1951, por meio da Lei nº 400.
O Conselho Estadual de Educação foi criado em 1963, pela Lei nº 2.840, de 18/7/63, e teve suas
competências redefinidas pela Lei nº 6.170/98, que criou o Sistema Estadual de Educação.
21
Esse Plano foi discutido durante os primeiros anos da década de 90, sob a coordenação de uma
comissão executiva composta pelas seguintes entidades: Demec, Seduc, UFPA, Unama, FEP, Semec,
Idesp, Fiepa, Fbesp, Funpapa. Consta, em sua apresentação, que foi amplamente debatido com vários
segmentos sociais, como pais de alunos, igrejas, trabalhadores, estudantes, Undime, congregando, dessa
forma, órgãos governamentais e não-governamentais.
20
Programa Dinheiro Direto na Escola
65
enumera diversos obstáculos a serem superados para que se consiga universalizar
a educação com qualidade, destacando como um dos principais a: "Dispersão e
ineficiência na alocação de recursos destinados a investimentos para desenvolver
o sistema e para operar e manter as unidades escolares" (Plano Decenal de
Educação para Todos – Pará, 1999, p. 27).
A política de gestão proposta pelo Plano Decenal de Educação do Pará
elege a gestão democrática como fim, mediante a implantação e aperfeiçoamento
de Conselhos Escolares, a autonomia e, ao mesmo tempo, a integração da escola
com a comunidade. Barros (1991), ao relatar o processo de luta pela implantação
dos Conselhos Escolares em Belém, destaca a atuação da organização dos professores nesse sentido e sinaliza os Congressos Estaduais de Professores, ocorridos
em 1983 e 1984, como marcos nesse processo – mas que só alcançaram uma
resposta em 1987, quando a Seduc, por meio da Portaria nº 201/87, institucionalizou
a criação de Conselhos Escolares na rede estadual22.
A partir do governo de Almir Gabriel (PSDB) a política de gestão democrática proposta pelo Plano Decenal é colocada um pouco à margem da discussão
quando é proposto o Plano Estadual de Educação para o período de 1995 a 1999.
O governo retoma os princípios de descentralização e municipalização da gestão
do ensino fundamental previstos na Constituição Estadual de 1989, lançando publicamente a Proposta de Municipalização do Ensino Fundamental em 1996. Com
a possibilidade de antecipação da vigência da Lei nº 9.424/96, a Assembléia
Legislativa do Pará aprova a Lei nº 6.044/97 em 16 de abril de 1997 que possibilitou ao Pará implantar, de forma pioneira no País, o Fundo de Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), a partir de julho de
1997, o que possibilitou a adesão de 67,1% dos municípios à proposta de
municipalização do ensino fundamental no Estado, redefinindo esse atendimento
a partir de 1997 como demonstram os seguintes números:
Tabela 1 – Pará – Matrículas no ensino fundamental por dependência
administrativa - 1996 a 2004
Dependência
administrativa
Estadual
Federal
Municipal
Particular
Total
Anos
1996
1997
1999
2000
2001
2003
2004
788.288 816.692 561.310 451.382 421.938 388.698 365.884
3.771
3.825
4.534
4.579
3.848
3.326
1.907
505.127 577.333 986.275 1.089.490 1.116.199 1.170.294 1.184.001
67.825
61.840
71.481
77.252
63.310
61.986
63.150
1.369.430 1.614.743 1.614.743 1.606.537 1.609.733 1.624.301 1.614.942
Fonte: MEC/Inep – Censo Escolar – 1996 a 2004, exceto os anos de 1998 e 2002.
O ensino fundamental regular no Estado do Pará, em 2004, compreendia um
total de 1.614.942 alunos, o que representa apenas 4,74% do total nacional, embora
22
O Conselho Escolar, no Estado do Pará, embora estivesse previsto no art. 278 da Constituição Estadual, só viria a ser regulamentado no ano de 1991, por meio da Lei Complementar nº 6/91, por iniciativa do
então deputado Edmilson Rodrigues.
66
Programa Dinheiro Direto na Escola
represente 48,2% de toda a Região Norte. Observa-se a expressiva municipalização
ocorrida no período. Em 1996 a participação porcentual das redes municipais no
conjunto das matrículas do ensino fundamental na rede pública era de 36,88%,
passando a 73,35%, em 2004, aumentando, portanto, em 134,4% o número de
matrículas no período. Em compensação, a matrícula na rede estadual, que em 1996
era de 57,56%, passa para 22,65% em 2004, diminuindo o seu atendimento em
53,6%. A quantidade global de alunos não sofre aumento significativo ficando em
apenas 17,92%. O que aconteceu foi uma redefinição das competências de atendimento ou "uma municipalização na marra" conforme Neves (1999, p. 138).
Muito mais do que democratização da gestão ancorada na participação, o
que vamos ver no limiar da década de 90 no Pará é a descentralização da gestão
associada ao discurso da eficiência administrativa em função da economia de
recursos proporcionada pela descentralização dos mesmos, via Fundef ou via
PDDE (Gemaque, 2003; Gutierres, 2005).
A implantação e a gestão do PDDE na rede estadual
de ensino do Pará
Na rede estadual de ensino do Pará, como nos demais estados do País, o
PDDE foi implantado por meio da legislação federal, que criou a sistemática de
repasse de recursos financeiros federais para as escolas públicas de nível fundamental (Resolução FNDE/CD nº 12, de 10 de maio de 1995). A implementação do
Programa ocorreu no mesmo ano de sua implantação em nível nacional (1995) e
de acordo com as orientações centrais do MEC/FNDE. Nos dois primeiros anos de
exercício do Programa (1995 e 1996), o repasse dos recursos ocorreu do FNDE
para a entidade mantenedora (EEx) das escolas da rede de ensino (a Seduc), que
distribuía os recursos entre suas escolas de acordo com o número de matrículas
registradas no Censo Escolar. A partir de 1997, as escolas foram orientadas a
constituírem as unidades executoras. Vejamos os números desses repasses:
Tabela 2 – Pará – Repasses do PDDE para a rede estadual segundo número
de escolas, alunos e rubricas custeio e capital de 1996 a 2004
Ano
Número
de escolas
Número
de alunos
Valores
para custeio
Valores
para capital
Total
1996*
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Total
3.186
2.546
2.669
1.656
1.583
1.165
1.037
972
949
15.763
951.995
781.851
788.439
548.839
542.692
443.535
406.930
385.480
364.912
5.124.673
8.022.600,00
7.986.700,00
7.710.170,00
4.973.600,00
4.949.400,00
3.998.000,00
3.637.300,00
3.461.100,00
3.215.901,46
47.954.771,46
1.154.000,00
1.243.420,00
837.100,00
851.100,00
707.600,00
649.100,00
621.000,00
732.754,94
6.796.074,94
8.022.600,00
9.140.700,00
8.953.590,00
5.810.700,00
5.800.500,00
4.705.600,00
4.286.400,00
4.082.100,00
3.948.656,40
54.750.846,40
Fonte: Seduc/Departamento Financeiro.
* Em 1996, a utilização dos recursos foi definida somente para gastos com custeio da escola, excluindo-se os gastos
com capital.
Programa Dinheiro Direto na Escola
67
Verifica-se que houve um significativo índice de diminuição de recursos do
PDDE de 1996 em relação a 2004 na base de 50,7%. O número de escolas beneficiadas pelo Programa no período também sofreu uma redução de 70,2%, bem
como o número de alunos, que foi reduzido em 61,6% nos 9 anos de existência do
PDDE. Certamente esse resultado se deve aos efeitos da política de municipalização
ocorrida no Estado a partir de 1997.
Inicialmente, a Seduc realizou treinamentos que envolveram apenas os
diretores das escolas da rede para orientá-los na execução e prestação de contas
dos recursos. A partir de 1997 – ano em que o MEC/FNDE descentralizou os recursos diretamente para as escolas com mais de 200 alunos matriculados –, os
treinamentos passam a ser diretos para os Conselhos Escolares23 (CE), pois, a
partir das novas determinações do MEC (exigência de constituição de unidades
executoras próprias (UEx) para o recebimento direto dos recursos, sem a necessidade de convênios), essas entidades (os CE) é que passam a ser os responsáveis
primeiros pelo recebimento e administração dos recursos do Programa. Entre as
dificuldades enfrentadas nesse início, estava a falta de entendimento da linguagem técnica dos materiais vindos do MEC por parte de algumas escolas da rede,
o que levou algumas unidades de ensino da rede a sofrerem sanções do MEC/
FNDE quanto à utilização (inadequada, não permitida pelas normas do Programa)
dos recursos. De acordo com as normas do Programa, essas escolas foram obrigadas a devolver os recursos aplicados de forma inadequada. Hoje, essas dificuldades foram superadas, pois além dos treinamentos, a Seduc produziu e distribuiu
cartilhas que orientam os CE sobre como gastar os recursos e fazer a prestação de
contas. As despesas correspondentes à transformação dos CE em UEx, em entidades jurídicas de direito privado (registro das UEx em cartório, pagamento de taxas
à Receita Federal) foram custeadas pela Seduc, já que são despesas que não
podem ser pagas com recursos do Programa.
Na rede estadual de ensino do Pará, a gestão do PDDE tem-se dado de duas
formas, ambas previstas nas normas de funcionamento do Programa: 1) por meio do
repasse dos recursos do FNDE para a Seduc, que, na condição de entidade mantenedora
e executora (EEx), recebe e administra os recursos do Programa; e 2) do FNDE para as
unidades executoras (UEx) das escolas da rede, no caso os Conselhos Escolares.
No segundo caso, a Seduc acredita ter assumido, até então, papel importante no processo de acompanhamento da aplicação dos recursos pelas escolas,
orientando-as a investi-los apenas nas áreas permitidas pelo FNDE. Assim, afirma
que "[...] a atuação da Seduc é só para orientar que eles não gastem de forma
diferente da que o Conselho Deliberativo [do FNDE] determina. Tem algumas
determinações: quanto vai ser gasto em capital, quanto vai ser gasto em custeio
e o nosso controle é em cima disso, entendeu?" (Seduc/PA, p. 2). A orientação do
MEC/FNDE, seguida à risca pela Seduc, não compromete a autonomia da escola,
pois, segundo o ponto de vista dos componentes dos Conselhos Escolares das
escolas pesquisadas o PDDE tem apresentado avanços na democratização das
23
Na rede de ensino do Estado do Pará, as entidades representativas das escolas são os Conselhos
Escolares, que, com o PDDE, se tornam os responsáveis diretos pela gestão dos recursos do programa no
âmbito da escola.
68
Programa Dinheiro Direto na Escola
decisões, haja vista que, antes da implantação do Programa, quem decidia onde
aplicar os recursos era a Seduc. Atualmente essa é uma decisão que cabe ao
coletivo da escola, por meio do Conselho Escolar.
Por outro lado, a gestão do PDDE por meio das UExs na rede estadual, tem
apresentado alguns problemas em função do não-funcionamento dos Conselhos
Escolares. Esse não-funcionamento, segundo as informações coletadas, decorre
da falta de interesse da comunidade escolar em participar das reuniões. Esse é,
para o representante da Seduc, o único fator que compromete a gestão do Programa, pois, para ele, o PDDE é, por si só, uma política de descentralização bastante
positiva para as escolas, já que, por meio do Programa, o governo federal tem
viabilizado não só a participação da comunidade escolar no emprego dos recursos
das escolas, como também um aumento nos investimentos na escola, que antes
do Programa, contava apenas com recursos estaduais (Fundo Rotativo).
Tabela 3 – Belém – Repasses do PDDE para a rede estadual segundo número
de escolas, alunos e rubricas custeio e capital de 1999 a 2004
Ano
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Total
Número
de escolas
868
737
238
223
214
209
2.489
Número
de alunos
Valores
para custeio
Valores
para capital
192.051
188.925
161.261
149.433
140.750
133.991
966.411
1.822.600,00
1.741.400,00
1.301.800,00
1.194.500,00
1.155.700,00
1.066.801,42
8.282.801,42
246.600,00
258.000,00
252.000,00
231.900,00
224.900,00
264.422,38
1.477.822,38
Total
2.069.200,00
1.999.400,00
1.553.800,00
1.426.400,00
1.380.600,00
1.331.223,80
9.760.623,80
Fonte: Seduc/Departamento Financeiro.
O repasse dos valores do PDDE para Belém nos anos de 1996 e 1997 deuse por meio de convênios. Como as escolas ainda não contavam com unidades
executoras, a própria Seduc coordenou a execução do PDDE a partir do plano de
aplicação das escolas. As UExs vão sendo criadas gradativamente e em 2004, 97%
das escolas estaduais de ensino fundamental de Belém já haviam constituído suas
UExs, como se pode constatar abaixo:
Tabela 4 – Belém – Evolução do número de unidades executoras na rede
estadual – 1999 a 2004
Ano
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Total
Número
Número
de escolas de alunos
868
737
238
223
214
209
2.489
192.051
188.925
161.261
149.433
140.750
133.991
966.411
Número de escolas
com unidade executora
204
229
226
214
208
202
1.283
Número de escolas
sem unidade executora*
664
508
12
9
6
7
1.206
Fonte: Seduc/Departamento Financeiro.
* Os números de escolas sem unidade executora correspondem àquelas cuja administração dos recursos ficava sob a
coordenação direta da Seduc.
Programa Dinheiro Direto na Escola
69
A Escola estadual de ensino fundamental e médio "A"
A escola "A" fica situada em um bairro periférico de Belém, o Guamá24 e
dispõe de boas instalações em termos de prédio. Atende ao ensino fundamental,
ao ensino médio e à educação de jovens e adultos. Foi fundada em 1985, funcionando em três turnos, com 2.151 alunos matriculados (2004) e distribuídos nos
cursos de ensino fundamental (416), médio (l.465) e supletivo médio (270).
O corpo docente é composto por 65 professores sendo que 95,23% possuem nível superior e 15,38% pós-graduação. O corpo técnico-administrativo da
escola é composto por uma diretora, três vice-diretoras, duas orientadoras educacionais (todas habilitadas em área específica de gestão e orientação, a maioria
com pós-graduação) e uma secretária habilitada.
Cabe evidenciar que a escola "A" tem como órgão consultivo e deliberativo
o Conselho Escolar, fundado no início dos anos 90, com registro de pessoa jurídica a partir de 11/6/97, que funciona regularmente, segundo a direção da escola,
mas que há uns meses só faz reuniões em casos de necessidade.
Em relação ao espaço físico da escola, este se encontra bem conservado,
tendo passado recentemente por uma reforma para adequação de salas de recursos audiovisuais.
A implantação e a gestão do PDDE na escola "A"
A escola estadual "A" foi uma das primeiras escolas da rede a implantarem o PDDE em 1996, ainda com a denominação de Programa de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino (PMDE). Os recursos foram repassados via Seduc, no
valor de R$ 10 mil, sendo a diretora a responsável pelo seu destino e aplicação na
unidade escolar, com direcionamento de aplicar somente na aquisição de material
de consumo. Em seguida, a Seduc forneceu à escola um Manual com normas para
a gestão e organização do Conselho Escolar, detalhando todos os passos para a
sua constituição a fim de possibilitar à escola receber diretamente os recursos do
PDDE. Foram realizados também treinamentos por técnicos da Seduc, mas que,
segundo o presidente do CE, não foram suficientes para esclarecer bem o papel
desse órgão.
Um dado a ressaltar é que o Regimento do Conselho Escolar é único para
toda a rede estadual do Pará, o que resultou em um embate judicial do Sindicato
dos Trabalhadores em Educação do Pará (Sintep) contra a imposição, por parte da
Seduc, de um padrão unificado de Colegiado Escolar. A partir da habilitação da
UEx, a escola passou a receber recursos do PDDE, Fundo Rotativo, além de outros
que eventualmente entram na escola, como doações ou resultados de pequenas
promoções festivas que a escola realiza, como festa junina, festival do sorvete,
24
O bairro do Guamá é caracterizado como um dos mais populosos, pobres e violentos do município de
Belém, sobretudo pelo surgimento de uma grande quantidade de áreas de ocupação que acabaram
dificultando ainda mais a infra-estrutura do bairro, tanto no que se refere ao saneamento básico, quanto
aos serviços de saúde, educação e lazer, entre outros.
70
Programa Dinheiro Direto na Escola
etc., que já existiam antes. A aplicação dos recursos passou a ser discutida pelo
coletivo escolar. O registro do CE só se efetivou em 11/6/97, a partir do que foi
aberta uma conta no Banco do Estado do Pará, sendo ordenadores da despesa a
diretora (presidente do CE) e o tesoureiro do Conselho (vice-diretora). Somente a
partir de 1998 ela passa a receber os recursos diretamente, como demonstra a
tabela abaixo:
Tabela 5 – Programa Dinheiro Direto na escola "A" recebido
desde 1998 até 2004
Ano
Número
de alunos
Vl. custeio
(C)
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Total geral
1.001
1.030
1.039
1.064
972
731
416
8.600,00
8.600,00
8.600,00
8.600,00
7.500,00
5.300,00
3.291,60
50.491,60
Vl. capital
(K)
1.700,00
1.700,00
1.700,00
1.700,00
1.400,00
1.000,00
822,90
10.022,90
Total
10.300,00
10.300,00
10.300,00
10.300,00
8.900,00
6.300,00
4.114,50
60.514,50
Fonte: Seduc/2005.
Conforme podemos visualizar na tabela acima, a escola recebeu diretamente R$ 10.300,00 em 1998 passando a receber apenas R$ 4.114,50 em 2004,
uma redução de 60%, o que veio a ter impacto nas dificuldades de uma boa
manutenção já que a Seduc não compensou essas perdas decorrentes da diminuição dos alunos no período, que foi da ordem de 58,44% em relação a 199825,
situação que reflete a política de municipalização adotada pelo governo estadual
desde 1996, antes referida. Há que se ressaltar que essa diminuição de recursos
tem forçado a escola a desenvolver outros mecanismos de compensação das
perdas, tais como a cobrança de taxas para a confecção de carteirinhas.
A tabela a seguir pode nos dar uma idéia sobre a situação financeira da
escola, demonstrando o total de recursos recebidos e geridos em 2004:
Tabela 6 - Recursos recebidos pela escola "A" em 2004
Número
de alunos
PDDE
Fundo
rotativo
Arrecadação
promoções
Recebido aluno (R$1,00
cada) Carteirinhas
Total
2.151
4.114,50
4.691,50
500,00
2.151,00
11.457,00
Fonte: Arquivos da escola “A” – 2004.
25
Embora Belém ainda não tenha oficialmente municipalizado o ensino, está se dando, na verdade, uma
municipalização compulsória porque, de 2002 para 2004, foi diminuindo o número de vagas para o
ensino fundamental nessa escola. Em 2005, só há uma turma de 46 alunos dessa etapa do ensino básico.
Programa Dinheiro Direto na Escola
71
A Tabela 6 demonstra toda a arrecadação da escola "A" durante um ano,
em um total de R$11.457,00. O PDDE representa 34,29% do total recebido; o
próprio fundo rotativo é um pouco maior porque o número de alunos do ensino
fundamental está muito reduzido em função do processo crescente de
municipalização; o Fundo Rotativo, além do número de alunos, considera os espaços físicos existentes na escola como critério de alocação de recursos. Apesar de
os sujeitos entrevistados considerarem os recursos do programa irrisórios diante
das necessidades de despesas apresentadas pela escola, esses representam parcela significativa na arrecadação.
O fato é que os recursos públicos transferidos às escolas pelo sistema
estadual têm sido insuficientes, o que pode forçosamente conduzir as unidades
de ensino à necessidade de ampliá-los, captando outros de fontes privadas por
meio de parcerias ou diretamente com a realização de eventos de toda natureza,
obrigando até muitas vezes os pais a arcarem com aquisição de rifas, bingos ou
outras promoções similares, para assim dar conta das suas demandas. Não encontramos nenhuma norma nos documentos do PDDE analisados que limite os valores dos recursos a serem captados pela escola, o que significa que as unidades de
ensino podem buscar o quanto "necessitar" de recursos para dar conta das ações
planejadas no seu projeto pedagógico.
É importante ressaltar que o PDDE não traz, como novidade, a prática de
captação de recursos privados pela escola pública. Essa prática se tem dado muito
comumente nas escolas por meio de festas (como a junina, a de misses escolares)
e de feiras escolares (como a da pechincha, de festival do sorvete) com o objetivo
de angariar fundos, ao lado de aquisição de papel para avaliações, de apostilas
vendidas por alguns professores para a realização de pequenas ações na escola,
cobrança de carteirinhas de identificação, tal como vem fazendo a escola "A". Isso,
por si só, pode até não comprometer a manutenção pública da escola. O que
compromete esta manutenção é, a nosso ver, a tendência à substituição do aporte
público pelo privado na medida em que as fontes para a manutenção das unidades
de ensino tornam-se, concorrentemente, públicas e privadas e também porque tais
iniciativas acabam se transformando em cobranças indiretas permanentes dos pais
e alunos, o que, contraditoriamente, é legalmente proibido nas escolas públicas de
Belém, ao mesmo tempo em que o próprio MEC as incentiva. Ao lado disso, consideramos que as UExs têm um poder do qual elas próprias ainda não se deram
conta, porque podem captar qualquer recurso e, se não houver um colegiado funcionando efetivamente, com a comunidade escolar e local participando ativamente,
com compromisso político e consciência sobre seus papéis na condução da escola,
tais captações poderão descambar para outras finalidades.
É unânime a importância atribuída ao PDDE para a comunidade escolar,
que manifesta sua aprovação, ainda que alguns o critiquem pelo excesso de
exigências, na maioria das vezes circunscritas à pesquisa de preços e prestação de
contas. Enfatiza-se a melhoria das condições infra-estruturais e até das salas de
aula, por meio da utilização de equipamentos e materiais pedagógicos.
Um outro destaque nas falas foi o estímulo à participação do coletivo
escolar nas decisões sobre a vida da escola, porque, mesmo existindo o Conselho
anteriormente, não havia uma participação nas decisões de recursos financeiros.
72
Programa Dinheiro Direto na Escola
Ao lado disso, nem todas as categorias estavam representadas naquele colegiado,
sendo hoje diferente. Entretanto, as reuniões não vêm acontecendo periodicamente, como prescreve o Regimento, mas só nas emergências, o que entendemos
como um óbice à participação tão defendida. Na verdade, as reuniões acontecem
para definir as prioridades e na prestação de contas do PDDE.
Por outro lado, todos reconhecem a fundamentalidade do Programa, criticam
as exigências para sua operacionalização, especialmente o atraso no repasse dos
recursos, que vem aumentando, segundo suas avaliações. Apontam ainda o trabalho
dos conselheiros para 14operacionalizar tudo em tempo mínimo, até apresentando
sugestões, como ampliação da verba para o ensino médio, liberação em tempo adequado para dar condições de exeqüibilidade e otimização desses recursos.
Das manifestações dos entrevistados, podemos destacar que, em vários
momentos, os sujeitos demonstraram preocupações com o final do recebimento
dos recursos do PDDE em função da municipalização compulsória do ensino fundamental, tal seu significado na escola.
Como a pesquisa envolveu também a rede municipal de ensino, é dela que
começaremos a tratar em seguida.
O Sistema Municipal e a política educacional no município de Belém
O Sistema Municipal de Educação de Belém foi criado em julho de 1994,
mediante a Lei nº 7.722, de 7 de julho daquele ano. De acordo com o art. 1º da
Resolução nº 17/99 do CME. O Sistema Municipal de Educação de Belém é constituído, entre outros, pelas instituições de educação mantidas pelo poder público
municipal; pelas instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada e pelos órgãos municipais de educação, como a Secretaria Municipal
de Educação (Semec) e o Conselho Municipal de Educação (CME)26.
Com a eleição do prefeito Edmilson Rodrigues (PT), que exerceu mandato
de 1997 a 2000, reeleito de 2001 a 2004, a política educacional ancorou-se em um
programa de gestão definido como "Governo do Povo", que, entre outras ações,
implementou, o Projeto Pedagógico denominado "Escola Cabana"27, fruto das
discussões implementadas durante os fóruns temáticos e os Congressos Municipais de Educação28. De acordo com o Caderno de Educação nº 1, de 1999 (Semec),
são diretrizes básicas do Projeto:
O CME foi criado pela Lei nº 7.509, de 20 de janeiro de 1991, e reestruturado pela Lei nº 7.772/94. Essa
nova lei define a composição do CME em oito membros paritários entre os representantes do poder
público e da sociedade civil e reduz a duração do mandato dos conselheiros de quatro para dois anos.
27
Essa proposta é inspirada nos ideais do Movimento Cabano, que, nos anos de 1800, unificou diferentes
segmentos da sociedade (índios, negros e caboclos que viviam em cabanas miseráveis às margens dos
rios) pela liberdade diante da opressão do governo central ao Estado paraense.
28
Os principais fóruns realizados foram os seguintes: I Fórum de Educação da Rede Municipal de Ensino:
Projeto Político Pedagógico: um olhar que ressignifique a educação municipal (1997); I Conferência
Municipal de Educação – Escola Cabana: dando um futuro às crianças (1998); II Fórum Municipal de
Educação – Reconstruindo o Currículo de Jovens e Adultos na Escola Cabana (1999); I Seminário de
Gestão Democrática no Projeto Político-Pedagógico da Escola Cabana (2000); II Seminário de Gestão
Democrática (2001); I Congresso Municipal de Educação de Belém (2003) e II Congresso Municipal de
Educação de Belém, realizado em 2004.
26
Programa Dinheiro Direto na Escola
73
•
•
•
•
Democratização do acesso e permanência com sucesso;
Gestão democrática;
Qualidade social da educação; e
Valorização do profissional da educação.
A criação de Conselhos Escolares na rede municipal de Belém está prevista
na Lei Orgânica do Município, em seu art. 214, cuja regulamentação se deu em
1994, pela Lei Municipal nº 7.722/94. Com o projeto Escola Cabana e por meio da
Resolução CME n° 6/2001, o Conselho Escolar assume um caráter deliberativo,
mas é somente a partir do ano de 1997 que passa a constituir-se como unidade
executora, com personalidade jurídica. É composto por no mínimo 7 e no máximo
19 membros eleitos por seus pares, sendo 50% de representantes da Semec
(coordenadores pedagógicos, professores, agentes operacionais e administrativos) e 50% de usuários (alunos com idade a partir de 12 anos, pais e/ou responsáveis por alunos da escola e comunidade organizada). O diretor da escola é
membro nato, mas não pode assumir cargo executivo, embora lhe seja preservado
o direito de voto. Esses representantes têm poder de decisão sobre a parte pedagógica, administrativa, financeira e política da escola. A configuração democrática
do Conselho Escolar adotada pela rede é fruto das lutas dos educadores desde a
década de 80, quando, por meio de suas organizações, fizeram aprovar na Assembléia Legislativa a Lei nº 6/91, que regulamentava a criação de Conselhos Escolares em todo o Estado.
Quanto ao atendimento educacional, o município de Belém apresenta a
seguinte situação por dependência administrativa em 2004:
Tabela 7 – Atendimento do ensino básico e modalidades especiais
no município de Belém por dependência administrativa – 2004*
Ensino
Dependência Educação
Ensino
administrativa infantil fundamental médio
Estadual
Federal
Municipal
Privada
Total
1.412
287
11.700
11.085
24.484
139.896
1.907
48.548
26.534
216.885
79.749
535
171
16.526
96.981
EJA
51.202
0
13.917
132
65.251
Educação Educação
profissional especial
596
0
164
822
1.582
1.270
0
0
1.194
2.464
Total
274.125
2.729
74.500
56.293
407.647
Fonte: MEC/Inep – Censo Escolar de 2004.
São 407.647 alunos atendidos nas várias modalidades do ensino básico
em Belém. O ensino fundamental é o que mais recebe atendimento e significa
53% do total geral. A rede estadual ainda é a que mais atende a essa etapa,
sendo responsável por 64,5% das matrículas, em razão de a Prefeitura Municipal de Belém ter optado por não municipalizar o ensino fundamental, como já o
fizeram 96 municípios paraenses desde 1996, quando a proposta foi lançada
pelo governo do Estado. Mas, de modo geral, a Semec vem ampliando o seu
atendimento.
74
Programa Dinheiro Direto na Escola
Implantação e gestão do PDDE na rede municipal de Belém
O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) foi implantado na rede municipal de ensino em Belém dois anos após sua criação pelo governo federal, ou
seja, só em 1997. Denominou-se inicialmente Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE), conforme Resolução nº 12/95. Consta
nos arquivos da Semec que, naquele ano, foi assinado o Convênio nº 557/97, que
beneficiou 48 escolas e 42.484 alunos, no valor de R$ 510.900,00, com vigência
até 28/2/98. Embora a cláusula 4ª do referido convênio facultasse a execução
financeira às unidades executoras (UExs), nesse ano ainda não houve a possibilidade de o recurso ser repassado diretamente para as escolas, uma vez que as
UExs ainda se encontravam em fase de criação. Esse convênio ainda foi executado
via Semec, que se baseou em um plano de aplicação advindo da escola. Os
mecanismos e critérios de repasse foram os mesmos definidos nacionalmente
pela Resolução nº 3/97 do FNDE, que contemplava as escolas com mais de 20
alunos no ensino fundamental e se baseava no número de alunos do Censo
Escolar/Inep do ano anterior. Para a criação dessas UExs, a Semec recebeu orientação de uma equipe do FNDE/MEC, que esteve em Belém exclusivamente para
orientar os municípios nessa tarefa.
O ordenamento jurídico federal advindo do FNDE passou por adaptações
na Semec, que, por meio de uma linguagem mais clara, elaborou materiais informativos, como folders e cartilhas, que foram utilizados nos cursos e oficinas29 de
capacitação dos gestores e conselheiros escolares. Toda essa preocupação com os
treinamentos e com o conhecimento das normas para execução e prestação de
contas pela escola têm um caráter preventivo, pois, segundo o técnico da Semec,
em última instância, esta se sente responsável caso alguma escola torne-se
inadimplente e deixe de receber os recursos. Daí o estabelecimento de parcerias
nessas orientações com o CME e o setor jurídico e contábil da Semec. Esse talvez
seja o motivo por que não haja tantos problemas com relação à execução e
prestação de contas dos recursos pelas escolas.
A partir de 1998, os recursos do PDDE foram descentralizados para as
escolas por meio de seus respectivos Conselhos Escolares, então transformados
em unidades executoras. Nesse processo de implantação, foram definidos os
mesmos critérios de funcionamento e gestão das demais escolas do País, adotando-se a regulamentação definida pelo MEC/FNDE, já que o município não dispõe
de uma legislação própria para o PDDE, embora adote o procedimento de pagamento de despesas em regime de adiantamento ou suprimento de fundos30 para
as escolas de forma legal desde 1993 (Lei nº 7.627 de 20 de maio de 1993,
Decreto nº 39.114 – PMB, de 24 de julho de 2001), que guarda alguma semelhança
29
Segundo o técnico da Semec, foram várias as oficinas e minicursos ministrados que, além de capacitar
os conselheiros quanto aos programas e projetos que envolviam financiamento da educação, especialmente o PDDE, visavam orientar o trabalho coletivo a ser desenvolvido pelo Conselho Escolar.
30
O adiantamento refere-se ao fornecimento de recursos financeiros para pagamento de despesas que,
por sua natureza e urgência, são facultadas de seguir os trâmites mais demorados. São consideradas
despesas de pronto pagamento: selos postais, gás, impressos e papelaria, transporte urbano, água,
consertos, entre outros.
Programa Dinheiro Direto na Escola
75
com o PDDE. Embora este seja repassado mensalmente para a escola (em torno
de R$ 800,00 mensais), não o é para o Conselho Escolar, mas para o diretor, que
se encarrega de executá-lo e fazer a prestação de contas à Semec.
A gestão do PDDE no município de Belém concentra-se basicamente em
dois espaços. O primeiro compreende a Secretaria Municipal de Educação, que é
responsável pelo recebimento e execução dos recursos do PDDE das escolas que
não instituíram UEx, pelo cadastramento de novas UExs, pela orientação sobre a
dinâmica de funcionamento dos conselhos, pelo acompanhamento e recebimento
da prestação de contas das UExs de sua rede. O segundo refere-se às próprias
UExs, que executam e prestam contas dos recursos à Semec.
Mesmo com os avanços expressivos alcançados, ainda persistem alguns
problemas nesses colegiados, como: 1) nem sempre há uma participação desejável de todos os seus membros nas reuniões; 2) irregularidade de reuniões, em
contraposição ao que preconiza seu Regimento; 3) o pouco reconhecimento do CE
como instância representativa da comunidade escolar; 4) dificuldades de alguns
diretores lidarem com divergências surgidas em relação às suas decisões, entre
outros.
Os dados fornecidos pela Semec dispostos na Tabela 8 dão conta que é
somente a partir do ano de 1998 que o PDDE começa a ser operacionalizado
diretamente pelas escolas, quando inicia com 52 unidades executoras. Atualmente, estão habilitadas 59 escolas, o que significa um aumento de 14% na quantidade de escolas com unidades executoras.
Tabela 8 – Belém – Repasses do PDDE para a rede municipal segundo
número de escolas, alunos e rubricas custeio e capital – 1997 a 2004
Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Total
Número
de escolas
48
52
52
54
56
59
59
59
439
Número
de alunos
Valores
para custeio
Valores
para capital
42.484
41.786
42.202
44.553
44.368
45.684
47.771
47.105
365.953
447.700,00
329.900,00
334.900,00
353.700,00
353.300,00
369.200,00
381.800,00
362.567,20
2.933.067,20
63.200,00
63.500,00
64.400,00
67.700,00
68.000,00
71.000,00
73.700,00
90.487,90
561.987,90
Total
510.900,00
393.400,00
399.300,00
421.400,00
421.300,00
440.200,00
455.500,00
453.055,10
3.495.055,10
Fonte: Coordenadoria de Planejamento (Coplan)/Semec.
Nos oito anos de implantação do programa, o quantitativo de recursos
apresenta um decréscimo de 11,32%, que, de R$ 510.900,00, em 1997, passam
para R$ 453.055,10, em 2004, inversamente ao número de alunos, que aumentou
12,29%, indo de 42.484, em 1997, para 47.105, em 2004. Certamente, tais oscilações devem-se às modificações dos cálculos dos coeficientes que determinam os
valores ano a ano. O Sistema Municipal de Educação de Belém foi contemplado
76
Programa Dinheiro Direto na Escola
com o total de R$ 3.435.055,10, a título de repasses do PDDE de 1997 a 2004.
Vale ressaltar que o PDDE contempla as 152 escolas da rede porque inclui os
anexos, incorporando as matrículas desses espaços que funcionam em pequenos
prédios próprios, centros comunitários ou imóveis alugados.
A escola municipal de educação infantil e fundamental "B"
A escola "B" está localizada no bairro da Cidade Velha31, tendo um anexo
no bairro do Jurunas32, no município de Belém. Atende à educação infantil (4 a 5
anos de idade), ensino fundamental e educação de jovens e adultos, funcionando
em quatro períodos: manhã, intermediário, tarde e noite. Possui as seguintes
dependências: seis salas de aula, uma sala de leitura, um depósito para alimentos, uma secretaria, uma cozinha e cinco banheiros. Essas dependências são pequenas. No entanto, não apresentam depredações nem pichações. A escola conta
com 59 funcionários, entre eles: um diretor, três supervisores, três orientadores,
dois administradores e uma secretária.
Uma questão muito comentada pela comunidade escolar é o problema do
tamanho da escola, o que é visto como um fator que dificulta o melhor desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem. Em conseqüência do espaço
restrito, não há quadra de esportes para a realização de atividades físicas dos
alunos, o que invalida qualquer atividade de lazer dentro da escola, além de, com
as intensas chuvas que caem cotidianamente em Belém, a escola do bairro da
Cidade Velha ficar inundada.
Pelo fato de a escola dispor de um pequeno espaço para atender à comunidade, foi criado um prédio anexo, que está localizado no Bairro do Jurunas. No
entanto, existe uma disparidade entre as duas realidades, evidentemente distintas, ainda que constituam uma só escola. Ambos os espaços escolares são administrados pela mesma diretora, que, segundo relatos, conta com o apoio das
técnicas para a realização das atividades no prédio anexo. Todas as programações
desenvolvidas tentam contemplar as duas realidades.
A implantação e a gestão do PDDE na escola municipal "B"
O PDDE foi implantado na escola em 1999, sendo muito bem recebido. No
princípio, houve muitas dificuldades, mas a Semec orientou as escolas e sempre
havia técnicos disponíveis para explicar seu funcionamento, segundo a presidente
do Conselho, diretora da escola. Geralmente, quem participa mais na prestação de
contas são professores que entendem das contas e ajudam a escola. A escola
define o seu plano de aplicação por meio do Conselho Escolar, cuja dinâmica de
31
O bairro da Cidade Velha é um dos bairros pioneiros da cidade de Belém, onde se localiza a maioria
dos prédios e monumentos históricos que guardam a memória de sua fundação.
32
O bairro do Jurunas é um bairro populoso, que apresenta carências infra-estruturais diversas.
Programa Dinheiro Direto na Escola
77
funcionamento é baseada em reuniões ordinárias mensais – convocadas pelo
coordenador do Conselho –, extraordinárias e eventuais, convocadas pelo coordenador ou por pelo menos um terço dos membros. Somente a partir de 2000 a
escola passou a receber diretamente os recursos, em virtude de problemas na
habilitação da UEx nos anos anteriores. A tabela abaixo dá uma visão dos recursos que chegaram à escola desde 1999:
Tabela 9 – Recursos do PDDE transferidos para a escola "B" 1999 a 2004
Ano
Alunos
Custeio
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Totais
653
653
661
593
784
729
4.185
5.300,00
5.300,00
5.300,00
5.300,00
7.500,00
5.277,12
33.977,12
Capital
1.000,00
1.000,00
1.000,00
1.000,00
1.400,00
1.319,28
6.719,28
Total
6.300,00
6.300,00
6.300,00
6.300,00
6.596,40
6.596,40
40.696,40
Fonte: Escola “B”.
O total de recursos transferidos do PDDE para a escola desde o ano de sua
implantação até 2004 varia de R$ 6.300,00 a R$ 6.596,40. Outro ponto que
podemos observar na referida tabela é o aumento de recursos transferidos para
escola em 2003, que recebia um valor de R$ 6.300,000 e, no ano seguinte, passou
a receber R$ 8.900,00. Esse aumento significou um acréscimo no número de
matrículas no ensino fundamental, mas em 2004 diminuiu o número de alunos e
baixaram os recursos.
As entrevistas e observações revelam que, na escola, há uma primeira
reunião para decidir onde aplicar a verba do PDDE, que em geral ocorre no período que antecede a chegada do recurso. Recomenda-se que cada representante
do CE verifique as prioridades com as categorias que representam para que, em
um período posterior, com a chegada da verba, essas necessidades já tenham
sido pelo menos pensadas e discutidas com as categorias, uma vez que se dispõe
de um determinado tempo para gastá-la e os conselheiros, em geral, não possuem tempo disponível para se dedicar à execução de tais tarefas devido ao excesso
de atividades desenvolvidas e ao tempo exíguo de operacionalização do Programa e sua prestação de contas.
É válido ressaltarmos que os recursos do PDDE direcionados para cada
escola ficam sob a responsabilidade dos CEs, mas são o presidente e o tesoureiro
que mais trabalham, porque são eles que devem movimentar a conta bancária da
unidade executora e fazer as licitações. Quando a verba chega na conta, os representantes do CE são convocados novamente para uma reunião, em que apresentam suas prioridades; entre elas, são escolhidas aquelas mais viáveis de acordo
com o valor estabelecido para custeio e capital. É a partir da definição das metas
78
Programa Dinheiro Direto na Escola
que o tesoureiro e o presidente vão fazer pesquisa de preços nas lojas acerca do
que se vai comprar com a verba, necessitando avaliar no mínimo três orçamentos
distintos para então decidir onde vão adquirir os bens. E isso vem sendo cumprido rigorosamente pela escola.
Na concepção da diretora, há autonomia, mas, ao mesmo tempo, percebese que é muito pouca, apesar de isso ficar apenas subentendido. Nesse sentido,
podemos considerar a idéia de Silva (1995, p. 58), que, ao examinar a questão da
autonomia da escola pública, destacou três pontos fundamentais: "a noção de
liberdade que é sempre relativa (capacidade de escolha); idéia de poder (capacidade de influenciar coisas e pessoas); e a responsabilidade para exercer essa
autonomia". Ainda ancorados nessa concepção de autonomia, sabemos ser ela
sempre relativa, mas, ao que parece, a escola tem a gestão da autonomia financeira para decidir entre o que é permitido pelo FNDE e suas prioridades para execução na Escola, embora saibamos que existam normas do Direito Financeiro Público para serem seguidas pelas instituições públicas brasileiras.
Os depoimentos revelam uma infinidade de questões relativas à participação, entre elas, destacaremos: 1) o pouco entendimento sobre o papel do CE e,
sobretudo, dos conselheiros, como no caso da representante dos pais e dos
alunos, que parece ter uma participação passiva, só presencial, e que nem sempre
comparece; 2) quando não se compreendem as coisas, a tendência natural é não
ligar, é achar "enjoado", como alega a mãe; 3) a tesoureira quase restringe o CE
a questões do PDDE; 4) o reconhecimento, por parte da direção, da falta de
regularidade nas reuniões do CE ao mesmo tempo em que tenta justificá-la.
Tais questões também foram por nós observadas na escola, o que nos
leva a afirmar que, embora haja indícios de democratização da gestão escolar,
ainda é muito incipiente a participação da comunidade escolar nas instâncias
coletivas, como o Conselho Escolar, por inúmeras razões já por nós conhecidas e
relatadas anteriormente. A escola precisa criar estratégias adequadas para trazer
os pais para as reuniões do CE, bem como tentar fazer um trabalho com os alunos
para que realmente compreendam o sentido do espaço colegiado de decisão para
a construção de relações mais democráticas e participativas.
A maioria dos conselheiros considera que a escola melhorou a partir do
PDDE, mas quando tentam explicar, só se referem aos meios, como aquisição de
bens. Só a direção tratou das relações de poder e da necessidade da maior
integração entre as duas unidades, escola e seu anexo. A tesoureira tocou na
questão da demora da liberação dos recursos do PDDE, que é uma questão
recorrente nos depoimentos até da unidade estadual e dos próprios agentes do
sistema.
