Unidade VII - Teoria Cinética dos Gases fig. VII.1. Nesse processo, a pressão em um gás aumenta e o volume diminui. Isto é, a colisão de suas moléculas deve aumentar, sua energia cinética aumenta e diminui a liberdade de movimento das moléculas. 1. Situando a Temática Até agora tratamos as propriedades da matéria em termos de energia térmica sob o ponto de vista macroscópico, estudando a pressão, o volume e a temperatura. Entretanto, um gás é composto de átomos ou moléculas. A pressão de um gás deve estar relacionada com as colisões das suas molécula com o recipiente que o contém. A capacidade de um gás em ocupar um recipiente – volume - deve estar ligada à liberdade de movimento das moléculas. Por outro lado, a temperatura e a energia térmica de um gás devem estar relacionadas à energia cinética destas moléculas. A descrição macroscópica está intimamente relacionada com a descrição microscópica. Por exemplo, a pressão atmosférica é igual a 10 5 Pa em condições normais. Para produzir esta pressão, cerca de 10 32 moléculas colidem com anteparos na terra. 2. Problematizando a Temática Nesta unidade, usaremos descrições macroscópicas e microscópicas para compreender as propriedades térmicas da matéria. Daremos enfoque ao estudo dos gases ideais. Esses gases não são reais mas devido à complexidade das propriedades em um caso realístico optamos por começar com este caso mais simples. Gases assumem papel importante no tratamento de processos termodinâmicos. Aqui seguiremos as seguintes hipóteses: - o número de moléculas é ‘grande’. - o gás é diluído, isto é, tende ocupar os espaços. - as moléculas são tratadas como objetos pontuais. - as moléculas obedecem as leis de Newton. 65 - as moléculas se movem aleatoriamente. - as moléculas não interagem, exceto quando colidem. - supomos as colisões elásticas. Denominamos variáveis de estado as variáveis que indicam o estado do material, como volume, massa, temperatura e pressão. A relação entre essas variáveis pode ser expressa através de uma equação chamada: equação de estado. 3. Equação do Gás Ideal Um mol é definido como 6,02 10 23 de partículas, que podem ser elétrons, átomos, moléculas, etc. Nós dizemos que 12 g de carbono é um mol de carbono. O carbono tem 6 prótons e 6 nêutrons. A massa atômica do carbono é 12. Isto significa que 12 g de carbono contém 6,02 10 23 átomos, chamado número de Avogadro. Moléculas são agrupamentos de átomos, a massa molecular é a soma das massas atômicas da molécula. Experimentalmente é encontrado que a pressão, volume e temperatura absoluta (K) de um gás ideal obedecem aproximadamente a seguinte equação de estado, chamada lei dos gases ideais: pV nRT eq. VII. 1 onde n é o numero de mols do gás e R = 8,31 J/K, a constante dos gases ideais. 4. O Conceito de Pressão e Temperatura do Ponto de Vista Molecular Vamos deduzir uma expressão para a pressão devido a um gás ideal. Considere N moléculas contidas em um recipiente (cubo) de lado L, com os limites alinhados aos eixos x, y, z. Uma molécula movendo-se ao longo de x com velocidade v x colidirá elasticamente com uma parede e vem de volta com uma velocidade - v x . Seu momentum mudará de mv x para - mv x , uma resultante de -2 mv x . Depois de bater na parede, a molécula volta numa direção oposta e bate na parede oposta e volta a bater na primeira parede uma segunda vez. Ela viaja uma distância 2L na direção x e isso gasta um tempo 2L/ v x , tempo entre as colisões com a primeira parede. A força