Funcionamento dos estabilizadores
orçamentais automáticos na área do euro
Os estabilizadores orçamentais automáticos são a reacção do orçamento às flutuações económicas na
ausência de qualquer acção governamental. Estes estabilizadores, se bem concebidos, proporcionam
ajustamentos atempados e simétricos que atenuam as flutuações cíclicas. No entanto, os plenos benefícios
dos estabilizadores automáticos só podem ser assegurados se, simultaneamente, os países preservarem a
sustentabilidade das finanças públicas através de posições orçamentais prudentes e de dívida baixa.
O presente artigo defende que a estabilização e a sustentabilidade orçamentais são totalmente
compatíveis; constituindo aspectos complementares de uma estratégia orçamental que procura atingir
uma posição orçamental a médio prazo próximo do equilíbrio ou excedentária, tal como exigido pelo Pacto
de Estabilidade e Crescimento. No âmbito dessa estratégia, os objectivos nominais para os saldos
orçamentais definidos pelos Estados-membros nos respectivos programas de estabilidade deverão reflectir
quer um percurso adequado de consolidação a médio prazo, se os desequilíbrios persistirem, quer o
impacto do ciclo económico. Os resultados verificados poderão desviar-se dos objectivos por forma a
reflectir a estabilização automática quando a evolução económica esperada não se concretizar. Não
obstante, posições orçamentais sólidas ou o percurso de consolidação subjacente deverão ser mantidas e os
défices excessivos terão de ser evitados.
Essa estratégia com o objectivo de atingir e preservar posições orçamentais seguras, permitindo
simultaneamente a estabilização automática também apoia um enquadramento macroeconómico estável
e fomentador do crescimento. Em termos comparativos, subsistem dúvidas consideráveis acerca da eficácia
da regularização orçamental discricionária como meio de alcançar a atenuação cíclica. No entanto, a
intervenção governamental discricionária decisiva torna-se necessária para o ajustamento estrutural das
finanças públicas e da consolidação orçamental.
1
A importância da estabilidade económica
Um enquadramento económico estável e
previsível contribui para o bem-estar social e
económico.A curto prazo, as famílias preferem
ter estabilidade económica com emprego
contínuo e rendimentos estáveis, que lhes
permita manter um consumo relativamente
estável ao longo do tempo. A longo prazo,
grandes choques inesperados e flutuações
económicas podem reduzir o crescimento, por
exemplo, elevando os riscos associados ao
investimento e à inovação. Um enquadramento
económico altamente volátil pode induzir as
pessoas a escolher perfis educacionais e
percursos profissionais com menos riscos
(mas também porventura menos produtivos).
Ao manter um enquadramento macroeconómico estável, a política económica contribui
assim para o crescimento económico e o
bem-estar.
A política orçamental pode contribuir para a
estabilidade a curto prazo ao atenuar as flutuações
económicas. O presente artigo incide sobre o
modo como funciona a estabilização orçamental
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
e a melhor forma de atingir a estabilidade. A
função de estabilização a curto prazo da política
orçamental pode tornar-se mais importante
para os países quando estes aderem a uma
união monetária. Nesta, as taxas de juro nominais
de curto prazo não são adaptadas à situação de
cada país, mas sim sintonizadas para as
condições do conjunto da união.Dos instrumentos
que permanecem sob o controlo dos governos
individuais, a política orçamental é então importante
para a estabilização da procura interna e do
produto a curto prazo.
As políticas orçamentais são também
importantes para a estabilidade da economia a
longo prazo. As políticas orçamentais que
tentam fomentar a actividade económica
aumentando a despesa podem resultar em
rácios de despesa em relação ao PIB mais
elevados, o que requer, subsequentemente, o
aumento da carga fiscal ou a aceitação de rácios
de défice e de dívida crescentes. Se essas
políticas reduzirem a disponibilidade de
financiamento
ao
sector
privado
e
35
comprometerem a sustentabilidade das finanças
públicas, as taxas de juro de longo prazo subirão
e as perspectivas de crescimento descerão.
Além disso, os défices persistentes prejudicam o
papel estabilizador das finanças públicas.
Quando os países incorrem continuamente em
responsabilidades adicionais, os governos
perdem o espaço de manobra necessário para
deixarem as finanças públicas reagir
adequadamente às flutuações macroeconómicas
ao longo do ciclo económico. No futuro, os
países com défices insustentáveis enfrentarão,
em larga escala, ajustamentos inevitáveis e
perturbadores.