-Ao que nos parece, o CE funciona muito mais para gerir o PDDE e quem
mais participa são a direção, tesoureiro e professora. Alunos e pais têm participação incipiente e tímida e demonstraram desconhecimento da importância de participar no processo de tomada de decisão, o que se justifica, no caso da mãe, que
precisava ser mais bem orientada antes de ingressar no CE, bem como dos alunos,
já que a direção alega estar o tempo todo com eles, conversando. A despeito
desses problemas, a avaliação do PDDE na escola "B" foi positiva e representa a
possibilidade de obter melhorias dos equipamentos e do trabalho pedagógico.
Programa Dinheiro Direto na Escola
79
Considerações finais
As observações e análises dos dados da pesquisa oferecem condições
para fazermos algumas considerações importantes sobre o processo de implantação e implementação do PDDE, tanto por parte do Sistema quanto pelas escolas
da amostra selecionada em Belém.
Se, de um lado, o Estado descentraliza recursos públicos para as escolas
executarem ações voltadas para a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)
e assim criarem espaços de decisão, ainda que limitados, de outro, ele coloca à
disposição das UExs um conjunto de estratégias de substituição da manutenção
pública da escola pela manutenção privada no momento em que possibilita a
captação de recursos pela escola via UEx. A autonomia financeira da escola, no
programa, é garantida na medida em que o MEC viabiliza condições legais para
que a escola seja "criativa" na captação de recursos, já que, além das subvenções, a comunidade escolar pode se organizar para angariar fundos de diversas
formas: seja por meio de doações, seja com promoções escolares, seja via convênios ou parcerias, o que pode abrir espaço para o descomprometimento do poder
público com a manutenção da escola pública.
Na escola municipal, o PDDE é muito bem avaliado, ainda que sejam
ressaltadas as excessivas exigências burocráticas da execução e da prestação de
contas dos recursos. Para os entrevistados, os resultados do Programa têm sido
altamente positivos, que de um modo geral, o consideram como uma conquista
importante a ser fortalecida pelos profissionais da educação.
Um dado a ser enfatizado é que, em ambas as escolas da amostra, o CE
representa uma instância importante de participação da comunidade escolar
na tomada de decisões sobre as políticas internas, sendo que o PDDE representou a possibilidade concreta de melhorias nas condições infra-estruturais
das escolas, embora os recursos sejam considerados reduzidos diante da necessidade das escolas. Ficou evidenciado um receio de que esses recursos não
tenham continuidade, sobretudo na escola estadual que está sendo
municipalizada compulsoriamente.
Apresentamos a seguir, as principais sugestões, em duas dimensões: primeiro, por parte das escolas e, segundo, pela equipe de pesquisa. No primeiro
caso, sugere-se: 1) que os recursos sejam corrigidos conforme a inflação; 2) que
os recursos cheguem antes do final do ano; 3) que os recursos sejam definidos a
partir das sugestões das próprias unidades executoras, que encaminharão suas
prioridades, com o FNDE orçamentando nas rubricas custeio e capital, seguindo
tais prioridades; 4) que o PDDE seja estendido ao ensino médio; e 5) que haja
mais treinamentos para o Sistema e para os conselheiros.
Do lado da equipe, sugerimos: 1) que sejam revistas as unidades executoras para que não sejam organizações sociais, com caráter empresarial dentro
da escola pública, podendo continuar nos Conselhos Escolares como instituições gestoras da escola, com os recursos sendo repassados como faz o CNPq,
de forma desburocratizada, liberando os fundos para as contas do diretor e
tesoureiro do CE, com um CNPJ único, com os dígitos referentes à escola ou
outra forma; 2) que os recursos sejam liberados com antecedência de pelo
80
Programa Dinheiro Direto na Escola
menos três meses para se fazer a prestação de contas; 3) que haja correção dos
valores; 4) que os recursos sejam definidos a partir das prioridades encaminhadas pelos CEs; 5) que os CEs não sejam estimulados e/ou obrigados a angariar
recursos de outras fontes para sua manutenção, com cobranças aos pais de
alunos e realização de promoções pagas ou mesmo que precisem fazer parcerias
com empresas privadas ou ONGs; e 6) que o Estado garanta o caráter público
das escolas brasileiras, afinado com as propostas de mudanças há muito
requeridas pelo movimento dos trabalhadores da educação, que apontam para
uma escola pública, gratuita e de qualidade, aberta a todos que a procurarem.
3.2
Estado do Piauí
Sistema Estadual de Ensino do Piauí
Na rede estadual de educação do Piauí, o processo de implantação do
PDDE iniciou-se em 1995, tendo como primeiro documento orientador o Decreto
nº 9.425/95, de criação dos Conselhos Escolares nas escolas estaduais, com o
objetivo de sua formação enquanto unidades executoras. Após esse decreto, a
Seduc deu prosseguimento ao processo por meio da produção de um conjunto
de documentos do setor responsável pela implantação dos conselhos escolares
no Piauí a fim de que as escolas se habilitassem a receber recursos do PDDE e
de outros programas. A maior parte dos problemas vivenciados no processo de
implantação decorreu da falta de formação para as equipes executoras das escolas e da Seduc, segundo técnicos entrevistados. Em geral, eles afirmam que não
houve treinamento inicial, sendo relatados encontros regionais promovidos pelo
FNDE, em 2000 e 2001, porém sem a participação dos técnicos responsáveis
pela prestação de contas do recurso no Estado. Além disso, não há relatos de
orientação local pelo FNDE por meio de visitas. Entretanto, em pesquisas nas
escolas, obtiveram-se informações da participação de técnicos do MEC no treinamento dos diretores no período de implantação do PDDE.
Essa realidade resultou, no início do processo, em desencontros de
informações e ausência de um sistema de controle, ocasionando, por exemplo,
o não-recebimento dos recursos por todas as escolas ou mesmo situações em
que os recursos não foram encaminhados, ficando na Secretaria e, posteriormente, sendo devolvidos ao FNDE, meses depois. Ao que tudo indica, segundo os relatos dos entrevistados, os problemas começaram a ser resolvidos
com a implantação das unidades executoras nas escolas, pois, inicialmente, os
cheques eram entregues pela tesouraria da Secretaria para quase todas as
unidades.
A tabela a seguir apresenta a seqüência histórica da implantação do PDDE
na rede estadual, incluindo o número de escolas, o número de alunos e os valores
repassados pelo PDDE para escolas com e sem unidades executoras, no período
de 1997 a 2004.
Programa Dinheiro Direto na Escola
81
Tabela 1 – Processo de implantação do PDDE na rede estadual
de educação do Piauí – 1997-200433
Número de escolas que recebem diretamente o PDDE
Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Número
de escolas
753
879
701
663
762
692
702
684
Número
de alunos
Custeio
Capital
Total
293.462
238.729
226.261
254.269
255.512
241.171
222.944
177.618
3.010.440,00
2.584.950,00
2.202.100,00
2.499.500,00
2.467.100,00
2.336.400,00
2.210.600,00
1.849.718,18
451.000,00
471.510,00
424.900,00
461.400,00
455.100,00
429.600,00
408.600,00
428.900,32
3.491.440,00
3.056.460,00
2.627.000,00
2.960.900,00
2.922.200,00
2.760.000,00
2.618.600,00
2.278.689,90
Número de escolas que recebem pela Secretaria
Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Número
de escolas
229
204
123
114
91
46
23
35
Total
de escolas
782
1.083
824
777
853
738
725
719
Número
de alunos
Custeio
Capital
Total
26.366
16.938
6.234
5.281
4.225
2.183
955
1.076
237.335,80
224.940,24
115.100,00
99.200,00
77.700,00
41.600,00
18.707,00
31.531,90
20.370,00
23.750,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
257.705,80
248.690,24
115.100,00
99.200,00
77.700,00
41.600,00
18.700,00
31.531,90
Total
de alunos
319.828
255.667
232.495
259.550
259.737
243.354
223.899
178.694
Total
de recursos
3.794.145,80
3.305.140,24
2.743.000,00
3.066.100,00
2.999.980,00
2.801.600,00
2.627.300,00
2.310.221,80
Fonte: Secretaria de Educação do Piauí. Relação de unidades executoras de 1997 a 2004.
A Tabela 1 mostra certa instabilidade no número de unidades executoras
na rede estadual de educação, com momentos de acréscimos ou quedas consideráveis. Em geral, de 1997 a 2004, houve um decréscimo de 9,2% no número de
escolas com UEx, em contraposição à queda no número de escolas sem UEx, 84%,
no mesmo período.
33
Em 2004, devido a situações de emergência social, por meio do que se chamou PDDE emergencial, o
FNDE liberou recursos destinados a reparos em escolas que foram utilizadas como abrigo nessas situações. Esse recurso foi repassado sob a forma de custeio, que, em termos de Piauí, representou o montante de R$ 2.636.665,60, que beneficiou 1.718 alunos de 35 escolas. Por outro lado, a Seduc repassou a
cinco escolas para benefício de 254 alunos. Esses dados não constam na tabela.
82
Programa Dinheiro Direto na Escola
No mesmo período houve uma queda de 44,1% no número de alunos
atendidos pelo Programa e de 39,5% no total de recursos movimentados, embora
tenha ocorrido apenas um decréscimo de 8% no total de escolas contempladas
pelos recursos. O per capita aluno-ano do PDDE, em 2004, foi de R$ 12,93.
No âmbito da gestão do PDDE, a sistemática de funcionamento envolve as
escolas, as Secretarias de Educação e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação, pois, apesar de o FNDE repassar os recursos para as escolas, as Secretarias funcionam como intervenientes, principalmente no que diz respeito às orientações para a execução do Programa e ao processo de prestação de contas.
A Seduc acompanha a execução do PDDE por meio dos setores de Conselhos Escolares e de Prestação de Contas. Mesmo assim, em geral, os técnicos do
sistema reconhecem a ausência de treinamento direto para os executores do Programa, já que encontros rápidos de formação, principalmente para supervisores
das Gerências Regionais de Educação, não suprem as necessidades de informação
dos diretores das escolas sobre a gestão financeira do Programa, em especial
para as escolas do interior do Estado.
As principais dificuldades apontadas para a gestão do PDDE estão relacionadas à gestão financeira do Programa: insuficiência dos recursos para suprir as
necessidades das escolas; repasse apenas no último trimestre do ano; pouco
tempo para execução e despreparo do pessoal executor, principalmente no interior do Estado, onde o contato com a Seduc se torna mais difícil. Em relação à
última questão, as cidades do interior, particularmente as menores, têm outros
problemas adicionais: por vezes, não existem os três estabelecimentos devidamente legalizados para a realização da pesquisa ou mesmo ocorrem dificuldades
em conseguir a prestação de serviços especializados, fazendo com que o diretor
tenha que se deslocar de uma cidade a outra em busca da planilha exigida pelo
PDDE; dificuldade de acesso; resistência dos comerciantes em preencher e assinar
as planilhas de pesquisas de preços; dificuldade de movimentação bancária, dada
a distância do banco, fazendo com que os estabelecimentos recusem a aceitação
dos cheques, diante da dificuldade para trocá-los. Além disso, outro problema
adicional que afeta a execução do PDDE por parte das escolas da capital e do
interior é a falta de previsão de recursos para a execução das pesquisas de preços
e efetivação das compras.
Ao abordarmos os técnicos do sistema de educação sobre as vantagens do
PDDE para as escolas, a ênfase recai nos aspectos ligados a uma maior autonomia
da escola; o melhor uso dos recursos descentralizados; a melhoria da qualidade
do ensino e da estrutura da escola; o estímulo à participação da comunidade; a
maior transparência e economia no uso dos recursos; a adequação das despesas
às necessidades das escolas; a maior agilidade para a resolução de problemas
mais simples e a economia para a Secretaria de Educação, pois anteriormente
havia despesas muito altas para a entrega de poucos materiais em municípios
muito distantes.
O problema mais destacado pela maior parte dos entrevistados, como
uma das desvantagens do Programa, diz respeito à insuficiência do valor repassado às escolas para assegurar as atividades do ano letivo.
Programa Dinheiro Direto na Escola
83
A partir da avaliação sobre as vantagens e desvantagens do PDDE, os
entrevistados do Sistema apresentam sugestões para a melhoria do Programa:
aumentar o valor dos repasses e o número de parcelas (de duas a quatro vezes ao
ano); encaminhar o recurso no início do ano; melhorar a escala de distribuição
dos recursos, ou seja, revendo a tabela de valores pelo tamanho das escolas;
treinamento para os executores (no mínimo, para três pessoas do Conselho);
cálculo do recurso de acordo com as matrículas do ano do repasse; inserção,
como uma das despesas do PDDE, daquelas realizadas com a legalização do
Conselho; intervenção do FNDE no Banco do Brasil para garantir a isenção do
CPMF e da taxa de manutenção das contas, bem como maior fiscalização e
conscientização sobre os objetivos do programa.
Além dos recursos do PDDE, as unidades executoras recebem outros montantes para a administração direta. Do FNDE, recebem os recursos do Programa
Nacional da Alimentação Escolar (Pnae); o Projeto Alvorada e do Programa de
Desenvolvimento da Escola (Fundescola) compõem três entradas: Programa de
Adequação do Prédio Escolar (Pape), Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE)
e Programa de Manutenção da Escola (PME); além de recursos do Tesouro Estadual, desde 2004, por meio da Conta Manutenção ou Pactue.
As unidades executoras administram também recursos advindos de parcerias com várias organizações sociais, conforme sua própria capacidade de buscar
patrocínios no comércio e em organizações locais. Tais parcerias visam suprir a
falta de recursos públicos e a alcançar a melhoria na manutenção das escolas ou
o custeio de atividades, como formaturas, passeios, entre outros. Além dessas
fontes de recursos, as escolas angariam mais verbas por meio da cobrança para
colocação de outdoor em suas dependências, da administração da cantina, da
venda de uniformes escolares, da cobrança de fotocópias (xerox), entre outros,
conforme iniciativa local.
O incentivo para arrecadação de recursos não-governamentais passa pela
própria Secretaria, pois o Pactue define que, a cada R$ 1,00 que a escola arrecadar, a Secretaria, a título de estímulo, cede mais R$ 0,30 no limite de R$ 2 mil,
incentivando as parcerias com a sociedade civil para a manutenção das escolas
públicas (Piauí, Seduc, 2004). Isso reforça nossa tese sobre a redefinição do papel
do Estado para a educação.
Embora cada vez mais haja a propagação das ações que visam à autonomia financeira da UEx, mediante a descentralização de recursos, mesmo que insuficientes, para a manutenção da escola, não há uma avaliação mais crítica que
perceba como norte o processo de desresponsabilização do Estado, mas sim a
necessidade de responsabilização solidária da comunidade educacional.
No processo de pesquisa de campo, procurou-se verificar se existe algum
meio de encaminhar recursos para a escola sem ser pela unidade executora, resposta que pudemos pesquisar, especificamente, no setor de prestação de contas,
com os funcionários mais antigos. Nesse sentido, foi possível saber que, antes do
PDDE, existiu na rede estadual, entre 1986-1994, a experiência de repasse diretamente para a escola, sem unidade executora, conta corrente ou CNPJ, sendo os
recursos administrados pelo diretor. Nesse período, houve, também, a possibilidade de algumas escolas maiores abrirem contas correntes com o CNPJ da Seduc,
84
Programa Dinheiro Direto na Escola
sem que isso acarretasse problemas para o Sistema. Entretanto, para os técnicos
entrevistados, essa modalidade de repasse é um risco, já que, se houver um
problema com a prestação de contas de uma escola, a Seduc pode ficar com todas
as contas bloqueadas.
Atualmente, o próprio PDDE contempla uma modalidade de repasse sem a
exigência de UEx, situação em que a diretora saca no banco (com a apresentação
da portaria de nomeação para o cargo) e executa diretamente, dentro dos mesmos critérios do Programa. Entretanto, os técnicos consideram esse sistema muito
vulnerável, uma vez que não permite um acompanhamento mais sistemático, com
extratos bancários, movimentação somente por cheque, etc. Eles observam que se
perde um pouco do controle sobre a prestação de contas; portanto, não indicam
a ampliação dessa experiência, reforçando, assim, uma avaliação positiva sobre o
papel financeiro das unidades executoras para o Sistema de Educação.
A escola estadual "A"
A tabela a seguir expõe o processo de transferência dos recursos do PDDE
para a escola estadual "A":
Tabela 2 – Número de matrículas e recursos do PDDE recebidos pela escola "A"
Número de matrículas
Recursos recebidos pelo PDDE
Ano
Fundamental
Médio
Total
Custeio
Capital
Total
1.135
1.782
1.116
1.188
1.171
1.086
123
504
961
1.184
1.035
1.905
1.620
2.149
2.355
2.121
8.600,00
12.000,00
8.600,00
8.600,00
8.600,00
8.510,40
1.700,00
2.400,00
1.700,00
1.700,00
1.700,00
2.127,60
10.300,00
14.400,00
10.300,00
10.300,00
10.300,00
10.638,00
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Fonte: Seduc.
É necessário atentar para o fato de que, embora a escola estadual "A" seja
de ensino fundamental e médio, o repasse dos recursos do PDDE tomam como
referência apenas o número de alunos matriculados no ensino fundamental, isto
é, as matrículas contabilizadas são as desse nível de ensino. Por isso, é possível
compreender por que, no ano de 2000, ela recebe mais recursos do PDDE do que
em anos posteriores, quando o total de alunos é superior ao do referido ano. Isso
ocorre porque, desde a sua implantação, conforme a tabela, é no ano de 2000 que
a escola "A" ultrapassa a faixa de 1.001-1.500 (precisamente 1.782) alunos de
Ensino fundamental, o que modifica o montante recebido pela escola, em consonância com a Resolução nº 3/97, do FNDE.
É possível depreender, também, a partir da tabela acima, que, se por um
lado, houve uma redução do número de alunos do ensino fundamental, por outro,
Programa Dinheiro Direto na Escola
85
no que concerne ao ensino médio, o número de alunos que se beneficiam indireta ou
extensivamente do Programa teve um aumento considerável, passando de 123, em
2000, para 1.035 (841%) em 2004, tendo alcançado, no ano de 2003, 1.184 (962%).
Outro aspecto que pode ser levantado é o fato de que se leva em conta
somente os alunos de ensino fundamental – o número de matrículas tem sido
praticamente o mesmo, com exceção do ano de 2000 –, tendo havido um significativo aumento do número de matriculados no ensino médio. É razoável considerar, na prática, que o valor destinado a cada aluno está dividido por dois, o que
significa dizer que o benefício está cobrindo meio aluno. Esse é o caso das matrículas de ensino fundamental e médio, no ano de 2004, que, respectivamente,
foram: 1.086 e 1.035.
Como se pode observar, não houve aumento dos recursos repassados
pelo PDDE por não ter ocorrido aumento no número de matrículas do ensino
fundamental.
No âmbito da gestão do Programa, não obstante o fato de os recursos
serem destinados à escola, a gestão desses recursos é de responsabilidade da
unidade executora, nesse caso, o Conselho Escolar, também responsável pela
gestão dos demais recursos descentralizados.
Os entrevistados afirmam que o Programa Dinheiro Direto na Escola modificou a gestão da escola em diferentes aspectos: quanto à disponibilização de
material escolar, aos recursos para o trabalho, à qualidade do ensino e à manutenção do aluno na escola. Afirmam que a prestação de contas, antes de ser
encaminhada para a Secretaria de Educação, é apreciada pelo Conselho Escolar.
Desse modo, todos avaliam a gestão do PDDE pelo Conselho de modo positivo.
Apesar de sua avaliação positiva, quando se referem à organização do
Programa, os membros do Conselho reclamam da insuficiência dos recursos e da
burocracia na gestão do PDDE, basicamente em dois momentos: na tomada de
preços e na prestação de contas. No primeiro caso, criticam a necessidade de três
planilhas de preços para valores monetários muito baixos, seja para compra de
material ou de prestação de serviços. Critica-se, em menor grau, a distinção entre
recursos de custeio e capital. No segundo caso, revelam sua dificuldade de compreender as operações matemáticas e contábeis, além da quantidade de notas e
recibos que devem ser apresentados nesse processo.
Como sugestões, eles são uma voz ao reivindicar mais recursos financeiros
do PDDE para a escola estadual "A", além de apontarem para a redução das
exigências burocráticas ("que seja somente uma planilha") e para a necessidade
de treinamentos para membros do Conselho.
É importante destacar alguns elementos: a) o processo de gestão do PDDE
na escola estadual "A" ensaia uma experiência coletiva, em que os membros do
Conselho têm clareza sobre os trâmites exigidos pelo Programa, mas ainda pouco
participativa34; e b) pôde-se constatar que, em nenhum momento, eles se referem
a quem confere as mercadorias recebidas. Esse dado é de extrema relevância,
tendo-se em vista que a gestão do PDDE é uma gestão supostamente coletiva.
34
Entrevistamos conselheiros que desconhecem o montante dos recursos, os nomes ou siglas dos
programas que repassam recursos diretamente para a gestão pelo Conselho Escolar.
86
Programa Dinheiro Direto na Escola
A escola recebe recursos diretamente na sua conta bancária, provenientes
de três programas, sendo dois do governo federal e um do estadual. Os programas do governo federal são: o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae)
ou Merenda Escolar e o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), ora investigado. O Programa do governo estadual é o conhecido Fundo de Manutenção, ou
Pactue.
Os recursos do PDDE administrados pelo Conselho Escolar têm-se mantido
praticamente os mesmos. No entanto, em 2004, devido ao PDDE emergencial,
houve considerável aumento no montante de recursos recebidos pela escola estadual "A", como demonstra a tabela a seguir:
Tabela 3 – Recursos descentralizados administrados pela unidade
executora da escola estadual "A"35
Período
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Total
geral
PDDE
10.300,00
14.400,00
10.300,00
10.300,00
10.300,00
10.638,00
66.238,00
Fundo de
Merenda manutenção
Pnae
Pactue
30.990,00
26.810,00 700,00
35.000,00
29.163,00
34.675,00 600,00
37.830,00 6.138,17
194.468,00 7.438,17
PDE
Total de
recursos
Outros:
PDDE
administraProjeto Emergencial dos pela
Alvorada
– 2004
escola
(1999-2004)
1.600,01
6.000,00 13.250,00
5.093,60
62.000,00
6.000,00 19.943,31 62.000,00
41.290,00
41.910,00
46.900,01
58.713,00
50.068,30
116.606,17
364.487,48
Fonte: Seduc e escola estadual “A”.
Conforme a tabela acima, é possível identificar a importância que os recursos provenientes do PDDE têm para a escola estadual "A", embora quase não
tenha havido alteração no montante desses recursos no período de 1999 (R$
10.300,00, isto é, 24,94% do total recebido pela escola) a 2003 (R$ 10.300,00, ou
seja, o mesmo valor de 1999), com exceção do ano de 2000 (R$ 14.400,00, que
correspondem a 34,35% do total de recursos recebidos pela escola estadual "A"
nesse ano), devido ao aumento no número de alunos matriculados.
Quanto ao ano de 2004, vale ressaltar que o PDDE repassou para a escola
estadual "A" recursos sob duas modalidades: 1) o repasse anual, que regularmente acontece (em 2004, foi de R$ 10.638,00), segundo a tabela acima, desde 1999;
e 2) o repasse para compensar possíveis danos causados às escolas que abrigaram populações carentes em situações de emergência provocadas por fenômenos
naturais, como chuvas, enchentes, etc. Em 2004, a escola estadual "A" recebeu,
conforme tabela acima, a quantia de R$ 62 mil, o que permitiu a reconstrução de
35
Acredita-se ser importante manter o período 1995-1998, embora não haja dados, para demonstrar que
se tem clareza de que as UExs passaram a receber recursos desde sua criação em 1995.
Programa Dinheiro Direto na Escola
87
sua quadra de esportes. Em síntese, do mesmo Programa, a escola recebeu o
montante de R$ 72.638,00, o que representou 62,29% do total dos recursos
recebidos. Pode-se, então, constatar que, com o PDDE emergencial, o impacto
dos recursos repassados pelo Programa altera consideravelmente a importância
que ele passa a ter para a escola.
Um último aspecto que não se deve ocultar é o fato de que o Programa
Dinheiro Direto nas Escolas tem aspectos positivos e negativos. Entre os primeiros, é possível afirmar que o PDDE é uma experiência exitosa de descentralização
de recursos na medida em que consegue organizar formalmente as escolas, por
meio das unidades executoras, em torno da gestão dos recursos recebidos. Entre
os aspectos negativos, citam-se a insuficiência do montante dos recursos recebidos do PDDE e a conseqüente preocupação que se pode gerar entre os membros
das UExs quanto a ter que gerenciar a escassez de recursos. Desse modo, o PDDE
pode contribuir fortemente para que se prepare um importante campo para a
redefinição do papel do Estado em matéria de financiamento educacional, negando-lhe tal responsabilidade ou diminuindo o raio de sua atuação nesse campo.
O Sistema Municipal de Ensino de Teresina
O PDDE foi implantado na rede municipal de ensino em Teresina no ano
de sua criação pelo governo federal, em 1995, denominado inicialmente de Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE), conforme Resolução Federal nº 12/95.
Os procedimentos tomados no início da implantação do PDDE em Teresina
tiveram como órgão de mediação a antiga Delegacia do Ministério da Educação
(Demec), que, até 1998, tinha uma unidade no Piauí. Por intermédio dos diretores
da Demec, foram realizadas as primeiras capacitações dirigidas aos técnicos dos
setores da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Semec) responsáveis mais
diretamente pelo acompanhamento do PDDE, no caso, o setor de Prestação de
Contas, o Núcleo Financeiro e o Departamento de Assistência ao Educando. Conforme informação dos entrevistados, posteriormente, os técnicos dos referidos
setores realizaram treinamentos nas escolas, tendo como suporte o material utilizado pela Demec, assim como passaram a realizar reuniões no início de cada ano
com os diretores e vice-diretores das escolas sobre o PDDE. Já nas escolas recéminauguradas, eram feitas capacitações em torno tanto do PDDE quanto dos demais programas administrados pela Semec.
Outro procedimento no processo de implantação do PDDE nas escolas da
rede municipal de Teresina foi a criação dos Conselhos Escolares e sua transformação em unidades executoras (UExs) à medida que as escolas iam sendo incorporadas ao Programa. No caso de Teresina, a personalidade jurídica, de direito privado,
institucionalizada como responsável pela gestão do PDDE, bem como dos demais
programas que repassam dinheiro para as escolas é o Conselho Escolar.
Pela fonte fornecida pela Secretaria de Educação do ano de 2004, do total
de 153 escolas do sistema municipal de ensino que receberam recursos do PDDE,
153 administraram diretamente, conforme tabela a seguir:
88
Programa Dinheiro Direto na Escola
Tabela 4 – Processo de implantação do PDDE na rede municipal
de educação de Teresina 1999 – 2004
Número de escolas que recebem diretamente o PDDE
Ano
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Número
de escolas
130
136
141
139
133
138
Número
de alunos
Custeio
50.243
54.404
57.727
59.679
56.421
55.546
456.100,00
502.000,00
525.600,00
535.200,00
504.200,00
506.329,06
Capital
78.600,00
89.200,00
94.600,00
97.400,00
92.400,00
118.915,84
Total
534.700,00
591.200,00
620.200,00
632.600,00
596.600,00
625.244,90
Número de escolas que recebem o recurso pela Secretaria
Ano
Número
de escolas
Número
de alunos
1999
2000
2001
2002
2003
2004
43
31
22
19
14
15
2.534
1.861
1.028
909
613
600
Ano
Total
de escolas
Total
de alunos
Total
de recursos
52.777
56.265
58.755
60.588
57.034
56.146
579.400,00
623.100,00
639.000,00
648.900,00
607.800,00
637.258,90
1999
2000
2001
2002
2003
2004
173
167
163
158
147
153
Custeio total
44.700,00
31.900,00
18.800,00
16.300,00
11.200,00
12.014,00
Fonte: Semec, 2004.
* As escolas que recebem pela Semec não são comtempladas com recursos para compra de bens de capital, pois têm
menos de 101 alunos.
Analisando-se a tabela acima, pode-se verificar que o processo de
descentralização dos recursos do PDDE na rede municipal de educação foi bastante acentuado, uma vez que, em 2004, após 10 anos da implantação do programa,
90% das escolas recebem os recursos diretamente. Entre os anos de 1999 e 2004,
observa-se que existiu um aumento de 10% no total dos recursos do PDDE na
rede municipal de educação, enquanto o número de alunos aumentou 6,4%.
A pesquisa procurou saber a opinião dos técnicos do sistema em relação
às vantagens do PDDE para a escola. Nesse ponto, prevaleceram os principais
eixos constitutivos das reformas educacionais dos anos 90 que foram focos de
debates nos anos 80, como descentralização, autonomia e participação, bem como
a utilização dos recursos para aquisição de materiais pedagógicos e permanentes,
conforme as necessidades das escolas, embora a maioria dos entrevistados os
considerem insuficientes.
Quanto às possíveis desvantagens do PDDE, alguns dos entrevistados não
chegam a visualizar nenhuma, sendo poucas as críticas associadas ao período de
Programa Dinheiro Direto na Escola
89
chegada dos recursos nas escolas e ao intervalo entre a chegada e a data prevista
para prestação de contas, considerados exíguos para o bom planejamento e execução do Programa.
Em média, uma escola recebe R$ 11,35 por aluno/ano do PDDE36, o que,
conforme os técnicos do Sistema, está aquém das necessidades da escola, embora alguns entrevistados ressaltem a melhoria na aquisição de material.
Com base nessas considerações, algumas sugestões foram dadas pelos entrevistados para a melhoria do PDDE, mais direcionadas à revisão do período de
chegada dos recursos nas escolas: "o repasse deveria chegar no início do ano ou se
estendesse até o início das aulas, porque no primeiro bimestre a escola terá um
melhor tempo para aplicação" (técnica 3 – municipal); e ao aumento no montante
dos recursos: "acho que deveria haver uma revisão dessa quantia" (técnica 2 –
municipal), "a sugestão é aumentar os recursos" (técnico 1 – municipal).
Pelo exposto, ao lado dos problemas relativos à quantidade dos recursos
financeiros e outros mencionados pelos entrevistados, as mudanças ocorreram na
forma de obtenção do material didático pela escola, na medida em que diminuiu
a distância entre a escola e a burocracia estatal, mudando a lógica de destinação
dos recursos. Assim, a burocracia estatal foi ressignificada, redistribuindo as funções e atribuindo atividades que antes a escola não tinha, o que faz com que, ao
ampliar suas funções, integrando a gestão financeira, passe a vivenciar os problemas característicos do exercício dessa função.
As unidades executoras (UExs), personalidades jurídicas, de direito privado, responsáveis pela gestão do PDDE nas escolas da rede municipal de Teresina,
são os Conselhos Escolares. A criação dos Conselhos data de 1995 (Decreto nº
2.801/95), mesmo ano de implantação do PDDE em nível nacional e local. Sua
origem está ligada a uma história de debates nos vários níveis e instâncias educacionais governamentais e não-governamentais sobre a descentralização, autonomia e participação, embora com desfechos diferentes após a reforma dos anos 90,
com uma descentralização com escassez de recursos e uma frágil participação da
comunidade nas decisões da escola, o que nem sempre condiz com os documentos oficiais. Enquanto UExs, os Conselhos cumprem uma das exigências do FNDE
para o repasse dos recursos do PDDE para as escolas.
São vários os problemas remetidos aos Conselhos Escolares, sobretudo
quando se referem à representação e à atuação cotidiana nas ações da escola.
Porém, as perspectivas em relação à atuação dos Conselhos estão mais voltadas
para o aspecto financeiro. A administração dos recursos fixa-se, na maioria dos
casos, nos aspectos formais, em que prevalece a assinatura obrigatória dos membros exigidos nos documentos de prestação de contas à Secretaria.
Aliado a esse aspecto, outro diz respeito aos órgãos ligados ao PDDE exigirem a criação de uma entidade de direito privado no âmbito de uma instituição
pública, reconfigurando as Associações de Pais e Mestres, a Caixa Escolar e os
Conselhos Escolares que, em princípio, fizeram parte de um universo de propostas
vinculadas à democratização da gestão pública.
36
O cálculo foi realizado com base na relação entre o total de recursos enviados e o número total de
alunos das escolas que recebem, direta ou indiretamente, recursos do PDDE na rede municipal de ensino,
tendo como referência o ano de 2004.
90
Programa Dinheiro Direto na Escola
Essas questões são pertinentes porque dizem respeito às relações entre o
público e o privado na educação brasileira, que vêm sendo ampliadas sob diferentes formatos no âmbito da administração das instituições públicas de ensino,
dentro do parâmetro denominado público não-estatal. De outro modo, enquanto
aos Conselhos foram atribuídas funções mais amplas, às UExs foram atribuídas
funções primordialmente financeiras e, secundariamente, pedagógicas, acrescentando-se a função de administrar recursos arrecadados fora dos transferidos pelos
órgãos públicos.
Cabe registrar que a inserção do PDDE na rede pública municipal de ensino de Teresina contribuiu para influenciar a criação de outras propostas de
descentralização financeira para as escolas em nível local, a exemplo do Programa
Fundo Rotativo, mantido com recursos da prefeitura, mas com gestão similar ao
PDDE, ou seja, administrados pelas unidades executoras.
Além do PDDE e do Fundo Rotativo, outro Programa de descentralização
de recursos para as escolas que vem sendo executado em nível municipal é o
Programa de Alimentação Escolar (Pnae) do governo federal. Esse Programa também guarda similaridades com o PDDE no aspecto da gestão, na medida em que
as escolas aptas a receberem os recursos diretos devem ter constituído uma
unidade executora37.
A escola da amostra municipal de Teresina
O PDDE foi implantado na escola no ano de sua criação e também de
formação do Conselho, sendo pauta de reunião logo no segundo encontro, em 31/
8/95. A tabela de sistematização dos dados financeiros também é uma referência
da implantação do PDDE na escola, embora ele permita retomar o processo apenas após 1999, dada a dificuldade de acesso aos dados dos anos anteriores.
Assim, inicialmente, apresenta-se a Tabela 9 com informações sobre os recursos
financeiros administrados pela escola.
Tabela 5 – Matrículas e recursos do PDDE recebidos pela escola
Número de matrículas
Recursos recebidos pelo PDDE
Ano
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Infantil
Fundamental
Total
Custeio
Capital
Total
50
50
52
50
53
77
1.009
926
1.013
1.017
1.019
1.010
1.059
976
1.065
1.067
1.072
1.087
8.600,00
7.500,00
8.600,00
8.600,00
8.600,00
7.189,60
1.700,00
1.400,00
1.700,00
1.700,00
1.700,00
1.799,40
10.300,00
8.900,00
10.300,00
10.300,00
10.300,00
8.987,00
Fonte: Semec/Setor de Prestação de Contas.
37
Em 2004, segundo dados da Semec, o total de recursos do Fundo Rotativo transferido para as escolas
municipais foi de R$ 777 mil representando um valor superior em 18% aos recursos transferidos pelo
PDDE (R$ 637.258,90) no mesmo ano.
Programa Dinheiro Direto na Escola
91
A Tabela 5 evidencia que não houve aumento significativo no número de
alunos contemplados com os recursos do PDDE entre o período de 1999 e 2004,
qual seja, 1%, embora tenha ocorrido uma queda de 12,8% nos recursos entre os
mesmos anos, sem que seja registrada a justificativa para tal queda, uma vez que
não decorreu da diminuição no número de matrículas em 2004.
A escola "A" administrou, em 2004, do PDDE, um per capita por aluno-ano
do ensino fundamental de R$ 8,90, ou de R$ 8,27, se consideradas as matrículas
da pré-escola, que, embora não sejam computadas para o recebimento dos recursos, são beneficiárias indiretas. Em 2003, ano que não se observa queda no
repasse, foram R$ 9,61 por aluno-ano do ensino fundamental.
O processo de decisão sobre as prioridades na utilização dos recursos da
rubrica capital passa pela unidade executora, no caso, o Conselho Escolar, mas
conta com uma instância introduzida pela Secretaria de Educação em 2003: o
"Orçamento Popular nas Escolas", do qual participam, segundo a diretora da
escola, professores, funcionários, líderes de turmas, líderes comunitários (Associação dos Moradores) e Conselho Escolar.
Não obstante algumas dificuldades na administração dos recursos, as opiniões dos entrevistados sobre o PDDE, em geral, enfatizam suas vantagens, sendo
a principal a chegada dos recursos para o gerenciamento direto pela escola. A
diretora, por exemplo, enfatiza a possibilidade de a escola escolher os produtos
adequados às suas necessidades, considerando a qualidade e a quantidade, o
que, em sua opinião, não ocorreria com a compra centralizada pela Semec. Outra
vantagem do PDDE em relação a outros recursos é a existência da possibilidade
de compra de materiais permanentes e o custeio de pequenas reformas ou reparos na escola, o que os outros recursos descentralizados não permitem.
O fato de o PDDE ser compreendido como um recurso adicional ao repasse
do próprio município, o Fundo Rotativo (professora da escola – municipal), é
destacado como uma vantagem, assim como a transparência exigida para a administração dos recursos, pois "...sem ele, nem sei como seria, porque é mais organizado, as pessoas sempre vêm acompanhando o jeito de distribuir esses recursos que vêm para a escola" (sic) (representante dos alunos – municipal).
As desvantagens são menos citadas, embora haja uma percepção de que a
transferência de recursos diretamente para a escola tenha levado a Secretaria da
Educação a compreender que a escola está amplamente apoiada em suas necessidades, o que não é uma realidade, principalmente pelo pequeno montante dos
recursos transferidos.
A Semec custeia diretamente somente alguns produtos ou serviços maiores,
como ventiladores, armários e reforma do piso da escola, embora, segundo a diretora, isso ocorra com dificuldade. Outras importantes desvantagens do PDDE, apontadas por quase todos os entrevistados, são o pequeno montante de recurso transferido, que não supre as necessidades da escola, e a demora no seu envio. Além
disso, ainda outra desvantagem destacada é a ausência da diretora no cotidiano da
escola devido ao tempo gasto em serviços externos na execução do PDDE.
A orientação com o respeito à divisão dos recursos entre despesas de
custeio e de capital é vista também como desvantagem, uma vez que a escola é
obrigada a respeitar os porcentuais, independentemente das suas necessidades.
92
Programa Dinheiro Direto na Escola
Além disso, o fato de o PDDE exigir sempre a compra dos produtos mais baratos
é criticado no sentido de que "nem sempre o produto mais barato é o melhor, às
vezes a qualidade deixa a desejar quando se faz a pesquisa e se escolhe o
produto mais em conta" (representante dos professores – municipal).
Em relação à autonomia para gerir os recursos do PDDE, observa-se ser
"suficiente até certo ponto, desde que a autonomia esteja dentro da burocracia que
é imposta para a gente. Tem, mas só até aí", como observa a diretora. A autonomia
é apontada, também, como uma maior limitação no que diz respeito à prestação de
serviços porque exige que a empresa prestadora esteja devidamente legalizada
(CNPJ, nota fiscal, etc.), impedindo uma maior economia que seria possível com o
uso da mão-de-obra presente na própria comunidade. Na realidade, na opinião da
diretora, uma autonomia ideal seria aquela que oferecesse uma maior flexibilidade
para administração dos recursos destinados aos pequenos reparos da escola.
Ainda em relação à autonomia, investigou-se a existência de mudança no
padrão de gestão após a implantação do PDDE. A direção da escola verifica que
mudou a questão da qualidade do material utilizado no seu cotidiano; que houve
uma efetiva priorização dos materiais realmente necessários para a escola; que
tais materiais estão mais adaptados às suas necessidades (a merenda é citada
como um exemplo de adaptação dos produtos ao perfil e gosto dos alunos) e que
os recursos são mais bem administrados.
Quanto às sugestões para a melhoria do Programa, são indicados pelos
entrevistados: diminuição da burocracia para as compras; procedimentos que
impeçam os atrasos dos repasses que prejudicam sua execução e protelam as
necessidades da escola e, principalmente, o aumento dos recursos.
A unidade executora da escola administra, além dos recursos do PDDE,
outros recursos, os quais apresentam procedimentos burocráticos próprios, similares ou não ao PDDE, o que, por vezes, segundo a diretora da escola, terminam por
dificultar sua execução. Entre os recursos administrados, destacam-se: as parcelas
regulares dos recursos do Programa Nacional da Alimentação Escolar (dez parcelas
anuais) e o Fundo Rotativo repassado pela Secretaria Municipal de Educação, em
duas parcelas anuais, no primeiro semestre (cuja aplicação deve se restringir às
despesas de custeio). Além dessas duas fontes regulares, a escola recebe recursos
para a preparação da participação na Feira do Conhecimento (evento anual que
envolve todas as escolas municipais), tendo participado de duas fases do Plano de
Desenvolvimento da Escola (PDE), nos anos de 2001 e 2004.
No sentido de ter uma noção dos recursos administrados pela escola em
relação ao papel desempenhado pelo PDDE como pioneiro no processo de
descentralização de verbas para as unidades executoras/Conselhos das Escolas, a
Tabela 6, mostrada na página seguinte, explicita esse processo.
No primeiro ano exposto na tabela, 1999, o PDDE representava 46,2% dos
recursos administrados diretamente pela escola, sendo os demais referentes à
merenda escolar. Em 2000, ano em que a escola recebeu os recursos do Programa
de Adaptação dos Prédios Escolares (Pape), financiados pelo Fundescola, essa
verba representou 82,4% de todos os recursos recebidos, exigindo procedimentos
bem específicos por parte do Conselho Escolar, como licitação e fiscalização de
obras, entre outros procedimentos complexos para a gestão escolar.
Programa Dinheiro Direto na Escola
93
Tabela 6 – Recursos descentralizados para a escola municipal "A"
Recursos recebidos da administração pública e geridos
pela unidade executora
Ano
PDDE
1999
2000
2001
2002
2003
2004
10.300,00
8.900,00
10.300,00
10.300,00
10.300,00
8.987,00
Merenda
Fundo
Rotativo
19.593,60
27.706,00
28.480,00
12.000,00
5.500,00
5.500,00
8.250,00
8.250,00
8.250,00
PDE
Total de
recursos
administrados pela
escola
Outros
*Pape
67.200,00
12.000,00
12.000,00
-
22.300,00
81.600,00
27.800,00
38.143,60
46.256,00
57.717,00
Fonte: Semec/Setor de Prestação de Contas.