exercida sobre a molécula pela parede, pela secunda lei de Newton: F’ = mv 2 mudança momentum 2mv x x . mudança tempo 2L / vx L Pela terceira lei de Newton, a força exercida sobre a parede pela molécula é F = -F’. A força total exercida sobre a parede é a soma das forças exercidas por cada molécula, F 66 m 2 2 (v1x ... v Nx ). L Mas o valor médio de v x2 para N moléculas é 1 2 2 (v1x ... v Nx ) . Então, N Nm v x2 F L v x2 Se uma molécula tem componentes da velocidade v x , v y , v z , então pelo teorema de Pitágoras, v 2 v x2 v y2 v z2 , e os valores médios estão relacionados por v 2 v x2 v 2y v z2 Como o movimento é aleatório, v x2 = v 2y = v z2 = 1 2 v 3 A força total sobre a parede é, 2 N mv F= ( ) 3 L A pressão sobre a parede é p= F F 2 , A L p 2 N 1 ( )( m v 2 ) 3 V 2 eq. VII. 2 Isto é utilizado para definir a constante de Boltzmann, k B 1,38 10 23 J/K, onde R = N A k B . A lei do gás ideal e a eq. VII. 2 nos leva a T 2 1 ( mv 2 ) 3k B 2 eq. VII. 3 Este resultado nos diz que a temperatura absoluta de um gás é proporcional à energia cinética molecular. 1 2 v , assim 3 1 1 1 1 1 1 m v x2 = m v 2y = m v z2 = ( m v 2 ) = k B T 2 2 2 3 2 2 v x2 = v 2y = v z2 = Esta última equação ilustra o chamado teorema da equipartição da energia que nos diz que cada grau de liberdade de um gás contribui com uma quantidade de energia 1 k B T para energia interna total. Um grau de 2 liberdade é um movimento independente que pode contribuir para energia total do sistema. Por exemplo, o grau de liberdade de uma molécula está associado com a rotação e vibração da molécula A energia interna total de n mols de um gás monoatômico com 3 graus de liberdade é 1 3 3 E Nk BT ( m v 2 ) Nk BT nRT 2 2 2 eq. VII. 4 A eq. VII. 3 pode ser resolvida para encontrarmos a raiz quadrada da velocidade quadrada média molecular, 67 v 2 3k BT / m 3RT / M eq. VII. 5 Onde R N A k B e M N A m = massa molar em gramas e m = massa de uma molécula. Note que essa raiz quadrada da velocidade quadrada média é uma velocidade média, e que algumas moléculas se movem com mais ou menos velocidade. Nessa discussão supomos as moléculas como partículas pontuais. Se formos mais realistas podemos supor as moléculas como esferas de diâmetro d e assim possível calcular ao livre caminho médio entre as colisões das moléculas. Isto é, a distância média percorrida entre duas colisões sucessivas. Usando uma abordagem estatística nos leva a 1 2 2d N / V RT 2d 2 N A p eq. VII. 6 5. A Distribuição de Maxwell-Boltzmann As moléculas em um gás se propagam em uma ampla faixa de velocidades. Usando-se métodos da mecânica estatística podemos chegar ao número de partículas dN em um gás com velocidade entre v e v + dv, dN = Nf(v)dv, onde 3 f (v ) 4 ( m 2 2 mv 2 / 2 k BT ) v e 2k B eq. VII. 7 f(v) é a função de distribuição de Maxwell-Boltzmann, N é o número de partículas do gás de massa m. A fig. VII. 2 mostra a função de distribuição para três temperaturas. Note que a unidade de f(v) é s/m. A velocidade mais provável é aquela que corresponde ao pico da distribuição, onde df/dv = 0. O resultado é v mp fig. VII.2. Função de distribuição para temperaturas, T1 > T2 > T3 . 