A sustentabilidade das finanças públicas e o
papel estabilizador das políticas orçamentais
estão estreitamente ligados. Se as pessoas
esperarem problemas de sustentabilidade no
futuro, podem mudar o seu comportamento no
presente e, por exemplo, reduzir o
investimento, comprometendo assim a
estabilidade económica a curto prazo. Numa
2
A secção seguinte explica o funcionamento
dos estabilizadores automáticos, as suas
limitações e o papel adequado da política
orçamental discricionária. Enuncia ainda
algumas características das finanças públicas na
área do euro nos últimos 30 anos. A secção 3
explica os objectivos do Tratado de Maastricht
e do Pacto de Estabilidade e Crescimento para
atingir e manter a sustentabilidade e o papel
estabilizador das finanças públicas. Seguidamente, a secção 4 discute uma estratégia
orçamental adequada consistente com estes
dois objectivos.A secção final sintetiza o artigo
e apresenta a conclusão.
O papel da política orçamental na estabilização da actividade
económica
Os instrumentos da política orçamental
podem contribuir para a estabilização da
economia de várias maneiras. Podem
estabilizar o produto, os rendimentos e a
procura
durante
um
período
de
abrandamento económico ao manter ou
mesmo aumentar a despesa pública, ou ao
reduzir as receitas fiscais. Seguindo o mesmo
princípio, os instrumentos de política podem
moderar a actividade durante os períodos de
forte crescimento. A estabilização pode
resultar da formulação de políticas discricionárias, com os governos a decidirem
activamente ajustar as despesas ou os
impostos em resposta às variações da
actividade económica. Pelo contrário, as
variações das receitas e das despesas públicas
que ocorrem sem requerer novas decisões
por parte dos formuladores de política e
resultam do impacto das flutuações
económicas
sobre
as
componentes
orçamentais são designadas estabilizadores
orçamentais automáticos.
36
união monetária, os défices elevados e os níveis
de dívida crescentes em um ou vários países
podem ter outros custos. Podem aumentar as
taxas de juro de longo prazo e as expectativas
inflacionistas para o conjunto da área, criando
assim
externalidades
negativas
e
comprometendo as políticas monetárias
orientadas para a estabilidade de preços.
Estabilização automática da procura
e do produto através das despesas
e receitas públicas
A estabilização orçamental automática resulta
de determinadas características dos impostos e
das transferências sociais que são incorporadas
nos códigos fiscais e na legislação social. Ao
mesmo tempo, resulta da resistência das principais
componentes da despesa relativamente a
flutuações económicas, dado que estas
componentes estão previamente fixadas nos
orçamentos anuais ou mesmo nas regras de
despesa plurianuais.
Para ilustrar este mecanismo, consideremos
um governo que planeia ter um orçamento
equilibrado num determinado ano. Agora
suponhamos que a actividade económica se
revela mais fraca do que o governo tinha
projectado, devido a uma procura por parte
dos consumidores mais baixa, por exemplo. A
maior parte do rendimento recebido pelo governo
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Gráfico 1
A actuação dos estabilizadores automáticos ao longo do ciclo
rácio do saldo/taxa de crescimento
4
4
3
crescimento observado
3
crescimento tendencial
2
2
1
1
0
0
posição orçamental
subjacente
-1
-2
saldo orçamental
-1
-2
estabilização automática
-3
-3
0
1
2
3
4
5
tempo
(sobretudo impostos) desceria então mais ou
menos na proporção do crescimento mais
reduzido da economia. A maior parte da
despesa pública, que se traduz em rendimento
para as famílias e empresas, permaneceria
inalterada (sobretudo pensões, salários da
função pública e subsídios), ou poderia mesmo
aumentar (despesas relacionadas com o
desemprego). Para o governo, a consequência é
uma deterioração do saldo orçamental,
enquanto as famílias e as empresas podem
manter-se mais próximas dos seus planos de
despesa originais, apoiando desse modo a
procura total e atenuando o abrandamento da
actividade económica.