* Foi excluída a coluna referente aos recursos próprios gerados pela escola, devido à não-obtenção de dados.
** Pape – Programa de Adequação de Prédios Escolares.
Em 2004, o PDDE representou apenas 18,1% dos recursos, enquanto os
recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar representaram 41,2%, o
Fundo Rotativo, 16,6%, e o PDE, 24,1%. Esses dados revelam o acelerado processo de descentralização de recursos, pois, em geral, houve um aumento de cerca
de 150% nos recursos repassados diretamente para a administração escolar, pela
unidade executora, de 1999 a 2004, denotando o crescente processo de
descentralização.
Além desses recursos, eventualmente a escola promove alguma atividade
(bingo, festinha) para a arrecadação de recursos para fins determinados, a exemplo da formatura dos alunos da 8ª série, embora, segundo os relatos, esses
recursos não sejam significativos, principalmente porque a "comunidade é muito
pobre" (representante dos pais – municipal). Além disso, tais recursos não são
administrados pela UEx.
A escola da amostra de educação especial
A amostra de educação especial é composta por uma escola vinculada à
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), o Centro de Recuperação e
Profissionalização Integrado, por ser aquela entidade a mais expressiva em termos de atendimento a portadores de necessidades especiais no Estado.
O PDDE foi implantado na Apae em 2001, ano em que os gestores da
instituição tomaram conhecimento do Programa. As providências tomadas no processo de sua implantação deram-se por meio do MEC/FNDE, com informações
diretamente para a Apae sobre como fazer uso dos recursos e repasse de documentação necessária à liberação. O MEC fez a abertura da conta bancária em
nome da Apae, ficando a presidência, por meio do Setor de Contabilidade, responsável pelo recebimento anual dos recursos e pelo repasse às escolas, transformados em material de consumo e permanente, tendo como base as solicitações
das diretoras.
94
Programa Dinheiro Direto na Escola
A Apae recebe anualmente R$ 11.700,00 do PDDE para serem distribuídos
entre as duas escolas de sua responsabilidade, ficando R$ 6.900,00 para o Centro
de Recuperação e Profissionalização Integrado e R$ 4.800,00 para a Escola de
Educação Especial Professora Consuêlo Pinheiro, divididos, respectivamente, em
metade para custeio e metade para capital, como mostra a tabela abaixo:
Tabela 7 – Sistematização dos dados financeiros da Apae – Teresina-PI
Ano
Custeio
Capital
Total
2001
2002
2003
2004
5.850,00
5.850,00
5.850,00
5.850,00
5.850,00
5.850,00
5.850,00
5.850,00
11.700,00
11.700,00
11.700,00
11.700,00
Fonte: Apae.
A tabela mostra o recebimento dos recursos do PDDE desde o período de
sua implantação, permanecendo o mesmo valor após quatro anos de existência
na instituição, sem apresentar nenhuma evolução. Como a Apae faz a distribuição
dos recursos para as escolas em forma de material permanente e de consumo,
conforme solicitações das diretoras, não é possível precisar os valores definidos
em custeio e capital para as escolas.
Além do PDDE, a Apae recebe recursos da Secretaria de Estado de Assistência Social (SAS), da Prefeitura Municipal de Teresina (PMT), do Sistema Único
de Saúde (SUS), do Ministério da Educação (MEC), dos Sócios, do Exame do
Pezinho, do Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (Paed), de doações e de atividades
como feiras, bingos, feijoadas, etc., perfazendo um montante de R$ 138.277,90,
conforme a tabela abaixo:
Tabela 8 – Outros recursos recebidos pela Apae
Ano
Paed
Exame
Pezinho
SAS
SUS
PMT
MEC
Serse
Sócios
Doações
10.755,00 9.082,70 9.571,05
51.833,95 149.348,07 97.267,06 20.000,00
2001
28.809,14 126.227,64 116.830,86 28.000,00 62.669,34 7.592,40 9.362,50 22.204,97
2002
7.845,00 14.688,95
2003
2004 11.825,50
114.752,40
Fonte: Apae.
A Apae não possui uma unidade executora com a finalidade de gestão do
PDDE. A decisão sobre a utilização tanto dos recursos do PDDE quanto dos outros
recursos recebidos pela instituição é de responsabilidade da sua diretoria, com
apoio dos associados, pais e pessoal docente e não-docente, levando em conta o
Programa Dinheiro Direto na Escola
95
conjunto dos recursos arrecadados pela entidade. Por outro lado, a escola não
administra nenhum recurso diretamente, apenas executa as funções tradicionais
do ensino e auxilia na tomada de preços.
Quanto à prestação de contas, como a Apae recebe os recursos diretamente do MEC/FNDE, não tendo responsabilidade com os sistemas de ensino locais,
envia os dados referentes às contas para o FNDE, ao tempo que deixa à disposição dos órgãos de controle interno e externo os mesmos documentos para possíveis fiscalizações, conforme Resolução nº 4, de 27 de março de 2003, que dispõe
sobre os critérios de atendimento e sobre as formas de transferência e de prestação de contas dos recursos do PDDE destinados às escolas de educação especial.
De acordo com a responsável direta pela contabilidade dos recursos financeiros, não há nenhuma dificuldade na gestão dos recursos do PDDE, seja na
tomada de preços, seja na compra dos produtos, seja na prestação de contas, por
dispor de experiência suficiente nessa função.
O PDDE é considerado um programa de grande importância para a escola
pelos membros da Apae. Suas principais vantagens estão, segundo uma das entrevistadas, na aquisição de material didático para o aluno e para o professor,
contribuindo na melhoria da qualidade do ensino-aprendizado e na melhoria dos
equipamentos para as escolas.
Quanto às desvantagens do PDDE, a diretora da escola afirma não haver
nenhuma, embora a falta de recursos para o andamento das atividades da escola
seja um dos problemas mencionados, alegando-se que os recursos não são suficientes para suprir as necessidades por não contemplarem os pedidos das listas
por ela elaboradas, o que constantemente requer a elaboração de projetos para
realização de parcerias com a iniciativa privada e com a comunidade local.
O que podemos considerar a partir dos documentos analisados, das entrevistas realizadas, dos estudos e das discussões, além de levar em conta as alterações
que têm ocorrido com o Programa no âmbito de suas instâncias federais, é que a
pesquisa apontou a direção certa do propósito do PDDE: este pretendia criar um certo
espírito racionalizador que, paulatinamente, prescindisse da ação estatal como responsável pela manutenção da escola ao tempo em que transferia aos cidadãos organizados em unidade executora a responsabilidade pela escola. Evidentemente, o PDDE
é uma das políticas e não a política de redefinição do papel do Estado na educação.
3.3
Estado do Mato Grosso do Sul
Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul
A Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul, promulgada em 5 de outubro de 1989, fundamentada na Constituição Federal, estabeleceu, em seu artigo 189,
parágrafo único que o ensino será ministrado com base, entre outros princípios, na:
"A gestão democrática do ensino público na forma da lei" (inciso VI).
96
Programa Dinheiro Direto na Escola
Após a aprovação da Constituição Estadual, uma primeira tentativa de
regulamentação da gestão das escolas estaduais ocorreu por meio do Decreto
Estadual nº 5.868, de 16 de abril de 1991, ao estabelecer que "cada unidade
escolar contará com um Colegiado escolar, órgão de natureza deliberativa, responsável pelas ações de coordenação e avaliação das atividades administrativas e
pedagógicas da unidade escolar (art. 9º)", integrado pelo diretor da unidade
escolar (membro nato e secretário executivo), até três representantes da coordenação pedagógica, dos pais, dos alunos, dos professores e dos funcionários administrativos (art. 10), sendo que seus membros deverão ser eleitos pelas respectivas categorias para um mandato de dois anos, sendo permitida a reeleição (art.
10, parágrafo único) (Mato Grosso do Sul, 1991).
A partir daí, as escolas estaduais passaram a eleger o seu colegiado, sendo que a primeira eleição para diretor aconteceu em 22/6/91, com voto secreto;
em 3/7/1991, foram eleitos os membros do Colegiado Escolar cujo voto poderia ser
secreto ou por aclamação em assembléia (Fernandes, 1997, p. 70).
O Estado de Mato Grosso do Sul aderiu ao Programa Dinheiro Direto na
Escola (PDDE) em 1995, ano de sua implantação, sendo definida a Associação de
Pais e Mestres (APM), entidade existente nas escolas do Estado desde a década
de 80, como unidade executora, apesar de as escolas estaduais contarem, desde
1991, com o Colegiado Escolar. Atualmente, todas as escolas da rede estadual de
ensino, dos 78 municípios de Mato Grosso do Sul, têm a sua unidade executora.
A APM de cada escola tem o seu Estatuto, elaborado segundo modelo
fornecido pela Secretaria de Estado de Educação. Conforme o art. 2º desse Estatuto,
A Associação de Pais e Mestres, pessoa Jurídica de Direito privado, com a designação simplificada de APM, instituição auxiliar da Unidade Escolar, terá por
finalidade colaborar no aprimoramento do processo educacional, na assistência
ao educando na integração família-escola-comunidade (Mato Grosso do Sul,
1999).
Ressalta-se que uma discussão mais aprofundada a respeito da gestão
democrática, incluindo o papel do Colegiado Escolar, foi desencadeada no governo de José Orcírio Miranda (1999-2002) do Partido dos Trabalhadores (PT).
Nesse governo, na gestão do secretário Pedro Cesar Kemp Gonçalves, a Secretaria de Estado de Educação elaborou a proposta de educação para a rede estadual de ensino, formulada sob o título "Escola Guaicuru: vivendo uma nova lição",
assentada em três grandes eixos: "a qualidade social da educação", "a democratização do acesso" e a "democratização da gestão" (Mato Grosso do Sul,
2001, p. 3).
Com o objetivo de concretizar a proposta, a Secretaria abriu várias frentes
de trabalho, estando, entre elas, o Movimento Constituinte Escolar, entendido como
um instrumento estratégico de mobilização de todos os trabalhadores da educação e da sociedade em geral para a construção coletiva de um projeto educacional comprometido com a transformação social e com a formação do cidadão na
sua acepção mais plena, tendo em vista a construção do Plano de Educação
para a Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul (Mato Grosso do Sul,
2001, p. 3).
Programa Dinheiro Direto na Escola
97
As sugestões emanadas dos seminários escolares e das propostas das
Políticas Educacionais da Secretaria de Estado de Educação constituíram-se em
objeto de análise, debate e aprovação no Congresso Estadual da Constituinte
Escolar, com a participação de delegados nos fóruns de debates e decisões, realizados de 26 a 28 de junho de 2001 em Campo Grande (MS). No elenco de temas,
destaca-se a "Gestão Democrática", apontando, principalmente, "para a necessidade de uma gestão genuinamente colegiada, na qual os pares compreendam
essa função social da escola e atuem de forma a representar cada segmento
partícipe da comunidade escolar".
Com base no entendimento de que o Colegiado Escolar deveria ser o
principal instrumento da gestão escolar, exercendo seu papel como órgão consultivo, deliberativo e avaliativo, tanto nas questões administrativas, quanto nas
pedagógicas ou financeiras, a Secretaria entende que:
O destinatário dos repasses financeiros das verbas públicas federais ou estaduais, nessa lógica, seria o Colegiado Escolar, a quem cabe geri-los democraticamente, ouvindo a comunidade escolar, tendo como parâmetro a legislação vigente. O Colegiado Escolar passaria a ser a Unidade Executora, com caráter
jurídico, para que este possa, junto à comunidade escolar, planejar, aplicar e
acompanhar o gerenciamento de todos os recursos públicos destinados à Educação (sic) (Mato Grosso do Sul, 2001, p. 51-52).
Assim foi encaminhada para votação, no Congresso Constituinte, a proposta do Colegiado Escolar como unidade executora, nos seguintes termos:
1a. O Colegiado Escolar, unidade executora da unidade escolar, passará a gerenciar
os recursos públicos federais e estaduais, com o objetivo de fortalecer a gestão
colegiada;
1b. Os Colegiados Escolares passarão a gerenciar os recursos públicos federais e
estaduais, juntamente com a APM;
1c. Manter o gerenciamento dos recursos públicos pela APM e as funções
avaliativas, deliberativas e consultivas pelo Colegiado Escolar (Mato Grosso do
Sul, 2001, p. 51-52).
No processo de votação, os congressistas decidiram pelo segundo item
entre os demais apresentados, ou seja, "os Colegiados Escolares passarão a
gerenciar os recursos públicos federais e estaduais, juntamente com a APM".
Pode-se dizer que essa decisão dos congressistas expressa uma forma de conciliação. Assim, a APM, entidade da sociedade civil com personalidade jurídica de
direito privado, continua sendo a unidade executora da escola, enquanto o
colegiado, apesar de formado por representantes dos diferentes segmentos da
escola, não tem caráter jurídico (Fachini, Oliveira, 2004).
As informações referentes à implantação e implementação do Programa
Dinheiro Direto na Escola (PDDE) foram apresentadas, nesta pesquisa, por três
pessoas vinculadas ao Sistema Estadual de Ensino, relacionadas diretamente ao
acompanhamento do PDDE na Secretaria Estadual de Educação.
98
Programa Dinheiro Direto na Escola
A Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, órgão executivo do Sistema, além de mantenedora e gestora da rede estadual de ensino está
organizada em três Superintendências. Em cada uma delas, estão inseridas
coordenadorias específicas: Superintendência de Planejamento e Apoio à Educação (Supae); Superintendência de Planejamento e Apoio à Educação (Suped); e
Superintendência de Apoio Administrativo e Operacional (Suaop).
De acordo com os entrevistados, os programas que repassam recursos
diretamente para a escola, atualmente, pelo Fundescola, por meio do FNDE são os
seguintes: Programa de melhoria da Escola (PME) – elaboração do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE); Programa Dinheiro Direto na escola (PDDE) –
segundo o número de alunos registrados no Censo Escolar do ano anterior; Programa Adequação de Prédios Escolares (Pape) – por meio do Levantamento de
Situação Escolar (LSE), em que são priorizados os prédios em situação de maior
necessidade.
Por ocasião da implantação do Programa, a Secretaria de Estado de Educação (SED) realizou palestras, distribuiu cartilhas e prestou orientação à direção
das escolas e ao presidente das unidades executoras, as APMs. Observou-se que
a SED não interfere no desempenho dessas unidades, limitando-se a encaminhar
à escola o documento a ser preenchido pelo dirigente da APM, com a finalidade
de cadastrá-lo no Sistema PDDEnet para o FNDE.
A Gerência de Recursos Financeiros, parte integrante da Superintendência
de Gestão Operacional da Secretaria de Educação, conta com uma pessoa responsável no cargo de gerente administrativo e financeiro, responsável pelo cadastro,
pelo acompanhamento e pela prestação de contas. No entanto, o controle das
contas é feito pela Coordenação Financeira (Cofin) localizada na Superintendência
de Apoio Operacional, que faz o acompanhamento de toda a parte que se refere
aos recursos financeiros das escolas estaduais e emite o parecer final.
Quanto ao acompanhamento da Secretaria às escolas, um entrevistado
afirma que a "orientação e acompanhamento do PDDE são feitos em conjunto
entre Fundescola e Cofin". Afirma, ainda, que a orientação para a organização das
unidades executoras nas escolas é feita "pelo Fundescola e Coordenadoria de
Gestão. Mas não existe um trabalho conjunto dentro da SED". Outro entrevistado
confirma a afirmação de que o "[...] O Fundescola não tem contato com o financeiro – desconhece". Desse modo, fica evidente que não há uma articulação entre
esses dois setores.
Ao ser indagado sobre a relação das escolas com o sistema, o Técnico1
afirma que o PDDE não mudou essa relação, uma vez que:
O PDDE é gestão da escola e não há interferência de Secretaria no processo.
Quem assina o convênio é o Secretário de Educação e é ele quem responde
pelos programas quando algo sai errado. O controle sobre a prestação de contas
é da SED, que encaminha a relação de escolas que estão consolidadas, sem
nenhum problema com as contas (Técnico 1).
O técnico enfatiza, ainda: "a Secretaria, assim, quanto à relação das escolas com o Sistema de Ensino, não interfere na administração dos recursos: é
administrado pela APM da escola em parceria com a direção escolar, porém quem
Programa Dinheiro Direto na Escola
99
decide tudo é o diretor, inclusive o envolvimento do Colegiado". "Quem gasta é
o diretor. A APM só assina, não atua efetivamente. Quem executa é um, quem
responde é outro. Geralmente é a Secretaria que presta contas. A SED também
ajuda na prestação de contas, muitos diretores não sabem fazer." (Técnico 1).
O depoimento da pessoa entrevistada revela que, além de uma fragmentação das ações, as decisões estão concentradas nas mãos do diretor da escola.
A obrigatoriedade da criação de unidade executora nas escolas para
gerenciamento de recursos públicos é entendida como uma "política vinculada
aos acordos com o Banco Mundial. Mas para a escola é melhor, pela agilidade e
autonomia com os recursos" (Técnico 1), sendo que a principal vantagem da
criação das unidades executoras para a organização e funcionamento das escolas
públicas consiste na: "Maior agilidade nas compras da escola. Agora a escola
deve ter a responsabilidade em prestar contas senão não recebe outro repasse e
o Estado fica inadimplente. Não sei como seria outra forma de repasse de dinheiro
para a escola." (Técnico 2).
A respeito do papel das unidades executoras, o Técnico 1 considera que a
Unidade Executora tem o papel "de gerenciar os recursos. Geralmente, não são
feitas reuniões para decidir o que e como comprar, não segue a proposta pedagógica da escola e não passam informações à comunidade, só quando compram
algo que todo mundo cobrava."
O seu depoimento evidencia que os membros da APM não participam das
decisões coletivas relacionadas aos aspectos pedagógicos das escolas, enquanto
o Técnico 2 assinala que a unidade executora tem a "a função de administrar de
maneira eficiente e transparente os recursos repassados para a escola".
Como as unidades executoras são entidades de direito privado, elas arrecadam recursos às escolas, por meio de festas, bingos e eventos diversos. Isso
ocorre, segundo o Técnico 1, pois "o recurso repassado não é suficiente para a
manutenção da escola, e, segundo o Técnico 3, "porque precisam de mais recursos. E também gostam de fazer promoções para a comunidade". Além disso,
acrescentam que o governo dispensa as unidades executoras do pagamento de
tributos porque "os recursos são escassos e muito necessários para a melhoria da
educação" (Técnico 1), além de ser "a única maneira de receberem os recursos"
(Técnico 2).
A respeito do impacto pedagógico do PDDE, vale a pena atentar para o
entendimento expresso pelos entrevistados:
Não houve impacto na aprendizagem, melhoria no atendimento da escola. Quem
controla todo o movimento dos programas na escola é o diretor, que faz reuniões quando julga importante. A escola não tem a cultura da participação, então
o diretor acaba fazendo como quer. Por exemplo, o presidente da APM não
entende sua responsabilidade (Técnico 1).
O objetivo do fundo é a melhoria da aprendizagem. Em MS, isto não foi trabalhado pelos diretores. Tem recurso sobrando, mas não atingem a aprendizagem
dos alunos. Exemplo: na compra de uma TV, não justificam no Plano o uso
didático. Impacto pedagógico não acontece. A escola tem aparelhagem, está
bem equipada, mas o aluno não tem acesso. A questão pedagógica não está
sendo atendida. A escola não faz nada em benefício do aluno (Técnico 3).
100
Programa Dinheiro Direto na Escola
Os Técnicos 1 e 2 apontam que a maior dificuldade do Programa "está na
tomada de preços, principalmente nas escolas do interior, inclusive pela demora
no depósito do recurso nas contas". O Técnico 3 assinala que, além da tomada de
preço, "não respeitam prazos. Não têm idéia do que é custeio e capital, desconhecem a sistemática. Deixam as coisas por conta da SED".
Em síntese, os gestores demonstram uma visão positiva do PDDE, apontando, por um lado, como vantagem do Programa, o fato de ser "uma verba muito
útil para a escola" (Técnico 1) ou de o recurso ser "[...] muito bem aproveitado na
compra de materiais de consumo, nos pequenos reparos, aperfeiçoamento pedagógico e aquisição de material permanente. As compras não passam pela Central
de Compras" (Técnico 2). Por outro, apontam que a principal desvantagem consiste no fato de que "o recurso chega à escola somente no final do ano".
Escola da amostra estadual – escola "A"
A escola estadual da amostra, aqui denominada de escola "A", iniciou
suas atividades no ano de 1981. Em setembro de 1990, foi efetuada a transferência da Escola com a instalação e funcionamento em estrutura organizacional e
padrão em prédio próprio, onde moram professores universitários, médicos, advogados e outros profissionais liberais; no entanto, a escola quase não atende a
essa população Os alunos são oriundos de classe social de baixo poder aquisitivo
e apresentam muitos problemas familiares.
Na escola da rede estadual de ensino, as entrevistas foram realizadas com
a diretora, que atua na escola há 15 anos, sendo 10 anos na direção, e com os
representantes dos segmentos da APM: a presidente da APM, cuja profissão é do
lar, e a representante dos professores.
O PDDE foi implantado na escola em 1998 e recebe, também, recursos do
PDE, Merenda Escolar, Repasse Financeiro do Estado, segundo os entrevistados.
Tabela 1 – Recursos recebidos e gerados pela escola estadual
Nº alunos
PDDE
Ano
2002
2003
2004
Repasse Estado
Merenda PDE***
EF
EM
Custeio
Capital
829
623
726
344
379
333
7.500,00
1.400,00 23.374,00
7.500,00
5.171,04
EF*
EM**
Recursos
da escola
- 4.275,00 1.016,00 1.600,00
1.400,00 16.198,00 10.000,00 4.145,00 1.376,00 2.822,56
1.292,76 17.194,00 10.000,00 4.190,00 1.516,00 1.530,50
Fonte: Estatística/Supae/SED e Registros da EE.
* Fonte 08 – repasse duas vezes ao ano.
** Fonte 00 – repasse duas vezes ao ano.
*** 2003 = 7.000,00 Federal; 3.000,00 Estado/2004 = 5.000,00 Estado; 5.000,00 Federal.
Em relação aos recursos do PDDE, de 2002 para 2004, houve decréscimo
dos valores recebidos, que passaram de R$ 8.900,00 para R$ 6.463,80, ou seja,
menos 27,37%, tendo em vista a diminuição do número de alunos e a manutenção dos valores.
Programa Dinheiro Direto na Escola
101
A escola recebeu, em 2002, o valor de R$ 8.900,00, representando 62,71%
em relação ao repasse efetuado pelo Estado, que foi de R$ 5.291,00 (37,28%). Em
2003, recebeu também o valor de R$ 8.900,00, correspondendo a 61,71% em
relação ao repasse do Estado, de R$ 5.521,00, o que representa 38,22%. Já em
2004, recebeu o valor de 6.463,80, correspondendo a 53,11% em relação ao repasse do Estado, de R$ 5.706,00 (46,89%).
Conforme a diretora da escola, a decisão sobre a aplicação dos recursos
cabe tanto ao colegiado, que acompanha o trabalho da APM, quanto à própria
APM; porém, acentua que "em alguns momentos, não dá para reunir todo mundo
para resolver algum gasto emergente".
A decisão quanto à aplicação dos recursos, conforme as palavras da presidente da APM, confirmadas pela representante dos professores da APM, é a seguinte: "o dinheiro vem pela conta da APM, a decisão é tomada pela direção, que escuta
as sugestões". Já o membro do Colegiado Escolar entrevistado assinala que "a
decisão é pela maioria, apresentada pela direção o que é prioridade da escola".
Isso significa que a decisão, em última instância, fica a cargo da direção da escola.
Quanto à tomada de preços, a diretora afirma:
Fazemos uma tomada de preços, geralmente é a Secretaria que faz, eu também
faço. Recolho panfletos de propaganda de supermercado, entro em acordo com
alguns locais para fazer menor preço. A presidente da APM também ajuda. Depois, frente às necessidades (sic), resolvemos onde e como comprar. A prestação de contas é feita por mim, pela Secretaria, e a presidente da APM e Colegiado
acompanham.
As compras pelo PDDE são basicamente para materiais para o aluno, por exemplo, papelaria. O recurso entra pela conta corrente da APM - Banco do Brasil.
Cada recurso tem uma conta, por convênio. Toda prestação de contas tem que
seguir as planilhas que compõem o processo. Para os recursos gerados pela
escola, existe o livro caixa. A escola não paga imposto de renda, apenas declara
que é isenta.
Os entrevistados não têm encontrado dificuldades na execução do Programa. No relato da diretora: "Depois que a gente acostuma a trabalhar, é fácil.
Primeiro, aplico o dinheiro, depois é feita a pesquisa de preços por panfleto, fax,
e-mail, telefone. O repasse do Estado também é aplicado, mas não pode ser
usado o rendimento."
Quanto às vantagens do Programa, a presidente da APM afirma que o
PDDE "é bom, necessita aumentar a verba". A professora concorda, porém destaca que "o gasto é muito amarrado". Em suma, os entrevistados, em seus depoimentos, foram unânimes com relação aos valores recebidos, afirmando que é
preciso "aumentar os recursos. Rever o valor por aluno".
Sistema Municipal de Ensino de Campo Grande
O Sistema Municipal de Ensino do município de Campo Grande foi criado
pela Lei nº 3.404, de primeiro de dezembro de 1997, com o objetivo de
102
Programa Dinheiro Direto na Escola
promover melhor qualidade educacional, orientar, coordenar e controlar a execução das atividades relacionadas ao ensino no Município, em conformidade
com as diretrizes da legislação vigente e políticas de ação de Governo, embasando
o pleno desenvolvimento do educando e o seu preparo para o exercício da
cidadania (art. 2º).
A Secretaria Municipal de Educação é um dos órgãos que integram esse
Sistema (art. 3º).
Um ponto a ser destacado é que a Lei Orgânica Municipal (LOM) em seu
artigo 168, inciso V, determina a criação de um fundo de manutenção às escolas
da rede municipal de ensino, também segundo tipologia.
O processo de descentralização financeira de recursos às escolas municipais de Campo Grande efetivou-se a partir do ano 2000, com a Resolução Semed
nº 27, de 24 de março de 2000, que estabeleceu critérios para a transferência de
recursos financeiros às unidades escolares da rede municipal de ensino. O art. 2º
define que o Regime de Adiantamento consiste na transferência de recursos às
unidades escolares para despesas como: manutenção, conservação e pequenos
reparos da unidade escolar; aquisição de material de consumo necessário ao
funcionamento da escola; implementação de projeto pedagógico.
Esse adiantamento será concedido mediante a apresentação trimestral de
seu plano de aplicação (parágrafo único). Embora já estivesse previsto na LOM, o
mecanismo de transferência de recursos às escolas ocorreu, somente, após a
implantação do PDDE, podendo ter sido induzido pelo Programa.
No município de Campo Grande, conforme o Decreto nº 8.508, de 7 de
agosto de 2002, a direção escolar é cargo em comissão, de livre nomeação e
exoneração do Poder Executivo entre os servidores do quadro permanente de
pessoal do magistério, mediante processo seletivo, observados os seguintes requisitos: ser servidor estável detentor de cargo de provimento efetivo integrante
do Quadro Permanente de Pessoal do Magistério; possuir habilitação mínima de
curso de graduação, licenciatura plena; possuir experiência mínima de três anos
de efetivo exercício em função de magistério na rede municipal de ensino; participar do curso de capacitação de gerenciamento escolar.
Na Secretaria Municipal de Educação, há um setor denominado Grupo
Orçamentário e Financeiro. Esse setor conta com um técnico responsável pelo
acompanhamento, execução, emissão do parecer e encaminhamento da prestação
de contas ao FNDE desde que o Programa foi implantado na rede municipal.
Assim, a técnica responsável pelo setor, foi a entrevistada da Secretaria Municipal
de Educação (Técnica). Possui formação em Pedagogia e especialização em
Metodologia de Ensino, estando na função e acompanhando o PDDE há oito anos.
O PDDE foi implantado na rede municipal em 1995, quando ainda havia
em Campo Grande a Delegacia do MEC (Demec). As orientações foram feitas por
técnicos treinados pelo FNDE, e o cadastro das escolas foi efetuado pela Demec.
"Nem todas as escolas tinham Associação de Pais e Mestres, a maior parte foi
executada pela prefeitura. Quem tinha APM, a Semed fez uma cartilha orientando
como gastar os recursos" (Técnica).
Conforme registros da escola, as matrículas no ensino fundamental
corresponderam a 604 alunos em 2002, 621 em 2003 e 646 em 2004.
Programa Dinheiro Direto na Escola
103
104
Programa Dinheiro Direto na Escola
Custeio Capital
Total
7.951,61
8.886,72
9.087,74
Merenda Fundo Rotativo*
(RA/PMC)
10.225,17
10.195,23
PDE
10.000,00
Outros**
(Cantinho da leitura)
Outros recursos recebidos da administração pública
Fonte: Registros da escola “B”.
* Recursos recebidos bimestralmente da prefeitura municipal e depositados na conta da direção da escola.
** Recursos recebidos do governo federal em parceria com a prefeitura para a aquisição de livros didáticos.
*** Recursos angariados por meio de festas e eventos promovidos pela Associação de Pais e Mestres.
2002 5.301,00 999,00 6.300,00
2003 5.125,96 1.174,04 6.300,00
2004 5.165,80 1.291,20 6.457,00
Ano
Recursos recebidos
pelo PDE
18.176,78
8.886,72
29.282,97
Total
1.353,04
1.018,91
1.354,00
Recursos gerados pela
própria escola*** (APM)
Tabela 2 – Recursos recebidos e gerados pela escola municipal
25.829,92
16.205,63
37.093,97
Total de recursos
administrados pela escola
A escola recebeu do PDDE, em 2002, o valor de R$ 6.300,00, representando 44,20% em relação ao Fundo Rotativo repassado pela prefeitura municipal,
que foi de R$ 7.951,61 (55,80%). Em 2003, recebeu também o valor de R$ 6.300,00,
correspondendo a 41,49% em relação ao repasse do Fundo Rotativo, de R$ 8.886,72
(58,51%). Já em 2004, o valor foi de R$ 6.457,00, correspondendo a 41,53% em
relação ao regime de adiantamento (RA) repassado pela prefeitura municipal, de
R$ 9.087,74 (58,47%). Assim, nesse período, os recursos repassados pelo PDDE
corresponderam a valores menores em relação aos recursos oriundos da Prefeitura Municipal de Campo Grande e repassados, trimestralmente, à escola.
Desde a implantação do PDDE, a APM constitui a unidade executora das
escolas, sendo regida por um Estatuto padrão para as entidades das escolas do
município. De acordo como art. 2º desse Estatuto, "a Associação de Pais e Mestres (APM), instituição cooperativa da escola, tem por finalidade colaborar no
aprimoramento do processo educacional, na formação do educando e na integração
família-escola-comunidade".
Atualmente, as orientações da Secretaria são feitas por meio de reuniões
com os diretores e secretários das escolas, no sentido de orientá-los sobre como
proceder assim que o recurso é liberado. "Entregamos um manual, elaborado pela
técnica responsável, de como executar e como prestar contas".
Ao ser indagada a respeito da criação das unidades executoras como "entidades de direito privado" para administrar os recursos da escola, a entrevistada
afirma:
Foi criada para receber e executar os recursos repassados pelo FNDE. Deve ser
formada por pessoas interessadas em promover o bom funcionamento da escola
pública e em melhoria da qualidade do ensino por ela ministrado, tendo participação ativa e sistemática na sua gestão administrativa, financeira e pedagógica.
A entrevistada acredita que "foi a melhor forma que o governo federal
encontrou para que esse recurso fosse direto para as escolas sem ingerência
política e desvios de verbas". Quanto às implicações da criação das unidades
executoras para a organização e funcionamento das escolas públicas, a entrevistada considera que:
Como existe um setor na Semed responsável pelas APMs, não houve resistência
por parte das escolas, porque foi exigência do governo federal que se criasse
uma unidade executora para que o recurso fosse direto para a escola. Foi feito
um trabalho de conscientização, trazendo bons resultados, porque hoje temos
85 escolas, todas com unidade executora própria.
Além de gerenciar recursos públicos, as unidades executoras arrecadam
recursos por meio de promoções feitas pela escola, envolvendo a comunidade
escolar: festa junina, festa da primavera, festa do folclore, entre outros. "O que foi
arrecadado é revertido para melhoria do funcionamento da escola e as aquisições
são feitas conforme o que ficou determinado em reunião".
Para a entrevistada, a gestão do Programa não vem encontrando dificuldades, uma vez que "o diretor e o secretário da escola são treinados pela técnica
responsável pelo Programa, e a mesma teve todas as orientações necessárias por
Programa Dinheiro Direto na Escola
105
parte dos técnicos que vieram do FNDE". Ressalta, porém, que a maior dificuldade
de funcionamento das unidades executoras está na própria atuação da APM, na
medida em que: "a comunidade que compõe a Associação de Pais e Mestres precisa ser mais conscientizada da importância do seu papel no contexto escolar".
Em resumo, a técnica entrevistada tem uma visão do Programa considerando que:
O PDDE é um Programa para prover diretamente a escola com recursos financeiros, visando contribuir para a melhoria da sua infra-estrutura física e pedagógica, assegurando as condições indispensáveis ao seu bom funcionamento e reforçando a participação social e autogestão escolar. Com isso, ocorre a elevação
da qualidade do ensino.
Escola municipal da amostra – Escola "B"
A escola municipal selecionada para a pesquisa, aqui denominada de
escola "B", foi inaugurada em 12 de fevereiro de 1999, está localizada em área
urbana, porém afastada da cidade e atende a uma população de baixo poder
aquisitivo. Atualmente, abriga 712 alunos entre os turnos matutino e vespertino,
possui 14 salas de aula com duas turmas de educação infantil, com um total de
58 alunos, 14 turmas de 1ª a 4ª série e 7 turmas de 5ª a 8ª série do ensino
fundamental.
As informações referentes à implantação e implementação do PDDE na
escola foram levantadas por meio de entrevistas, com base em um roteiro de
questões abertas, com a diretora da escola. A diretora tem formação em Pedagogia, atua na função há oito anos e acompanha o PDDE há sete anos.
Foram também entrevistadas as representantes dos diferentes segmentos
da APM/unidade executora: a presidente da APM, que acompanha o PDDE há três
anos, é mãe de dois alunos que estudam na escola, cursa, no momento, a 8ª série
na educação de jovens e adultos (EJA) no período noturno e, durante o dia,
trabalha como autônoma na confecção de bolos; e a professora da escola e vicepresidente da APM, formada em Letras, cursa especialização em Psicopedagogia,
trabalha na função há 15 anos e acompanha o PDDE há três anos.
A escola, conforme as entrevistadas, conta com três programas de repasse de recursos: o PDE, o PDDE, implantado em 2000, e o RA. Conforme relato da
diretora:
O RA, ele é um dinheiro que vem direto para a direção da escola. Esse dinheiro
é para a manutenção da escola. Então, eu faço o quê? O que eu mantenho?
Compro material de limpeza e material pedagógico. O PDDE é uma verba que
vem uma vez por ano para a manutenção, para tudo na escola, nosso trabalho
na rede municipal, nós usamos a verba do PDDE para manutenção, pedagógico,
também da escola. Só não uso para reformas, mas é mais o pedagógico e o
trabalho diário da Secretaria. Agora, o PDE é só pedagógico, é só para o pedagógico, tudo, para comprar material permanente, material de custeio, mas só
para atender ao pedagógico da escola, porque já diz PDE, Programa de Desenvolvimento da Escola (sic).
106
Programa Dinheiro Direto na Escola
No que se refere às decisões sobre a aplicação de recursos provenientes
do PDDE, a diretora afirma:
A APM não chega aqui nessa escola e diz o que quer. Lógico, primeiramente, eu
reúno os professores e ouço as necessidades, a comunidade interna; depois, eu
abro para a comunidade externa. Quando a gente reúne a APM, nós já sabemos
o que queremos, aí nós passamos para a APM, se a APM concorda ou não, o que
a APM deseja. Aí, quando é pedagógico e os pais gostam, a gente faz.
A APM desta escola aqui, ela participa assim. Não é de conviver todo dia na
escola, mas tudo o que eu preciso quando eu vou fazer uma reunião, por exemplo, eu preciso comprar alguma coisa para a escola, ela pergunta em que pode
ajudar, aí todo mundo ajuda.
Os relatos acima evidenciam que a APM não participa, diretamente, do
processo de decisão sobre a aplicação dos recursos, estando essa centralizada
nas mãos da direção da escola.
A esse respeito, são elucidativos os depoimentos, primeiro, da presidente
da APM e, em seguida, da professora, vice-presidente da Associação:
Então, isso é mais assim, convém à diretora, eles que trabalham juntamente com
o secretário, eles que organizam isso daí. [...] Então, a diretora faz uma reunião
com os professores e vê a necessidade da escola, o que a escola está necessitando naquele momento, desde que seja do pedagógico (sic).
Olha, é sempre repassado o que é feito não é? Claro que a direção tem o poder
maior, claro que a direção é democrática na medida do possível, até porque
cada um tem sua função e é habilitado para aquela determinada função, mas
sempre é repassado, ela está opinando também, não que o que a APM determina é lei, há uma troca de idéias.
A professora acrescenta que a maior dificuldade encontrada pela APM para
o seu funcionamento é "a questão do horário mesmo das reuniões, às vezes, falta
um, não dá para atender todos os membros daquele horário; às vezes, alguns
podem no período matutino, vespertino ou no noturno, sempre vai faltar um ou
outro membro, mas as reuniões sempre aconteceram" (sic). Afirma, ainda:
Às vezes, assim, não tem um limite de vezes, de acordo... sentindo a necessidade, nós nos reunimos. Tem Ata, tem o livro Ata, em que é registrado tudo o que
acontece; em nível de financeiro também é o mesmo, administrativo também. Às
vezes, é passada alguma coisa para a APM para ela estar se informando do que
está acontecendo na escola (sic).
A respeito da decisão sobre a aplicação dos recursos, a diretora relata:
O PDDE, nós fazemos uma planilha de gasto do que vamos fazer e mandamos
para a Secretaria para ser analisado tudo o que a gente faz. Por exemplo, eu
não posso comprar dez caixas de papel sulfite, eu posso comprar cinco, mas
se a APM decidiu dez, eu mando dez e reponho, assim, cem caixas de lápis,
trezentos cadernos, quinhentos cadernos, tudo o que for para ser comprado
com a verba é enviado para o setor financeiro da Secretaria de Educação para
Programa Dinheiro Direto na Escola
107
eles verificarem e financiarem, mas podem falar 'dá para você comprar essas
dez caixas, dá para você comprar cinco, não é permitido'. Aí, eu reúno a APM
e falo: 'olha, não vai ser possível dez, apenas cinco, mas dá pra comprar esses
750. Aí, eles concordam. Nunca tivemos problemas. Aí, depois que é autorizado, a gente vai ao banco e abre uma conta (...) (sic).
E a presidente da APM acentua:
Então, a gente vai no banco, a gente é chamado para ir num determinado
banco. Chega lá, o gerente apresenta para a gente a quantidade que tem lá, a
escola faz uma documentação do valor que tem lá, eles fazem assim é... Eles
fazem um projeto, eles reúnem os professores, os pedagogos e vêem qual é a
necessidade da escola, porque a verba é gasta só com o pedagógico da escola,
então, cada um fala o que tem que fazer, e aí eles fazem um projeto e vai gastando conforme está no projeto (sic).
Os depoimentos acima evidenciam que a escola elabora planilhas referentes à aplicação de recursos, encaminhando-as à Secretaria de Educação para aprovação. Isso significa que as decisões estão concentradas, de fato, na Secretaria de
Educação, o que pode comprometer o exercício da autonomia da escola.
Esse procedimento pode ser entendido como uma forma de controle, não
assumida pela Secretaria e não questionada pela direção da escola, talvez pelo
fato de que os cargos de direção das escolas municipais são de "confiança" do
prefeito municipal em comum acordo com a secretária municipal, embora sejam
definidos alguns critérios para essa indicação.
Percebe-se uma contradição entre o procedimento assinalado e a afirmação da gestora do sistema de que o PDDE "[...] reforça a participação social e
autogestão escolar. Com isso, ocorre a elevação da qualidade do ensino."
Ainda, segundo a diretora, os recursos do PDDE (custeio e capital) são
utilizados, principalmente, para a compra de material com o objetivo de atender
às necessidades pedagógicas.
Com relação às vantagens do Programa, a diretora expressa o seguinte:
O PDDE, para mim, é uma vantagem, assim, que eu nem posso imaginar... onde eu
sei que eu vou manter a escola o ano inteiro. Eu compro desde papel sulfite, papel
higiênico, tudo, material de limpeza, material pedagógico, eu compro material
permanente, compro tudo para a escola. Dentro daquele dinheiro que eu tenho,
eu falo que a comunidade, ela quer saber, assim, o que você precisa para a escola:
"Arlene, a escola precisa de quê?" Aí, eu digo, e eles aceitam (sic).
Já a principal dificuldade do PDDE para a escola refere-se à prestação de
contas:
Olha, o que eu acho mais difícil no PDDE é a prestação de contas. A prestação
de contas é a coisa mais chata que tem, não pode sobrar um centavo, porque a
gente tem que controlar toda semana, porque eles cobram CPMF. Eu tive vantagem porque, nesta escola aqui, eu não paguei CPMF. Mandei uma cartinha para
o banco, e o banco liberou. Então, foi fácil. Eu controlava o dia e ia, aí sobra
108
Programa Dinheiro Direto na Escola
verba quando a gente faz a licitação, tem que fazer uma nova, então, eles dão
prazo de uns três meses para a gente gastar e gastamos quase tudo, assim... eu
atendo o pedagógico da escola, eu atendo o administrativo da escola. Aí é que
eu vejo a desvantagem, porque não gosto disso (sic).
A escola de educação especial da amostra integra a rede estadual de
ensino, atende alunos deficientes da audiocomunicação, oferecendo à pessoa
surda, a partir de 14 anos, vários programas.
As informações na escola de educação especial foram levantadas por meio
de entrevista concedida pela diretora, que trabalha há 10 anos na escola e desempenha a função há cinco anos. A diretora possui formação em Letras e Pedagogia
e especialização em Educação Especial. Segundo a diretora, a escola recebe recursos dos seguintes programas: PDE, Merenda Escolar e Repasse Financeiro do
Estado. Recebe, ainda, recursos do PDDE, desde 1998, por meio da APM.