2k B T m 2 RT M eq. VII. 8 Onde M = N A m é a massa molar. Através da distribuição podemos calcular também a velocidade média, v vf (v)dv 0 68 8k B T 8RT m M eq. VII. 9 A velocidade quadrada média é dada por, v 2 v 2 f (v)dv 0 3k BT 3RT m M eq. VII.10 6. Calor Específico de um Gás O calor específico molar de um gás é a quantidade de calor necessária para aumentar a temperatura de um mol por 1 o C. Considere 1 mol de um gás ideal monoatômico a volume constante. A energia interna do gás é dada, para n = 1, E = 3/2 R T. Teremos o calor específico, C v , a volume constante, n C v T E , n = 1; C v E / T 3R / 2. Então, a volume constante para este gás monoatômico, Cv 3 R 2 eq. VII.11 Caso o gás não seja monoatômico e tem f graus de liberdade, cada grau de liberdade contribui com ½ R T para a energia interna e assim C v = fR/2. O gás se expande quando calor é adicionado a um recipiente que o contém e o volume não é mantido constante. Imagine um gás contido em um cilindro, dentro tem um pistão com um peso em cima, como mostra a fig. VII. 3. O pistão mantém uma pressão constante sobre o gás. Como o gás expande, ele puxa o pistão para cima e realiza um trabalho sobre ele. Se a área da base do pistão é levantada uma distância dx, o trabalho realizado pelo gás é dW = Fdx = PAdx = FdV, onde o volume cresce dV = Adx e P = F/A. Usando conservação de energia, dQ = dE + dW = dE + pdV Daí podemos escrever dQ/dT = dE/dT + dW/dT = dE/dT + pdV/dT. O calor específico molar é então, C p dQ/dT. Da lei dos gases ideais dE/dT = 3R/2. Logo, para um gás monoatômico, Cp 3 5R RR 2 2 eq. VII.12 Para um caso geral, isto é, para um gás ideal qualquer, R C p Cv Para um gás diatômico teremos C v eq. VII.13 5 7 R e Cp R . 2 2 69 fig. VII. 3. Cilindro com um pistão interno e um peso em cima do pistão. 7. Processos Adiabáticos Um processo adiabático em um gás é aquele em que nenhum calor é trocado para fora ou para dentro do recipiente que contém este gás. Este processo pode ser obtido mudando o volume rapidamente ou por manter o recipiente bem fechado de forma que somente uma quantidade muito pequena de calor pode ser trocada. Se o volume do gás cresce por dV, o trabalho realizado pelo gás sobre um pistão imaginário é dW = pdV. O calor absorvido é zero e assim a mudança de energia do gás é dE = -dW = -pdV, onde dE pode ser expressa em termos de mudança de temperatura. Daí encontramos dV dp , V p onde R Cv C p Cv Cv e da equação anterior encontramos uma equação que relaciona p com V pV const . eq. VII.14 e TV 1 const.( adiabática) eq. VII.15 Podemos estudar os gráficos de p versus V para o caso adiabático sem fluxo de calor, isto é, Q = 0 e pV const . Para o caso isotérmico pV = nRT = const. Exercícios Resolvidos Exemplo VII. 1 Um compressor de ar usado para fazer pinturas em automóveis tem um tanque de capacidade 0.40 m 3 0 que contem ar a uma temperatura de 27 C a 6 atm. Quantos mols de ar têm no tanque? Solução: n pV 6 1,013 10 5 0,4 97,5moles RT 8,31 300 Exemplo VII. 2 Um pequeno vaso de de volume V contém um gás ideal a 300 K e 5 atm. Esse vaso é conectado a um vaso de volume 6V que contém o mesmo gás a uma pressão de 1 atm e 600 K. A temperatura de cada vaso é mantida constante.Qual será a pressão final em cada vaso, após a mistura? Solução: pV pV n1 1 1 e n2 2 2 RT1 RT2 70 n1' No final p1 p 2 p e pV1 RT1 e pV2 ' ' e assim n1 n 2 n1 n 2 , RT2 n 2' note que 6V1 V2 , logo, p = 5,3 atm. Exemplo VII. 3 6 10 22 moléculas de um gás ideal são armazenados em um tanque de 0,5 atm a 0 37 C. Determine a pressão em pascal e a temperatura em Kelvin, o volume do 0 tanque e a pressão quando a temperatura aumenta para 152 C. Solução: nRT N RT 5,1 10 3 m 3 , então, p NA p p1 p 2 nR p1 0,69atm . T1 T2 V V Exemplo VII. 4 O melhor vácuo que se atinge no laboratório é cerca de 5 10 18 Pa a uma temperatura