O Gráfico 1 ilustra uma economia hipotética
com flutuações cíclicas regulares e simétricas
do crescimento do PIB em torno de uma
tendência e mostra como as flutuações macro-económicas se traduzem num padrão cíclico
do saldo orçamental. Neste exemplo, a posição
orçamental subjacente representada pela
linha grossa inferior mantém-se inalterada e
equilibrada por hipótese ao longo do ciclo.
A área sombreada indica o impacto dos
estabilizadores automáticos sobre o saldo
orçamental marcado pela “respiração cíclica”
em torno da posição equilibrada.Os estabilizadores
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
6
7
8
9
10
automáticos levam assim o saldo orçamental a
seguir o mesmo padrão do crescimento.
Escolha entre dimensão dos
estabilizadores automáticos
e eficiência
Para um determinado padrão cíclico da economia,
a magnitude das flutuações orçamentais reflecte
a dimensão dos estabilizadores automáticos, a
qual, por seu lado, é amplamente determinada
pelos sistemas fiscais e de despesa.
Normalmente, quanto maior o sector público,
maiores os estabilizadores orçamentais
automáticos. Quanto mais elevado é o rácio da
despesa em relação ao PIB, mais a economia é
eficazmente protegida das flutuações económicas.
Do lado da receita do orçamento, a estabilização
orçamental aumenta com a progressividade do
sistema fiscal. A Caixa 1 dá uma explicação da
medida em que o orçamento é sensível ao ciclo
nos países da área do euro e de que modo uma
medida da posição orçamental subjacente – o
chamado saldo corrigido do ciclo ou estrutural
– pode ser construída.
A despesa pública mais elevada também requer
receitas mais elevadas, e é neste ponto
37
que entra a primeira escolha dos grandes
estabilizadores automáticos. Uma carga fiscal
elevada e benefícios sociais generosos reduzem
os incentivos ao trabalho, ao investimento e à
inovação, enfraquecendo assim a actividade
económica (ver o artigo sobre políticas
orçamentais e crescimento económico na
edição de Agosto de 2001 do Boletim Mensal).
Além do mais, estabilizadores automáticos
consideráveis podem atrasar o ajustamento da
economia. Subsídios de desemprego generosos,
por exemplo, reduzem os incentivos para os
trabalhadores dispensados procurarem novos
empregos, aceitarem condições de emprego
diferentes ou adquirirem nova formação.
Impostos elevados associados a subsídios
para as indústrias com dificuldades podem
igualmente tornar menos lucrativo para as
empresas o ajustamento às variações das
oportunidades económicas, conduzindo a
significativas perdas de eficiência.
Políticas orçamentais discricionárias
não são normalmente adequadas
para a gestão de curto prazo da procura
As políticas orçamentais discricionárias consistem
em variações da receita e da despesa resultantes
da acção governamental, como variações das
taxas dos impostos ou das transferências sociais,
aumentos do número de funcionários públicos ou
dos salários do sector público e ajustamentos no
investimento público. As tentativas passadas para
a gestão da procura agregada através da
formulação
de
políticas
orçamentais
discricionárias – ou de regularização orçamental
(fiscal fine tuning) – têm sido generalizadas mas
frequentemente contraproducentes.
Primeiro, as políticas discricionárias podem
comprometer a solidez das posições
orçamentais, dado que os governos consideram
mais fácil aumentar os gastos em épocas de
baixo crescimento do que reduzir as despesas e
restringir a política orçamental durante
períodos de recuperação económica. Tal induz
uma tendência para aumentos contínuos dos
défices e da carga fiscal. Pelo contrário, os
estabilizadores
automáticos
operam
simetricamente ao longo do ciclo económico,
moderando o sobreaquecimento em períodos
de expansão e apoiando a actividade económica
durante os períodos de abrandamento
económico, em princípio sem afectarem a
solidez subjacente das posições orçamentais,
desde que as flutuações permaneçam
equilibradas.
Caixa 1
Saldos orçamentais corrigidos do ciclo
A correcção do ciclo facilita o acompanhamento e a análise das políticas orçamentais
A política orçamental não pode ser facilmente avaliada com base na evolução dos saldos públicos
observados, dado que estes reflectem o impacto do ciclo através do funcionamento dos estabilizadores
automáticos, das despesas com juros e das medidas de política novas aprovadas pelo governo. Torna-se necessário separar estes factores para acompanhar com precisão a evolução orçamental.