Conforme registro da escola, as matrículas no ensino fundamental
correspondem a 198 alunos, em 2003, e 171 alunos, em 2004.
Tabela 3 – Recursos recebidos e gerados pela escola municipal
de educação especial
Ano
2003
2004
PDDE
Custeio
Capital
2.300,00
2.271,40
400,00
517,00
Repasse
Merenda de
Setass
Repasse Estado
EF*
3.016,00 20.000,00 1.000,00
5.148,00 20.000,00 1.000,00
EM
Recursos
da escola
-
1.570,00
3.176,00
Fonte: Coordenadoria de Planejamento/Estatística/Supae/SED e registros da escola especial.
* Fonte 08 – repasse duas vezes ao ano.
Conforme Tabela 3, a escola recebeu, em 2003, o valor de R$ 2.700,00 do
PDDE, correspondendo a 10,68% em relação aos recursos recebidos da Secretaria
de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária (Setass), ou seja,
R$ 22.570,00 (89,32%), e a 27,02% em relação ao repasse de R$ 1 mil feito pelo
Estado. Em 2004, os recursos do PDDE, no valor de R$ 2.788,40, representaram
10,35% em relação aos recursos da Setass, no valor de R$ 24.176,00 (89,65%); e
em relação ao repasse do Estado, no valor também de R$ 1 mil, correspondendo
a 26,40% do total dos recursos recebidos.
A diretora acentua que, enquanto o colegiado é escolhido "por eleição, os
membros da APM são escolhidos por convite, consenso, por aclamação. Não tem
movimento político".
Fica claro, na fala da entrevistada, que a APM recebe somente os recursos,
ficando a decisão sobre a sua aplicação ao Colegiado. "A APM recebe o recurso.
Fazemos reunião com o Colegiado e deliberamos os gastos. Fazemos pesquisa
junto aos segmentos para ver o que julgam ser mais urgente comprar, por exemplo, o portão automático - a solicitação foi de todos (2005)" (sic).
A diretora acrescenta que as reuniões "são feitas mais com o Colegiado. A
APM quase não se reúne. Só para prestar contas. Quem faz a documentação é a
Secretaria". As reuniões são realizadas durante o período de aulas. A APM está
Programa Dinheiro Direto na Escola
109
mais voltada aos "problemas internos e sobre as contas, promoções". Porém há
uma "boa convivência" entre eles, na medida em que "cada um tem uma tarefa",
tanto que: "No dia-a-dia que passam as informações às mães, pois a maioria fica
aqui na frente. Elas não voltam para casa porque é longe e caro. Aqui as mães são
presentes direto, tem até uniforme para identificá-las. Temos algumas aulas de
trabalhos manuais e outros cursos para quem quer fazer" (sic).
A diretora considera que o PDDE é bom, porém destaca que os recursos
são poucos, já que "nós temos muitas necessidades e especificidades diferentes
das outras escolas. Nossos materiais são muito caros". Aponta como principal
vantagem do Programa para a escola o fato de o "dinheiro vir direto". Entretanto,
destaca como desvantagem o fato de se "receber igual à escola regular. Nós
temos menos alunos, então, acabamos recebendo menos, mas o gasto é maior
devido ao atendimento diferenciado".
Quanto à gestão do Programa, enfatiza que "a prestação de contas não é
difícil. O problema é receber como as outras escolas. A escola especial tinha que
ter outro critério", apresentando como sugestão para melhorar o PDDE: "Verificar
um recurso maior para a per capita da escola especial. A composição das nossas
salas de aulas seguem a Deliberação Estadual, por exemplo, oito alunos/sala por
deficiência; quatro alunos/sala para deficiência múltipla. Temos poucos alunos"
(sic).
As informações levantadas na rede estadual e na rede municipal de ensino
revelaram que tanto o Estado de Mato Grosso do Sul quanto o município de
Campo Grande aderiram ao PDDE no mesmo ano em que foi implantado pelo
FNDE em nível nacional. Em ambas as redes, a opção política foi pela APM,
entidade que já atuava nas escolas das redes como unidade executora de direito
privado, apesar da existência do Colegiado Escolar, no caso da rede estadual,
instituído por decreto governamental no ano de 1991, formado pelos diferentes
segmentos da comunidade (diretor, coordenador pedagógico, professor, pai, aluno e técnico-administrativo). Com isso, a APM é revitalizada nas escolas dessas
redes.
As entrevistas realizadas com os sujeitos do sistema estadual e municipal,
assim como com a direção e membros da APM das escolas, mostraram que, no
momento da implantação do Programa e no decorrer da sua implementação, não
houve preocupação no sentido de se construir um debate relacionado à gestão,
estrutura ou obrigatoriedade da unidade executora, uma vez que se trata de uma
unidade de direito privado.
Esse debate foi levantado somente no interior do movimento da Constituinte Escolar, na gestão do PT, tendo em vista a proposta de educação para a rede
estadual e de gestão democrática defendida pela Secretaria de Educação. Esse
movimento mostrou que um debate não surge espontaneamente, mas é construído
por sujeitos históricos conscientes das contradições que se manifestam em uma
determinada conjuntura política e econômica.
As entrevistas na escola da rede estadual e na escola da rede municipal
revelaram que a APM/unidade executora pouco interfere nas decisões referentes à
aplicação dos recursos do PDDE. O seu trabalho limita-se, praticamente, a acompanhar essas decisões e a assinar documentos. As entrevistas mostraram, ainda,
110
Programa Dinheiro Direto na Escola
que as decisões estão basicamente concentradas nas mãos do diretor, reforçando
uma prática centralizadora. O trabalho que a APM vem desempenhando é mais no
sentido de arrecadar recursos para a escola e aprovar as contas, na medida em
que não define, por exemplo, o regimento, não aprova e acompanha a proposta
pedagógica e não avalia - em suma, somente executa.
Da mesma forma, a APM, como unidade executora da escola especial,
integrada ao Sistema Estadual, segundo a entrevistada, não decide sobre a aplicação dos recursos e não acompanha efetivamente a sua aplicação, ficando essa
tarefa a cargo da direção, juntamente com o Colegiado Escolar. A escola especial,
mesmo sendo uma escola do Estado, reivindica para si recursos diferenciados dos
recebidos pelas escolas de ensino regular.
Observou-se que a relação das escolas com os sistemas ocorre de forma
diferenciada. A Secretaria de Estado de Educação não interfere na execução do
PDDE, enquanto a Secretaria Municipal de Educação relaciona-se mais diretamente com a escola, chegando a aprovar planilhas de aplicação de recursos. Nesse
sentido, pode-se dizer que o Programa induz mais à burocratização e menos à
gestão democrática.
Assim, diante das informações levantadas, pode-se afirmar que o PDDE
não tem contribuído para a gestão democrática como um instrumento de transformação das práticas escolares, sendo fundamental, para isso, democratizar o debate de modo que todos na escola possam ser sujeitos dele.
As entrevistas revelaram que o Programa não trouxe impacto pedagógico
no sentido de provocar mudanças significativas na aprendizagem dos alunos,
apesar de os recursos de custeio serem aplicados, de modo geral, na compra de
material didático. Tais aplicações são definidas, porém, sem a devida articulação
com a proposta pedagógica da escola. Esse aspecto foi manifestado, principalmente, pelos gestores do sistema estadual.
Em síntese, de modo geral, os entrevistados, tanto do Sistema Estadual
quanto do Sistema Municipal, têm uma visão positiva do Programa, uma vez que
o recurso repassado pelo PDDE ajuda a manter a escola funcionando.
3.4
Estado de São Paulo
O PDDE no Estado de São Paulo
As informações apresentadas resultam de pesquisa de campo na rede
estadual de ensino de São Paulo e na rede municipal de Pirassununga. Foram
realizadas observações e entrevistas com gestores, no âmbito do Sistema, e nas
escolas, com pais e com técnicos das Secretarias de Educação. Procedeu-se ainda
à análise documental privilegiando atas de Colegiados Escolares, balancetes das
unidades executoras, e planilhas orçamentárias em diferentes instâncias, além de
consulta a dados estatísticos oficiais, tais como matrículas, funções docentes,
rendimento escolar, entre outros.
Programa Dinheiro Direto na Escola
111
Na rede estadual de ensino foram entrevistadas duas responsáveis por
convênios, vinculadas diretamente à Secretaria de Estado da Educação (a gerente
de projetos e sua assistente), e um dos técnicos responsáveis por convênios entre
as Associações de Pais e Mestres (APM) e escolas que atua em uma autarquia
vinculada à Secretaria de Educação, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE). Na escola foram entrevistados aqueles mais envolvidos com o funcionamento da APM e com o Programa: diretora e vice-diretora e uma professora
(que também é mãe de aluno), membro da diretoria executiva.
No âmbito da prefeitura do município de Pirassununga, entrevistaram-se
três funcionários/técnicos governamentais (o chefe da Seção de Contabilidade e
duas encarregadas do setor de Educação), além dos três últimos Secretários de
Educação (gestões de 1997 a 2005). No âmbito das escolas municipais, entrevistaram-se três pessoas escolhidas conforme o critério de envolvimento direto com
o PDDE: a assistente de direção da escola-sede, uma professora que atuou nessa
escola quando da constituição da APM, e um pai de aluno, membro da APM.
A escolha pela realização da pesquisa em Pirassununga deveu-se à existência de um tipo específico de organização para recebimento dos recursos do
Programa (Consórcio), uma vez que as escolas municipais (grande parte rurais)
individualmente não atingiam o número mínimo de alunos exigido pelo PDDE
para recebimento dos recursos. Situação que, dado o perfil dos municípios brasileiros, deve se repetir com muita freqüência em todos os Estados da Federação.
Caracterização do Sistema Estadual de Ensino
Os dados referentes às matrículas na educação básica no Estado refletem
as grandes dimensões populacionais, conforme podemos verificar na Tabela 1:
Tabela 1 – Dados de matrícula na educação básica por dependência
administrativa no Estado de São Paulo em 2004
Dependência Educação
Ensino
administrativa infantil fundamental
Estadual
Federal
Municipal
Privada
Total
1.071 3.001.513
354
187
1.339.650 2.075.869
445.020
785.386
1.786.095 5.862.955
Ensino
médio
1.763.024
2.100
17.142
263.585
2.045.851
Educação Educação de
especial jovens e adultos
8.726
0
17.022
44.700
70.448
499.820
0
334.227
42.552
876.599
Total
5.274.154
2.641
3.783.910
1.581.243
10.641.948
Fonte: Inep, 2004.
A iniciativa privada tem participação reduzida na educação básica quando
comparada à esfera pública, exceção feita à educação especial, modalidade de
atendimento na qual 63,41% das matrículas ocorrem em escolas privadas.
A maior concentração de matrículas no Estado, quase 50%, encontra-se na
dependência administrativa estadual, que agrega os maiores porcentuais de atendimento no ensino fundamental, ensino médio e na educação de jovens e adultos:
86,17% no ensino médio e 51,19% no ensino fundamental. Neste nível de ensino
112
Programa Dinheiro Direto na Escola
35,4% das matrículas estão localizadas na esfera municipal, que têm também a
responsabilidade pela oferta da educação infantil.
Tabela 2 – Participação do Sistema Estadual de Ensino no total de matrículas
no ensino fundamental – Estado de São Paulo
Matrículas no ensino fundamental
Total
2003
5.896.461
Estado
de São Paulo
Rede
3.106.812
estadualSP
1ª a 4ª séries
2004
2003
5ª a 8ª séries
2004
2003
2004
5.862.955
3.034.014
2.999.216
2.862.447
2.825.863
3.001.513
1.166.431
1.104.762
1.940.381
1.896.751
Fonte: Tabela organizada a partir dos dados finais do Censos Escolares de 2003 e 2004. Inep/2004.
Os números acima mostram que, nos dois anos observados pela pesquisa,
mais de 50% do total de matrículas no ensino fundamental localizavam-se na rede
estadual. No caso das matrículas entre 5a e 8a séries, os porcentuais aproximamse de 70%, enquanto nas quatro primeiras séries compõem porcentuais menores,
no entanto relevantes, pois correspondem a quase 40% do total do Estado.
Para atender a essa demanda, a rede estadual contava, em 2003, com
5.559 escolas, entre as quais, a maioria, 4.286, com mais de 300 alunos. Há que
se considerar que, no mesmo ano, o total de estabelecimentos públicos com
ensino fundamental no Estado era de 13.358 (Inep, 2004).
As funções docentes informadas para ensino fundamental no Estado
correspondiam, em 2003, a 271.175. Desse total, 135.633 estavam na rede estadual
de ensino.
Receita da Secretaria de Estado da Educação
A composição das receitas correntes da Secretaria do Estado da Educação
nos anos de 2003 e 2004 é apresentada a seguir em tabela composta a partir de
consulta aos Relatórios de Execução Orçamentária dos referidos anos:
Tabela 3 – Secretaria da Educação- Receitas correntes
Fonte
Receita Patrimonial
Receita de Serviços
Transferências Correntes
Outras Transferências
Total
2004
2003
126.109.723,42
18.186,00
1.276.516.403,29
109.987.802,59
1.512.632.115,30
91.030.025,82
13.270,00
981.600.275,30
121.519.242,64
1.194.162.813,76
Fonte: Relatório de Execução Orçamentária do Estado de São Paulo – 2003 e 2004. Secretaria da Fazenda do Estado
de São Paulo.
Programa Dinheiro Direto na Escola
113
Os recursos repassados às UExs pelo PDDE encontram-se sob a rubrica
Transferências Correntes Intergovernamentais, composta pelos recursos da Participação na Receita da União e as transferências do FNDE à Secretaria da Educação
e à Fundação Esperança (Fundesp). Os repasses decorrentes do PDDE, nos dois
anos pesquisados, representam pouco mais de 2% do total das receitas correntes.
Entre os programas financiados pelo FNDE, o PDDE é o que conta com menor
recurso, menos de 20% do total. Em 2004, os recursos foram ligeiramente reduzidos, embora o total de recursos advindos do FNDE tenha aumentado para o Pnae
e o Fundesp.
A rede estadual de ensino
A Secretaria de Estado da Educação conta com órgãos centrais e órgãos
vinculados. Os órgãos centrais podem ser entendidos como aqueles responsáveis
pela criação das condições técnicas e financeiras de funcionamento do sistema
estadual e aqueles responsáveis pela orientação pedagógica, produção de projetos
e organização de informações. No primeiro caso, estão o Departamento de Recursos
Humanos (DRHU), responsável pela administração de pessoal no âmbito da Secretaria de Educação, a Coordenadoria de Ensino do Interior (CEI) e a Coordenadoria de
Ensino da Região Metropolitana da Grande São Paulo (COGSP), ambas responsáveis, em suas áreas de abrangência geográfica, pela implementação do plano de
educação da Secretaria, para o que são organizadas nos setores de Assistência
Técnica, Divisão Administrativa e Divisão de Finanças. No segundo caso, órgãos
responsáveis pelas orientações pedagógicas, estão a Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedagógicas (Cenp), que organiza e desenvolve estudos e projetos, oferecendo assessoria às Diretorias de Ensino, e o Centro de Referência Mario Covas (CRE
Mario Covas), organizador de eventos, documentação e pesquisa.
A SEE conta ainda com dois órgãos vinculados: a Fundação para Desenvolvimento da Educação (FDE) e o Conselho Estadual de Educação de São Paulo
(Cees). A FDE é uma autarquia que funciona como órgão executor da política da
Secretaria de Estado da Educação, organizando processos de licitação e desenvolvendo projetos. Responsabiliza-se também pelo encaminhamento de recursos às
Associações de Pais e Mestres (APMs) das escolas. O Conselho Estadual de Educação é um órgão normativo, consultivo e deliberativo, vinculado tecnicamente à
Secretaria de Educação. É composto por 24 membros, escolhidos pelo governador
do Estado, para um mandato de três anos. (www.educacao.sp.gov.br. Acesso em
28/11/2004).
No plano regional, os órgãos responsáveis pela supervisão das escolas do
sistema estadual e pela implementação da política da SEE são Diretorias de Ensino (DE), às quais as unidades escolares estão subordinadas diretamente. As Diretorias de Ensino (criadas pelo Decreto nº 43.948 de 1999) assumiram a responsabilidade por um maior contingente de unidades escolares e uma maior área geográfica do que as antigas Delegacias de Ensino. Sua criação foi uma das medidas
adotadas com o objetivo de promover a "racionalização administrativa" e a
"descentralização" na administração pública.
114
Programa Dinheiro Direto na Escola
A equipe técnica administrativa das escolas é composta pelo diretor escolar, licenciado em pedagogia e concursado; pelo vice-diretor, esse professor da
rede designado para a função pelo diretor escolar e aprovado pelo Conselho de
Escola, e pelo secretário de escola.
Os professores da rede estadual podem também assumir a função de
professor coordenador, posto de trabalho que existe nas escolas com, no mínimo,
12 classes em dois ou mais turnos, cujas funções relacionam-se à organização,
implementação e avaliação do projeto pedagógico, além de subsidiar professores
no desenvolvimento das atividades docentes e organizar as reuniões regulares
que compõem as jornadas dos docentes.
A administração das escolas é formalmente responsabilidade da equipe
técnica e do Conselho de Escola (CE), no qual estão representados todos os
segmentos envolvidos com a atividade escolar (usuários e profissionais).
Os Conselhos Escolares de natureza consultiva surgem no final da década
de 70. A partir de 1985, com o Estatuto do Magistério (Lei nº 444/85), o Conselho
de Escola passa a ter caráter deliberativo. Além disso, a eleição dos componentes
do CE institui caráter proporcional à composição do colegiado: 50% de representantes dos profissionais escolares e 50% de representantes da comunidade usuária.
Presidido pelo diretor escolar, o CE deve ter um mínimo de 20 e um máximo de 40
componentes, entre os quais, 40% devem ser docentes, 5% devem ser especialistas de educação (exceto o diretor), 5% são os demais funcionários, 25% são pais
de alunos e 25% são alunos.
Desde a implantação dos Conselhos de Escola deliberativos na rede estadual paulista, inúmeros estudos têm se dedicado à análise da participação da
comunidade na gestão escolar, discutindo os obstáculos à implementação do
órgão colegiado. Devido a diversas formas de resistência no âmbito das unidades
escolares e à ausência de políticas capazes de potencializar a ação dos Conselhos,
observa-se que condicionantes de ordem material, político-social, institucional e
ideológica (Paro, 1995) têm limitado a capacidade de a gestão colegiada na rede
constituir-se como uma realidade, prevalecendo formas hierárquicas de administração (Cf. Avancine, 1990; Campos, 1983; Russo, 1995; Garcia, 1995 e 2003).
As Associações de Pais e Mestres (APMs), órgãos auxiliares da administração criados ao final dos anos 70, têm relevância crescente no sistema e no cotidiano das escolas estaduais, uma vez que, progressivamente, vêm assumindo um
volume maior de responsabilidades em termos de administração de recursos essenciais para o funcionamento das unidades. Tais recursos são destinados à
contratação de pessoal e serviços, além de desenvolvimento de projetos os mais
diversos.
O diretor escolar, segundo o Estatuto Padrão da APM, é presidente nato do
Conselho Deliberativo (art. 16), responsável pela aprovação do plano anual e contas
da Associação, além de eleger a secretaria executiva. Cabe ainda ao dirigente, convocar a assembléia geral (instância máxima da APM) que elege os membros dos
Conselhos Deliberativo e Fiscal e da Diretoria Executiva. Destaca-se, portanto, o
papel relevante reservado ao diretor escolar nas atividades da entidade.
O Conselho Deliberativo, presidido pelo diretor da escola é composto por,
no mínimo, 11 membros: 30% de professores; 40% de pais de alunos; 20% de
Programa Dinheiro Direto na Escola
115
alunos maiores de 18 anos; 10% de sócios admitidos. Um dos pais, membros do
conselho, deve obrigatoriamente participar do Conselho de Escola.
A Diretoria Executiva da APM subdivide-se em cinco diretorias: Executiva,
Financeira, Cultural e Esportes, Social e de Patrimônio. Para cada setor, são eleitos um diretor e vice-diretor, excluindo-se os alunos. O diretor financeiro deverá
sempre ser um pai de aluno. O diretor da escola pode participar das reuniões,
com direito à voz, mas sem direito a voto.
As APMs podem estabelecer convênios, e captar recursos por meio de:
contribuições dos sócios; subvenções diversas; doações; promoções diversas e
outras fontes. O Estatuto Padrão de 1978 já atribuía às APMs funções na colaboração para a melhoria da qualidade de ensino, por meio de mobilização de recursos humanos e financeiros. Tais funções assemelham-se aos objetivos do PDDE
(Adrião, Garcia, 2003).
Em 2004, visando adequar o Estatuto Padrão das APMs ao novo Código
Civil, um novo decreto o atualiza. A principal mudança é a explicitação da entidade como pessoa jurídica, de direito privado (art. 1º). A participação do diretor e a
composição de conselhos e diretoria não se alteram. Em relação aos meios de
arrecadação dos recursos, o novo Estatuto mantém todos os já previstos, exceto a
arrecadação de "outras fontes".
É importante destacar que a realização de convênios entre FDE e APMs já
era uma prática no sistema, assim como o recebimento de recursos federais por
meio de programas. O Estatuto Padrão de 1978 já atribuía às APMs funções na
colaboração para a melhoria da qualidade de ensino, por meio da mobilização de
recursos humanos e financeiros. Tais funções assemelham-se aos objetivos do
PDDE (Adrião, Garcia, 2003).
A implementação do PDDE
O Programa Dinheiro Direto na Escola foi assumido pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo em 1995, ano de seu lançamento. Segundo o responsável pelo Programa na FDE, o processo de implantação foi "quase automático",
facilitado pelo fato de as escolas já terem unidades executoras em funcionamento.
A SEE disciplinou a implantação do Programa na rede estadual em julho
de 1995, com o comunicado nº 5. De acordo com o documento, todas as escolas
que ofereciam o ensino fundamental, regular ou supletivo, fariam jus aos repasses, conforme o número de alunos matriculados e de acordo com as faixas de
distribuição estabelecidas para as escolas da Região Sudeste do País.
Coube à FDE estabelecer os convênios com as unidades executoras das
escolas para o repasse dos recursos. Nesses termos, frise-se que o trâmite adotado para o repasse de tais recursos às escolas se deu entre fundações, ou seja,
paralelamente ao aparato da administração pública direta. Às Delegacias de
Ensino, coube a função de intermediar as remessas de recursos para as escolas,
checando os documentos de caracterização da unidade executora e a prestação
de contas enviada pelas escolas (Adrião, Garcia, 2003).Conforme o técnico da
FDE: "(...) na realidade, é um convênio, e convênio pressupõe partes iguais.
116
Programa Dinheiro Direto na Escola
Então, o órgão FNDE e o órgão FDE são entidades jurídicas também e formalizam o convênio" (C. 17/6/2005).
A respeito de possíveis dificuldades no processo de implantação do PDDE,
o representante da FDE menciona problemas de ordem técnica, afirmando que,
nos primeiros anos, o registro de dados, quanto à adesão das APMs e prestação
de contas, ocorreu com alguns entraves. De posse dos dados coletados nas UExs,
os técnicos deveriam digitá-los em computadores com acesso ao banco de dados
do FNDE, só disponíveis em órgãos federais. Atualmente o acesso ao banco de
dados federal é possível na própria FDE que contrata temporariamente digitadores
para executar a tarefa de transferir os dados provenientes das escolas para o
FNDE.
Após a chegada dos recursos nas escolas, ainda segundo o técnico entrevistado, o trabalho é maior em termos de orientações às unidades executoras em
relação às compras. Segundo o técnico, foram poucas as dificuldades nas escolas,
uma vez que as Associações de Pais e Mestres já tinham estrutura para administrar recursos. Ainda assim, observa que
[...] mudavam algumas coisas. Tinha umas exigências maiores. Naquela época, a
gente não tinha uma verba que encerrava no próprio ano. Aí, veio uma verba
para fechar em dois meses. E não era verba pequena. Sete, oito mil. Então, no
início, foi meio problemático isso. Mas, aos poucos, se acostumaram (C. 17/6/
2005).
A gerente de projetos da SEE observa que a adesão das escolas ao Programa foi de 100%: "quando nós tínhamos quase 6mil escolas (atualmente são 5.500),
só três não recebiam o recurso". A respeito de um caso recente de não adesão ao
Programa, a entrevistada avalia: "o diretor simplesmente se recusou a preencher [o
formulário de adesão]. Deveria até ter um trabalho de diligência em cima dessa
escola, porque a direção da escola não pode se decidir a não preencher, a escola é
que está perdendo. E ela [a direção] não é a escola" (B. 12/5/2004).
A orientação aos administradores escolares é realizada anualmente desde
a implantação do programa e segue algumas etapas: 1) a SEE divulga, por meio
de um Comunicado, as orientações gerais sobre a aplicação dos recursos do
Programa, segundo a Resolução anual do FNDE; 2) a seguir são realizadas
videoconferências em que a gerente de projetos fala aos dirigentes de ensino; 3)
as Diretorias de Ensino, por sua vez, organizam as atividades em suas regiões
para orientar os diretores escolares; 4) a FDE encarrega-se da produção e distribuição de informativo impresso e mantém contatos com UExs e Diretorias que
manifestam dúvidas sobre a aplicação de recursos ou a prestação de contas.
As UExs devem prestar contas dos recursos até o início do mês de dezembro. As contas são examinadas e homologadas na Diretoria de Ensino e depois
encaminhadas à FDE, que as confere e lança os dados no sistema do FNDE.
Há um conjunto de recursos encaminhados às APMs, via FDE, que nos
indica ser a Associação de Pais e Mestres uma "peça" importante na política
educacional da SEE, especialmente no que diz respeito à concepção de
descentralização e construção de autonomia nas escolas. A forma como são realizados os convênios é também um indicador do papel relevante que tem a FDE na
Programa Dinheiro Direto na Escola
117
gestão do sistema, refletindo uma opção política da atual administração por um
modelo de gestão que privilegia as parcerias entre escolas e instituições.
Embora a Secretaria de Estado da Educação produza as orientações, as
entrevistas mostram que a FDE ocupa lugar de destaque na relação com as escolas. O órgão, segundo informações disponíveis em seu site, mantém atualmente
convênios com 5.540 Associações de Pais e Mestres. (www.fde.sp.gov.br). Apesar
do elevado número de convênios, os recursos sofreram alterações nos últimos
anos, segundo declaração de um dos técnicos da FDE devido ao PDDE:
Inclusive, nós, do Estado, a gente passava quatro parcelas para a escola de
manutenção. Aí, nós acabamos passando três, porque a última parcela é a do
MEC. Então, ano passado, por exemplo (período no qual houve atraso no repasse do FNDE), foram as três e nada mais, e ficou muito chato. Então, acabou
caindo no dia 24 de dezembro para usar em janeiro, que já era recesso. (C. 17/
6/2005)
A participação do PDDE no conjunto de recursos disponibilizados pela
Secretaria de Educação e transferidos às Associações de Pais e Mestres por meio
de convênio com a FDE é relevante, como podemos observar na Tabela 4:
Tabela 4 – Participação do PDDE (convênio FDE/MEC – Secretaria de Educação)
no total de recursos repassados às APMs
Ano
Convênio – FDE/MEC
1999
2000
2001
2002
2003
2004
31.115.700,00
28.528.700,00
27.428.700,00
25.313.400,00
23.606.000,00
23.309.561,00
Total de recursos
(incluindo PDDE)
83.985.812,41
125.459.759,03
180.004.034,40
174.614.420,62
169.936.131,88
129.140.499,57
Porcentual representado pelo
PDDE no total de recursos
repassados às APMs (%)
37,04
22,73
15,23
14,49
13,89
18,04
Fonte: ???.
Observe-se que os recursos advindos do PDDE são denominados "VerbaMEC", procedimento comum nas escolas e no âmbito da gestão do sistema.
Verificamos nesses dados a materialização de dois fatores que caracterizam o ensino fundamental na rede estadual paulista: 1) a ampliação significativa
de recursos descentralizados para as APMs nos últimos cinco anos, pois, embora
os repasses em 2004 sejam menores que nos três anos anteriores, o volume é
expressivamente maior do que em 1999; e 2) a redução do volume de recursos
provindos do PDDE pode refletir a diminuição de matrículas no ensino fundamental (discreta) em função da normalização do fluxo escolar e, principalmente, devido à municipalização.
A abrangência do Programa fica visível quando verificamos que, em todos
os anos, o número de escolas alcançadas é muito próximo do total de unidades
do sistema. Em 1999, quase 40% do total de recursos repassados às APMs
correspondiam a verbas repassadas pelo Programa.
118
Programa Dinheiro Direto na Escola
O entrevistado na FDE mostra entusiasmo com a descentralização e com a
autonomia estimulada pelo PDDE. Segundo ele, uma das grandes qualidades do
Programa é ter promovido o crescimento das unidades executoras, substituindo a
centralidade do diretor escolar pela UEx, representativa, a seu ver, da comunidade.
A transferência direta de recursos para a escola é outra qualidade ressaltada pelos entrevistados na FDE e na SEE. O representante da FDE aponta os
ganhos que as escolas obtêm em receber verbas que não precisam tramitar pelas
Secretarias de Educação locais, evitando perdas e desvios: "(...) agora, com esse
sistema, saem R$ 100 do ministério e chegam R$ 100 na escola. Isso foi fundamental. O dinheiro se perdia, porque todo mundo usava" (C. 17/6/2005).
O entrevistado interpreta o projeto como um prenúncio, ainda modesto,
da "autonomia total" da escola. Reconhece, todavia, que um dos entraves para a
melhor aplicação dos recursos do PDDE é a rotatividade do diretor escolar, uma
vez que isto diminui o grau de conhecimento do dirigente sobre o Programa.
A escola estadual
A unidade, quando realizada a pesquisa, concentrava-se no atendimento
aos quatros anos iniciais do ensino fundamental. Funcionando em dois períodos,
a escola atendia 891 alunos em 2004.
Nos dois anos aos quais se refere a coleta de dados foram repassados à
APM recursos trimestrais provenientes do convênio com a FDE destinados a pequenos serviços de manutenção e contratação de funcionários, além dos repasses
do PDDE, como mostra a Tabela 5:
Tabela 5 – Recursos destinados à Associação de Pais e Mestres da escola
Recursos
PDDE
Verba trimestral FDE - 1ª parcela
Verba trimestral FDE - 2ª parcela
Verba trimestral FDE - 3ª parcela
Totais de recursos destinados à APM
Destino
2003
APM
APM
APM
APM
6.200,00
1.371,50
2.800,00
2.324,30
14.698,8
2004
6.401,50
3.726,00
4.980,00
5.275,00
22.386,5
Fonte: Informações cedidas pela vice-diretora da escola.
Em 2003, os repasses do PDDE representaram 42,18% do total de recursos
recebidos e executados pela APM. No ano seguinte, com a ampliação de outros
recursos, a participação dos repasses do Programa nos recursos recebidos declinou para 28% do total. A APM, além de administrar capta os recursos por meio do
arrendamento da cantina escolar da escola.
Os depoimentos indicam que diretora e vice-diretora assumem a responsabilidade pelo PDDE, atuando no processo referente à tomada de preços que
antecede as compras e na prestação de contas referente aos gastos com o
Programa. Em contrapartida, a participação dos pais é reduzida. Segundo a
Programa Dinheiro Direto na Escola
119
vice-diretora, isso ocorre porque os pais "têm medo de não saber fazer": Ainda
de acordo com a vice-diretora, se os pais são convocados para trabalhar em
algum evento, sua participação é mais tranqüila, mas, em se tratando de recursos, têm medo e evitam participar.
A professora entrevistada demonstrou não conhecer o PDDE, embora fosse
membro de diretoria da APM. Questionada sobre sua pouca informação, observou: "Eu sei que não devia, mas confio totalmente na diretora" (C. 16/5/2005). A
fala da professora e o envolvimento da equipe técnica demonstram que, no caso
da escola pesquisada, embora o repasse seja destinado a APM, a centralidade da
atuação do diretor para a consecução do Programa ainda é um fato.
O exame das atas do CE demonstrou que a discussão sobre os recursos no
âmbito desse colegiado não ultrapassa os limites da formalidade, uma vez que
cabe ao órgão apenas homologar as propostas da APM, restando-lhe o papel
único de referendar decisões já tomadas. Embora membros do Conselho componham também a APM, verificou-se em todas as atas analisadas a ausência de
discussões e uma extrema regularidade no formato. Localizamos, nos anos
pesquisados, quatro atas com referências ao PDDE, duas versando sobre a chegada dos recursos e duas formalizando a prestação de contas. Cabe registrar que as
atas da APM são peças vitais na prestação de contas da entidade, o que é altamente considerado na escola. Os registros são documentos organizados com fins
de apresentação aos órgãos superiores, suprimindo qualquer anotação relevante
sobre eventuais discussões ocorridas nas reuniões.
Caracterização do município de Pirassununga
Pirassununga oferecia atendimento na educação infantil (EI), ensino fundamental (EF) e educação de jovens e adultos (EJA). Disponibilizava, na zona
urbana, oito creches, 19 estabelecimentos municipais de educação infantil (Emei),
uma escola municipal de educação infantil e ensino fundamental (Emeief), uma
escola municipal de ensino fundamental (EMEF) e um centro integrado de educação infantil (Ciei). As crianças residentes na zona rural do município contavam
com três Emeifs. Além disso, a prefeitura cedia professores de educação infantil e
ensino fundamental para três instituições filantrópicas e uma Apae. Existiam, ainda, seis salas de ensino supletivo (Suplência I, Termos I e II) mantidas pela
prefeitura.
Em relação ao ensino superior, funcionavam: a Faculdade de Zootecnia e
Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (USP), a Faculdade de
Engenharia de Agrimensura de Pirassununga; a Academia da Força Aérea (AFA) e
as Faculdades de Educação e Engenharia de Pirassununga – Faculdades Integradas Anhanguera (Fian).
Os estabelecimentos públicos de ensino destinados ao atendimento da
educação básica totalizavam, em 2004, 51 unidades das quais 28 sob dependência administrativa municipal e 51 sob dependência administrativa estadual. Apenas seis estabelecimentos municipais ofereciam atendimento ao ensino fundamental. Outras 23 unidades atendiam a mesma etapa da educação básica na rede
120
Programa Dinheiro Direto na Escola
estadual, representando 73,9% do total de estabelecimentos. Sob a responsabilidade estadual também se encontrava o ensino médio e a educação de jovens e
adultos. A oferta de pré-escola pública, por sua vez, está sob a responsabilidade
total do município (IBGE, 2004).
As matrículas na rede municipal encontravam-se distribuídas conforme o
quadro abaixo:
Tabela 6 – Pirassununga – Matrículas iniciais na rede municipal
Matrículas
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Pré-escola
EF 1ª A 4ª séries
Educação de jovens e adultos
2.073
414
298
1.966
523
260
1.965
521
230
2.041
832
202
1.896
888
205
1.872
927
185
Fonte: Inep.
Constatou-se oscilação na oferta de vagas da pré-escola. De 1999 a 2001,
houve um decréscimo de 5,20%. Em 2002, houve um aumento de 103,86%. Em
2003 e 2004, ocorreu uma nova diminuição, agora de 1,26%. No ensino fundamental, as matrículas apresentaram um crescimento constante, de 123,91%, ao longo do
período acompanhado por crescimento proporcional nas funções docentes.
A respeito da composição das receitas municipais para a educação em
2004, verificou-se que os recursos do Fundef representavam 9,35% do total, enquanto os provenientes do PDDE, 0,02%.
Caracterização de rede municipal de ensino
O município de Pirassununga não contava com Sistema de Ensino. A estrutura e atribuições da Secretaria Municipal de Educação (SME) em vigor estavam
definidas na Lei Complementar nº 9/93, que dispõe sobre a reorganização administrativa da Prefeitura Municipal de Pirassununga. Afora essa lei, apenas um
organograma da Secretaria de Educação existente na sede da SME, previa o setores que compunham a Secretaria da Educação, evidenciado o grau de informalidade
encontrado na gestão municipal.
Estrutura das escolas
De acordo com o Regimento Comum das Escolas Municipais em vigor, a
estrutura funcional das escolas compreende os seguintes núcleos de atividades:
Direção, com diretor e assistente de direção; Apoio Técnico Pedagógico, com
multimeios e coordenação pedagógica; Núcleo de Apoio Administrativo, compreendendo as funções de Secretaria e atividades complementares; Assistência Escolar e corpo docente.
Programa Dinheiro Direto na Escola
121
Ressalte-se que, apesar de o Regimento datar do ano de 2002, ainda não se
encontrava oficializado. Por essa razão, a estrutura prevista não ocorria conforme o
prescrito, restringindo-se à presença do assistente de diretor, ao Núcleo de Apoio
Administrativo (Secretaria e atividades complementares) e ao Corpo Docente.
As escolas não contavam com diretor. As atribuições desse cargo ficavam
sob responsabilidade do assistente de direção, cargo criado em 1991 pela Lei
Municipal nº 2.152. O assistente de direção atuava em duas ou três escolas,
definidas de acordo com designação do secretário. Suas funções eram auxiliadas
pelo encarregado do Setor de Educação, que percorria todas as escolas municipais suprindo a ausência do assistente quando era o caso. O cargo de assistente
de direção era provido por meio de concurso público, e o de encarregado de setor
era um cargo de confiança do prefeito, respondendo pela assistência na administração das escolas e na gestão dos recursos financeiros da educação, como as
verbas do PDDE, Fundef, merenda, transporte, etc.
Em 1999, ano da implantação do Programa Dinheiro Direto na Escola,
apenas as escolas rurais contavam com assistente de direção. No ano de 2000,
realizou-se concurso para a contratação de novos assistentes, ocasião em que a
escola sede do PDDE, objeto da pesquisa, passou a ter assistente de direção.
Também até 1999, as escolas municipais não contavam com nenhum tipo
de mecanismo de ação coletiva intra-escolar, como a APM ou os Colegiados Escolares. Naquele ano, em decorrência das exigências colocadas pelo Programa Dinheiro Direto na Escola, criou-se uma APM em uma das escolas, definida como
escola-sede de um consórcio interescolar, de maneira a viabilizar o recebimento
dos recursos do Programa.
Implementação do PDDE
Sobre a implantação, de acordo com a Técnica B, o primeiro contato do
município com o Programa Dinheiro Direto na Escola ocorreu em 1997, por meio
de documentos e materiais enviados pelo MEC à Secretaria Municipal de Educação, os quais tinham por finalidade apresentar o Programa e orientar os procedimentos operacionais para a sua implantação.
Em 1998, o MEC promoveu duas reuniões, em cidades vizinhas a
Pirassununga, a fim de oferecer para técnicos das Secretarias Municipais de Educação da região esclarecimentos sobre as diretrizes gerais do Programa, elucidar
as dúvidas sobre seu funcionamento e apresentar as orientações para o processo
de adesão e execução da prestação de contas. Ainda de acordo com a Técnica B
e com informações obtidas nos documentos da Secretaria Municipal de Educação,
a efetivação do Programa no município ocorreu em 1999, por meio de um consórcio entre cinco escolas municipais, situação que será detalhada no próximo item.
Entre as primeiras medidas para a implantação do Programa, destaca-se a constituição da unidade executora. A Secretaria Municipal de Educação definiu a APM
para figurar como UEx na unidade escolar. O secretário Municipal de Educação
"A" do período em foco (1999) destacou que a opção pela APM se deu em
função das orientações fornecidas pelo Programa e por se configurar como uma
122
Programa Dinheiro Direto na Escola
associação jurídica, característica necessária para a realização das ações propostas nos moldes do Programa. Como decorrência, em 29/5/1999, a SME instituiu
o Estatuto Padrão das APMs.
Definido o estatuto da UEx, procedeu-se a sua constituição na única escola
municipal de ensino fundamental (Emef) da zona urbana, criada no ano anterior
(1998), que apresentava o número de alunos suficiente para receber os repasses
do PDDE, constituindo-se a UEx.
Com relação à gestão do PDDE no município, o recurso foi recebido pela
primeira vez em 1999. A UEx definida para o recebimento e administração dessa verba
foi a APM da Emef, com a qual havia sido firmado o convênio na modalidade de
consórcio. Na época, a escola contava com 214 alunos. O consórcio foi constituído
pela escola-sede38, uma Emeief e mais três escolas da zona rural, também Emeiefs.
Segundo uma das técnicas entrevistadas, o processo de constituição da
APM da escola sede contou com a orientação do então secretário Municipal de
Educação "A", do encarregado do Setor de Educação do período e com técnicos
da SME. Por não dispor de diretor e tampouco de assistente de direção, as funções desse cargo eram desempenhadas pela encarregada do Setor da Educação.
É importante esclarecer que o Estatuto Padrão da APM adotado pelas
escolas municipais de Pirassununga (1999) define o diretor como membro nato da
Associação. Nesse caso, a secretária administrativa do Setor de Educação, orientada pelo secretário Municipal de Educação em exercício, assumiu formalmente o
cargo de assistente de direção, tendo em vista a necessidade de efetivar a composição dos membros natos exigidos pelo estatuto, com a finalidade de completar o
quadro necessário para a oficialização da Associação na escola.
Segundo o Estatuto Padrão das APMs, a participação dos segmentos da
comunidade escolar em seu Conselho Deliberativo deveria respeitar a seguinte
proporção: 30% dos membros deveriam ser professores; 40%, pais de alunos;
20%, alunos (maiores de 18 anos, mesmo a escola não os possuindo); e 10%,
sócios admitidos. Assumiu a presidência do Conselho Deliberativo uma das escriturárias da Secretaria Municipal de Educação, conforme verificado na ata de constituição da APM. Observou-se, dada a composição real da APM, o distanciamento
entre o previsto no Estatuto Padrão e o materializado na escola.
O primeiro repasse dos recursos (1999) foi depositado em uma conta da
prefeitura municipal e, posteriormente, repassado à UEx da escola-sede do consórcio. Segundo o Setor de Contabilidade da Prefeitura, o valor foi de R$ 3.200,00.
Conforme uma das técnicas, responsável pelas finanças da Secretaria Municipal
de Educação, essa verba foi destinada à pintura das unidades escolares. De acordo com o secretário Municipal de Educação que atuava em 1999, tal decorreu de
orientações da SME às assistentes de direção das escolas consorciadas, no sentido de priorizar as "questões de maior necessidade".