de 293 K. Quantas moléculas possui por centímetro cúbico desse vácuo? Solução: V nRT N RT N NA p 1240m 3 1,2 10 3 / cm 3 . p NA p V TR Exemplo VII. 5 O gás hélio com massa molar 4 g a 330 K tem raiz quadrada da velocidade quadrada média molecular é 1350 m/s. Qual a raiz quadrada da velocidade quadrada média molecular do oxigênio com massa molar 32 g a essa temperatura? Solução: A relação entre as velocidades do oxigênio e hélio é: 3 RT / mO 3RT / m He 0,35 Assim, raiz quadrada da velocidade quadrada média molecular do oxigênio é igual a 0,35 da do hélio, isto é, 0,35 1350 m/s = 472,5 m/s. Exemplo VII. 6 Gás argônio tem um diâmetro de aproximadamente 3,1 10 10 m e é usado em um recipiente de laboratório, mantido a uma temperatura de 300 K. Qual a pressão que devemos empregar para evacuar o gás de forma que o livre caminho médio seja de 1cm. Solução: 1 2 2d N / V RT 2 2d N A p , p 3 10 15 atm Exemplo VII. 7 Uma sala está bem isolada e possui 120 m 3 de ar. O ar da sala está a uma 0 temperatura de 21 C. Quanto de calor devemos adicionar ao ar de forma que a 0 temperatura aumente de 1 C. 71 Solução: Q nC v T , onde: n pV 5 5 , C v R , logo Q 2,06 10 J RT 2 Exemplo VII. 8 Dois mols de ar, C v = 5R/2, a uma temperatura de 300 K, estão contidos em um pistão pesado dentro de um cilindro de volume 6 L. Se o 5,2 kJ de calor é adicionado ao ar, qual será o volume resultante de ar? Solução: 1 7 nR(T2 T1 ) T2 389 K 2 T pV2 nRT2 e pV1 nRT1 , teremos V2 2 V1 7,8L T1 Q nC p T , onde C p C v R Q Exemplo VII. 9 Durante a compressão de uma máquina de combustão interna, a pressão muda adiabaticamente de 1 para 18 atm. Supondo que o gás é ideal e tem 1,4 , por qual fator a temperatura muda? Qual o fator de mudança do volume? Solução: 1 / p p V p V V2 2 0,13V1 p1 Usando que pV nRT , encontramos uma relação entre as temperaturas. T2 2,3T1 . 1 1 2 2 Exercícios Propostos Exercício VII. 1 Um motorista começa uma viagem em uma manhã fria quando a temperatura é de 0 4 C. Em um posto, ele checa a pressão no pneu de 32 psi + 15 psi (1 atm), onde 15 psi é a pressão atmosférica. Depois de rodar o dia todo, a temperatura do pneu subiu 0 para 50 C. Supondo que o volume é constante, qual a pressão que o ar do pneu tem aumentado? Resposta: 54,8 psi Exercício VII. 2 0 A temperatura e pressão padrão de um um gás é definida como 0 C ou 273 K e 1 5 atm ou 1,013 10 Pa. Qual o volume que um mol de gás ideal ocupa? Resposta: 22,4 L. Exercício VII. 3 3 Quantas moléculas tem em 1 cm de hélio a uma tempertura de 300 K? Resposta: 2,4 10 19 72 Exercício VII. 4 Qual a raiz quadrada da velocidade quadrada média molecular de uma molécula de nitrogênio no ar a uma temperatura de 300 K? A massa atômica do nitrogênio é 14. Resposta: 517 m/s Exercício VII. 5 Estime o livre caminho médio de uma molécula de ar a 273 K e uma pressão de 1 atm, supondo que ela é uma esfera de diâmetro 4 10 10 m. Estime também o tempo médio entre as colisões para uma molécula de nitrogênio sob essas condições. (use a velocidade do exercício VII.4) Resposta: 5,2 10 8 m t = 10 10 s Exercício VII. 6 4 mols de argônio estão contidos em um cilindro a uma temperatura de 300 K. Quanto de calor deve ser adicionado para aumentar a temperatura a 600 K a volume constante? E a pressão constante? Resposta: 1,5 10 4 J e 2,5 10 4 J. Exercício VII. 7 O gás hélio a uma temperatura de 400 K e 1 atm é comprimido adiabaticamente de 20 para 4 L. Qual a temperatura final e pressão? Resposta: 1170 K e 14,6 atm 73