O saldo orçamental corrigido do impacto dos estabilizadores automáticos é o saldo orçamental
corrigido do ciclo ou estrutural. Uma abordagem para o cálculo do saldo estrutural consiste em
estimar primeiro a sensibilidade orçamental, a qual mede o impacto automático de uma variação de 1
ponto percentual do produto sobre o saldo orçamental. Estudos empíricos realizados por várias
organizações sugerem que as sensibilidades orçamentais na área do euro variam entre 0.3 e 0.7 para
os Estados-membros individuais. Deste modo, na área do euro, um aumento (ou um decréscimo) de 1
ponto percentual do crescimento real do PIB melhora (ou piora), em média, o saldo orçamental em 0.5
pontos percentuais do PIB devido ao funcionamento dos estabilizadores orçamentais automáticos.
Como segundo elemento, torna-se necessária alguma medida da tendência (ou potencial) do produto,
de modo a determinar a posição cíclica da economia. A componente cíclica pode então ser estimada e
subtraída do saldo observado para obter o saldo orçamental estrutural, o qual indica as necessidades
38
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
ou esforços de consolidação de um país. Um défice corrigido do ciclo elevado, por exemplo, sugere
que um país ainda tem que fazer esforços de ajustamento consideráveis antes de atingir uma posição
orçamental segura.
Suponhamos, por exemplo, que um país tem uma sensibilidade orçamental de 0.5, o excedente
aumentou de 1% do PIB no ano passado para 2% no corrente ano e o crescimento observado é de 3%, 1
ponto percentual acima do crescimento potencial. Neste cenário, metade da melhoria orçamental de 1
ponto percentual pode ser atribuída ao efeito dos estabilizadores automáticos (a sensibilidade orçamental
de 0.5 multiplicada por uma diferença de 1 ponto percentual entre crescimento observado e tendencial),
com a outra metade a resultar da consolidação orçamental e das variações nos pagamentos de juros.
Assim, apesar do saldo orçamental observado se situar 1 ponto percentual acima, o saldo orçamental corrigido
do ciclo melhorará apenas 0.5 pontos percentuais, reflectindo os esforços de consolidação activos do país.
Consequentemente, o saldo orçamental corrigido do ciclo constitui uma medida da orientação da política
orçamental. Além do mais, as despesas com juros podem ser subtraídas para obter saldos primários
corrigidos do ciclo. Alguns observadores argumentam ser esta a medida mais adequada para a avaliação
da orientação da política orçamental do governo, na medida em que as despesas com juros são
consequência e não causa das políticas expansionistas orçamentais ou dos esforços de consolidação.
É necessária cautela na interpretação das estimativas
Os valores corrigidos do ciclo constituem indicadores imperfeitos da posição orçamental a médio
prazo e dos esforços e necessidades de consolidação. Primeiro, existem problemas metodológicos na
estimativa das sensibilidades orçamentais e da tendência de crescimento. Segundo, factores
temporários que afectam o orçamento também necessitam de ser considerados na interpretação dos
valores orçamentais corrigidos do ciclo. As variações dos saldos corrigidos do ciclo são mais úteis na
medição dos esforços de consolidação anuais, visto serem menos sensíveis à escolha dos métodos e
menos voláteis ao longo do tempo do que os níveis. O quadro abaixo ilustra este ponto, comparando
os saldos orçamentais corrigidos do ciclo e as respectivas variações em 2001, tal como recentemente
estimado por três organizações internacionais.
Estimativas de saldos orçamentais corrigidos do ciclo da área do euro em 2001
(em pontos percentuais do PIB)
Variações
Níveis
2001
Primavera
2001
Outono
2001
Primavera
2001
Outono
-0.2
-0.1
-0.1
0.0
0.0
0.0
-0.9
-0.7
-0.6
-1.3
-0.9
-0.7
Comissão Europeia
OCDE
FMI
Fontes: Comissão Europeia: European Economy, Supplement A, Março/Abril de 2001 e Outubro/Novembro de 2001; OCDE: Economic
Outlook, Junho de 2001 e Dezembro de 2001; FMI: Word Economic Outlook, Maio de 2001 e Outubro de 2001.