38
Apesar de essa escola ser a única Emef, ou seja, a única a atender exclusivamente alunos do ensino
fundamental, havia outra escola, também na zona urbana, que atendia a essa modalidade. Entretanto,
tratava-se de uma Emei que, já naquele período, vinha gradativamente incorporando salas de ensino
fundamental, configurando-se como uma Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental
(Emeief), mas ainda com número de alunos insuficiente para compor uma APM própria.
Programa Dinheiro Direto na Escola
123
A implementação do PDDE não transcorreu sem percalços no que tange à
aplicação de verbas e à prestação de contas. Depois do recebimento dos recursos
pela primeira vez, em 1999, nos anos seguintes, houve uma série de dificuldades
enfrentadas para manutenção do Programa. Em 2001, primeiro ano de uma nova
gestão no município, por decisão do novo Secretário Municipal de Educação, não
houve solicitação dos recursos ao FNDE, uma vez que, segundo uma das técnicas
entrevistadas, o novo governo considerou os procedimentos exigidos pelo Programa por demais trabalhosos se comparados ao montante a ser recebido.
No ano de 2002, a situação foi diferente. De acordo com a técnica do Setor
de Contabilidade, somente a partir desse ano, as escolas municipais consorciadas
passaram a receber os recursos diretamente na conta da APM da escola-sede.
Com isso, passaram também a ficar responsáveis pela prestação de contas do
PDDE, encaminhando-a diretamente ao FNDE. A partir de então, os documentos
relativos à composição dos gastos do PDDE efetuados pelas escolas passaram a
ser inteiramente de responsabilidade da APM da escola sede. Em 2002, o montante foi de R$ 6.500,00.
Houve, no entanto, dificuldades no recebimento dos recursos referentes a
2002. As contas prestadas em 1999 continham irregularidades, e, até que essas
fossem resolvidas, os recursos foram suspensos. Por diversas vezes, as escolas
refizeram as contas e enviaram-nas ao FNDE, contando com o auxílio de profissionais do Setor de Contabilidade da prefeitura, que contribuíram na organização
da prestação de contas. O problema, segundo a assistente de direção da escolasede, referia-se à reserva de CPMF que deveria ter sido feita. Somente após a
regularização referente a 1999, os recursos do ano de 2002 foram liberados, e as
escolas puderam efetuar a compra de diversos materiais.
Em 2003, novamente não houve a solicitação de recursos. Segundo o
depoimento do Secretário de Educação em exercício, o repasse não ocorreu em
decorrência de problemas com a prestação de contas do ano anterior. Tal afirmação, entretanto, não se confirma, uma vez que a prestação de contas de 2002
havia sido aprovada, conforme a informação que nos foi relatada pelo próprio
Setor de Contabilidade. Havia a hipótese de que os recursos não tinham vindo em
decorrência da perda do prazo de solicitação. Vale relembrar que, em 2003, o
município atravessava uma crise política em que o prefeito era processado por
improbidade administrativa com relação à má utilização dos recursos públicos da
educação, conforme já apontado. Em 2004, os procedimentos para requisição e
gastos transcorreram sem que houvesse problemas.
O processo de implementação do PDDE no município foi marcado por uma
série de dificuldades, especialmente, como foi registrado, no que diz respeito à
prestação de contas. Tal situação levou o chefe de Contabilidade da prefeitura
municipal a deduzir que, se o setor pelo qual era responsável tivesse maior capacidade de ingerência nas decisões tomadas na escola, seriam menores os problemas. Como responsável por organizar a prestação de contas e encaminhá-las ao
FNDE entre 1999 e 2000, em seu depoimento reivindicava, primeiramente, informações mais detalhadas sobre o funcionamento do Programa. Em segundo lugar,
reivindicava a participação também no planejamento para o gasto dessa verba, de
maneira a facilitar a assessoria técnica necessária e atender aos trâmites burocráticos exigidos na prestação de contas.
124
Programa Dinheiro Direto na Escola
Caracterização da escola municipal – Consórcio
O Programa exigia, para o repasse de recursos direto às escolas que possuíssem entre 21 e 99 alunos, a organização de um consórcio. Este seria composto
por um conjunto de escolas de uma mesma rede, que receberiam os recursos por
meio da UEx de uma delas, a escola-sede (Resolução/CD/FNDE nº 3 de 27 de
fevereiro de 2003). A escola-sede para o PDDE foi criada pelo Decreto nº 2.087, de
13 de março de 1998 (Pirassununga, 1998).
No município de Pirassununga, o convênio foi firmado por meio de consórcio entre a escola municipal de ensino fundamental e as escolas municipais de
educação infantil e ensino fundamental urbanas e rurais da rede municipal de
ensino, contabilizando um total de cinco unidades representadas por uma única
UEx a fim de receberem os recursos do PDDE. Essa UEx, conforme indicado anteriormente, foi sediada na Emef, sob a forma de uma Associação de Pais e Mestres.
Até o ano de 2003, apenas as escolas consorciadas recebiam os recursos
do convênio, ou seja, uma Emef, uma Emeief, ambas da zona urbana e três
Emeiefs da zona rural. A partir de 2004, a Emeief-urbana, até então no consórcio,
atingiu o número de alunos suficientes para compor a sua própria APM e continuar a receber os recursos do PDDE autonomamente. Também em 2004, outra Emeief,
uma escola que havia sido municipalizada em 2001, constituiu APM e aderiu ao
Programa após ter atingido o número de alunos indicado para tal. Até 2003, eram
cinco as escolas conveniadas. Em 2004, duas escolas municipalizadas passaram a
ter unidades executoras próprias e quatro mantiveram-se no consórcio.
O processo de criação da APM foi relatado pela professora entrevistada
que a integrou como diretora Financeira:
[...] veio uma verba, a escola era nova, aí precisou abrir a APM para que a gente
pudesse receber a verba. Então, aí, nós fizemos uma reunião e abrimos a APM.
[...] Nós fomos convidadas. Fizemos uma reunião com o secretário da Educação,
a encarregada de setor e com a secretária administrativa. A secretária administrativa ficou como presidente, e eu junto com ela. Então, ficamos eu e ela nos
dois primeiros anos. Nós penamos bastante, porque nós só conhecíamos, assim, mas nunca tínhamos feito nada na APM. (Entrevistada B – entrevista realizada por Rochelle Pegoraro) (sic).
A entrevistada acrescentou que a maior dificuldade para constituição da
APM foi totalizar a sua composição, em virtude da relutância dos pais em integrála. Finalmente, em 29/5/99, a APM da escola sede foi constituída.
Na tentativa de solucionar os problemas de falta de informação sobre os
procedimentos do Programa, as assistentes de direção das escolas consorciadas e
algumas professoras buscaram material em escolas estaduais, chegando muitas
vezes a entrar em contato com a assessoria do Programa em Brasília. De acordo
com a professora a orientação da SME foi
que tinha que gastar a verba, e nós não sabíamos o que podia comprar, o que
não podia. Aí, como eu trabalho [no cargo de professora] no Estado, eu fui atrás
pedir para o diretor [da escola estadual onde leciona] que me desse um caderninho
[informativo]. Aí, eu xeroquei, porque nós não recebemos nada. Com o caderninho,
Programa Dinheiro Direto na Escola
125
eu e a presidente da APM estudamos o que nós podíamos gastar. Ela ligou para
Brasília também muitas vezes. Ela ligava bastante. Ela era muito interessada
nessa parte, e, aí, a gente, quer dizer, foi aprendendo assim (...). (Entrevistada B
– entrevista concedida à Rochelle Pegoraro) (sic).
Na época da prestação de contas, as assistentes das escolas consorciadas
reuniram-se a fim de preencher os formulários em conjunto e esclarecer eventuais
dúvidas.
As Emeifs explicitam uma peculiaridade do Programa. Uma vez que atendem, além do ensino fundamental, à educação infantil, verifica-se que estudantes
matriculados em outro nível da educação básica (educação infantil) usufruem dos
resultados advindos dos recursos repassados pelo PDDE. Em 2004, o total de
estudantes da educação infantil que se encontravam nessa situação era de 131.
Durante os anos de 1999 a 2004, houve um aumento progressivo nas
matrículas do EF municipal, saltando de 414 para 927 alunos, condição que resultou em ampliação no montante de recursos tornados disponíveis pelo Programa.
A tabela a seguir demonstra o movimento do PDDE no município ao indicar informações sobre o repasse de recursos no período, os valores, as opções de gasto,
bem como a situação com relação à prestação de contas.
Tabela 7 – Pirassununga – Repasse dos recursos do PDDE entre 1999 e 2004
Ano
Condições Valores Valores por
do convênio totais (R$) alunos (R$)
1999
Sim
3.200,00
7,72
2000
Não
2.600,00
6,19
2002
Sim
6.500,00
12,47
2003
2004
Sim
10.111,90
10,90
2001
Aquisições
Prestação
de contas
Pintura das escolas
Aprovada
associadas.
Serviços, acessórios de
Aprovada
informática, material
pedagógico (papel, cola, etc.)
Não houve solicitação do
Programa.
Computador, Cds, chuveiros,
Em diligência
tomadas, relógios de parede, e posteriormente
câmera fotográfica, cadeira,
aprovada
escrivaninha, caixa de som,
microfone, amplificador,
bebedouro e ventiladores.
Uniformes
Aprovada
Fonte: Setor de Contabilidade e Secretaria Municipal de Educação.
Os recursos repassados pelo PDDE aumentaram substancialmente entre
1999 e 2004 devido ao aumento de matrículas. Também se tornaram mais
diversificadas as aquisições efetuadas. Observe-se que, no primeiro ano (1999),
todas as escolas consorciadas utilizaram os recursos em uma única atividade, a
pintura dos prédios. Naquele momento, a ingerência do secretário de Educação
126
Programa Dinheiro Direto na Escola
sobre a utilização dos recursos foi acentuada. Nos anos seguintes, as compras
foram mais centradas em recursos para o desenvolvimento do trabalho pedagógico e equipamentos que visavam à ampliação do bem-estar de estudantes e profissionais (ventiladores, bebedouros, chuveiros).
Os gastos efetuados foram arrolados sem discriminação por escola, uma
vez que a prestação de contas não forneceu informações desmembradas, referindo-se ao total de gastos registrados pela UEx. Cada escola conveniada recebeu
parte dos materiais, conforme decisão prévia tomada entre a direção da escola,
professores, membros da APM e pais de alunos. O depoimento de uma professora
fornece indícios sobre o processo vivenciado:
[...] a gente se reunia, os professores passavam um papel com o que queriam
gastar, [a gente] fazia uma reunião com os pais, via o que era mais viável e,
inclusive, vamos supor, se a gente faz uma festa junina, a gente já sabe onde vai
gastar. Gastamos em bebedouro, bastantes coisinhas para a escola, as crianças
não tinham bebedouro, compramos outras coisas aí, que precisávamos, menores, tesoura de picotar, umas coisinhas que a escola estava precisando... Da
verba, nós compramos um computador, que nós não tínhamos na escola, uma
impressora, uma máquina digital, que a gente gasta muito com revelação de
filme quando a gente queria fazer os projetos, então, nós compramos uma
máquina digital, um amplificador e uma impressora, tudo com a verba. (...)
Todos os professores decidem, não só os da APM (...), apesar de que eles são
poucos, todos quase têm que entrar, todo mundo dá opinião vê o que é mais
viável que a escola precisa e compra. (Entrevista de professora da rede municipal da escola sede, realizada por Rochelle Pegoraro em 2004) (sic).
O depoimento revela uma avaliação positiva por parte da professora em
função do impacto positivo dos recursos sobre as necessidades da escola e da
possibilidade de os professores decidirem em que gastá-los. Ainda segundo o
depoimento, há uma ampliação na participação dos docentes em relação às decisões referentes ao uso de recursos, no entanto, são poucas as referências à participação dos usuários no processo (Pegoraro, 2004). A exclusão do segmento dos
pais nos processos decisórios relativos ao uso dos recursos é confirmada por
todos os depoimentos. A APM analisada não foge à regra encontrada nas escolas
do Estado em que, na melhor das hipóteses, os pais são informados sobre as
decisões tomadas pelos educadores.
Para os agentes do Sistema, o nível de informação era um pouco maior,
talvez pelo fato de estarem envolvidos diretamente com o processo que antecedeu a implantação do Programa e também por terem participado de encontros
que esclareciam os procedimentos para recebimento dos recursos e prestação de
contas. Ainda assim, registramos a presença de muitas dúvidas.
Considerações finais
As informações obtidas na rede municipal de Pirassununga e na rede estadual levam-nos a considerar alguns aspectos a respeito da implementação do
PDDE em redes distintas. Enquanto na rede municipal o Programa foi responsável
pela criação das Associações de Pais e Mestres como UEx, na rede estadual, sua
Programa Dinheiro Direto na Escola
127
implantação ocorreu em um contexto diverso, uma vez que as APMs já recebiam
recursos e os executavam com regularidade. É necessário observar que, na rede
estadual de ensino, a política da Secretaria de Estado da Educação privilegiava
desde a primeira gestão do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) a
descentralização de recursos para as UEx.
Observou-se que, na rede municipal pesquisada, o PDDE foi implantado
em um quadro de escassez de informações e precárias condições operacionais.
Tal situação criou diversos problemas na utilização dos recursos.
Os níveis de informação entre todos os entrevistados podem ser considerados inferiores ao necessário, pois afirmavam que se tratava de uma "verba que
viria para a escola" e poderia ser utilizada mediante instruções legais, mas não
conseguiam explicar a natureza do Programa.
O PDDE, entretanto, no município de Pirassununga, em face da precariedade para sua consecução, acabou por auxiliar na configuração e formalização das
APMs como UEx, indicando o potencial indutor do Programa na institucionalização
da rede no que diz respeito à sua organização e à produção de instrumentos para
normalização de seu funcionamento.
Tal observação sugere a potencialidade do Programa em municípios de
pequeno porte como o estudado, mas também oferece indícios sobre as possíveis
dificuldades de administrações municipais na criação e normalização de suas redes de ensino.
As diferenças nas duas redes, no entanto, não ocultam que Programa
contribui para o estabelecimento de um padrão de relacionamento entre gestores
do sistema, profissionais da escola e comunidade usuária, pautado pela dimensão
técnico-operacional, em detrimento da dimensão política da gestão escolar. Não
há, no conjunto de informações produzidas pelo FNDE e reelaboradas, por exemplo, na esfera estadual, algo que retrate a preocupação com a democratização da
gestão e com a participação da comunidade usuária nos processos decisórios
para a execução de recursos. Todas as orientações, escritas ou verbais, restringem-se à correta utilização de recursos e prestação de contas.
Finalmente, os dados, sobretudo os coletados em Pirassununga, permitem
contrapor a suposta autonomia que o PDDE tenderia a proporcionar às escolas,
por meio da atividade das UExs, à dependência das decisões tomadas no âmbito
das Secretarias da Educação, uma vez que, por dois anos seguidos, a decisão do
secretário de Educação de não firmar o convênio impediu as escolas de receberem
os recursos
As resoluções sobre recursos, quando tomadas pela APM, produzem, no
mínimo, uma separação entre esta e o Conselho de Escola. "Tal situação acaba
por criar, na melhor das hipóteses, uma sobreposição de decisões, quando não,
um esvaziamento dos Conselhos de Escola, uma vez que a instância responsável
pela gestão dos recursos financeiros possui uma posição de destaque em qualquer processo decisório" (Adrião, Garcia, 2003, p. 6). Registre-se ainda que a
contribuição para o enfraquecimento do Conselho de Escola se encontra na própria origem da APM. Trata-se de um órgão auxiliar da direção escolar que tem no
diretor um membro importante, uma vez que é presidente nato de seu Conselho
Deliberativo (São Paulo, Estatuto Padrão, art. 16, 1978, 2004),
128
Programa Dinheiro Direto na Escola
Contrapondo o que dizem os gestores quanto ao que é verificado na escola,
podemos afirmar que, não apenas pela orientação da SEE em relação ao destino dos
recursos ou pelo fato de os recursos da SEE estarem sendo substituídos pela verba
suplementar, mas também pelo papel central da direção escolar no encaminhamento
do processo, as noções de autonomia e participação mencionadas merecem ser analisadas mais detidamente. O fato de a escola contar com uma UEx e receber dela
doações (todos os bens adquiridos pela APM são doados e patrimoniados pelo poder
público) não parece representar ampliação da participação ou tratamento coletivo no
processo de tomada de decisões relativas aos recursos e ao projeto pedagógico.
Vale ressaltar que o modo pelo qual o PDDE foi implantado no caso paulista
parece reforçar a estrutura pouco permeável à participação de pais e alunos que
tem caracterizado nossas escolas. Explica, ainda, por que a implantação do PDDE,
segundo os entrevistados no âmbito do Sistema, causou poucos transtornos ao
funcionamento das escolas, uma vez que a trajetória das APMs as fazia se configurarem como unidades executoras sob a tutela do diretor escolar.
3.5
Estado do Rio Grande do Sul
Implementação do PDDE
No entendimento da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul de 1989
a gestão democrática da educação é constituída por três fatores: a instituição do
Conselho Escolar, a realização da eleição direta e uninominal para diretor e a
autonomia escolar (administrativa, pedagógica e financeira).
A Lei nº 10.576 de 199539 regulamenta a gestão democrática do ensino
público na rede estadual de educação, juntamente com as alterações da Lei nº
11.304 de 1999 e da Lei nº 11.695 de 2001 e teve como princípios: a autonomia
dos estabelecimentos de ensino na gestão administrativa, financeira e pedagógica; a livre organização e a participação dos segmentos da comunidade escolar nos
processos decisórios e em órgãos colegiados; a transparência dos mecanismos
administrativos, financeiros e pedagógicos; a garantia da descentralização do processo educacional e a valorização dos profissionais da educação.
Em 1999 foi promulgada a primeira alteração da Lei de Gestão Democrática (10.576/95), no governo Olívio Dutra40. A Lei nº 11.304, de 14 de janeiro de
1999, somente alterava a eleição para diretor. Neste mesmo ano foi desencadeado
o processo denominado "Constituinte Escolar"41, que foi o instrumento para a
39
Essa Lei foi promulgada no governo Antônio Britto, eleito em 1994 pelo PMDB.
Eleito pela Frente Popular em 1998, integrando partidos como o PT, PCdoB, PCB, PSB e PDT.
41
A Constituinte Escolar chamou a comunidade escolar para repensar a escola, esse processo foi organizado em cinco momentos: elaboração da proposta, sensibilização e lançamento da Constituinte; estudo
da realidade regional contextualizada; aprofundamento dos temas e temáticas levantados em um segundo momento; definição dos princípios e diretrizes da Escola Democrática e Popular; e materialização dos
mesmos, na perspectiva de reconstrução dos Projetos Político-Pedagógicos, Regimentos Escolares e
Planos de Estudos (Ibidem).
40
Programa Dinheiro Direto na Escola
129
construção da democracia participativa do governo do Estado do Rio Grande do
Sul para a área de educação (Camini, 2002).
Nas discussões em relação à gestão democrática da educação, mais especificamente sobre a gestão financeira da escola, realizadas durante o processo
Constituinte, ficou acordado entre os participantes que a unidade executora seria
o Conselho Escolar. Em paralelo a este processo foi instituído um grupo, mais
conhecido como "Comissão Paritária", para a reformulação do texto legal da Lei
de Gestão Democrática, composto pela União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas
(Uges), pela Associação de Círculo de Pais e Mestres (ACPM/Federação), pelo
Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS/Sindicato) e pela
Secretaria de Educação (Camini, 2002).
O resultado dessas discussões foi mandado à Assembléia Legislativa em
agosto de 1999. O Projeto de Lei propunha, no que diz respeito à parte financeira
das escolas, que o Conselho Escolar fosse o co-responsável pela gestão dos recursos financeiros. No entanto, o governo acabou retirando esse Projeto da pauta da
Assembléia Legislativa por meio da apresentação de inúmeras propostas de emendas, as quais descaracterizavam o projeto proposto.
Em 2000-2001 o grupo de trabalho retornou as discussões sobre a Lei nº
10.576/95 e, nesse período, foi encaminhada a proposta da Constituinte Escolar,
incorporada pela Secretaria de Educação, de tornar o Conselho Escolar uma unidade executora, ou seja, uma entidade de direito privado sem fins lucrativos, a
fim de receber os recursos financeiros advindos do Programa Dinheiro Direto na
Escola (PDDE). O Conselho Escolar, assumiria o papel até então do Círculo de Pais
e Mestres (CPM) de ordenador de despesas, dividindo a responsabilidade da
gestão dos recursos financeiros com o diretor da escola. No entanto, a ACPM e o
CPERS depois de consultar os demais membros das suas entidades, se opuseram
a essa proposta.
A posição da ACPM/Federação era fortalecer o CPM como unidade executora da escola. Na opinião de seus representantes o PDDE está conseguindo aproximar a sociedade da discussão dos recursos fazendo com que essa seja chamada
para opinar nas decisões tomadas pela escola.
O sindicato dos servidores da rede estadual de ensino, o CPERS, viveu um
grande dilema para a escolha da unidade executora. O CPERS/Sindicato, preocupado com a consolidação da eleição dos diretores, não tinha o PDDE como prioridade
em sua pauta até a convocação para a Comissão Paritária. A possibilidade de o
Conselho Escolar tornar-se uma unidade executora foi vista sobre duas perspectivas
pelo CPERS. A primeira seria o fortalecimento da gestão democrática dentro da
escola, dando muito mais autonomia ao Conselho. A segunda perspectiva, gerou
um dilema, onde o mesmo organismo que garantiria a gestão democrática na escola
estaria se tornando uma entidade de direito privado, podendo futuramente dar
espaço a um processo de privatização das escolas públicas (Lazarotto, 2003).
Dessa forma, o CPERS manifestou-se contra o Conselho Escolar como unidade executora, pois acreditava que esta constituía uma ameaça ao caráter público da escola apoiando, assim, o CPM como a unidade executora das escolas da
rede estadual. A Uges e a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande
do Sul (Famurs) ausentaram-se das reuniões sem expor suas opiniões a respeito.
130
Programa Dinheiro Direto na Escola
A Secretaria de Educação manteve a sua opção de tornar o Conselho Escolar a unidade executora, legitimando a diretriz decidida na Constituinte. Para isso,
argumentou que o Conselho, sendo um organismo da escola, estaria sob a esfera
do controle público. Além disso, o objetivo da Secretaria era fortalecer a gestão
democrática, apoiando o Conselho Escolar como ordenador de despesas, ou seja,
a unidade executora.
Em 10 de dezembro de 2001, é promulgada a Lei nº 11.695, que altera a Lei
nº 10.576/1995, dispondo sobre a Gestão Democrática do Ensino Público. Segundo essa lei a unidade executora da rede estadual passa a ser o Círculo de Pais e
Mestres, responsável pelo recebimento e a administração dos recursos financeiros
advindos do PDDE (Rio Grande do Sul, 2001).
Segundo Marlene Schuck (2003), técnica do Departamento de Planejamento (Deplan), responsável pela administração do PDDE na rede estadual de ensino
"[...] o Conselho Escolar como unidade executora obteria uma maior funcionalidade política na gestão escolar, além de ser um órgão representativo de todos os
segmentos escolares". E, também, segundo Inajara Ferreira (2002), coordenadora
da Assessoria Jurídica da Secretaria de Educação:
[...] a proposta da personalidade jurídica para o Conselho Escolar era com o
intuito de garantir uma qualidade maior pra escola através da autonomia financeira que era centralizado nesse processo de mudança, porque permitiria que o
recurso fosse gasto de acordo com as necessidades efetivas das escolas [...]
(sic).
Segundo Raul Gomes de Oliveira Filho, ex-presidente do ACPM/Federação,
o PDDE começou a ser discutido no Rio Grande do Sul em 1994, quando os
representantes dos Círculos de Pais e Mestres propuseram ao então ministro da
Educação, que houvesse repasses que fossem geridos pela comunidade, afinal, o
CPM tinha consciência das reais necessidades de cada escola. (Oliveira Filho,
2003).
Em 1997, com a obrigatoriedade das unidades executoras, o CPM obtinha
grandes chances de assumir esse papel, pois era uma entidade civil de direito
privado, porém, nessa época, muitos Círculos de Pais e Mestres estavam
desestruturados politicamente e inadimplentes em relação a impostos e situação
fiscal, fato que impediu o cadastramento imediato desses como unidades executoras (Oliveira Filho, 2003; Souza, 2003).
Nós entramos em contato com o Ministério da Educação, levamos o quadro
geral do Rio Grande do Sul, onde os CPMs tinham como maior entrave a questão
de não estar em dia com o Imposto de Renda [...]. Viajamos para Brasília e
tivemos contato com o Ministério da Educação que emitiu uma outra resolução
tomando para si o encargo de 96, 97 e 98, os CPMs simplesmente enviariam um
ofício ao Ministério da Educação dizendo que estavam em plena atividade e o
Ministério da Educação, juntamente com o Ministério da Fazenda regularizariam
essa situação [...]. (Oliveira Filho, 2003)
Visto a necessidade que alguns CPMs tinham de se adaptar à nova estrutura, foi elaborado um Manual, em conjunto com a Secretaria de Educação, para
Programa Dinheiro Direto na Escola
131
orientar como e onde a verba deveria e poderia ser utilizada, e de que forma se dá
a gestão e a fiscalização dessa utilização.
Para Oliveira Filho (2003) "[...] os Conselhos Escolares têm representação
até o portão da escola saindo fora do portão da escola o Conselho Escolar não
representa qualquer segmento [...]" (sic), sendo assim quem representaria melhor
a escola "fora dos portões" seria o CPM. Esse posicionamento demonstra certo
receio da ACPM em relação à perda de poder no interior da escola.
Amostra estadual: escola "A"
Fica localizada na região norte em uma das áreas divisas e fronteiras da
ocupação urbana de Porto Alegre e apresenta um baixo poder aquisitivo da população moradora, grande contingente de pessoas recém-chegadas de localidades
do interior do Estado, ausência de equipamentos urbanos, como praças, sistema
de transporte coletivo no interior das vilas e iluminação pública, etc. A Escola "A"
atende às modalidades educação infantil (pré-escola), ensino fundamental, ensino
médio e Curso Técnico em Contabilidade (pós-médio).
Segundo o diretor, atualmente, a escola possui um total de 71 professores e 11 funcionários trabalhando. O número de matriculas no ano de 2004
foi: 40 na educação infantil, 428 no ensino fundamental, 566 no ensino médio
e 41 no ensino técnico (pós-médio) dando um total 1.023 alunos regularmente
matriculados.
A gestão financeira dos recursos obtidos por meio do Círculo de Pais e
Mestres (CPM) e do montante repassado pelo programa PDDE/FNDE resulta das
decisões da tesouraria do CPM em conjunto com a Direção e o Conselho Escolar.
Durante o ano de 2004, o CPM, enquanto instituição, não vinha promovendo
reuniões periódicas, ficando, assim, a destinação da verba do Programa Dinheiro
Direto na Escola ao encargo da decisão da direção, do Conselho Escolar e de
alguns membros do Círculo de Pais e Mestres atuantes.
Os segmentos escolares entrevistados, com exceção de direção e professores, pouco ou nada sabiam sobre o PDDE. A mãe de aluno, tesoureira do CPM,
a aluna presidente do CE e o funcionário da escola, membro do CE ficaram sabendo da necessidade do recebimento de "um dinheiro do FNDE" – como se referem
o PDDE/FNDE – via Circulo de Pais e Mestres. Ainda assim, ao serem indagados
sobre o conhecimento de expressões como Programa Dinheiro Direto na Escola e
Gestão Democrática do Ensino Público, os entrevistados dos segmentos de alunos, pais e funcionários não lembravam de terem ouvido falar sobre esses elementos em reuniões ou no cotidiano da escola.
Por sua vez, os segmentos entrevistados que tinham conhecimento do
PDDE/FNDE –- professores e direção –, nada tinham a reclamar ou acrescentar,
ressaltando que o Programa é bem visto, assim como toda e qualquer verba que
a escola recebe. A sugestão feita por parte da professora atuante na tesouraria do
Círculo de Pais e Mestres indicava que não havia necessidade de o dinheiro
passar pelo CPM, podendo ser transferido diretamente à escola, como o restante
dos repasses.
132
Programa Dinheiro Direto na Escola
Pela pesquisa, percebemos a aceitação da estrutura organizada e definida
pelo Estado para manejar os recursos como PDDE/FNDE na escola da parte do
diretor, uma vez que esse realiza ações no sentido de promover a constituição dos
órgãos de "representação comunitária", no caso, o Conselho Escolar e o Círculo
de Pais e Mestres. Este, por sua vez, vem passando atualmente por problemas de
articulação entre os segmentos da comunidade escolar, sendo que não houve, em
2005, até o presente momento, reuniões oficiais do Círculo de Pais e Mestres da
escola.
Na conjuntura atual, essas pessoas obrigam-se a discutir mecanismos de
manutenção da escola por meio de seu próprio trabalho de reflexão, invenção e
criação de estratégias de captação de recursos. Assim, grande parte do momento
de encontro entre as pessoas do segmento escolar tornou-se destinado à discussão de maneiras de se captarem recursos.
Tabela 1 – Sistematização dos dados financeiros da escola "A" – 2003-2004
Recursos
recebidos
pelo PDDE
Ano
FNDE via
COM
Outros recursos recebidos
da administração pública
e geridos pela unidade executora
Recursos gerados
Repasse pela
própria escola
Merenda Autonomia (bingos, festas,
Financeira
doações, etc.)
2003 4.500,00 15.507,20 29.812,94
2004 2.884,60 6.079,32 44.029,08
2.221,30
2.800,00
Total
Total de recursos
administrados
pela escola
51.372,14
55.793,00
52.041,44
55.793,00
Fonte: Escola “A”. A tabela não está completa, pois nem todos os valores foram informados pela escola. Não havia
registros organizados do período anterior a 2003 para todos os dados.
O PDDE, em 2003, representou 9% do total de recursos administrados
pela escola e 15% do repasse financeiro da Secretaria de Educação. Em 2004,
esses porcentuais diminuem devido à redução dos recursos do PDDE. A Escola
recebeu42 um montante de R$ 2.884,60 no mês de outubro de 2004, relativo ao
repasse do PDDE/FNDE, sendo que, nos anos anteriores, recebia R$ 4.500,00. O
motivo da diferença de recursos não foi explicado pela escola nas entrevistas, já
que permaneceu na mesma faixa em todo o período.
Em 2004, os porcentuais citados acima diminuem indo para 5% e 17%,
respectivamente. Segundo a professora responsável pelo Departamento Financeiro43, o montante do PDDE foi dividido em gastos permanentes (capital) e
gastos com manutenção (custeio), sendo R$ 576,92 para os gastos permanentes
e R$ 2.307,68 para os gastos de manutenção – compra dos ventiladores e
manutenção da rede elétrica, anteriormente citados.
42
Segundo dados fornecidos pela primeira tesoureira do COM, em 2004, e pela professora responsável
pelo Departamento Financeiro da escola.
43
A professora desempenha funções no Departamento Financeiro da escola desde o início do ano letivo
de 2004. É professora de Biologia e trabalha na escola há seis anos.
Programa Dinheiro Direto na Escola
133
A escola, juntamente com o CPM, faz campanhas de arrecadação de dinheiro
em diferentes atividades, tais como: bingos, festas, rifas, lanches vendidos na escola, etc. Os valores arrecadados nessas atividades (Tabela 1), conforme as entrevistadas, foram utilizados para a construção de um "Galpão Crioulo" no estilo Centro de
Tradições Gaúchas (CTG), utilizado para atividades culturais e demais atividades na
escola, como as próprias reuniões do Conselho Escolar. Segundo a tesoureira e a
presidente do Conselho, indagadas nas entrevistas sobre obtenção de recursos e
sua utilização, a escola recebeu doações de materiais de construção (madeiramento
e outros) da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE/RS).
No final do primeiro semestre de 2005, foi realizada nova eleição para o
Conselho Escolar na escola investigada. Nesse processo eleitoral, envolveram-se
professores, pais, alunos e a diretoria da escola. A eleição foi nomeada na última
reunião do Conselho como "eleição tapa buraco". Ela tem como função garantir a
ocupação por indivíduos eleitos dos cargos – secretário, vice-presidente e outros
– que haviam ficado vagos no Conselho devido ao "descompromisso" (palavra
utilizada pelos presentes nas reuniões do Conselho Escolar) das pessoas anteriormente eleitas. Esses indivíduos eleitos, apresentados em reunião (início do mês
de agosto), ocuparão os cargos até o final do ano de 2005, quando deve ser
realizada nova eleição para o ano escolar seguinte.
Implementação do PDDE
Anteriormente ao processo de implementação do PDDE, o município de
Porto Alegre vinha promovendo a descentralização financeira como parte de seu
projeto de gestão democrática da educação, o qual, desde 1989, tem avançado na
concepção de um planejamento e orçamento participativos, tanto da cidade quanto da instituição escolar.
Em 1996 a Secretaria Municipal de Educação (Smed) viabiliza o aperfeiçoamento na descentralização financeira, com a implantação do Sistema de Crédito Escolar Trimestral, que repassava recursos diferenciados de acordo com a característica de
cada escola. Esse processo foi construído juntamente com os Conselhos Escolares44.
A comunidade escolar, representada pelos segmentos do Conselho Escolar
(pais, professores, alunos e funcionários), torna-se habilitada para gerir seus recursos financeiros, passando a ter conta própria, com o CNPJ da prefeitura, para
gerir o Repasse Trimestral de Recursos.
Durante esse processo de descentralização programática e físico-financeira
dos recursos, o governo municipal foi surpreendido, pela Resolução nº 3, de março
de 1997, MEC/FNDE, que passava a transferir recursos da União diretamente às
unidades executoras, mas com a exigência de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
(CNPJ) próprio e não mais da prefeitura municipal, o que transforma a unidade
executora em entidade de direito privado.
Inicia-se então uma batalha jurídica travada no governo municipal para a
transformação dos Conselhos Escolares em unidades executoras, conforme exigência
do MEC.
44
O Conselho Escolar foi criado pela Lei Complementar nº 292/93.
134
Programa Dinheiro Direto na Escola
Em fevereiro de 1996, a Secretaria Municipal de Educação fez uma consulta
à Procuradoria Geral do Município45 sobre a viabilidade do "repasse de verbas
públicas aos Conselhos Escolares disciplinados na LC nº 292/9346, como forma de
aplicabilidade do disposto no § 2º, art. 183, LOM47, que assegura autonomia de
gestão financeira às escolas públicas municipais". O que conforme a Secretaria é
inviável, já que o "repasse pressupõe personalidade e capacidade jurídica do
recebedor, características inexistentes nos Conselhos Escolares, órgãos de cooperação governamental e de auxílio à administração" (Porto Alegre, PGE, 1996).
O parecer da procuradora do município, Ana Cristina Tópor, em resposta à
consulta da Smed é de "não ser possível, juridicamente, os Conselhos Escolares
receberem e gerenciarem verbas públicas, sejam elas repassadas pelo Município,
sejam elas repassadas pelo MEC" (Tópor, 1996) tendo em vista que: a Lei nº
4.320/64 aboliu a transferência de "verbas públicas" e adotou a expressão dotação e créditos orçamentários, o que faz com que o recebedor tenha que ter
personalidade jurídica, que é a "aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, e assumir o compromisso da prestação de contas. A pessoa jurídica, neste
sentido poderia receber e gerenciar verbas públicas" (Tópor, 1996).
Mas, conforme o Parecer, a questão é se os Conselhos Escolares podem
ser considerados pessoas jurídicas. Após citação do que caracterizaria a pessoa
jurídica, a procuradora conclui que os Conselhos Escolares:
[...] não se coadunam, s.m.j., com a natureza de pessoa jurídica, eis faltar-lhes,
no modo de constituição, a manifestação de vontade exclusiva dos membros,
nos atos praticados para esse fim, uma vez que todo o processo de criação
desses órgãos já se encontra minudentemente disciplinado por lei municipal,
bem como suas atribuições e finalidades, restando aos eleitos somente a submissão às normas da LC nº 292/93.
Os membros ou sócios, se fosse realmente uma associação, só atingem esse
status através de processo eletivo, também esse orientado pela norma municipal, o que força à conclusão que só a manifestação de vontade dos mesmos não
basta para a constituição do colegiado.
Assim sendo, tais conselhos não preenchem o terceiro elemento caracterizador
da pessoa jurídica, enumerada pela doutrina citada, qual seja, a capacidade
jurídica reconhecida pela norma [...] Os conselhos, portanto, são órgãos de
cooperação governamental, de auxílio à administração na interpretação, orientação, planejamento e julgamento da matéria que lhe compete [...] (Tópor, 1996).
O impasse jurídico continuou, já que a Secretaria de Educação precisava
organizar o repasse trimestral e também, o governo federal já anunciava que
repassaria o dinheiro do PMDE diretamente às unidades executoras. A coordenadora de Assuntos Jurídicos da Procuradoria Geral do Município, Vanesca Prestes,
que participou de várias reuniões na Smed para encontrar solução para o impasse,
elabora uma minuta de projeto de Lei e emite o seguinte parecer:
45
46
47
Parecer nº 939/96, de 26 de fevereiro de 1996, em resposta ao ofício nº 2/96 – G. S. Smed.
Lei Complementar nº 292/93, rege o Conselho Escolar (Porto Alegre, 1993).
Lei Orgânica Municipal (LOM) (Porto Alegre,1990).
Programa Dinheiro Direto na Escola
135
Em síntese, será aberta uma conta em nome de cada escola municipal (em nome
do Município porque não possuem personalidade jurídica própria), para que as
verbas sejam recebidas e geridas. A competência para definir a aplicação dos
recursos é exclusivamente de cada Conselho Escolar (grifo da autora). Porém as
responsabilidades quanto a todo o controle registrário, quanto a ordenação da
despesa e a movimentação da conta corrente são da Junta Administrativa composta por funcionários municipais, ficando expressa a impossibilidade da Junta
liberar recursos sem a autorização do Conselho Escolar (sic).
Destarte, desta forma entendemos que mais uma vez o Município de Porto
Alegre estará inovando ao demonstrar a viabilidade de compatibilizar o
ordenamento jurídico vigente com a efetiva participação popular, vez que garante à comunidade escolar a deliberação, fiscalização, enfim o controle sobre as
verbas da escola, ao mesmo tempo atribui a responsabilidade burocrática e
executiva a funcionários municipais que pela própria situação funcional devem
respeito às normas legais vigentes (Prestes, 1996) (sic).
Desta discussão jurídica é que surge o Decreto nº 11.600 de 22 de novembro de 1996 (Porto Alegre, 1996c) que dispõe sobre o repasse de recursos para a
rede municipal, cujos considerandos estão pautados na proposta de democratização da escola – Escola Cidadã – e de suas relações, na transferência de recursos
financeiros para as escolas como processo de descentralização da tomada de
decisões e da gestão, incluindo o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental do MEC/FNDE, que visa à transferência de recursos para as
escolas públicas de ensino fundamental. Os recursos destinados às unidades de
ensino do município serão geridos pela comunidade escolar por meio do Conselho Escolar, e o diretor48 e o vice-diretor serão os ordenadores de despesa. As
unidades deverão apresentar um plano de aplicação dos recursos financeiros.
A procuradora esclareceu na entrevista qual foi o teor do Decreto nº 11.600/96:
Nós propúnhamos que fosse como são os demais Conselhos de toda a gestão,
que toda a liberação de recursos fosse feita pelo Conselho, mas que a execução
fosse de um funcionário público. Porque uma de nossas preocupações é que
toda essa tarefa burocrática consome muito e a gente viu vários Conselhos
subsumidos na burocracia, esquecendo-se de discutir a política. Era um alerta
que se fazia muito seriamente, primeiro porque tem toda uma questão da verba
pública e é uma burocracia necessária porque é recurso do contribuinte [...].
[...] é bem como funciona o Conselho da Criança e o de Assistência Social, eles
discutem no pleno do Conselho, o presidente se preocupa com as deliberações
e quem vai aplicar é a junta administrativa. Quer dizer, eles têm a responsabilidade para dizer que a verba é para isso ou para aquilo e depois verificam se foi
executado (Prestes, 2002).
Portanto, com o Decreto nº 11.600/96, o Conselho Escolar deliberava sobre
os recursos e a direção da unidade de ensino executava as decisões. Mas, no caso
48
De acordo com o art. 5º, da Lei Complementar nº 292/93, que cria o Conselho Escolar, a direção da
escola integra o Conselho Escolar, representado pelo diretor, como membro nato, e, em seu impedimento, por um de seus vice-diretores indicados.
136
Programa Dinheiro Direto na Escola
do PMDE, a verba não era passada direto para as unidades escolares, o município
era intermediário do repasse. Conforme a procuradora Vanesca Prestes (1998),
[...] esta fórmula apesar de respeitar a autonomia política dos conselhos escolares, na medida em que tornou cogente o cumprimento das deliberações do
conselho, combinando os preceitos de direito público com a descentralização
das ações e decisões, não foi considerada suficiente pela União.
A Resolução nº 3, de 3 de março de 1997 (Brasil, 1997c), institui que o
repasse da verba da União direto para as escolas será por meio das unidades
executoras e impossibilita que ocorra pela Secretaria Municipal. A procuradora
assim comenta o fato dos municípios serem retirados do processo:
A República Federativa do Brasil tem três entes. Mas, há uma dicotomia da
administração federal, alguns vêm os municípios como meramente unidades
executoras e daí é bem complicado porque não somos mais unidades executoras, somos formuladores de políticas e projetos distintos (Prestes, 2002).
A Smed insistiu, com o MEC, para que o dinheiro fosse repassado utilizando-se a organização funcional e administrativa já existente no município, o que
lhe foi negado, obrigando a Secretaria a adaptar-se às normas determinadas pelo
MEC, para que as escolas não deixassem de receber os recursos a que tinham
direito.
Para adaptar-se à nova sistemática do PMDE/FNDE, o poder público municipal institui o Decreto nº 11.952, de 15 de abril de 1998 (Porto Alegre, 1998), que
dispõe sobre o repasse de recursos financeiros aos Conselhos Escolares das escolas municipais. Conforme a procuradora Vanesca Prestes (1998):
[...] os Conselhos Escolares foram constituídos como Associações Civis, na forma
da Lei dos Registros Públicos, fazendo surgir uma pessoa jurídica distinta do
Município. Em que pese essa não ser a solução juridicamente mais adequada
[...], atendeu a exigência federal para repasse dos recursos. Como essa solução
é exigida pelo governo federal e a verba oriunda da União é imprescindível para
as escolas municipais cabe a nós, dentro do âmbito de competência, estabelecendo regras gerais, dispor sobre as normas de utilização destes e outros recursos pelos Conselhos escolares. É isto o que faz o Decreto nº 11.952, combinado
com o Decreto nº 11.600. Da leitura de ambos verifica-se que o Município, gestor
e responsável pela execução da política pública, não deixa de fiscalizar a utilização direta do recurso, pois o pleno de aplicação é previamente submetido à
Smed, assim como tem por obrigação orientar e assessorar a unidade executora
quanto a execução e o controle da política pública (sic).
Esse controle do poder público por intermédio, entre outros, do Plano de
Aplicação de Recursos, proposto no Decreto nº 11.600/96 (Porto Alegre, 1996a), e
no Decreto nº 11.952/98 (Porto Alegre, 1998), que dispõe sobre a aplicação de
recursos e prestação de contas dos convênios da Administração Direta e Indireta
do Município com entidades não-governamentais. Com este Decreto, é possível
perceber que o debate sobre o repasse de dinheiro público para entidades nãogovernamentais já estava ocorrendo na administração democrático-popular de
Porto Alegre.
Programa Dinheiro Direto na Escola
137
O Decreto apresenta a necessidade de unificar os procedimentos relativos
aos convênios com entidades não-governamentais de caráter comunitário, educativo
ou assistencial, não-lucrativo (o que se convencionou chamar de "público nãoestatal"), e as normas para elaboração do Plano de Trabalho, Plano de Aplicação
de recursos e as normas e procedimentos de aplicação de recursos e de prestação
de contas.
Conforme Vanesca Prestes, que participou de todo este debate e emitiu os
pareceres à Smed:
Nós temos toda uma regulamentação para prestar contas dos recursos, porque é
muito séria esta questão da participação da população, cria um compromisso.
[...] Nesses últimos tempos, nós fomos passando por vários processos de participação da população na execução direta das tarefas públicas, [...] era projeto
político a execução de forma partilhada. E nós não tínhamos e não temos no
arcabouço jurídico a forma de participação popular efetiva da população nas
tarefas públicas na perspectiva de colaborador e não desonerador. [...] foi uma
demarcação da prefeitura de Porto Alegre, inclusive contrapondo a Reforma
Administrativa que veio subseqüentemente (sic) (Prestes, 2002).
A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, além de resolver os
impasses jurídicos mencionados foi obrigada a reorganizar, em parte, a
operacionalização da gestão para adequar as escolas às exigências do governo
federal e poder receber os recursos.
Para dar ciência às escolas das mudanças administrativas em relação à
autonomia financeira das instituições e construir com estas as alternativas viáveis,
a Secretaria de Educação, por meio da Assessoria de Planejamento, convocou-as
e fez a discussão, explicando as mudanças que estavam se operando no âmbito
dos Conselhos, quais eram as responsabilidades de cada segmento na administração da verba pública, bem como a importância da participação de todos. As
escolas foram chamadas a discutir uma proposta de estatuto para os Conselhos
Escolares. Participaram todos os segmentos em reuniões organizadas por região
da cidade.
Além do estatuto, foi elaborada uma ata de fundação da unidade executora, rebatizando o Conselho Escolar com um novo nome e com uma outra característica, uma vez que agora cada Conselho teria o seu próprio CNPJ passando
assim, a assumir um caráter privado. A Smed registrou, em cartório, os CNPJs dos
Conselhos, e coube à própria Secretaria de Educação fazer também uma assessoria contábil às novas UExs.
A verba do PDDE passou a ser incluída no planejamento anual das escolas,
juntamente com o Repasse Trimestral.
Atualmente, 50 escolas do município recebem a verba do PDDE. O MEC,
geralmente durante o mês de abril (o que varia conforme o ano), manda para a
Secretaria uma relação das escolas aptas a receberem os recursos financeiros.
Essa relação é feita a partir da Prestação de Contas e do Censo Escolar do ano
anterior ao recebimento. Se o número de alunos matriculados mudar durante o
ano letivo, a faixa de recebimento de valores só mudará no ano seguinte. Todas
as escolas da rede municipal de Porto Alegre têm unidade executora; nenhuma
recebe o dinheiro por meio da Secretaria Municipal de Educação.
138
Programa Dinheiro Direto na Escola
Tabela 2 – Sistematização dos dados do Sistema sobre a implementação
do PDDE – 1997 a 2004
Ano
Nº de escolas
ensino fundamental
Nº de escolas que
recebem e administram
diretamente o PDDE
Total
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
53
47
48
50
50
50
51
51
41
47
46
46
47
50
50
50
291.720,00
247.900,00
265.800,00
290.400,00
319.300,00
327.000,00
327.000,00
323.500,00
Fonte: Smed/POA.
O PDDE representa 0,17% da receita total do município, que é R$ 1.912.710.778,53,
e 2,44% da receita de convênios, que é R$ 13.252.806,40.
Embora a Secretaria faça um trabalho de orientação nas escolas, ela não é
notificada sobre quando será feito o depósito da verba pelo MEC. Para manter-se
informada, precisa consultar a Internet, sabendo, dessa forma, quando o dinheiro
estará disponível para as escolas. Os diretores geralmente ligam notificando o
recebimento e pedindo alguma orientação, quando julgam necessário. Quando a
verba chega, a Smed envia para as escolas uma planilha de aplicação de recursos
do PDDE para que o Conselho se reúna e decida o que vai ser adquirido pela
escola naquele ano com a verba, o que passa por discussão prévia em cada
segmento, por meio de assembléias ou reuniões.
Segundo a Smed, os Conselhos atrapalharam-se um pouco com a parte
burocrática do Programa, como foi o caso dos vencimentos dos CNPJs, pois não
estavam acostumados a lidar com questões empresariais, o que causou uma pequena correria. Os Conselhos têm até o dia 31 de dezembro para fazer seus
orçamentos (no mínimo três) e gastar o recurso, ou então podem reprogramar o
uso do recurso para o ano seguinte.
Verificado, pelo MEC, algum problema na prestação de contas, a Secretaria
é responsável, e, se necessário, é feita uma auditoria nas escolas.
Amostra municipal – Centro Municipal de Educação dos
Trabalhadores (CMET Paulo Freire)49
O CMET Paulo Freire é uma escola de jovens e adultos que fica localizada na
região central de Porto Alegre. A escola começou seu funcionamento em 1989 nos
altos do Mercado Público da cidade dentro de um Programa da Secretaria Municipal
de Educação, que percebeu a necessidade de um atendimento diferenciado aos
49
A escola autorizou o uso do nome no Relatório de pesquisa.
Programa Dinheiro Direto na Escola
139
funcionários municipais e ao significativo número de analfabetos espalhados pela
capital, dentro do "Projeto de Experiência Pedagógica em Educação Básica de Jovens e Adultos".
O Projeto foi autorizado pelo Parecer nº 945/91, tendo como base normativa
o Parecer CEE nº 315/91, que instituiu "no Sistema Estadual de Ensino, a modalidade de ensino supletivo Projetos de Alfabetização Massiva", que tinha como
uma de suas diretrizes, a seguinte exigência: "todas as classes deverão estar
vinculadas a uma escola regularmente constituída e sob sua responsabilidade". A
partir daí, ela foi vinculada à Escola Municipal de 1º Grau Porto Alegre (EPA),
situada também na região central do município.
Mas a comunidade escolar do CMET queria que a escola fosse desvinculada
da EPA e começasse a funcionar como uma escola regular de ensino com as
características próprias de EJA. A intenção dos professores e da direção da escola,
quando fizeram o pedido para desvincular-se da EPA, era que ela fosse reconhecida como uma escola de jovens e adultos com seus direitos.
Então foi encaminhada ao Conselho Municipal de Educação uma proposta de regimento em que a escola demonstrava tal intenção. Foi aberto um Processo, do qual resultou o Parecer nº 6/2000 do Conselho Municipal de Educação, que autorizou o funcionamento da escola "pertencente à Rede Municipal de
Ensino, desvinculando-a da Escola Municipal de 1º Grau Porto Alegre – EPA".
Mas, mesmo contra o debate acumulado pela comunidade escolar, a escola teve
que passar por uma reformulação para ser reconhecida como escola de ensino
fundamental regular, inclusive para receber os recursos do PDDE.
No ano de 2000 com o Parecer nº 3/2000 do Conselho Municipal de
Educação, o CMET foi incluído, pela Smed, na relação de escolas que recebem o
recurso do governo federal. Segundo a ata de reunião do Conselho Escolar, "a
escola recebeu pela primeira vez a verba do PDDE cerca de oito mil reais" (ATA,
/2001). O recurso, conforme descrito em ata, foi investido em compras que ainda
não haviam sido feitas e estavam previstas para aquele ano, de acordo com o
Planejamento Global para 2000. No ano de 2003, a verba recebida pela escola
do PDDE foi de R$ 8.200,00, sendo que, desse dinheiro, R$ 7 mil deveriam ser
investidos em material de consumo e o restante (R$ 1.200,00) em material
permanente.
Conforme a diretora da escola, o dinheiro do PDDE tem sido utilizado para
fazer um estoque na escola de materiais de limpeza e também para comprar
material pedagógico. A ex-diretora disse também que por a verba vir no final do
ano letivo ela torna-se um complemento do Repasse Municipal, porém, ressalta
que a verba do Programa é insuficiente para as demandas apresentadas pela
escola. (Andrejew, 2004).
Além do repasse do governo federal, a escola recebe da Secretaria Municipal de Educação o Repasse Bimestral; verbas extras, quando necessárias, para
reparos no prédio, já que esse é alugado e enfrenta diversos problemas de infraestrutura e para a Sala de Integração e Recursos na qual profissionais especializados
acompanham alunos com necessidades educativas especiais. Além disso, também
concorre com projetos no Orçamento Participativo da Smed.
140
Programa Dinheiro Direto na Escola
Tabela 3 – Sistematização dos dados financeiros da escola "A" – 2001-2003
Recursos
recebidos
pelo PDDE
Ano
Outros recursos recebidos
da administração pública
e geridos pela unidade executora
FNDE pelo Repasse Orçamento
Conselho Bimestral Participativo Verba extra
Escolar
2001 8.200,00 28.711,66
2002 8.200,00 27.307,30
2003 8.200,00 34.221,31
6.070,00
18.300,00
4.471,87
Sala de
Integração
e Recursos
1.600,00
1.600,00
1.600,00
Total de recursos
administrados
pela escola
44.581,66
47.207,30
42.421,00
Fonte: CMET Paulo Freire.
A verba do PDDE representou, nos anos de 2001 a 2003, 18,5% em relação
aos recursos recebidos pela escola.
O Conselho Escolar já havia avançado bastante na gestão democrática na
escola pela efetiva participação de todos os segmentos em assembléias envolvendo o restante da comunidade estudantil. A unidade executora que recebe os
recursos do PDDE no CMET é o próprio Conselho Escolar que se mostrou bastante
participativo e preocupado com as questões escolares, tanto pedagógicas quanto
administrativas. As reuniões são realizadas a cada 15 dias no intervalo das aulas
para que possa participar o maior número de representantes.
A participação dos pais é um pouco diferenciada, pois os alunos, em sua
maioria, são maiores de idade e eles mesmos acabam sanando essa demanda.
Mas foi instituída a participação dos pais de alunos menores de idade para que
esse segmento também pudesse ser representado.
Os alunos demonstraram-se bastante participativos e interessados nas reuniões do Conselho. Conforme o representante deste segmento são convocadas
assembléias chamando os alunos para discutirem suas demandas ou então cada
líder de turma traz as principais questões levantadas em sala de aula e estas são
levadas às reuniões do Conselho Escolar. (Silva, 2004).
Quanto aos professores, estes se mostraram bastante preocupados com a
escola e muito críticos nas reuniões do Conselho Escolar. Segundo um dos professores representantes do segmento, ele procura levar ao conhecimento do grande
grupo o que está sendo discutido nas reuniões para que todos possam analisar e
dar sugestões (Silva, 2004).
No ano de 2003, foi realizada uma auditoria na escola50. No documento
em que consta registrada a auditoria, a escola foi classificada somente como
educação de jovens e adultos, não se constituindo como ensino fundamental,
embora houvesse o Parecer do Conselho Municipal de Educação nº 3/2000, como
já explicado anteriormente, e a própria diretora, na época, tivesse explicado a
forma de condução da escola. Assim, o PDDE acabou sendo cancelado em 2004.
Eles tentaram reverter a situação entrando com processo, mas este foi negado. A
escola também não recebeu o recurso em 2005.
50
O número de matrículas estava apresentando alguns problemas, pois, como durante o ano letivo os
alunos podem ir e vir sem que isso cause a perda de sua vaga ou prejudique sua matrícula, acabou
acontecendo uma grande diferença entre os alunos que estavam matriculados e aqueles que estavam
freqüentando a escola.
Programa Dinheiro Direto na Escola
141
A escola da amostra de educação especial – O caso da Apae/POA51
A Apae, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae)/Porto Alegre
tem por objetivo
atuar nas áreas de prevenção e educação para pessoas com deficiência mental e/
ou condutas psíquicas associadas, proporcionando o desenvolvimento das
potencialidades e autonomia, melhorando a qualidade de vida como pessoa e
cidadão, por meio da atualização e diversificação de oportunidades e serviços
(Folder de divulgação Apae/POA).
Foi fundada em 1962, sendo uma das sócias fundadoras da Federação das
Apaes, que conta com 1.300 entidades no Brasil, atendendo mais de 110.000
portadores de necessidades especiais.
O PDDE/FNDE é repassado via CNPJ para a Apae, como acontece nas escolas da rede pública, mas administrado diretamente pela gerência administrativa
da mantenedora. Os conselhos de pais e comunidade da escola possuem, em
princípio, a função de acompanhamento da administração, tanto em termos de
estrutura e ensino, quanto de administração de recursos. O setor de projetos e o
setor financeiro administram os recursos repassados à entidade e as pessoas que
atuam na diretoria são eleitas por chapa para um período de dois anos.
Atualmente, a Apae Porto Alegre passou por um período de dificuldades
financeiras, tendo que diminuir o número de funcionários e enxugar os gastos,
passando, inclusive, por um período de intervenção da Federação das Apaes em
função de problemas financeiros. Funcionando como entidade filantrópica de caráter social, a Apae Porto Alegre possui três escolas: Instituto Educacional Nazareth,
Centro de Atendimento e Desenvolvimento do Excepcional (Cade) e Escola de
Educação Especial Dr. João Alfredo de Azevedo.
Tabela 4 – Quadro de alunos matriculados na Apae/POA – 2003 e 2004
Número de matrículas
Ano 0 a 6 anos 7 a 12 anos 13 a 18 anos Mais de 18 anos
2003
2004
49
51
51
34
47
52
249
246
Total
396
383
Total de alunos
conforme Censo
Escolar*
188
203
Fonte: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Porto Alegre – (Apae/POA) (informante).
* O total de alunos do Censo Escolar determina o valor do PDDE, sendo que o número de alunos ultrapassa esse
dado, uma vez que atendem igualmente alunos maiores de 14 anos.
O recurso do PDDE/FNDE chega à escola como nas escolas públicas, ou
seja, seu valor é sempre referente ao número total de alunos atendidos pela
escola. O detalhe em particular no caso da administração da verba na Apae/POA é
51
No caso específico da Apae/POA, a utilização de nomes de pessoas ou de entidades vinculadas às
informações aqui relatadas foi formalizada por meio de termo de consentimento informado de pesquisa.
142
Programa Dinheiro Direto na Escola
que o número de alunos para o cálculo do financiamento enviado pelo FNDE
corresponde ao Censo Escolar de cada ano, ou seja, os alunos em idade escolar
que têm direito à educação assegurada (até 14 anos, segundo a LDB). A questão,
nesse ponto, é que a Apae/POA não atende apenas pessoas nessa idade escolar,
a entidade possui um número de alunos maior que o do Censo Escolar, sendo que
parte desses alunos está com idade maior que a idade de obrigatoriedade do
direito ao ensino assegurado e garantido pelo Estado brasileiro.
A Apae/POA administra um montante de recursos totais e os distribui para
suas três escolas e programas. Ou seja, há uma sede administrativa única para
repasses e setor financeiro na entidade, que distribui os valores necessários à
manutenção dos estabelecimentos educacionais e programas. Segundo o gerente
administrativo, toda a despesa feita pela instituição é de sua responsabilidade e
a verba que ela "recebe dos órgãos públicos, não chega a 15% do orçamento de
que ela necessita", pois a despesa mensal gira "em torno de R$ 200 mil por mês"
(Bertoletti, 2005).
Além do PDDE, a escola recebe também: Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae); Programa de Complementação ao Atendimento Educacional
Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (Paed); Recursos do INSS,
uma vez que atende pessoas com deficiência mental e/ou condutas psíquicas
associadas e os recursos via Prefeitura Municipal de Porto Alegre – por meio de
formalizações de parcerias e contratos, renovados anualmente.
Já os recursos arrecadados pela própria Apae/POA, segundo Bertoletti são
oriundos de fontes como: Campanha da Nota Fiscal; boleto bancário de pagamento via sócio/Apae; telemarketing (de onde vem o recurso mais expressivo, os
valores variam em torno de R$ 5,00 a R$ 100,00); doação de empresas privadas;
Programa "Adote um aluno da Apae", em que empresas ou pessoas físicas podem pagar bolsas a alunos carentes; e contribuições espontâneas de pais com
filhos que estudam na Apae/POA (a contribuição espontânea de pais gira em
torno de 10% do orçamento da instituição. Há pais, por exemplo, que contribuem
com até R$ 490,00/mês.
Tabela 5 – Sistematização dos dados da escola – Nome da Escola: Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionais de Porto Alegre (Apae/POA) – 2003 e 2004
Recursos recebidos pela Apae
Ano
PDDE
Merenda Pnae*
2003
2004
8.400,00
9.300,00
2.831,2
2.831,20
Paed
6.800,00
INSS**
Prefeitura
Total
109.729,32
109.729,32
90.000,00
120.960,52
218.660,52
Fonte: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Porto Alegre (Apae/POA) (informante).
* Valor relativo a 100 alunos.
** O valor recebido pelo INSS é fixo mensal, sendo atualmente R$ 9.144,11/mês, assim, realiza-se a média anual.
O informante deu os valores iguais para os anos de 2003 e 2004.
A Tabela 5 nos fornece os dados relativos aos recursos obtidos pela escola
nos anos de 2003 e 2004. Segundo Bertoletti, no ano de 2004, a Apae/POA
apresentou um quadro de despesas anuais médio de R$ 2.400.000,00. Esse cálculo foi realizado pelo professor Bertoletti durante visita à Apae/POA, com base em
Programa Dinheiro Direto na Escola
143
uma média de gastos estimados em R$ 240.000,00/mês para o funcionamento da
instituição. É possível observar que a Apae recebe recursos de várias fontes públicas diferentes. Em 2003, o PDDE representava 4% do total de recursos públicos
recebidos pela instituição e, em 2004, representou 7% do total.
Considerações gerais
Como principais questões levantadas pela pesquisa, após quatro anos de
trabalho, passamos a destacar alguns aspectos. Em Porto Alegre, há o embate
jurídico acerca de os Conselhos Escolares poderem ser ou não unidades executoras de direito privado. Lembramos, ainda, o debate acerca da autonomia dos
entes federados, já que a centralização da União não respeitou a proposta feita
por Porto Alegre e a sua trajetória de gestão democrática. Na rede estadual, a
principal questão foi o dilema vivido entre avançar na gestão democrática e escolher como unidade executora o Conselho e não correr o risco de ter uma instituição de direito privado no interior da escola ou, por outro lado, fortalecer o CPM.
Na Apae, ressaltamos a quantidade de verbas públicas que recebe das mais variadas fontes e a sua forma de gestão centralizada, apesar de ser não-estatal.
Porto Alegre viveu 16 anos de administração de uma frente de esquerda,
que tinha na democratização da gestão uma de suas maiores bandeiras. Mesmo
com todos os impasses vividos no cotidiano das instituições, o objetivo estava
bem definido, e as principais estratégias eram o fortalecimento do Conselho Escolar, a autonomia financeira e a eleição para diretores, além de toda a discussão da
democratização do acesso e do conhecimento. Sem esquecer que as questões
estão intimamente interligadas, para fins deste trabalho, vamos nos deter mais no
Conselho Escolar e na autonomia financeira.
O ente federado município, em um processo de correlação de forças, tinha
construído suas políticas, inclusive, muitas vezes, em contraposição às políticas
do governo federal, que tinha outros objetivos políticos, entre eles, a diminuição
do papel do Estado para as políticas sociais, e o que ficava sob a propriedade do
Estado deveria ter a lógica do mercado para ser mais eficiente e produtivo. O
Programa Dinheiro Direto na Escola foi concebido dentro dessa lógica – de repassar para o privado a administração do dinheiro público e ainda enfraquecer as
instituições públicas, tanto os sistemas estaduais quanto municipais, quanto a
própria escola, entendida como instituição estatal. Nesse sentido, a União não
respeitou a autonomia dos entes federados, impondo-se, em um período democrático, não mais por meio da força física, mas econômica, já que os municípios
que não se ajustassem à sua lógica não receberiam o recurso.
No caso da rede estadual do Rio Grande do Sul, apesar de, no início do
Programa (1995), ter sido aprovada a Lei de Gestão Democrática – muito por
pressão dos profissionais da educação –, o fato é que o governo estadual na
época era alinhado politicamente com o governo federal e, sem nenhum tipo de
resistência, aderiu ao Programa. É interessante observar, ainda, que a Associação
de Pais no RS é muito influente desde o período da ditadura. Com o debate
acerca da gestão democrática e o fortalecimento dos Conselhos, essa instituição
estava sem forças e praticamente acabada. Com o recebimento do dinheiro do
144
Programa Dinheiro Direto na Escola
governo federal, por meio do PDDE, ela sobrevive, ganha força – onde não existia
foi organizada, passando a disputar novamente os espaços de gestão na escola.
Outro aspecto a ressaltar na rede estadual foi o embate vivido durante o
governo Olívio Dutra, entre duas formas de participação na democratização do
Sistema. A mais direta, por meio da Constituinte Escolar, e a representativa, por
meio da Comissão Paritária, que tinha os representantes da forças (sindicato,
CPM, Uges e governo). Enquanto a comunidade escolar, por meio da Constituinte
Escolar, escolheu o Conselho Escolar para ser a unidade executora, o sindicato e
a Associação dos CPMs escolheram o CPM. O governo representou os interesses
da Constituinte escolhendo o Conselho. É um interessante debate – quem tem
mais legitimidade e quem fala em nome de quem –, já que duas instâncias que
tinham por objetivo democratizar a elaboração das políticas estaduais no período
decidiram sobre um mesmo ponto de forma diferente.
Ainda na rede estadual, há o grande debate apresentado pelo sindicato,
entre fortalecer a gestão e o receio de transformar o Conselho Escolar, como
instância do interior da escola pública, em entidade de direito privado. Tal dilema
é provocado pela obrigatoriedade de as UExs terem CNPJ próprio.
Quanto à arrecadação de recursos por parte da Unidade Executora, é uma
das questões mais controversas do Programa, já que estimula a busca de recursos
na comunidade, desobrigando, assim, o Estado de financiar totalmente a escola
pública. Essa prática já existia nas escolas anteriormente – ela não nasceu com o
Programa –, mas a luta dos profissionais da educação por autonomia financeira
da escola era justamente para acabar com essa prática, pois a escola receberia
dinheiro para seus gastos cotidianos e não precisaria mais buscar por meio de
rifas, festas juninas, rainha da primavera... O Programa vai na contramão dessa
luta e estimula a arrecadação de recursos pela escola, montando, inclusive, a
estrutura da organização social (proposta pelo Ministério de Administração e Reforma do Estado – Mare) por meio da unidade executora.
Na pesquisa do RS, esse tema teve impactos diferentes na rede estadual e
na rede municipal de Porto Alegre. Na capital gaúcha, a UEx não está autorizada
a arrecadar recursos na comunidade por se acreditar que a escola pública deveria
ser financiada pelo poder público; já na rede estadual, verificamos que essa é
uma prática que tem tomado muito tempo, tanto do CPM quanto do Conselho, e
que essas duas instituições podem ou não conviver bem na escola. De qualquer
maneira, foi fortalecida a prática da arrecadação e já praticamente naturalizada. É
interessante observar também que o PDDE representou, em 2003, apenas 15% do
que a escola recebia da Secretaria da Educação como repasse financeiro e, em
2004, apenas 7%.
Outro fator interessante na escola municipal pesquisada foi que, em função do financiamento da educação, principalmente Fundef e PDDE, a escola, que
atende jovens e adultos, teve que se adaptar para receber o recurso. A flexibilidade inicial que era parte da filosofia da escola, que procurava atender às
especificidades do aluno trabalhador, tanto na metodologia quanto na organização escolar, teve que ser repensada para a escola tornar-se de ensino fundamental regular e, assim, receber os recursos. Foi um embate enorme na escola, com
muitos questionamentos dos professores acerca da submissão do pedagógico ao
financeiro.
Programa Dinheiro Direto na Escola
145
Enfim, a escola passou pelos ajustes, e o Conselho Municipal de Educação
acabou "legalizando a escola" como de ensino fundamental por meio do Parecer
nº 3/2000. Para nossa surpresa, houve uma "auditoria" na escola, que foi considerada pelo poder público federal como de jovens e adultos no Censo Escolar, o
que quer dizer que perdeu os recursos do PDDE. Isso foi considerado pelas pesquisadoras como uma intervenção da União em relação ao que o município havia
definido no seu Conselho Municipal de Educação – e mais uma vez questionamos
a autonomia relativa dos entes federados.
Por fim, vale destacar o "fluxo" do dinheiro, que é público, mas que passa
por uma instituição privada para ser gasto pelo poder público. E ainda que os
pais, no caso de a UEx ser o CPM, têm que ressarcir o poder público se houver
qualquer problema na prestação de contas. Levando em consideração que as
escolas públicas são para filhos de trabalhadores, muitas vezes com pouca escolaridade e familiaridade com a burocracia, repassar mais essa responsabilidade
para os pais, que já são expropriados pela sociedade e pagam seus impostos,
parece um abuso de poder, porque, se nenhum pai se responsabilizar, o dinheiro
simplesmente não vai para a escola.
Quanto à Apae, chamou a atenção principalmente a diversidade de fontes
de recursos públicos, sendo que o PDDE, mesmo repassando mais recursos para
essas escolas do que para as públicas, ainda assim foi responsável por apenas
4% do total de recursos públicos recebidos em 2003. Outro aspecto a ressaltar é
que, apesar de ser uma instituição proveniente da organização da sociedade, a
gestão é totalmente centralizada, assim como a destinação dos recursos. Não
encontramos na pesquisa nenhum vestígio de gestão democrática na instituição,
além de pouca transparência na destinação dos recursos, já que a prestação de
contas pública, inclusive publicada em um jornal local, é muito geral e em linguagem contábil. Percebemos, assim, um controle social, tanto no que se refere à
escolha de onde seria gasto o recurso, quanto no que diz respeito à prestação de
contas para a comunidade educativa, que é menor na Apae do que nas escolas
das redes públicas estudadas. A Resolução nº 17 definiu que a Entidade Mantenedora
(no caso das Apaes) deve:
Fazer gestões permanentes no sentido de garantir que a comunidade escolar
tenha participação sistemática e efetiva, desde a seleção das necessidades
educacionais prioritárias a serem satisfeitas até o acompanhamento do resultado do emprego dos recursos do programa (Resolução nº 17/05, art. 7º, inciso
IV, alínea c).
No entanto, essa não foi a realidade encontrada na pesquisa. No que se
refere à gestão democrática, não só a Apae apresentou centralização nas decisões. Entre as escolas pesquisadas, mesmo de um mesmo sistema, como o Sistema Municipal de Porto Alegre, que tem uma longa caminhada de construção da
gestão democrática nas escolas, encontramos diferentes estágios de participação
dos segmentos. Em uma das escolas, a verba do Programa, assim como os demais
recursos recebidos eram definidos com ampla participação. O Plano de Aplicação
de recursos era definido em assembléias por segmentos, para definir prioridades
dos gastos, e depois em uma assembléia geral dos segmentos, em que eram
146
Programa Dinheiro Direto na Escola
debatidas as propostas e as decisões eram tomadas de acordo com a proposta
pedagógica da escola no Conselho Escolar. Na outra escola pesquisada, a reunião
do Conselho para definir a destinação dos recursos foi "monopolizada" pela
diretora, que definiu a utilização na aquisição de um videokê com karaokê. Alguns
representantes questionaram se não seria mais interessante investir em equipamento de som para o auditório, mas foi em vão, e a diretora acabou convencendoos. Na escola da rede estadual, o fato de haver duas instâncias que recebem
recursos e definem sua destinação deixa o quadro ainda mais complexo. O diretor
acaba centralizando as decisões e administrando, às vezes, junto, outras vezes,
individualmente, tanto o CPM quanto o Conselho.
Analisaremos, no próximo item, a relação entre o diagnóstico neoliberal de
que o "responsável" pela crise é o Estado, a conseqüente estratégia proposta
pelo Plano de Reforma do Estado no Brasil (Brasil, Mare, 1995) de passagem das
políticas sociais para o setor público-não estatal e a obrigatoriedade de construção de unidades executoras (entidades públicas de direito privado) em todas as
escolas públicas brasileiras para recebimento do dinheiro do Programa.
Programa Dinheiro Direto na Escola
147
4
Programa Dinheiro Direto na Escola
149
Análise dos casos
4.1
Caracterização das unidades executoras
O Programa Dinheiro Direto na Escola, ao condicionar o repasse de recursos à existência de unidades executoras de natureza privada, vinculadas às escolas, produziu diferentes impactos nos sistemas e nas unidades escolares. Tais
impactos decorrem das características das próprias redes de ensino e das políticas locais em relação à descentralização de recursos e à democratização da gestão
escolar, especialmente no que diz respeito às concepções sobre a participação da
comunidade na tomada de decisões.
Observamos em alguns sistemas a capacidade indutora do Programa em
relação à normalização nas redes, especialmente naqueles municípios que, não
contando com nenhum mecanismo de descentralização de recursos, receberam
por meio do PDDE um forte estímulo à criação ou revitalização de entidades como
as Associações de Pais e Mestres ou os Conselhos de Escola. Em redes com maior
nível de organicidade, caso das redes estaduais de ensino, o PDDE produziu
desde a simples incorporação dos procedimentos a políticas já em curso, o que
foi verificado na rede estadual de São Paulo, até intensos debates em relação às
conseqüências da implantação de uma entidade de direito privado para a democratização da gestão escolar, conforme verificado nos Estados do Mato Grosso do
Sul e Rio Grande do Sul.
Nos dois Estados (MS e RS), a existência das unidades executoras interferiu
nos processos em curso de tal maneira que, ao contrário do Estado de São Paulo e
Programa Dinheiro Direto na Escola
151
de outras redes estaduais, não se tratou apenas de sua incorporação a políticas ou
do estímulo à criação de entidades com personalidade jurídica, mas de um debate
no campo político (e também jurídico) que dizia respeito aos rumos do projeto local
de gestão democrática.
Nas redes municipais pesquisadas, três optaram por instituir as UExs como
Conselhos de Escola, enquanto duas criaram ou instalaram a unidade executora na
Associação de Pais e Mestres. Nas redes estaduais, ocorre o inverso: três incorporaram o PDDE às Associações de Pais e Mestres ou similares (MS, SP e RS/Círculos de
Pais e Mestres), e duas operaram a transformação jurídica dos Conselhos de Escola
a fim de ajustar seu funcionamento às exigências do Programa (PA e PI).
O fato de as unidades executoras terem o formato de Conselho de Escola
ou APM/CPM as diferencia em relação aos segmentos que participam da gestão
dos recursos: APMs e CPMs privilegiam em sua composição a participação de pais
e profissionais, podendo até possibilitar a participação dos estudantes, mas não
na condição de representantes eleitos por seus pares, enquanto do Conselho de
Escola participam oficialmente estudantes, profissionais e pais.
A exigência de criação das unidades executoras em redes de ensino já
organizadas, como as redes estaduais pesquisadas, produziu uma "revitalização"
de órgãos auxiliares (APMs) ou de gestão da escola (Conselhos de Escola). Há
significativa diferenciação entre as duas entidades. As APMs são organizadas como
associações de apoio ao trabalho da direção escolar. Suas funções (mesmo considerando as variações dos Estatutos em diferentes Estados e municípios) relacionam-se à realização de atividades de apoio à gestão escolar e a ela estão submetidas. Os Conselhos de Escola deliberativos, por seu turno, refletem os esforços
empreendidos, especialmente a partir dos anos 80, em direção à democratização
da gestão na escola. São órgãos de natureza deliberativa que, em tese, funcionam
em colaboração com a direção da escola, mas de maneira autônoma, contando
com a participação dos diferentes segmentos da comunidade escolar.
Os Conselhos de Escola ou Associações de Pais e Mestres, em alguns
Estados, ganharam nova formatação e foram objeto de atenção específica dos
gestores locais, o que, antes do PDDE, nem sempre ocorria.
No Estado do Pará, os Conselhos de Escola, com caráter deliberativo, já
existiam na rede, mas não em todas as unidades, pois não era obrigatório instituílos. O PDDE induziu a criação das UExs, e o Sistema reagiu transformando os
Conselhos de Escola nas unidades executoras, tornando-os obrigatórios. A partir
de então, verifica-se um duplo movimento: 1) transformação dos Conselhos já
existentes em UExs e 2) criação do Conselho nas escolas que não o tinham
implementado.
No Estado do Piauí, também observamos um movimento que, ao alterar
a configuração dos Conselhos de Escola, coloca-os em funcionamento em todas
as unidades da rede como UEx. Oriundos dos debates e lutas sociais pela democratização da gestão escolar, os Conselhos existentes foram criados no início
dos anos 90, mas, tal como no Pará, não tinham existência e funcionamento
generalizados. Somente com sua transformação em UExs passaram a existir em
todas as escolas, tendo como principal atividade a execução dos recursos advindos
do PDDE. Observe-se que, no Piauí, o diretor escolar é também coordenador
152
Programa Dinheiro Direto na Escola
(presidente) do Conselho, sugerindo-nos que, nesse caso, o diretor escolar tem
papel central na tomada de decisões.
No Estado do Rio Grande do Sul, houve intenso debate sobre as possibilidades de a Política de Gestão Democrática em curso na rede ser comprometida
pela criação da entidade de direito privado nas escolas. Em face dessa preocupação, a Secretaria de Educação optou por transformar os Conselhos de Escola em
unidades executoras, preservando a participação de todos os segmentos nas decisões referentes à execução dos recursos. Todavia, representantes do Centro do
Professorado do Estado do Rio Grande do Sul/Sindicato (CPERs) e da Associação
dos Círculos de Pais e Mestres (ACPM), por razões diversas, opuseram-se tenazmente: o sindicato docente questionou a transformação do órgão colegiado de
gestão em entidade de direito privado, afirmando que não se trataria mais da
escola se organizando coletivamente, mas de uma entidade com poderes
deliberativos nos campos administrativo e pedagógico, assumindo o lugar do
poder público. Pais integrantes da ACPM, por sua vez, reivindicavam o direito de
a entidade assumir a execução dos recursos descentralizados. A resolução do
embate deu-se pela aprovação do Círculo de Pais e Mestres (CPM) como unidade
executora, preservando-se o Conselho de Escola como órgão de gestão. Os CPMs,
que, no âmbito da política educacional do Estado, não eram priorizados, receberam nova ênfase e um novo papel na organização do trabalho escolar.
Nas duas outras redes nas quais a UEx foi implementada como Associação
de Pais e Mestres (São Paulo e Mato Grosso do Sul), os dados mostram que o
Programa foi absorvido por uma organização antecedente, na qual as APMs já
executavam recursos descentralizados para a escola, não havendo maiores impactos em termos de gestão escolar. As APMs, nesses dois Estados, configuravam-se
como peças importantes da política local de descentralização52.
As UExs, nas redes estaduais, além de gerirem recursos públicos, também
podem captá-los, o que se verificou em todos os Estados. Embora não nos tenhamos
deparado com unidades que captassem recursos para além das já conhecidas formas
de arrecadação presentes nas escolas (contribuições, festas, arrendamento de cantinas, reprografia e uso dos muros para propagandas), é importante observar que todas
as UExs mantinham algum tipo de atividade para angariar fundos. No Estado do Piauí,
a atividade de captação é explicitamente estimulada pela Secretaria de Estado da
Educação por meio do Programa Pactue, que estabelece uma contrapartida financeira
por parte do governo estadual, proporcional à arrecadação realizada.
Os relatos, sobretudo aqueles produzidos no âmbito das unidades escolares, indicam que o PDDE não se apresenta como programa indutor de discussões
de natureza político-pedagógica profunda. A dimensão operacional na execução
dos repasses leva a que a centralidade do diretor, em qualquer formato adotado
para a UEx, se evidencie. Excetuem-se os casos do Rio Grande do Sul e Mato
Grosso do Sul, onde houve debate mais aprofundado em relação às concepções
políticas do Programa e suas conseqüências para os projetos locais.
52
No Estado de Mato Grosso do Sul, no ano de 2000, houve certo debate em torno da alocação da UEx.
Prevaleceu, todavia, a manutenção da APM como UEx.
Programa Dinheiro Direto na Escola
153
Argumentos relativos à dificuldade de os pais entenderem o funcionamento do Programa e participarem ativamente das atividades necessárias à correta
execução de recursos incorporaram depoimentos em vários Estados, justificando,
assim, que os profissionais assumissem as maiores responsabilidades sobre as
decisões em relação ao uso da verba.
As redes municipais pesquisadas apresentam grande diversidade, quer em
número de matrículas, quer em formas de gestão, que se expressam não apenas
em termos numéricos, mas em sua própria organização. Em São Paulo, por exemplo, o município pesquisado, Pirassununga, nem sequer conta com sistema de
ensino.
A diversidade na história nas redes municipais faz com que a implementação
do PDDE produza impactos diferenciados, sobretudo no que diz respeito à gestão
no âmbito do Sistema e na própria escola. Todavia, apesar das diferenças, é nítida
a capacidade indutora do Programa nos processos organizativos e de normalização
da rede, uma vez que as exigências de criação de UEx para recebimento dos recursos foram capazes de promover a criação de entidades ou levar à transformação na
natureza de Conselhos de Escola, que passaram a ser pessoas jurídicas.
Dois municípios, Campo Grande (MS) e Pirassununga (SP), fizeram a
opção por instituir a APM como UEx. É importante observar que em nenhum dos
dois existem órgãos colegiados de gestão instalados nas escolas. Em ambos, o
PDDE foi fundamental para que as APMs fossem regulamentadas, e estas passaram a ser os primeiros órgãos das unidades escolares que contavam com a
participação de pais.
No município de Pirassununga, a APM foi regulamentada pela Secretaria
de Educação especialmente para fins de recebimento dos repasses provindos do
Programa, por meio de consórcio. O Estatuto padrão, criado em 1999 exclusivamente para atender às necessidades do PDDE, determina que o diretor escolar e
o assistente de direção sejam sócios natos. Entretanto, a escola com número de
alunos suficiente para ter sua UEx funcionando como sede do consórcio não
contava com as funções de direção e assistente de direção.
A fim de que a APM pudesse ser criada, a encarregada do Setor de Educação da Secretaria de Educação assumiu formalmente a função de assistente de
direção, passando a ser sócia da APM da escola-sede. A presidente do Conselho
Deliberativo também era funcionária da Secretaria de Educação. Tal situação mostra que o precário nível de institucionalização na rede municipal produziu a necessidade de arranjos emergenciais para que houvesse o recebimento dos recursos.
O PDDE expôs essa precariedade e exigiu um grande esforço dos gestores para
que fossem criadas condições de inserção da rede no campo de atuação do
Programa. Acredita-se que essas dificuldades em termos de organização e normalização dos sistemas integrem a realidade de outros municípios brasileiros, especialmente aqueles de pequeno porte, como o município estudado nesta pesquisa.
As Associações de Pais e Mestres não foram a única opção política para a
criação das UExs. Em três municípios, os Conselhos Escolares foram transformados em unidades executoras: Belém (PA), Porto Alegre (RS) e Teresina (PI). Em
dois deles, Belém (PA) e Porto Alegre (RS), o processo implicou debates, tal qual
o observado na rede estadual do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso do Sul.
154
Programa Dinheiro Direto na Escola
No município de Belém, os recursos do PDDE passaram a ser descentralizados para as escolas em 1998, um ano após o município ter implantado o Programa. A Secretaria Municipal de Educação orientava sua política para a implementação
da gestão democrática nas escolas, para a qual os Conselhos de Escola tinham
grande importância, o que se revelava no esforço de formação política de conselheiros. O preparo para a transformação dos Conselhos em UEx deu-se nesse
contexto, de tal maneira que houve formação de profissionais e demais conselheiros para a administração dos recursos: foram realizadas desde oficinas em parcerias com órgãos federais, com o objetivo de discutir a responsabilidade do Conselho com os recursos públicos advindos de diferentes projetos (entre eles o PDDE),
até capacitações específicas para utilização dos recursos do Programa.
No município de Porto Alegre, o debate centralizou-se em torno da alocação
da UEx. O processo político de implementação da Gestão Democrática, como na
rede estadual, foi surpreendido pela necessidade de criação de uma entidade de
direito privado. Após intensas discussões, a opção, diferente da realizada na rede
estadual gaúcha, resultou na alocação da UEx no Conselho de Escola.
A administração municipal de Porto Alegre, assim como a de Belém, declarava o compromisso político com a gestão democrática. À semelhança da rede
estadual de ensino, a implementação do PDDE e a criação de unidades executoras
foi fator de tensão na Secretaria de Educação, gerando disputa jurídica em relação
à criação da UEx, o que expressa muito bem o caráter impositivo do programa,
uma vez que o município precisou criar as entidades.
A administração municipal vinha implementando gradativamente a
descentralização de recursos para as escolas, cabendo a execução dos recursos
aos órgãos de gestão da escola, os Conselhos de Escolas. Como já se consolidara
um campo de posições em favor de uma concepção de gestão democrática, houve
reações por parte da Secretaria de Educação e do sindicato docente. Contudo,
apesar das resistências e tentativas jurídicas, os conselhos acabaram por se transformar em UExs.