Segundo, essas políticas podem ser menos
flexíveis na reacção às condições económicas
do que os estabilizadores automáticos. Os
estabilizadores automáticos estão directamente
ligados à estrutura da economia e, portanto,
reagem de forma atempada e previsível,
contribuindo para que os agentes económicos
formem expectativas correctas e melhorando a
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
confiança. Também reagem com uma
intensidade que é adaptada à medida do desvio
das condições económicas relativamente ao
esperado aquando da aprovação dos planos
orçamentais. Estas características dos
estabilizadores automáticos são quase
impossíveis de reproduzir com as reacções
discricionárias dos decisores de política. Por
39
exemplo, as alterações fiscais têm normalmente
de ser adoptadas pelo parlamento e a sua
aplicação tipicamente é desfasada face aos
processos de definição do orçamento. Não é
surpreendente, portanto, que as políticas
orçamentais discricionárias visando a gestão da
procura agregada tenham tendido a ser pró-cíclicas no passado. Frequentemente só se
tornavam efectivas quando as condições cíclicas
já se estavam a inverter, possivelmente
exacerbando, deste modo, a instabilidade
macroeconómica.
O âmbito das políticas orçamentais
discricionárias
As políticas discricionárias são necessárias para
aplicar alterações estruturais das finanças
públicas e para lidar com situações
excepcionais, em particular quando a economia
sofre choques extraordinários. Primeiro, as
políticas discricionárias reflectem a variação das
prioridades da despesa pública, o seu nível e
composição, e as taxas e características dos
diferentes impostos. Estas políticas determinam
a estrutura das finanças públicas, as quais, por
seu lado, afectam substancialmente o
funcionamento da economia e, tal como
mencionado, as características dos estabilizadores automáticos de um país.
Segundo, as decisões discricionárias de política
orçamental são necessárias para preservar a
sustentabilidade das finanças públicas a médio
prazo. Esta constituiu a condição prévia para
os estabilizadores automáticos operarem
livremente. Em particular, quando a
sustentabilidade está em dúvida, medidas
expansionistas e mesmo os estabilizadores
automáticos podem não ter o feito desejado
sobre o produto, dado que as pessoas ajustam
o seu comportamento a expectativas de uma
eventual crise orçamental futura. Medidas de
consolidação podem então restabelecer a
confiança e melhorar as expectativas sobre as
perspectivas a longo prazo para as finanças
públicas. Esses efeitos “não-Keynesianos”
deverão reduzir o impacto económico
negativo da consolidação orçamental. Uma
consolidação orçamental activa utilizando
40
políticas discricionárias é, portanto, adequada
quando as posições orçamentais não são
sólidas ou quando existem riscos para a
sustentabilidade orçamental resultantes de
dívida e obrigações orçamentais futuras
elevadas (por exemplo, devido ao envelhecimento da população).
Finalmente, apesar de os estabilizadores
orçamentais automáticos serem eficazes na
atenuação das flutuações cíclicas normais,
existem situações em que as decisões activas
de política podem ser necessárias. Os
estabilizadores automáticos por si só podem
não ser suficientes para estabilizar a economia
quando os desequilíbrios económicos não
provêm de condições cíclicas normais ou são
considerados irreversíveis. Políticas discricionárias
nessas situações podem também ter efeitos
desejáveis do lado da oferta. No entanto, os
benefícios a obter de políticas expansionistas
numa recessão deverão ainda ser avaliados face
aos riscos para a sustentabilidade a longo prazo,
aos efeitos adversos persistentes sobre a estrutura
das finanças públicas, tais como um nível de
impostos permanentemente mais elevado, assim
como aos custos económicos de uma eventual
inversão de política.
Lições do passado
Alguns estudos consideraram que as finanças
públicas nos países da área do euro, de meados da
década de 70 a meados da década de 90, tiveram
um desempenho fraco na estabilização das
respectivas economias. Durante alguns episódios,
as políticas orçamentais exacerbaram as
flutuações económicas em vez de as moderarem.
Frequentemente, tiveram lugar contracções
orçamentais em períodos de fraco crescimento,
tendo as expansões orçamentais ocorrido nos
períodos de expansão económica. Consequentemente, essas políticas orçamentais discricionárias foram frequentemente pró-cíclicas,
sobrepondo-se aos estabilizadores automáticos e
contribuindo, possivelmente, para a instabilidade
económica. Para além da falta de oportunidade, as
correcções da política orçamental evidenciaram
dois tipos de assimetrias, que comprometeram a
sustentabilidade das finanças públicas.