As unidades executoras da rede municipal de Porto Alegre são as únicas,
entre as pesquisadas em todo o País, que legalmente se encontram proibidas de
captar recursos. A proibição, segundo depoimentos, foi uma forma encontrada
pela administração pública para preservar os princípios da gestão democrática no
Conselho de Escola.
É necessário registrar que, tal como ocorre nas redes estaduais de ensino
onde houve debate sobre as relações entre o Programa e a Gestão Democrática da
Escola, Belém e Porto Alegre eram administrados pelo Partido dos Trabalhadores
na ocasião da implementação do PDDE.
Municípios que não implementavam ações específicas relacionadas à democratização da gestão escolar lidaram com a implantação das UExs de maneira
menos tensa, mesmo quando se tratou de criar Conselhos Escolares, como ocorreu em Teresina, onde, pode-se concluir, a criação das UEx ofereceu parâmetros
para o estímulo à descentralização de recursos.
As experiências das UExs nas redes municipais indicam que o PDDE contribui para que os sistemas se organizem, normalizando órgãos como APM e Conselho de Escola. Contudo, tal como o observado em duas redes estaduais e duas
Programa Dinheiro Direto na Escola
155
municipais, o Programa tensiona políticas que visam à democratização da gestão
nas escolas públicas.
As escolas públicas não são as únicas que têm direitos a beneficiarem-se
do PDDE. Escolas de natureza pública não-estatal que atendem à modalidade
educação especial podem também ser beneficiárias do Programa. A pesquisa
buscou analisar o processo de implementação do Programa em tais instituições
em dois Estados (RS e PI), por meio de coleta de dados em instituições educativas
vinculadas à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Em um Estado, a pesquisa transcorreu em uma escola de educação especial regular (MS).
Para efeito de análise das características da UEx, detemo-nos no caso das
Apaes, uma vez que a escola oficial de educação especial pesquisada mostrou ter
as mesmas características das escolas regulares de ensino fundamental.
Nos Estados do Rio Grande do Sul e Piauí, o PDDE foi implementado
segundo a estrutura administrativa vigente nas instituições. Sendo a Apae uma
pessoa jurídica, é ela própria uma unidade executora. Os recursos foram executados pelo escritório administrativo da mantenedora, não havendo descentralização
para as unidades educativas da entidade. Essas recebiam os materiais comprados
pelo escritório, após consulta aos dirigentes locais.
Verificou-se, assim, que na Apae a gestão de recursos é centralizada, estando a instituição acima das exigências feitas às escolas oficiais para administrar
os recursos. Os repasses promovidos pelo PDDE não produzem, portanto, qualquer efeito de estímulo à participação da comunidade.
Após apresentar os dados referentes às características das unidades executoras nas redes e escolas pesquisadas, podem-se apresentar algumas considerações de ordem mais geral a respeito da natureza das UExs.
A centralidade do diretor escolar ou secretários de Educação no
gerenciamento dos recursos provindos do PDDE é registrada em diversos casos,
especialmente em redes municipais. O formato da UEx, a esse respeito, não é
fator determinante. As orientações sobre o funcionamento das UExs, segundo as
informações coletadas nos diferentes Sistemas, dirigem-se preferencialmente aos
profissionais envolvidos, não atingindo os pais e alunos, exceto na rede estadual
do Pará, em que houve formação de todos os integrantes do Conselho Escolar.
Verifica-se, no caso dos municípios de Porto Alegre e Belém e na rede
estadual do Rio Grande do Sul, onde se encontravam em curso políticas de
implementação da Gestão Democrática, que o FNDE fere a autonomia dos Sistemas ao impor a criação das unidades executoras como entidades de direito privado. Nesses casos, a implementação de duas políticas com prioridades diferenciadas produz tensionamento e interrupção no curso de discussões e práticas já
estabelecidas. Somente nesses casos a criação da entidade de direito privado na
escola é problematizada.
Os depoimentos revelam uma tendência ao esvaziamento político dos Conselhos de Escola quando estes, na condição de UEx, centralizam suas ações na
execução de recursos. São também os depoimentos recolhidos nas escolas que
indicam haver limites à autonomia da UEx, pois observamos casos diversos em que
fica claro que a gestão dos recursos não está exclusivamente nas mãos da entidade,
mas centralizada pelo diretor escolar ou pela própria Secretaria de Educação.
156
Programa Dinheiro Direto na Escola
Faz-se necessário observar que o Programa tem forte capacidade indutora
na organização dos sistemas. Esse potencial ganha materialidade na indução à
criação das UExs, o que chega a se constituir como parte dos movimentos iniciais
de organização da rede e, em vários casos, como único espaço potencial de
participação, ainda que precária, da comunidade na escola.
4.2
Relação entre os entes federados e Estado/sociedade
A relação entre os entes federados que envolvem a implementação do
PDDE nos diferentes Estados e municípios tem mais semelhanças do que diferenças. Isso ocorre em razão de a maioria dos secretários de Educação ter assumido
na íntegra a proposta do Programa logo após o seu lançamento pelo governo
federal. Particularmente, a política da Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo privilegia, desde a primeira gestão do PSDB, a descentralização de recursos
para as unidades executoras. No caso das escolas da rede estadual de São Paulo,
a adesão ao PDDE foi de 100%; só mais recentemente houve um caso de nãoadesão de um diretor de uma escola da grande São Paulo, fato que vem sendo
alvo de crítica por parte dos técnicos da Secretaria.
No caso do Estado do Pará, houve resistência por parte do Sindicato dos
Trabalhadores em Educação, que chegou a entrar com ação judicial no Tribunal de
Justiça do Estado. A intenção foi barrar a Portaria nº 225/96, em que a Secretaria
de Estado de Educação decretava os Conselhos Escolares como unidades executoras de direito privado, habilitando-os a receberem os recursos do governo federal.
Contudo, em última instância, prevaleceu a decisão da Secretaria.
No caso do Rio Grande do Sul, a resistência veio da Associação dos
Círculos de Pais e Mestres/Federação e do CPERS/Sindicato, que também rejeitavam a proposta da Secretaria da Educação do Estado em tornar os Conselhos Escolares em unidades executoras, utilizando jurisdicialmente a Comissão
de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa. Porém, os motivos diferem dos do Pará, uma vez que a opção da Secretaria da Educação em converter os CEs em UEx estava ligada à idéia de fortalecimento da gestão democrática por meio dos Conselhos. Por outro lado, o dilema vivido pelo CPERS
estava entre o fortalecimento da gestão democrática da escola por meio da
autonomia dos Conselhos e a possibilidade de torná-los entidades de direito
privado, o que fez com que se manifestasse contrário à decisão da Secretaria,
optando pelos Círculos de Pais e Mestres como UExs. Tal situação favoreceu
os CPMs, e, com a obrigatoriedade das instituições das UExs em 1997, a ACPM
fez interlocução direta com o Ministério da Educação no sentido de garantir a
transformação dos CPMs em UExs, situação legalizada em 2001, pela Lei nº
11.695/2001, que torna os CPMs em UExs responsáveis pelo recebimento e
administração dos recursos do PDDE. Tal situação também não modificou a
posição das escolas da rede estadual, que, no processo de implantação do
PDDE, aderiram amplamente ao Programa, sendo que a maioria recebe os
recursos diretamente do FNDE.
Programa Dinheiro Direto na Escola
157
Quanto à responsabilidade por possíveis irregularidades na prestação de
contas do Programa, em alguns Estados, quem é auditado é o presidente da
UEx, que, na maioria dos casos, é o diretor da escola, realidade constatada no
Piauí, em que a Secretaria se responsabiliza por acompanhar o caso e, quando
necessário, instala auditoria para investigar o diretor da escola. Já em Mato
Grosso do Sul, a situação difere, pois quem responde por alguma irregularidade
na administração do PDDE no FNDE e no Tribunal de Contas é a Secretaria de
Estado de Educação.
No caso dos municípios, houve mais adesões ao Programa do governo
federal do que resistências, situação diferente apenas em Porto Alegre. No caso
de Teresina (PI), a Secretaria Municipal de Educação aderiu ao PDDE desde sua
implementação em nível nacional, quando buscou a interlocução com o MEC,
mediada pela Demec-Piauí, no sentido de viabilizar a operacionalização do Programa. Em Pirassununga (SP), o município estabeleceu contato com o PDDE em
1997, por meio de materiais enviados pelo MEC à Secretaria Municipal de Educação. Em Belém (PA), ao longo da existência do Programa, a Secretaria Municipal de Educação preocupou-se apenas em repassar as informações e orientações aos dirigentes das escolas, adotando a regulamentação definida pelo MECFNDE. No caso de Campo Grande (MS), a relação com o governo federal também
não é diferente, sendo encarados de forma positiva pelos técnicos tanto o Programa quanto a criação das UExs.
Portanto, Porto Alegre (RS) é o único caso no universo da amostra da
pesquisa em que o município se pronunciou contrário à forma como o governo
federal estabeleceu a implementação do PDDE. Inicialmente, com a exigência
da criação das unidades executoras para a transferência de recursos da União,
a Secretaria Municipal de Educação iniciou um processo de negociação no
MEC, buscando garantir o repasse com a organização funcional e administrativa existente na rede, o que lhe foi negado. O embate continuou por meio de
uma batalha jurídica, tendo como mediação a Procuradoria do município com
vistas a assegurar que os Conselhos Escolares administrassem os recursos
sem que fossem transformados em UExs, uma vez que a descentralização financeira já fazia parte do projeto de gestão democrática da educação de Porto
Alegre e foi um processo construído juntamente com os CEs. Os recursos seriam administrados com intermediação da Smed e com controle social da comunidade por meio dos Conselhos. Porém, o embate jurídico esbarrava na Resolução nº 3 do MEC-FNDE, que impossibilitava a ação da Secretaria e que obrigou sua adaptação às normas do Programa. Passado o impasse jurídico, a
Smed teve que se reorganizar, visando à adaptação das escolas às exigências
do governo federal, pois, nesse processo, a Smed sofreu pressão também por
parte dos diretores das escolas, em decorrência do prazo estabelecido pelo
MEC para recebimento dos recursos. A Smed passou a ter um papel de orientação do Programa, e, em caso de verificar algum problema na prestação de
contas, mesmo sendo responsável, quando necessário, a auditoria é feita nas
escolas.
158
Programa Dinheiro Direto na Escola
4.3
O impacto financeiro do PDDE nas escolas da amostra
O Programa Dinheiro Direto na Escola assumiu um importante papel ao
estimular outras políticas de descentralização de recursos, seja na esfera federal,
seja nas esferas locais. Assim, como evidenciam os dados da pesquisa, o PDDE
terminou por induzir a instituição de mecanismos próprios de repasses de recursos para as escolas públicas, por intermédio das unidades executoras ou por
Regime de Adiantamento. A única rede que tem somente o PDDE como recurso
descentralizado é a rede municipal de Pirassununga.
As escolas pesquisadas, em geral, relataram a instituição de mecanismos
próprios de arrecadação de recursos, normalmente pela promoção de atividades
ou eventos, a exemplo de bingos, rifas ou festas, além do recebimento de recursos doados pela própria comunidade. Tais atividades objetivam complementar os
recursos públicos repassados, suprindo, assim, outras necessidades das escolas.
A única exceção em relação a essas estratégias foi o Município de Porto Alegre,
onde é explicitamente proibida, por parte do Sistema de Ensino, a instituição de
tais mecanismos.
Embora de extrema importância, nem sempre as informações sobre os
recursos criados pelas próprias escolas estiveram disponíveis para a equipe, seja
por dificuldade de cálculo, seja pelo argumento de que esses recursos são tão
pequenos que "não valem a pena ser destacados" (escolas estaduais do Piauí e
de São Paulo e escolas municipais de Belém, Teresina e Pirassununga).
No sentido de realizarmos a análise do impacto financeiro do PDDE nas
escolas da amostra, na página seguinte, apresenta-se a tabela de comparativo
dos recursos administrados pelas escolas, com exceção dos dados do Programa
Nacional de Alimentação Escolar, o qual é escolarizado em parte dos Estados da
amostra (MS, PI, RS), pois se considerou que, além de tais recursos terem destinação
específica, não são comuns para todas as escolas pesquisadas.
O procedimento para análise da tabela será a correlação dos dados, considerando os seguintes aspectos: 1) a importância do PDDE em relação ao total de
recursos administrados pela escola; 2) importância do PDDE em relação aos recursos estaduais ou municipais descentralizados; 3) mecanismos de descentralização
de recursos estaduais ou municipais e 4) a importância dos recursos gerados pela
própria escola em relação ao total de recursos administrados em âmbito local.
A importância do PDDE em relação ao total de recursos administrados
pelas escolas
a) No âmbito das escolas estaduais, existem diferenças regionais importantes na amostra da pesquisa: a escola do Piauí é a única em que o PDDE
é altamente significativo, pois representou 63% do total de recursos
administrados em 2004. Em ordem decrescente de importância, o PDDE
representou 36% dos recursos administrados na escola do Pará; 27% no
Mato Grosso do Sul; 24% em São Paulo e 6% no Rio Grande do Sul.
Programa Dinheiro Direto na Escola
159
EF
6.596,40
8.987,00
8.200,00
729
1.087
1.292
506
77
65
12.000,00
10.195,23
10.000,00
PDE
56
57
6.071,87
10.000,00
Outros
8.250,00
34.221,31
13.981,00
6.138,17
Repasse do
Tesouro
Estadual
53
5.706,00
9.000,00
9.807,84
44.029,08
6.277,50
4.691,50
Regime de
adiantamento
Recursos
administrados
pela direção
5.494,90
15.596,40
29.237,00
48.493,18
35.739,97
22.169,80
8.806,00
16.776,17
46.913,68
26.600,00
Total
1.354,00
2.800,00
2.651,00
54
1.530,50
Recursos
criados
pela escola
5.494,90
15.596,40
29.237,00
48.493,18
37.093,97
23.700,30
11.457,00
16.776,17
49.713,68
26.660,00
Total de
recursos
administrados
pela escola
54
Inclui recursos do Tesouro Estadual de MS para o atendimento do ensino fundamental e médio.
Inclui R$ 2.151,00 de comercialização de carteirinhas e R$ 500,00 de arrecadação própria.
55
A escola estadual do Piauí recebeu, em 2004, R$ 62 mil referentes ao PDDE Emergencial. Entretanto esse valor foi retirado da tabela por apresentar um desvio muito grande para um
recurso que, na realidade, é uma exceção.
56
Recursos recebidos do governo federal em parceria com a prefeitura para aquisição de livros didáticos (Cantinho da leitura).
57
Inclui R$ 4.471,87 do Orçamento Participativo e R$ 1.600,00 destinados a salas de acompanhamento de crianças com necessidades especiais.
53
5.494,90
6.457,00
704
58
Outras Total de
etapas matrículas
PPDE
da EB
6.463,80
333
1.059
4.114,50
1.735
2.151
55
1.035
2.121
10.638,00
606
1.034
2.884,60
891
6.401,50
Fonte: Estudos de Casos dos Estados.
726
MS
416
PA
1.086
PI
428
RS
891
SP
Escolas
municipais
646
Campo
Grande
729
Belém
1.010
Teresina
1.292
Porto
Alegre
441
Pirassununga
Escolas
estaduais
Recursos administrados pela Uex
Recursos estatais repassados para a escola
Programa Dinheiro Direto na Escola
Matrículas
Tabela 1 – Comparativo dos recursos administrados pelas escolas estaduais e municipais da amostra nacional no ano de 2004
160
b) No caso das escolas municipais, os dados evidenciam que a maior
representatividade do PDDE é na escola municipal da Pirassununga,
pois esse é o único recurso descentralizado, representando, portanto,
100%. Nas demais escolas municipais, o peso do PDDE varia entre 42%
(Belém) e 17% (Campo Grande e Porto Alegre), sendo um valor intermediário o apresentado pela escola municipal de Teresina, 31%.
A importância do PDDE em relação aos recursos descentralizados,
via UEx ou Regime de Adiantamento (excluindo a arrecadação própria)
a) O programa é mais significativo na escola estadual do Piauí, onde representa 63% dessa modalidade. No caso da estadual do Pará, o recurso é
bastante relevante, embora seja apenas 47% dos recursos descentralizados.
b) Na escola estadual do Mato Grosso do Sul, em 2004, o PDDE representou 53% desses recursos.
c) Os dados das escolas estaduais do Rio Grande do Sul e de São Paulo
revelam que esses Estados, no contexto da diversidade regional brasileira, têm maior autonomia em relação aos recursos descentralizados
pelo governo federal, uma vez que, considerando apenas os recursos
do PDDE e dos governos estaduais, o primeiro representa 6% e 24%,
respectivamente.
d) Em geral, os recursos municipais repassados são superiores ao valor do
PDDE, com exceção da escola municipal de Teresina, onde o PDDE
representou 52%.
e) Nas escolas municipais de Campo Grande e Belém, o PDDE representou
42% dos recursos regulares, enquanto que, em Porto Alegre, representou somente 19%.
Mecanismos de descentralização de recursos do governo local (os
cálculos desse tópico excluem os recursos da arrecadação própria, PDE e
outros repasses eventuais)
a) Duas redes estaduais (MS e PI) optaram por descentralizar recursos
para as escolas exclusivamente por intermédio das unidades executoras, assim como as redes municipais de Teresina e de Porto Alegre.
b) São Paulo adotou as duas modalidades, transferindo recursos para as
UExs concomitantemente aos repasses por Regime de Adiantamento,
embora a maior parte dos recursos públicos estaduais seja administrada pela UEx (76%), reforçando o mesmo mecanismo do PDDE, a Unidade Executora, nesse caso, a Associação de Pais e Mestres.
c) O Estado do Pará descentraliza seus recursos pelo regime de adiantamento para o diretor da escola, representando, assim, 53% dos recursos por essa via de administração.
Programa Dinheiro Direto na Escola
161
d) O Rio Grande do Sul descentraliza os recursos para a conta bancária do
diretor da escola, cuja administração ocorre sob gestão do Conselho
Escolar, representando 94% dos recursos descentralizados;
e) As prefeituras de Campo Grande e de Belém também optaram pela
sistemática de Regime de Adiantamento para a descentralização, representando 25% e 58%, respectivamente, do total de recursos administrados.
Em Porto Alegre, além dos repasses regulares municipais, a prefeitura
provê a escola de recursos do Orçamento Participativo e do Apoio para as salas
de educação especial.
Recursos criados nas próprias escolas
Relacionando os valores criados na própria escola e o total de recursos
administrados em âmbito local, pode-se verificar que tais recursos são mais relevantes na escola estadual do Pará (23%), valor bem superior à arrecadação própria das escolas do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul (6%) e da escola
municipal de Campo Grande (menos de 4%).
No sentido de compreender as diferenças regionais no que se refere à
descentralização de recursos para as escolas e ao compromisso do poder público
com uma maior qualificação do ensino nas escolas da amostra, a seguir, apresenta-se uma tabela com o valor-aluno-ano recurso descentralizado. É importante
destacar que o cálculo tem por base o total de recursos administrados pela escola
e o total de matrículas, independentemente da etapa da educação básica atendida. Tal procedimento é motivado pela compreensão de que os recursos, embora
muitas vezes destinados a etapas específicas de atendimento, como é o caso do
PDDE e do PDE, atingem todos os alunos da escola, pois, diante da falta de
políticas que descentralizem recursos para a educação infantil e o ensino médio,
as escolas de atendimento misto necessitam utilizar os poucos recursos descentralizados em benefício de toda a população atendida.
Tabela 2 – Valor-aluno-ano recurso descentralizado para as escolas da amostra
Estado
Escolas municipais
Escolas estaduais
MS
PA
PI
RS
SP
52,69
21,39
26,90
37,53
10,86
22,38
5,33
7,91
48,08
29,92
Fonte: ????
Os dados de valor-aluno-ano recurso descentralizado revelam disparidades
entre as regiões e redes de ensino pesquisadas, conforme descrito a seguir:
162
Programa Dinheiro Direto na Escola
a) O maior valor apurado é o da escola municipal de Campo Grande (R$
52,69), embora, nesse mesmo Estado, a escola estadual apresente o
terceiro lugar em valor-aluno-ano recurso descentralizado: Mato Grosso
do Sul, R$ 22,38.
No Rio Grande do Sul, a escola da rede estadual tem o maior valor-alunoano recurso descentralizado da amostra estadual, qual seja, R$ 48,08, e o segundo maior valor municipal (Porto Alegre – R$ 37,53).
Os menores valores-aluno-ano recursos descentralizados nas escolas estaduais estão no Pará (R$ 5,33) e no Piauí (R$ 7,91), ou seja, elas administram um
valor aluno-ano que representa somente 11% e 16%, respectivamente, do maior
valor verificado (Campo Grande).
Apesar da situação bastante desvantajosa da escola estadual do Piauí, Teresina
tem o terceiro maior valor pesquisado entre as escolas municipais (R$ 26,90), seguido por Belém (R$ 21,39); enquanto o menor valor é Pirassununga (R$ 10,86), pois,
nesse caso, não existe qualquer outro recurso na escola além do PDDE.
A diferença entre o menor e o maior valor-aluno-ano recurso descentralizado é de cerca de cinco vezes na rede municipal e de nove vezes na rede estadual.
Em geral, os dados revelam que a maior parte das escolas da amostra
municipal tem um valor-aluno-ano recurso descentralizado bastante superior ao
das escolas das redes estaduais dos seus próprios Estados, como é o caso de
Campo Grande (MS), Belém (Pará) e Teresina (PI). As exceções ficam por conta de
Porto Alegre (RS), cuja diferença não é tão acentuada (22%), e de Pirassununga,
onde o valor-aluno estadual é quase o triplo do valor no município.
Em relação às escolas de educação especial, a amostra da pesquisa contemplou três instituições, duas Apaes (RS e PI) e uma pública estadual (MS).
Tendo em vista a diversidade de organização, as diferenças no montante de recursos administrados e os dados por anos disponibilizados, não foi possível empreender uma análise comparativa das mesmas, mas considerações sobre os aspectos financeiros no interior de cada escola.
No caso da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Rio Grande do
Sul, com exceção das transferências referentes à merenda escolar (R$ 2.831,20) e os
recursos criados pela própria escola (aos quais não tivemos acesso), em 2003, verifica-se a administração de recursos estatais em um montante de R$ 208.129,32, distribuídos nos seguintes porcentuais: 4% PDDE; 53% INSS e 43% prefeitura municipal.
Assim, é possível verificar a pequena participação do PDDE no total dos recursos
públicos recebidos pela Apae/RS. O per capita aluno-ano de recursos públicos administrados é de R$ 1.107,07, se consideradas apenas as matrículas admitidas no Censo
Escolar (188), e de R$ 525,58, se considerado o total de matrículas (396).
No âmbito da escola de educação especial pesquisada em Teresina – Apae,
do total de R$ 413.396,85 administrados pela entidade, em 2002, 92% referem-se
a recursos públicos, denotando a grande dependência dessa instituição em relação ao Estado. A arrecadação própria, apenas 8% dos recursos administrados, é
constituída por contribuição de sócios (30%) e doações (70%). A arrecadação
pública é distribuída da seguinte forma: 3,1% PDDE; 7,5% Exame do Pezinho;
33,1% Secretaria de Assistência Social do Município; 30,6% Sistema Único de
Programa Dinheiro Direto na Escola
163
Saúde; 7,3% Prefeitura Municipal de Teresina; 16,4% do Ministério da Educação e
2% Serviço Social do Estado. O PDDE tem uma representatividade mínima em
relação aos recursos administrados pela Apae, de apenas 3,1%.
A escola de educação especial pesquisada em Mato Grosso do Sul é da
rede estadual; portanto, tem características bem diferenciadas das Associações de
Pais de Amigos dos Excepcionais no que diz respeito ao montante de recursos
recebidos e administrados. Em 2004, a escola administrou diretamente, excluindo
os recursos da merenda escolar (R$ 5.148,00), apenas R$ 23.788,40, conforme as
seguintes entradas: PDDE (11,7%), Secretaria de Assistência Social (84,1%) e repasse do Tesouro Estadual (4,2%). O per capita de recursos públicos administrados diretamente pela escola foi de R$ 139,11, sem que esses valores incluam
gastos, como, por exemplo, pagamento de salários.
As escolas de educação especial filantrópicas, embora beneficiárias do
PDDE, não se submetem aos mesmos critérios de administração descentralizada,
principalmente no que se refere à exigência da unidade executora, já que os
recursos são administrados centralizadamente pela entidade mantenedora. No
caso das escolas públicas, além da maior relevância dos recursos do Programa,
este tem um maior impacto, em especial, por estimular o processo de
descentralização de outros recursos públicos.
Por fim, é importante destacar que o valor-aluno-ano recursos descentralizados evidenciou as diferenças entre regiões e redes de ensino, dadas as grandes
discrepâncias nos valores descentralizados, revelando disparidades na oferta educacional e no grau de autonomia financeira. Isso denuncia a necessidade de maiores esforços por parte do poder público para avançar no sentido de proporcionar
melhores condições para a qualificação da educação pública nas regiões mais
pobres do País, haja vista que o PDDE não colaborou para diminuir o fosso
existente, principalmente entre Norte/Nordeste e Sul do Brasil.
4.4
Democratização da gestão
Com base nos dados coletados, apresentaremos alguns pontos importantes, entre os estudos de casos realizados, para situar o processo de democratização da gestão escolar, um dos pilares centrais da criação do PDDE, a partir dos
seguintes eixos fundamentais ao processo de tomada de decisão sobre a aplicação dos recursos do PDDE, aglutinando-se, portanto, um conjunto de informações
que podem nos oferecer pistas sobre o papel do PDDE na configuração de um
padrão de gestão, afinado com a redefinição do papel do Estado brasileiro:
Participação e autonomia
• De modo geral, prevaleceu o posicionamento por parte do Sistema Estadual de que há pouca participação dos sujeitos escolares, enquanto que,
do ponto de vista dos sujeitos escolares entrevistados, se diz haver alguma participação nas UExs, sobretudo dos diretores e técnicos.
164
Programa Dinheiro Direto na Escola
• Os dados revelam que, quando há participação, prepondera o papel do
diretor e, às vezes, do tesoureiro das UExs, excetuando-se a amostra da
rede municipal de Porto Alegre, em que se verifica a existência de mecanismos coletivos de participação que foram sendo aperfeiçoados ao longo dos anos e da rede estadual do Rio Grande do Sul, em que as decisões são tomadas pela equipe diretiva da escola, dos membros do CE e
daqueles atuantes na UEx (CPM).
• Na rede municipal do Pará, as decisões são da UEx, com o apoio do
Conselho Municipal de Educação, resguardada a autonomia do Colegiado
Escolar; contraditoriamente, a implantação do PDDE ajudou a diminuir a
participação mais regular dos conselheiros pelo excesso de atribuições a
eles confiadas: enquanto que, no Piauí, são divididas entre a UEx e a
Seduc (Orçamento Popular); no MS, parece haver pouca autonomia para
decidir, o que é feito pela Seduc, ficando a participação de professores
e membros da APM restrita à pesquisa de preço para aquisição dos
materiais.
• Em SP, em Pirassununga, a APM (sede do consórcio das escolas) vem
assumindo um maior volume de responsabilidades, em que a centralidade
do diretor escolar ainda é grande, diferente da rede municipal de Porto
Alegre, onde os conselheiros do CE demonstraram ser mais atuantes. No
Piauí, a Apae (UEx) recebe e administra os recursos e, segundo a funcionária responsável pela administração do Programa, tem autonomia para
gestão financeira do Programa e de outros recursos captados, embora
sugira haver limites por parte do MEC na definição das rubricas custeio e
capital. Os entrevistados indicaram não haver participação de todos os
segmentos na priorização dos recursos, ficando a cargo da direção escolar. No MS, a unidade executora (APM) é responsável pelos recursos do
PDDE; os diversos segmentos escolares são consultados, mas as decisões finais são definidas, sobretudo, pela direção escolar.
• No RS, no caso da amostra de educação especial, a situação é diferente
das outras unidades Federadas porque a Apae é mantida e administrada
pelos pais e outros envolvidos com a causa dos portadores de necessidades especiais, mas, contraditoriamente, não há participação dos pais
nas decisões do PDDE, sendo do escritório administrativo da mantenedora
tal definição.
• Na rede estadual do Pará, o PDDE induziu a participação na gestão de
recursos financeiros de outras fontes e melhorou as condições de equipamentos de uso coletivo, enquanto que, na rede municipal, boa parte
dos entrevistados evidenciou a pouca autonomia dos sujeitos escolares
para definição das prioridades de aplicação dos recursos.
• Ainda que haja algumas críticas, a imagem do Programa para os Sistemas e para as Escolas e/ou UExs é positiva de modo geral. Grande parte
dos sujeitos entrevistados demonstrou temer sua extinção, embora haja
quem critique a necessidade imposta pelo Programa de criação de UEx
como ente privado dentro das escolas públicas.
Programa Dinheiro Direto na Escola
165
• De modo geral, prevaleceu a idéia, por parte dos Sistemas estaduais e
municipais, de que há autonomia das UExs nas decisões de priorização do
uso dos recursos do PDDE, ainda que alguns conselheiros das UExs julguem o contrário. No caso específico da rede estadual do RS, a autonomia
circunscreve-se muito mais à captação de recursos de outras fontes.
• Quanto à amostra de educação especial, verifica-se que a gestão do
PDDE se dá por intermédio das Apaes, havendo particularidades em sua
operacionalização, como no Piauí, onde a direção da escola participa da
pesquisa de preços dos materiais a serem adquiridos. Os estudos revelam que, nesse caso, também prepondera a centralidade da direção escolar nas decisões e a Apae tem autonomia para a decisão final na
aplicação dos recursos. Em Campo Grande, a escola especial possui um
colegiado, mas é a APM que funciona como UEx, preocupada muito mais
com os problemas internos e prestação de contas, não interferindo nas
decisões. Apesar dos discursos participacionistas dos entrevistados, ainda há indícios de centralidade de decisões na direção. No RS, na amostra de educação especial de Porto Alegre, a administração dos recursos
do PDDE é feita pelo escritório administrativo da mantenedora, conforme já assinalado anteriormente.
Eleições diretas
Quanto às eleições, pode-se dizer que, em grande parte dos casos estudados, há eleições diretas para dirigentes escolares, excetuando-se a rede estadual
de MS, inclusive na unidade educação especial, cujo dirigente é escolhido por
convite ou aclamação. Na rede estadual de São Paulo, o provimento efetiva-se por
concurso público, com a especificidade de Pirassununga, onde não há a figura do
diretor escolar, mas de assistente de direção, que é escolhido por meio de concurso público, embora o responsável pela gestão dos recursos financeiros seja o
encarregado do Setor de Educação da prefeitura, que é seu cargo de confiança.
Grau de informação
De modo geral, pode-se afirmar que os depoimentos e estudos realizados
revelam que o grau de informação dos segmentos envolvidos com o PDDE ainda
é incipiente, especialmente nas amostras da rede estadual do Piauí e do Mato
Grosso do Sul e da rede municipal de São Paulo. Nessa última, a exceção dá-se
por parte da direção e dos professores, que detêm algum conhecimento sobre a
operacionalização do Programa.
Conselho Deliberativo antes do PDDE
Na maioria das unidades da amostra, havia Conselho Deliberativo (CD)
antes da implantação do PDDE, excetuando-se os casos de Mato Grosso do Sul
166
Programa Dinheiro Direto na Escola
em suas amostras das duas redes e na da rede municipal de São Paulo, em que o
PDDE funcionou como um indutor da criação desses colegiados. No Rio Grande do
Sul, por exemplo, antes do PDDE, o Conselho Escolar possuía CD, tendo a CPM
como sujeito co-participante na democratização da gestão escolar.
Execução do Programa
Rede estadual
A execução do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) pode ser evidenciada por meio do levantamento dos dados nos Estados e municípios da
amostra, destacando-se os seguintes elementos norteadores: relação das escolas
com o gestor do Sistema, determinação dos gastos, prestação de contas e estrutura de gestão financeira.
A adesão ao PDDE ocorreu em 1995, ano de sua implantação pelo FNDE,
nos cinco Estados pesquisados (Pará, Piauí, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio
Grande do Sul).
O processo de implantação tem início, no Estado do Pará, no ano de 1995
e continuidade no ano de 1996, com o repasse dos recursos sendo feitos para a
Secretaria de Educação (Seduc), entidade executora (EEx) das escolas da rede de
ensino, que distribuía os recursos entre as escolas, de acordo com o número de
matrículas registrado no Censo Escolar. A Seduc confeccionou cartilhas para orientar as unidades executoras, ou seja, os Conselhos Escolares, sobre como gastar os
recursos (capital e custeio), atendendo às normas de funcionamento do programa
definidas pelo Conselho Deliberativo do FNDE.
No Estado do Piauí, os Conselhos Escolares foram revitalizados tendo em
vista as novas funções assumidas enquanto unidades executoras. A Secretaria de
Educação (Seduc) produziu uma série de documentos a fim de que as escolas se
habilitassem a receber os recursos do PDDE, assim como de outros programas. A
partir de 2004, com base em Instrução Normativa, a Seduc incentiva o estabelecimento de parcerias por meio de premiação ou bônus.
Já em Mato Grosso do Sul, por ocasião da implantação do Programa, a
Secretaria de Estado de Educação (SED) realizou palestras, distribuiu cartilhas e
prestou orientação à direção das escolas e ao presidente das unidades executoras,
as APMs. Observou-se que a SED não interfere no desempenho dessas unidades,
limitando-se a encaminhar à escola o documento a ser preenchido pelo dirigente da
APM, com a finalidade de cadastrá-lo no Sistema PDDEnet para o FNDE.
No caso do Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual de Educação estimulou a constituição de unidades executoras, entendendo que o PDDE faz parte do
processo de descentralização e de autonomia financeira. O relacionamento do
Departamento de Planejamento (Deplan) com as escolas é intermediado pelas
coordenadorias regionais, que, entre outras tarefas, repassam as fichas às escolas
com menos de 50 alunos, que, portanto, não possuem uma unidade executora.
Essas escolas utilizam os recursos somente para manutenção (custeio), conforme
determinação nacional.
Programa Dinheiro Direto na Escola
167
Um aspecto a ser destacado que aponta diferença em relação aos demais
Estados da amostra, foi encontrado em São Paulo. Nesse Estado, a implantação
do PDDE diferencia-se na medida em que ocorreu sob a forma de gestão compartilhada entre a Fundação de Educação (FDE) e a Secretaria de Estado de
Educação (SEE). A FDE estabeleceu convênios com as unidades executoras, ou
seja, as Associações de Pais e Mestres, para o repasse dos recursos. A realização
de convênios entre a FDE e a APM já era uma prática no sistema para o recebimento de recursos de programas federais. Coube às Delegacias de Ensino então
existentes, inicialmente, a função de intermediar as remessas dos recursos para
as escolas, e à Secretaria de Educação, de disciplinar a implantação do Programa. A gerente de convênios da SEE repassa orientações às diretorias de ensino,
e estas, por seu lado, organizam as atividades em suas regiões para orientar os
diretores escolares.
No que se refere à decisão sobre a aplicação dos recursos nas escolas
pesquisadas, pode-se verificar que essa decisão, no sentido de uma participação
mais direta, está atrelada à natureza da unidade executora. Por exemplo, no Pará,
a decisão cabe ao Conselho Escolar, constituído pelos diferentes segmentos da
comunidade, com base no levantamento das prioridades da escola. Porém, constatou-se que as reuniões para a definição dos gastos não contam, geralmente,
com a representação de todos os conselheiros.
No Piauí, as decisões são tomadas nos Conselhos, o levantamento de
preços é realizado por diversos conselheiros, e as planilhas são comparadas.
Assim, alguns bens são adquiridos em comércios diferentes, conforme o menor
preço. Apesar desses procedimentos, observa-se, no entanto, uma preponderância do diretor da escola na administração dos recursos descentralizados, o que se
soma às demais responsabilidades de âmbito administrativo e pedagógico.
Em São Paulo, a Secretaria de Educação estimula as escolas no sentido de
que os gastos sejam maiores com manutenção (custeio), favorecendo o seu funcionamento. Porém, a decisão quanto à aplicação é da direção com a APM. A
direção e a vice-direção fazem a tomada de preços que antecede as compras,
assim como fazem a prestação de contas ao FDE.
No Rio Grande do Sul, observou-se que a decisão ocorre de forma conjunta entre CPM, direção e Conselho Escolar, observando-se o mesmo procedimento
em Mato Grosso do Sul, em que a APM participa da decisão juntamente com a
direção e o Colegiado Escolar.
Pode-se observar que, dos cinco Estados pesquisados, em quatro deles,
as escolas relacionam-se diretamente com a Secretaria de Educação, que as orienta, por meio das diretorias regionais, como no Rio Grande do Sul, ou repassa
orientações diretamente às escolas, como nos Estados do Pará, Piauí e Mato
Grosso do Sul.
Um ponto comum observado com relação à gestão financeira é que, na
estrutura organizacional das Secretarias de Estado de Educação dos Estados do
Pará, Piauí, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, há um setor responsável
pela prestação de contas.
No Pará, encontra-se o Setor de Supervisão de Prestação de Contas, com
um técnico designado para essa finalidade.
168
Programa Dinheiro Direto na Escola
No Piauí, dois setores relacionam-se com as escolas para orientações e
encaminhamentos diversos, entre eles, os relacionados ao PDDE. Um é o Setor de
Conselhos Escolares, e o outro é o Setor de Prestação de Contas, não sendo
identificado, neste último, um técnico responsável. Um ponto a ser destacado é o
fato de que, antes de ser encaminhada à Secretaria, a prestação de contas é
apreciada pelo Conselho Escolar. No caso de irregularidade na prestação, o setor
responsável determina um prazo para que o diretor apresente à Secretaria a
regularização da prestação de contas. Caso isso não aconteça, determina a devolução dos recursos que não foram devidamente executados e informa à auditoria
para que apure os fatos, investigando a gestão do diretor da escola, que responde
pela UEx.
Em Mato Grosso do Sul, a Gerência de Recursos Financeiros, parte integrante da Superintendência de Gestão Operacional da Secretaria de Educação,
conta com uma pessoa responsável no cargo de gerente administrativo e financeiro, responsável pelo cadastro, pelo acompanhamento e pela prestação de contas.
No entanto, o controle das contas é feito pela Coordenação Financeira (Cofin),
localizada na Superintendência de Apoio Operacional, que faz o acompanhamento
de toda a parte que se refere aos recursos financeiros das escolas estaduais e
emite o parecer final. Verificou-se que, no Rio Grande do Sul, a prestação de
contas é encaminhada às coordenadorias regionais, que a repassam ao Departamento de Planejamento, setor responsável pelo recebimento, contando com vários técnicos na Secretaria de Educação.
A prestação de contas não é encaminhada para um setor da Secretaria de
Educação, com exceção do Estado de São Paulo. Embora a Secretaria de Educação elabore as orientações referentes ao Programa, a prestação de contas é administrada pela FDE, por intermédio de três técnicos e mais os contratados
(terceirizados), em função da demanda de trabalho. Isso significa que a FDE desempenha um papel relevante na gestão do sistema. Trata-se de opção política da
atual administração por um modelo de gestão que privilegia as parcerias entre
escolas e instituições.
Rede municipal
O PDDE foi implantado em 1995 em três municípios (Teresina, Campo
Grande e Porto Alegre); em 1997, em Belém; e, em 1999, em Pirassununga, cuja
especificidade é o consórcio realizado entre cinco escolas municipais (duas urbanas e três rurais).
Em quatro municípios (Belém, Teresina, Campo Grande e Porto Alegre), a
Secretaria de Educação dispõe de um setor encarregado pelo acompanhamento e
pelo recebimento da prestação de contas do PDDE. No caso de Pirassununga, o
setor está localizado na própria prefeitura.
A partir de 1998, no município de Belém, quando os recursos foram descentralizados para as escolas aos Conselhos Escolares, a Secretaria de Educação
do Município (Semec) repassou informações e orientou os dirigentes escolares,
Programa Dinheiro Direto na Escola
169
utilizando cartilhas elaboradas pela própria Secretaria e orientando a consulta na
Internet. Várias oficinas e cursos de capacitação foram realizados com o objetivo
de prestar orientações aos gestores e conselheiros. Um aspecto que merece ser
ressaltado é a orientação oferecida aos diretores pela Semec no sentido de que
seja considerado o papel político do Conselho Escolar como órgão de decisão
coletiva. Com isso, o PDDE reforçou a criação de novos Conselhos, ampliando o
seu número na rede municipal.
No ano da implantação do PDDE em Teresina, a mediação era feita pela
antiga Delegacia do MEC (Demec), que, por intermédio dos seus diretores, fez as
primeiras capacitações, dirigidas principalmente aos técnicos da Semec. Esses
técnicos, por sua vez, passaram a realizar reuniões, no início de cada ano, com os
diretores e vice-diretores das escolas. Outro procedimento observado diz respeito
à criação dos Conselhos Escolares, responsáveis, enquanto unidades executoras,
pelo PDDE e demais programas. A direção da escola é representativa na gestão do
PDDE para o sistema. Na prática, é o diretor que se relaciona com a Secretaria do
ponto de vista da gestão e prestação de contas do PDDE.
No período de implantação do PDDE em Campo Grande, havia a Delegacia
do MEC (Demec), que, por intermédio dos seus técnicos, treinados pelo FNDE,
prestou as orientações iniciais. Atualmente, as orientações são feitas por meio de
reuniões com os secretários das escolas. A Semed entrega um manual elaborado
pela técnica responsável sobre como executar e prestar contas do PDDE.
Como em Porto Alegre as unidades executoras (Conselhos Escolares) foram registradas em 1995, após intenso embate, a Semed solicitava inicialmente às
escolas que incluíssem os valores no planejamento anual e, após a sua aplicação,
apresentassem uma planilha com a especificação dos gastos.
Uma situação diferenciada foi observada no município de Pirassununga,
onde o dinheiro do PDDE era depositado, primeiramente, na conta da Secretaria de
Educação. No ano de 2001, o secretário de Educação do município decidiu não
solicitar o dinheiro do Programa, fato que se repetiu em 2003, apesar de a APM já
ter sido instituída como unidade executora em 2002 na maior escola municipal de
ensino fundamental. Esse fato chama a atenção, primeiro, pela intervenção do secretário de Educação no programa, impedindo as escolas de receberem os recursos
e, certamente, trazendo prejuízos ao seu funcionamento; segundo, porque essa
intervenção acontece em um programa cujos recursos são repassados diretamente à
escola. Desse modo, o questionamento que cabe ser feito aqui é o seguinte: até que
ponto o repasse do PDDE pode ser caracterizado como automático?
Já nas escolas dos municípios da amostra, as prioridades de gastos são
estabelecidas conforme descrição a seguir:
Na escola de Belém, verificou-se que as prioridades são estabelecidas em
reuniões sistemáticas do Conselho Escolar, a partir do levantamento feito com as
categorias que o representam. O presidente e o tesoureiro do CE fazem a tomada
de preços nas lojas e avaliam, no mínimo, três orçamentos.
Em Teresina, a prefeitura, por meio da Secretaria de Educação (Semec),
determina os gastos dos recursos do PDDE dirigidos às escolas municipais que não
têm UEx. O repasse dos recursos é feito pela emissão de cheques, prevalecendo as
170
Programa Dinheiro Direto na Escola
mesmas exigências das que possuem UEx com relação à prestação de contas. Na
escola com UEx, as prioridades na definição de recursos são do Conselho Escolar.
A partir de 2003, a Semec introduziu uma instância, ou seja, o Orçamento
Popular nas Escolas (OP), com a participação de professores, funcionários, líderes
de turma, líderes comunitários, associação de moradores e Conselho Escolar. Antes de serem aplicados os recursos, o plano passa por uma revisão técnica da
Secretaria para os ajustes necessários. A direção apresenta os valores dos recursos recebidos e as possibilidades dos gastos, o que é seguido por um processo
de levantamento de propostas. Após a definição das prioridades, estas são encaminhadas conforme o montante de recursos. Depois, voltam para o Conselho.
Na escola de Campo Grande, a definição dos gastos está mais a cargo da
direção, com o acompanhamento da APM. Porém, todas as planilhas e aplicação
dos recursos, incluindo a do PDDE, são encaminhadas à Secretaria de Educação
para aprovação, o que evidencia uma forma de controle da aplicação dos recursos.
Em Pirassununga, até 2002, a decisão era da Secretaria de Educação. Quando a unidade executora foi constituída, cada escola, integrante de um consórcio,
recebeu os materiais conforme decisão prévia tomada entre a direção e a escola,
professores e APM. A decisão formal é da APM, mas o papel da direção (trata-se do
assistente de diretor, encarregado do setor da Secretaria) é fundamental.
Uma atuação significativa a ser destacada na determinação dos gastos foi
observada na escola do município de Porto Alegre, em que o Conselho Escolar, com
a presença de todos os segmentos na maioria das reuniões, se reúne a cada 15 dias
ou até semanalmente, dependendo da quantidade dos assuntos a serem tratados.
No município de Belém, a prestação de contas, contando com a ajuda dos
professores, é encaminhada pela escola ao setor responsável pela prestação de
contas da Semec. Um ponto a ser destacado é o papel do Conselho Municipal de
Educação (CME), órgão que discute as políticas educacionais do município, quanto ao exame e aprovação da prestação de contas antes de ser encaminhada à
Semec. Verificou-se, portanto, a partir de 1997 (governo do PT), o trabalho articulado entre a unidade executora e o CME.
Em Teresina, enquanto o Departamento de Assistência ao Educando realiza
um trabalho mais direto com os Conselhos, o Núcleo Financeiro repassa os recursos
aos Conselhos e acompanha os registros das atas elaboradas. O acompanhamento
dos gastos é feito com base no Plano de Aplicação, elaborado pelos Conselhos
Escolares, responsáveis pelo planejamento, compra de material e organização de
prestação de contas de recursos com a Secretaria Municipal de Educação.
A prestação de contas é encaminhada pela escola de Campo Grande ao
Setor da Secretaria de Educação denominado Grupo Orçamentário e Financeiro
(GOF). Esse setor, com uma pessoa responsável, acompanha a aplicação dos
recursos do PDDE, orienta as escolas e encaminha essa prestação ao FNDE.
No município de Porto Alegre, a prestação de contas é feita pela escola à
Secretaria de Educação, que a encaminha ao FNDE por meio de documentos,
assinados pelo prefeito. Na Secretaria de Educação, há uma Assessoria de Planejamento, Finanças, Manutenção e Engenharia (Asseplan) responsável pela
Programa Dinheiro Direto na Escola
171
operacionalização financeira do planejamento da Secretaria, onde são administrados todos os programas, entre eles, o PDDE. A operacionalização do setor é
informatizada, e o planejamento é feito pelo sistema. O setor tem relação direta
com o gabinete do secretário.
A partir de 2002, no município de Pirassununga, quando as escolas consorciadas passaram a receber os recursos diretamente na conta da unidade executora, a prestação de contas passou a ser feita pela APM diretamente ao Setor de
Contabilidade da prefeitura, com um técnico responsável que recebe essa prestação e a encaminha ao FNDE.
No caso das escolas de educação especial pesquisadas, as APMs, em
Teresina e Porto Alegre, não têm uma unidade executora, uma vez que os recursos
são repassados à Entidade Mantenedora (EM), que faz a prestação de contas. Em
Campo Grande, a escola pesquisada pertence à rede estadual de ensino, portanto,
tem também a APM como unidade executora. A definição dos investimentos centrase nas mãos da direção, juntamente com o Colegiado Escolar, enquanto a APM
reúne-se, praticamente, para aprovar as contas.
Os dados levantados por meio das entrevistas, com base em um roteiro
semi-estruturado de questões, nos Estados da amostra, indicaram, de modo, geral, que as unidades executoras (quando APM e CPM) estão efetivando um acompanhamento que pode ser caracterizado como formal, tanto no que se refere à
definição da aplicação dos recursos quanto na prestação de contas do PDDE. Uma
participação mais ativa na execução do programa pôde ser identificada quando os
Conselhos Escolares constituem-se como unidades executoras.
Dos cinco Estados pesquisados, as Secretarias de Estado de Educação, em
quatro deles, por meio de um setor específico, desempenham a função de orientação e de acompanhamento da operacionalização do programa, assim como de
análise da prestação de contas para encaminhamento ao FNDE. Excetua-se o Estado de São Paulo, onde a Secretaria desempenha somente a função de orientação
do programa, cabendo ao FDE o papel de acompanhamento de sua execução,
incluindo a administração da prestação de contas.
Evidenciou-se que as Secretarias de Educação dos municípios desempenham papel semelhante ao das Secretarias Estaduais. No caso do município de
Pirassununga, a prestação de contas é feita diretamente ao Setor de Contabilidade da prefeitura municipal.
Os relatos dos sujeitos entrevistados nos municípios indicaram, também,
maior participação na execução do Programa quando os Conselhos Escolares se
constituem como unidades executoras. Verificou-se que a unidade executora (APM)
acompanha o Programa, mas não se pode dizer que atua, diretamente, na sua
execução, tendo em vista, em alguns casos, a dificuldade para a realização de
reuniões, a centralidade das decisões na figura do diretor ou a interferência da
própria Secretaria de Educação na definição da aplicação dos recursos. Com isso,
pode-se dizer que o PDDE não favoreceu o mecanismo de controle social como
forma de ação democrática, o que significa considerar o que expressa a sociedade, por intermédio dos seus segmentos representativos.
172
Programa Dinheiro Direto na Escola
4.6
Principais problemas, vantagens e sugestões de acordo
com os sujeitos da pesquisa
O presente item tem como finalidade a explicitação dos pontos de vista
apresentados pelos sujeitos da pesquisa, sejam eles vinculados aos sistemas ou
às escolas. Refere-se, pois, às concepções, às opiniões, às impressões e aos
envolvimentos desses sujeitos no processo de implementação do Programa Dinheiro Direto na Escola, bem como, na maioria dos casos, na execução no período
em que aconteceram as entrevistas nas escolas e nos sistemas. Trata-se, portanto,
de uma espécie de avaliação que membros das Unidades Executoras e representantes dos sistemas educacionais que trabalham diretamente com o PDDE fazem
acerca do processo de implantação e da execução do PDDE, de seus impactos
sobre a gestão e acerca da relação escola-sistema, sobre a relação escola-comunidade, a organização da própria escola e a qualidade do ensino. Como nos demais
aspectos expostos neste relatório, foram sistematizados dados referentes aos cinco Estados envolvidos na pesquisa, tomando-se sempre como referência uma
escola estadual e uma escola municipal e, em alguns Estados, escolas/entidades
que trabalham com educação especial.
A primeira consideração a fazer em relação às respostas coletadas é que,
embora o Programa seja nacional e o processo de implementação seja similar em
todos os Estados, há singularidades que aparecem muito mais nas falas dos
indivíduos do que em determinados documentos. Nesse sentido, a avaliação da
eficácia do PDDE deve ser pensada em termos de como os indivíduos vivenciam
sua execução, dimensionada pelo grau de ingerência ou não dos órgãos dos
sistemas que orientam as UEx na condução do Programa.
Sob essa ótica, entre as vantagens apresentadas, boa parte dos entrevistados afirma que o PDDE permitiu maior participação e democratização da gestão
da escola. Fala-se de transparência, de autonomia, de compromisso, de maior
poder de decisão. Outro aspecto destacado diz respeito ao gerenciamento dos
recursos, isto é, ao fato de que o repasse do dinheiro é feito diretamente para a
escola e à liberdade que esta tem para elencar suas prioridades e definir seu
plano de aplicação de recursos a partir dessas prioridades, implicando também a
solução dos problemas mais imediatos.
Em menor grau, aparece a idéia de que o PDDE permite maior aproximação da comunidade escolar na discussão sobre a aplicação dos recursos, fazendo
com que seja chamada a opinar nas tomadas de decisões.
Outro aspecto compreendido como vantagem proporcionada pelo PDDE é
a melhoria das condições de manutenção, dos equipamentos e de funcionamento
das escolas. Desse modo, afirma-se que o ambiente de trabalho melhorou, pois a
estrutura física melhorou bastante e a aquisição de material é muito mais funcional em relação às demandas das escolas.
Ainda com relação às vantagens, afirma-se que houve orientação e repasse
de informações pelo MEC e pelas Secretarias de Educação para a execução do
Programa. Os sujeitos dos sistemas informam que a criação da unidade executora
foi um aspecto importante trazido pelo PDDE.
Programa Dinheiro Direto na Escola
173
Observação bastante singular aparece no relato do Pará ao apresentar
como aspecto positivo ou vantagem a burocracia exigida pelo Programa Dinheiro
Direto na Escola.
No que concerne aos problemas, de modo geral, os sujeitos asseveram
que, embora necessários, os recursos repassados pelo PDDE são insuficientes
para os fins a que se propõem. Outrossim, a exigência de que os recursos sejam
aplicados sob rubricas distintas - custeio e capital - aparece como uma dificuldade
na efetivação de algumas ações das unidades executoras.
Outro problema destacado fortemente pelos sujeitos da pesquisa diz respeito à prestação de contas. Nesse caso, fala-se da pouca familiaridade dos conselheiros com os cálculos e da falta de tempo.
A pesquisa de preços, no entanto, constitui o principal problema, de acordo com os sujeitos. Tal problema surge devido ao fato de o PDDE não prever
gastos de deslocamento para a realização da pesquisa de preços e para transporte do material adquirido. Tal situação é mais grave nas pequenas cidades, onde
não há, muitas vezes, estabelecimentos comerciais legalizados que possam constituir as planilhas da pesquisa de preços, como também não podem vender com
notas fiscais. Ainda nesse ponto, mas característicos dos maiores centros urbanos
dos Estados, afirma-se que a tentativa de adquirir produtos por menor preço
fragmenta a compra em diversos estabelecimentos, o que inviabiliza a entrega do
material pelos comerciantes.
A incerteza quanto à efetivação das compras pelos diretores faz com que
alguns comerciantes se neguem a preencher a planilha de preços, no processo de
tomadas de preços que antecede as compras, o que se torna um problema àqueles que tentam empreender tal tarefa.
Outro aspecto considerado problemático refere-se ao período de recepção
dos recursos do PDDE. Informam os entrevistados que o período entre a recepção
dos recursos pela UEx, sua aplicação e a prestação de contas é bastante exíguo.
Acrescentam que não há tempo, inclusive, para análise de documentos (notas
fiscais, cópias de cheques, entre outros).
Algumas experiências na implantação apresentaram dificuldades: resistência dos pais em participar, incompatibilidades quanto aos horários de reunião,
desinformação, entre outros.
Paradoxalmente, um aspecto que fora apresentado como vantagem ou
aspecto positivo reaparece como aspecto negativo ou problema. Trata-se da autonomia. No Estado do Pará, esta aparece sob a denominação de autonomia relativa. Fala-se que "a autonomia que existe é só entre nós". Em Pirassununga (SP),
revela-se a forte intervenção da Secretaria Municipal de Educação nas atividades
da unidade executora.
Outros problemas são colocados: ausência de treinamentos para os membros das UExs; rotatividade do diretor; centralidade das decisões nas mãos do
diretor; dificuldades no repasse de informações dos representantes a sua base; as
Secretarias pensam que as escolas estão fortemente apoiadas, negligenciando
suas ações quanto ao financiamento, etc.
O relato de São Paulo apresenta forte interferência da Secretaria Municipal
da cidade pesquisada. Igualmente, na rede municipal de Campo Grande (MS), a
Secretaria de Educação interfere nas decisões de aplicação de recursos da escola.
174
Programa Dinheiro Direto na Escola
Os sujeitos da pesquisa fizeram uma série de sugestões para que o Programa Dinheiro Direto na Escola fosse mais adequado às aspirações das escolas,
sendo a mais a freqüente a de que os recursos do PDDE devem ser ampliados,
isto é, deve-se aumentar o valor por aluno. Sugere-se, também, o repasse em
várias parcelas e de acordo com o número de matrículas no ano do repasse.
Outrossim, sugere-se que o montante dos recursos tome como referência o tamanho da escola e que chegue à escola no início de cada ano.
Aparece, em uma rede municipal, a sugestão de que haja um técnico ou
administrador financeiro participando dos projetos das escolas. Reivindica-se, aí,
alguém com formação dirigida para a área contábil ou de finanças que possa
contribuir para o entendimento da UEx quanto a planilhas, tabelas e gráficos,
muito comuns nos processos de compras e de prestação de contas.
Não separar custeio de capital constitui uma das sugestões mais freqüentes nos relatos estaduais. Do mesmo modo, fala-se da correção dos valores do
PDDE com base na inflação, bem como da criação de mecanismos formais que
impeçam o atraso do repasse dos recursos.
Sugere-se a redução das exigências burocráticas do PDDE. Faz-se referência, principalmente, ao processo de aquisição de produtos e à prestação de contas. Outrossim, reivindica-se treinamento aos membros das unidades executoras.
Programa Dinheiro Direto na Escola
175
5
Considerações finais
Este trabalho se propôs a investigar o Programa Dinheiro Direto na Escola
como expressão das mudanças ocorridas no papel do Estado, especialmente naquelas relativas às conexões entre a constituição e gestão da esfera pública e da
esfera privada. De certa forma, acreditamos que o PDDE materializa essas mudanças quando apontadas para o campo educacional e, mais especificamente, quando a localizamos nas redefinições ocorridas nas propostas de financiamento e
gestão escolar.
Tal pressuposto resulta do fato de entendermos que a política educacional, ainda que não seja "simplesmente, determinada pelas mudanças que estão
ocorrendo na redefinição do papel do Estado, (...) é parte constitutiva dessas
mudanças" (Peroni, 2003).
Por essa razão, o que determinou a escolha do PDDE como objeto desta
pesquisa foi menos suas características intrínsecas e mais sua qualidade como
exemplo das redefinições ocorridas e/ou pautadas para âmbito do Estado em
decorrência das reformas conservadoras introduzidas no cenário brasileiro pós
anos 90.
Nesse sentido, para demarcarmos e melhor contextualizarmos a análise decorrente da investigação de campo e com o objetivo de o leitor relacionar as conseqüências do Programa para o fortalecimento ou o refreamento das mudanças já
citadas, é importante ao menos sublinharmos os principais aspectos das mudanças
ocorridas na configuração do Estado brasileiro, já que se encontram mais profundamente apresentadas no item referencial teórico no corpo deste relatório.
Programa Dinheiro Direto na Escola
179
Por sua relevância, iniciaremos relembrando que o diagnóstico neoliberal
para a crise do capitalismo deflagrada nos anos 70 encontrava-se em uma hipotética relação entre o formato do Estado, mais precisamente o Estado de bem-estar
social e a crise econômica. Para a teoria neoliberal, não é o capitalismo que está
em crise, mas o Estado.
O Estado entrou em crise porque gastou mais do que podia para legitimarse, já que tinha que atender às demandas da população por políticas sociais, o
que provocou a crise fiscal. A crise ocorre também porque o Estado, ao regulamentar a economia, atrapalhou o livre andamento do mercado.
A estratégia para superação dessa crise, portanto, é reformar o Estado ou
diminuir sua atuação em áreas consideradas não-prioritárias e/ou geradoras de
déficit público. O mercado é que deveria superar as falhas do Estado, razão pela
qual a lógica do mercado deveria prevalecer, inclusive no âmbito da gestão estatal, para que o Estado pudesse ser mais eficiente e produtivo.
No Brasil, com as devidas adequações e peculiaridades, a identificação do
Estado como o "responsável" pela crise obteve resposta político-institucional nas
estratégias propostas pelo Plano de Reforma do Estado no Brasil (Brasil, Mare,
1995), das quais destacamos a transferência de políticas sociais para o então
denominado setor público não-estatal.
Em vista disso, propõem-se alterações no papel e no funcionamento do
Estado em relação à oferta e manutenção de políticas sociais. Tais alterações
podem ser sintetizadas em duas prescrições, cujo objetivo, em última instância,
seria combater uma certa improdutividade da e na ação estatal quando comparada à do mercado: racionalizar os recursos públicos e esvaziar o poder das instituições democráticas tendo em vista sua maior suscetibilidade diante das pressões e
demandas da população.
Assim, para os neoliberais, a responsabilidade pela execução das políticas
sociais deveria ser repassada para a sociedade por meio da privatização (mercado) ou da constituição de uma esfera híbrida denominada de público não-estatal,
propostas presentes no projeto de reforma do Estado brasileiro em que as políticas sociais são consideradas serviços não-exclusivos do Estado e, assim sendo,
de propriedade pública não-estatal ou privada.
A viabilidade dessas mudanças, por sua vez, exige uma forte atuação do
mesmo Estado mediante políticas e medidas governamentais capazes de redefinirem
a lógica de regulação estatal até então existente.
No caso da educação pós década de 90, experimenta-se uma recentralização
da ação estatal na esfera da União (Peroni, 2003), da qual é parte integrante a
introdução de programas e medidas nacionais para a educação pública em todas
as etapas de escolaridade, por vezes sem a participação dos demais entes federados
que, na prática, implementaram as políticas propostas.
Assim, quando no âmbito do PDDE, analisamos a obrigatoriedade de todas as escolas terem unidades executoras para receberem os recursos repassados
pela União, verificamos uma centralização por parte da mesma União ao minimizar
a autonomia dos Estados e municípios no que se refere à obrigatoriedade das
UExs e, por conseqüência, nas políticas de gestão da escola.
180
Programa Dinheiro Direto na Escola
Além disso, o PDDE apresentou-se como um forte instrumento para o
avanço no processo de implantação das organizações sociais (OS) no âmbito da
educação básica, exemplificando a opção governamental de, em nome da
descentralização e da flexibilização, transferir parte das políticas públicas para a
esfera pública não-estatal, conforme veremos a seguir.
Da análise dos casos que compuseram este estudo, salientamos ainda os
aspectos que seguem, para efeito de melhor entender as conseqüências do PDDE
na democratização da gestão da educação e da escola pública. Ressaltamos, todavia, que o relativo foco na esfera da gestão adotado neste relatório não minimizou
o enquadramento da análise no campo geral das políticas públicas, especialmente
naquelas tendentes a reorientar o formato pelo qual o Estado brasileiro se organizou e que, como já salientado, tem se caracterizado na última década pela tentativa constituição de mecanismos híbridos, denominados de público não-estatal.
Nesse sentido, a opção do Programa por exigir para o repasse de recursos
às escolas a constituição de entidades de direito privado, as quais, não obstante
gerirem recursos públicos e articularem-se a uma instituição pública (a escola),
levam a que essas entidades acabem tendo autonomia jurídica diante dessa mesma instituição à qual se vinculam, o que pode gerar conseqüências ainda não
previsíveis para o sistema público, como alertou a Procuradora Jurídica do município de Porto Alegre.
Com a intenção de apresentar didaticamente as principais conclusões deste estudo, destacaremos a seguir a análise final do Programa a partir de três
grandes eixos: a gestão democrática, a relação público-privado e a relação entre
descentralização-centralização.
Gestão democrática
Observamos, nos casos estudados, que, independentemente do tamanho
da rede ou do sistema de ensino, o PDDE interferiu na configuração e dinâmica
dos mecanismos de gestão democrática então existentes. No entanto, essa interferência não apresentou um padrão único.
Nos casos em que os Colegiados ou Conselhos Escolares já estavam instituídos e se tornaram UExs, presenciou-se um relativo retrocesso nas práticas
participativas, uma vez que, como vimos, a lógica do Programa, ao enfatizar os
procedimentos técnico-operacionais, secundariza a dimensão política própria dos
processos coletivos de tomada de decisão que têm caracterizado os graus mais
avançados de participação (Bordenave, 1994) .
Nessa perspectiva, o Programa reforça o tom pragmático das políticas
educacionais dos anos 90, uma vez que a
ampliação da participação, historicamente assumida como possibilidade de a sociedade civil exercer o controle democrático sobre o Estado, é reduzida ao emprego das energias de usuários e profissionais na assunção de tarefas gerenciais.
Comprova essa tendência a ausência de políticas indutoras ao fortalecimento
dos Conselhos de Escola, órgãos de gestão colegiada das unidades escolares,
Programa Dinheiro Direto na Escola
181
ou mesmo a ausência de ações que estimulem a solidariedade e ação coletiva
no âmbito das escolas ou nas redes de ensino (Garcia, Adrião, 2005, p. 12,
impresso).
Em muitos casos, o PDDE, ao estimular a arrecadação de recursos por
parte do Colegiado, agora UEx, com o objetivo de estimular o co-financiamento da
escola pela comunidade escolar, reforçou a idéia que limita a participação dos
usuários à arrecadação e gestão de recursos financeiros. Assim, atuando sobre
dois fundamentos da democratização da gestão da escola pública - participação
dos diferentes segmentos e autonomia de gestão financeira -, o PDDE tendeu a
redesenhar a atuação dos Colegiados ao enfatizar a "participação financeira" da
comunidade na manutenção da escola pública. Nesses termos, ainda que a captação de recursos privados pela escola não se constitua em novidade, o fato é que
"o governo brasileiro (...) institui a lógica da participação financeira privada na
escola pública. Por isso, para além de uma autonomia de gestão financeira, a
autonomia proposta no PDDE é uma autonomia financeira" (Santos, Gutierres,
Silva, 2004, p. 12, mimeo). Ressalva seja feita ao caso de Porto Alegre, em que a
UEx, no período em estudo, não podia arrecadar recursos por determinação do
poder público municipal.
Nos casos em que a APM ou o CPM tornaram-se as UExs e o Conselho de
Escola foi mantido como instância de gestão, também se observou a introdução
de ao menos dois obstáculos à democratização da gestão escolar, dessa vez,
associados à divisão de atribuições entre essas duas instâncias. O primeiro articula-se à fragmentação entre as decisões de ordem político-pedagógicas, mantidas
a cargo dos Colegiados, e as decisões sobre questões de gestão financeira, agora
atribuída à APM/CPM.
A fragmentação do processo decisório, ao reforçar a dicotomia entre as
decisões de natureza pedagógica e as financeiras, concentrou ainda mais as opções de política escolar nas mãos dos diretores, implicando restrições às práticas
democráticas de gestão e contrariando um princípio elementar de democratização
da gestão: atribuir ao órgão coletivo de gestão escolar a possibilidade de decidir
sobre destinação e priorização de recursos. Verificamos esse processo acontecendo principalmente nos casos das redes estaduais paulista e gaúcha.
O segundo obstáculo à democratização da gestão relaciona-se à
descaracterização e ao enfraquecimento dos Colegiados/Conselhos58. No caso da
rede estadual do Rio Grande do Sul, a APM/CPM, ao tornar-se UEx, apropriou-se de
funções antes atribuídas a tais Conselhos, o que gerou certo esvaziamento desses,
uma vez que retirou de sua alçada as decisões sobre parte dos recursos financeiros.
Em outras situações, como a encontrada na rede estadual paulista em que coexistiam as duas instâncias, ampliou-se a importância das APMs e fortaleceu-se uma
58
Para efeito deste trabalho, consideram-se os Colegiados/Conselhos Escolares como instâncias mais
democráticas se comparadas à APM/COM, seja por razões históricas, dado que surgiram como pauta de
movimentos de democratização das relações entre Estado e sociedade pós-ditadura militar, seja por
razões de organização, uma vez que em muitas redes adquirem um caráter deliberativo e são compostos
por representantes de todos os segmentos escolares, o que não ocorre com grande parte das APMs.
182
Programa Dinheiro Direto na Escola
política de estímulo às parcerias entre setor público e setor privado que vêm compondo as estratégias governamentais do Estado.
Por outro lado, nos casos em que ou não havia quaisquer mecanismos
democráticos de gestão, ou onde esses eram incipientes, o Programa parece ter
contribuído para a sua institucionalização, inclusive induzindo à incorporação da
presença de todos os segmentos escolares em seu funcionamento, como observado no Pará e no Piauí, tanto nas redes municipais quanto nas estaduais.
Tal constatação não deixa de indicar um relativo avanço, que parece ser
mais evidente em redes de ensino menos organizadas ou com tempo de criação
relativamente recente, como é o caso de Pirassununga, onde, na ausência do
PDDE, possivelmente a rede continuaria sem qualquer tipo de mecanismo coletivo
de participação.
No entanto, é bom que se diga que essa indução pode redundar em
limites para a própria democratização da gestão, uma vez que os Conselhos recém-criados nascem já crivados pela lógica da UEx, erigida a partir da ambigüidade que a caracteriza (entidade de natureza privada articulada ao setor público) e
da função que lhe é prioritária: captar recursos privados e gerir recursos públicos
descentralizados, condição que tende a secundarizar o exercício das práticas democráticas nas decisões.
Enfim, independentemente da trajetória da gestão democrática encontrada
nos sistemas quando da implantação do Programa, nota-se que a divisão entre as
decisões sobre os aspectos financeiros e os pedagógicos da gestão escolar enfatiza
a burocratização da gestão escolar (Paro, 1995) na medida em que prioriza as
atividades-meio em detrimento das atividades-fim, condição agravada pela sabida
penúria financeira encontrada nas escolas públicas.
Outro aspecto a revelar refere-se à presença ou à ampliação do controle
social sobre os recursos descentralizados, já que se considera, no âmbito de
políticas relacionadas à democratização da gestão da educação, como necessária a existência de medidas que facilitem o controle social do Estado por parte
da sociedade civil. Nesse sentido, a análise do funcionamento das UEx na esfera
das escolas indicou que seu modus operandi pouco contribuiu para a instalação
de práticas de controle, seja sobre a definição de prioridades, seja sobre a
execução dos recursos repassados, especialmente pelos pais/mães, ainda que
formalmente esteja prevista sua incorporação. Há casos também em que, pelo
formato adotado para as UEx, os funcionários das escolas estão alijados de
qualquer participação.
Se o foco dirigir-se para a esfera dos sistemas ou redes de ensino, também
contribuíram para a insuficiência do controle social sobre o Programa a canalização das poucas informações sobre a execução do PDDE a funcionários e técnicos
governamentais e a sua desvinculação dos Conselhos de acompanhamento e fiscalização de políticas ou programas educacionais, como o são os Conselhos Municipais/Estaduais de Educação e o Conselho de Acompanhamento e Controle Social
do Fundef. Faz-se exceção ao município de Belém, onde, por ser a gestão democrática um princípio de governo, as contas do Programa eram analisadas pelo
Conselho Municipal de Educação.
Programa Dinheiro Direto na Escola
183
A relação entre o público e o privado
Tendo em vista as alterações no campo da gestão escolar propostas explícita ou implicitamente pelo Programa, destaca-se a introdução e/ou o fortalecimento,
a depender do caso pesquisado, de uma nova relação entre a administração pública
e uma instituição de natureza privada, como é o caso do modelo de UEx proposto.
No entanto, em todos os casos analisados, na visão dos segmentos escolares, isso não se constitui em questão relevante, uma vez que a preocupação de
gestores e educadores escolares se centra na oportunidade de perceber diretamente os recursos. Tal posição reforça, de um lado, a relevância que políticas
descentralizadoras têm para aqueles que vivenciam o cotidiano escolar, na medida em que se constituem como pré-condição para o exercício da reivindicada
autonomia pedagógica, além de, no caso específico do PDDE, desempenhar função relevante no conjunto dos recursos escolares.
De outro lado, também é certo afirmar que o pragmatismo a que estão
sujeitos os educadores, pela urgência de respostas que o cotidiano da escola forja
e exige, tende a minimizar a preocupação com conseqüências de natureza mais
geral, como as políticas, ou com as que apresentam impactos em longo prazo.
Em relação à dificuldade de percepção de conseqüências de maior amplitude, temos a destacar dois problemas relacionados à natureza privada da UEx. O
primeiro aplica-se aos casos em que a UEx é a APM. Observamos que, em alguns
casos, um representante dos pais, em conjunto com o responsável pela escola,
assina os cheques e, portanto, se co-responsabiliza pela gestão dos recursos. Diante dessa situação, o que ocorre se as contas da UEx não são aprovadas? Como
responsabilizar esse representante da "sociedade civil" pela eventual incorreção no
gasto de recursos públicos? Afinal, no âmbito da escola, quem responde por tais
recursos: o representante da administração pública, no caso, o responsável pela
unidade escolar, ou o representante da sociedade civil, pai ou mãe do aluno?
O segundo problema, também resultante da superposição entre as esferas
pública e privada imposta pelo Programa, refere-se ao fato de que, ao tornaremse entidades de direito privado, as UExs, sejam elas APMs ou CEs, passam a ter
autonomia total diante da administração pública, aqui representada pela escola,
prescindindo de submissão às regras do sistema ou rede pública de ensino. Por
conta disso, em que medida as UExs devem se submeter à política educacional
dos sistemas ou da mantenedora, como no caso das Apaes?
A questão torna-se mais complexa quando o Conselho Escolar é a UEx, uma
vez que, em muitas redes públicas, esse colegiado compõe a estrutura administrativa
da unidade escolar ao ser a instância de gestão da escola. Nesse caso, em que medida
está preservada a natureza pública da escola? Como garantir a subordinação por parte
das UExs às normas da administração pública definidas pelos sistemas de ensino?
Descentralização x centralização
A tensão centralização/descentralização tem sido uma das grandes características da redefinição do papel do Estado nesse período histórico. Verificamos
184
Programa Dinheiro Direto na Escola
nas políticas sociais, de maneira geral, e nas políticas educacionais, em particular,
que o Estado tem cada vez mais a tarefa de coordenação e avaliação das políticas,
repassando cada vez mais a sua execução para a sociedade, como já aprofundamos
no marco teórico deste relatório.
Verificamos esse mesmo movimento no Programa analisado. Ao mesmo
tempo em que o Programa descentraliza os recursos para as UEx, ele exige como
formato para a instalação dessas a criação, necessariamente, de uma entidade de
direito privado, para o que não consultou sequer os sistemas de ensino. Tal
constatação exemplifica a faceta centralizadora do PDDE.
Isso remete para outra discussão, a questão federativa, já que a União
definiu e obrigou a implementação das UEx nas redes públicas municipais e estaduais, não respeitando as políticas de gestão propostas pelos sistemas/
mantenedoras. Questionamos se o pacto federativo não ficou comprometido com
tal imposição.
O Programa foi concebido tendo em vista a desburocratização e a
descentralização do repasse e da gestão financeira dos recursos:
• O PDDE objetivou enfrentar uma "suposta" rigidez própria da administração
pública, como diagnosticado pelo Plano Diretor da Reforma do Estado.
• Ainda no âmbito da esfera pública e na perspectiva de combater essa
mesma rigidez, o Programa privilegiava a "ponta do sistema", sem passar pelas estruturas político-administrativas de Estados e municípios,
como pré-condição para o aumento da autonomia das unidades escolares diante dos órgãos da administração pública. No entanto, observamos, em pelo menos um caso, que a decisão sobre a solicitação ou o
cancelamento dos recursos do Programa era tomada pelo secretário de
Educação do município.
• Complementarmente, para efeito de combater a mesma suposta rigidez
inerente à administração pública, princípio do Programa, institui-se o
repasse de dinheiro público para uma entidade privada, no caso, as
UExs, dado um pré-juízo de ser esta mais eficiente.
Concluindo, é importante ressaltar que o PDDE tem aspectos muito positivos, entre eles, a transparência de critérios para a distribuição dos recursos do
Salário-Educação, a importância que esse repasse financeiro teve para o conjunto
das escolas, apesar de impactos diferentes, dependendo do total de recursos
descentralizados em cada região, assim como a autonomia financeira da escola,
que é uma bandeira histórica dos educadores.
Enfim, a questão principal do grupo não foi provar que, por meio do
Programa, se aprofundou ou não o processo de público não-estatal ou a privatização
da escola, mas apenas situar o contexto em que ele nasce, já que partimos do fato
de que as escolas formaram organizações sociais e que as unidades executoras
tinham também o objetivo de captação de recursos. O objetivo da Pesquisa foi
verificar como o Programa, dadas as diferentes realidades, teve diferentes repercussões, além de aproveitar para aprofundar questões teóricas referentes à questão do Estado e políticas sociais nesse período particular do capitalismo.
Programa Dinheiro Direto na Escola
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Entrevistas por Estados
Entrevistas realizadas no Estado do Pará
PRESIDENTE DO CONSELHO. Escola "A" rede estadual. Entrevistadora: Bárbara
Márcia da Piedade da Silva, na Sala da Diretoria. Belém, 2004.
Rede municipal
DIRETORA. Entrevistadora: Fabíola Grello. Belém, 18 jun. 2004. Sala da Diretoria
da Escola B.
MÃE. Entrevistadora: Lana Rosas. Belém, 16 jun. 2004. Sala de reunião da Escola B.
PROFESSORA. Entrevistadora: Fabíola Grello. Belém, 17 jun. 2004. Sala dos Professores da Escola B.
TÉCNICO 1. Entrevistadora: Luizete Cordovil Ferreira da Silva. Belém, 18 ago. 2004.
Secretaria Estadual de Educação.
Entrevistas realizadas no Estado do Piauí
DIRETOR. Escola Especial. Entrevistadoras: Liliene Xavier Luz e Samara de Oliveira
Silva. Teresina, jan. 2005. Escola de Educação Especial.
DIRETORA. Escola Municipal A. Entrevistadoras: Liliene Xavier Luz e Rosana
Evangelista da Cruz. Teresina, 23 fev. 2005. Escola Municipal A.
REPRESENTANTE DOS ALUNOS. Escola Municipal A. Entrevistadoras: Liliene Xavier
Luz e Rosana Evangelista da Cruz. Teresina, 23 fev. 2005. Escola Municipal.
200
Programa Dinheiro Direto na Escola
REPRESENTANTE DOS PAIS. Escola Municipal A. Entrevistadoras: Liliene Xavier
Luz e Rosana Evangelista da Cruz. Teresina, 23 fev. 2005. Escola Municipal.
REPRESENTANTE DOS PROFESSORES. Escola Municipal A. Entrevistadoras: Liliene
Xavier Luz e Rosana Evangelista da Cruz. Teresina, 23 fev. 2005. Escola Municipal.
TÉCNICO 1. Estadual. Entrevistadores: Francisco Williams de Assis Soares Gonçalves, Liliene Xavier Luz e Rosana Evangelista da Cruz. Teresina, 29 ago. 2004.
Secretaria Estadual de Educação.
TÉCNICO 1. Municipal. Entrevistadores: Francisco Williams de Assis Soares Gonçalves, Liliene Xavier Luz e Rosana Evangelista da Cruz. Teresina, 16 set. 2004. Secretaria Municipal de Educação.
TÉCNICO 2. Municipal. Entrevistadoras: Rosana Evangelista da Cruz e Sâmara Oliveira da Silva. Teresina, 13 set. 2004. Secretaria Municipal de Educação.
TÉCNICO 3. Municipal. Entrevistadores: Francisco Williams de Assis Soares Gonçalves, Liliene Xavier Luz e Rosana Evangelista da Cruz. Teresina, 14 jan. 2004.
Secretaria Municipal de Educação.
Entrevistas realizadas em Mato Grosso do Sul
DIRETORA. Estadual. Entrevistadora: Maria Ângela Bariani de Arruda Fachini. Campo Grande,21 set. 2005. Escola Estadual de Educação Especial.
DIRETORA. Estadual. Entrevistadora: Maria Ângela Bariani de Arruda Fachini. Campo Grande, 17 ago. e 21 set. 2005. Escola Estadual A.
DIRETORA. Municipal. Entrevistadora: Paula Priscila Bentos Ribeiro. Campo Grande, 2 ago. 2005. Escola Municipal B.
MEMBRO DA UNIDADE EXECUTORA. Estadual. Entrevistadora: Maria Ângela Bariani
de Arruda Fachini. Campo Grande, 21 set. 2005. Escola Estadual A.
MEMBRO DA UNIDADE EXECUTORA. Estadual. Entrevistadora: Maria Ângela Bariani
de Arruda Fachini. Campo Grande, 21 set. 2005. Escola Estadual A.
MEMBRO DA UNIDADE EXECUTORA. Municipal. Entrevistadora: Paula Priscila Bentos Ribeiro. Campo Grande, 22 set. 2005. Escola Municipal B.
MEMBRO DA UNIDADE EXECUTORA. Municipal. Entrevistadora: Paula Priscila Bentos Ribeiro. Campo Grande, 22 set. 2005. Escola Municipal B.
TÉCNICO 1. Estadual. Entrevistadora: Maria Ângela Bariani de Arruda Fachini. Campo Grande, 28 jun. e 5 set. 2005. Secretaria de Estado de Educação.
Programa Dinheiro Direto na Escola
201
TÉCNICO 1. Municipal. Entrevistadora: Maria Ângela Bariani de Arruda Fachini.
Campo Grande, set. 2005. Secretaria de Municipal de Educação.
TÉCNICO 2. Estadual. Entrevistadora: Maria Ângela Bariani de Arruda Fachini. Campo Grande, 28 jun. 2005. Secretaria de Estado de Educação.
TÉCNICO 3. Estadual. Entrevistadora: Maria Ângela Bariani de Arruda Fachini. Campo Grande, 6 set. 2005. Secretaria de Estado de Educação.
Entrevistas realizadas no Estado de São Paulo
PROFESSOR. Estadual. Entrevistadora: Teise de Oliveira Guaranha Garcia. São
Paulo, 16 jun. 2005. Nas dependências da unidade escola.
PROFESSORA. Municipal. Entrevistadora: Rochele Cristina Pegoraro. Pirassununga,
7 out. 2004. Nas dependências da unidade escolar.
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A. Municipal. Entrevistadora: Egle Bezerra. Pirassununga,
12 ago. 2005. Nas dependências da Secretaria Municipal de Educação.
TÉCNICO B. Estadual. Entrevistadora: Teise de Oliveira Guaranha Garcia. São Paulo, 11 maio 2004. Secretaria de Estado da Educação.
TÉCNICO B. Municipal. Entrevistadora: Rochelle Cristina Pegoraro. Pirassununga,
22 jul. 2004. Nas dependências da Secretaria Municipal de Educação.
TÉCNICO B. Municipal. Entrevistadora: Egle Bezerra. Pirassununga, 12 set. 2004.
Nas dependências da Secretaria Municipal de Educação.
TÉCNICO C. Estadual. Entrevistadora: Teise de Oliveira Guaranha Garcia. São Paulo, 17 jun. 2005. Na Fundação para o Desenvolvimento da Educação.
VICE-DIRETOR ESCOLAR. Estadual. Entrevistadora: Teise de Oliveira Guaranha Garcia.
São Paulo, 17 jun. 2005. Nas dependências da unidade escolar.
Entrevistas Realizadas no Estado do Rio Grande do Sul
ANDREJEW, Marlize. Entrevistadora: Juliana Lumertz. Porto Alegre, 29 set. 2004.
CMET Paulo Freire.
FERREIRA, Inajara. Assessora Jurídica da Secretaria Estadual de Educação. Inajara
Ferreira. Entrevistadora: Vera Maria Vidal Peroni. Porto Alegre, 11 dez. 2003. Na
SEC, Arquivos de Pesquisa, Porto Alegre.
202
Programa Dinheiro Direto na Escola
LAZZAROTTO, Neiva. Dirigente do CPERS. Neiva Lazzarotto. Entrevistadoras: Vera
Maria Vidal Peroni e Fabiana Mathias. Porto Alegre, 5 set. 2003. No CPERS, Arquivos de Pesquisa, Porto Alegre.
OLIVEIRA FILHO, Raul Gomes de. Presidente da ACPM Federação. Raul Gomes de
Oliveira Filho. Entrevistadoras: Vera Maria Vidal Peroni e Fabiana Mathias. Porto
Alegre, 11 jul. 2003. No CEDICA, Arquivos de Pesquisa, Porto Alegre.
PRESTES, Vanesca Buzelato. Procuradora Jurídica do Município de Porto Alegre.
Vanesca Buzelato Prestes. Entrevistadoras: Vera Peroni e Juliana Lumertz. Porto
Alegre,14 nov. 2002. Na FACED/UFRGS, Arquivos de Pesquisa, Porto Alegre.
SCHUCK, Marlene. Técnica da Secretaria Estadual de Educação. Marlene Schuck.
Entrevistadoras: Vera Maria Vidal Peroni e Fabiana Mathias. Porto Alegre, 11 dez.
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SILVA, Gilmar Vitória da. Diretor da Escola A. Gilmar Vitória da Silva. Entrevistador:
César Augusto Ferrari Martinez. Porto Alegre, 9 nov. 2004. Escola A, em Porto
Alegre.
SOUZA, Indiara. Presidente da ACPM Federação. Indiara Souza. Entrevistadora:
Vera Maria Vidal Peroni. Porto Alegre, 2003.
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Programa Dinheiro Direto na Escola
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