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
Primeiro, as políticas orçamentais tiveram um
comportamento assimétrico na medida em
que os aumentos da despesa em momentos de
afrouxamento orçamental não foram seguidos
de cortes de despesas, mas sim de aumentos
dos impostos em períodos de maior
restritividade orçamental. Tal resultou em
fortes aumentos da carga fiscal e da
percentagem da despesa pública no PIB (ver
Gráfico 2a). Os gastos médios e as taxas dos
impostos subiram gradualmente na área do
euro, na medida em que estão actualmente
muito mais elevados do que na maioria dos
outros países industrializados. Segundo, em
alguns
Estados-membros,
os
saldos
orçamentais não melhoraram tanto durante os
períodos de recuperação como se tinham
deteriorado durante os períodos de
abrandamento, apontando para reacções
assimétricas da política orçamental às
flutuações económicas. Surgiu um significativo
enviesamento do défice, com défices crónicos
a atingir valores máximos acima dos 5% do
PIB, em média, para a área do euro no início da
década de 90 (ver Gráfico 2b).
Estas políticas comprometeram a sustentabilidade e o papel fomentador do crescimento
das finanças públicas. Os défices elevados
crónicos, em conjunto com os efeitos negativos
de uma carga fiscal crescente sobre o
investimento e o crescimento, geraram o muito
rápido e contínuo aumento dos rácios da dívida
pública até 1996. Os rácios de dívida médios
aumentaram fortemente durante os períodos
de abrandamento. Chegaram a subir
moderadamente e a estabilizar ocasionalmente,
sem nunca se inverterem durante os períodos
de forte crescimento (ver Gráfico 2c). Em
vários países, a dívida e os custos com o serviço
da dívida crescentes começaram a levantar
dúvidas acerca da sustentabilidade orçamental e
reduziram a margem de manobra para a
estabilização orçamental automática. Só nos
últimos anos desceram significativamente os
défices e os rácios da dívida pública começaram
a descer, quando as disposições orçamentais do
Tratado de Maastricht e, subsequentemente, do
Pacto de Estabilidade e Crescimento foram
aplicadas.
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
Gráfico 2
Receita e despesa da administração pública,
saldo orçamental e dívida da área do euro
(em percentagem do PIB), 1970-2000
a) Receita e despesa
receita
despesa
55
55
50
50
45
45
40
40
35
35
30
1970
1975
1980
1985
1990
1995
30
2000
b) Saldo orçamental
saldo orçamental
0
0
-1
-1
-2
-2
-3
-3
-4
-4
-5
-5
-6
1970
1975
1980
1985
1990
1995
-6
2000
c) Dívida
dívida
80
80
70
70
60
60
50
50
40
40
30
30
20
1970
1975
1980
1985
1990
1995
20
2000
Fontes: Comissão Europeia (Ameco) e cálculos do BCE.
Nota: Os dados referentes à área do euro excluem o Luxemburgo.
Excluem igualmente as receitas provenientes da venda de licenças
UMTS.
41
3
O Tratado de Maastricht e o Pacto de Estabilidade e Crescimento:
estabilização e sustentabilidade
As implicações adversas de políticas orçamentais
instáveis e insustentáveis fizeram parte das
principais preocupações aquando da concepção
do enquadramento institucional orçamental no
período que antecedeu a União Económica e
Monetária (EMU). Atingir e preservar a
sustentabilidade das finanças públicas tornou-se
o principal objectivo das disposições orçamentais
do Tratado de Maastricht, enquanto a justificação
básica do Pacto de Estabilidade e Crescimento
é restabelecer o papel estabilizador das políticas
orçamentais neste quadro da disciplina
orçamental.
Promover a sustentabilidade orçamental
através da consolidação
Tendo em vista assegurar a disciplina orçamental
e preservar a sustentabilidade das finanças
públicas, o Tratado de Maastricht e o Pacto de
Estabilidade e Crescimento estabelecem normas
para a formulação prudente da política orçamental.
O Tratado estipula que os países deverão evitar
défices excessivos (Artigo 104.º). Os países com
um nível de défice acima dos 3% do PIB ou um
rácio de dívida em relação ao PIB acima de 60%
para as administrações públicas estão numa
posição de “défice excessivo”, excepto se forem
aplicáveis condições específicas.de 60% para as
administrações públicas estão numa posição de
“défice excessivo”, excepto se forem aplicáveis
condições específicas.
Ao abrigo do Pacto de Estabilidade e
Crescimento, que aperfeiçoa as disposições
orçamentais do Tratado de Maastricht, os países
comprometem-se a respeitar o objectivo
orçamental a médio prazo de uma posição
próximo do equilíbrio ou excedentária das
administrações públicas. Uma aplicação consistente
deste princípio implica contas orçamentais
equilibradas, em média, ao longo do ciclo
económico. Ao mesmo tempo, os rácios da
dívida pública descerão em média ao longo do
ciclo, embora o ritmo da redução possa variar
de um ano para o outro.
42
Salvaguardar o papel estabilizador das
finanças públicas
O Pacto de Estabilidade e Crescimento contém
dois instrumentos que garantem a flexibilidade
necessária para o desempenho do papel estabilizador
das finanças públicas, ao mesmo tempo que
preservam a disciplina orçamental. Primeiro,
através da manutenção da posição orçamental
próximo do equilíbrio ou excedentária a médio
prazo, os países podem deixar os saldos
orçamentais melhorar e piorar em linha com a
posição cíclica da economia. Esta “respiração
dos saldos orçamentais com o ciclo” contribui
para a estabilização da economia sem
desrespeitar o limite do défice de 3% em
condições cíclicas normais.
Segundo, o Pacto contém uma “cláusula de
escape”, a qual evita uma reacção de política
inadequada em resultado de uma aderência
excessivamente rígida ao limite de 3% em caso
de recessão severa. Défices acima de 3% do PIB
serão considerados excessivos, salvo se se
esperar que sejam temporários ou tenham
ocorrido em circunstâncias excepcionais.
De qualquer forma, o défice deverá
manter-se próximo do valor de referência.
As circunstâncias são classificadas como
temporárias e excepcionais se o excesso do défice
se dever a um acontecimento imprevisto fora do
controlo do Estado-membro ou uma recessão
severa. Um défice acima de 3% resultante de
uma recessão económica severa apenas será,
em regra, considerado excepcional pela
Comissão aquando da preparação do
respectivo relatório para o Conselho se se
registar uma queda anual do PIB real de pelo
menos 2%. O Conselho decidirá sobre a
existência de um défice excessivo. Uma descida
inferior do PIB real só pode ser considerada
excepcional pelo Conselho, por iniciativa do
Estado-membro em causa, quando tal
for sugerido por provas documentadas, em
particular no que respeita à brusquidão da
recessão ou à perda acumulada do produto em
relação à tendência passada. Para avaliar se uma
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
recessão é severa ou não, os Estados-membros
deverão, em regra, tomar como ponto de
referência uma queda anual do PIB real de
pelo menos 0.75%.
Assegurar a aplicação
Um mecanismo elaborado de supervisão
assegura a aplicação e a conformidade com o
enquadramento orçamental da UE através de
três princípios: transparência, pressão dos pares
e possibilidade de sanções. Nas actualizações
regulares dos programas de estabilidade, os
países da área do euro apresentam os
respectivos objectivos a curto e médio prazo
para o saldo orçamental e dívida pública, como
rácio nominal em relação ao PIB, em conjunto
com os pressupostos económicos subjacentes e
as medidas de política para atingir esses
objectivos, além de uma análise do modo como
as variações dos pressupostos económicos
principais afectarão as posições da dívida e
orçamental. Além disso, os países têm que
4
enviar um relatório dos respectivos resultados
e projecções orçamentais para a Comissão
Europeia duas vezes por ano, o que melhora a
transparência da evolução orçamental.
A transparência facilita a pressão dos pares,
exercida na revisão anual dos programas de
estabilidade e em vários outros fóruns da UE.
Se as finanças públicas num país da área do
euro se desviarem dos critérios estabelecidos
no Tratado de Maastricht e no Pacto de
Estabilidade e Crescimento, poderão ser
tomadas uma série de medidas processuais
para promover o cumprimento. Estas culminam
num procedimento relativo aos défices
excessivos, o qual pode resultar em sanções
contra o país da área do euro se não for
tomada nenhuma medida de correcção. As
sanções pecuniárias não podem ser impostas
aos Estados-membros da UE que não
participam na UEM (para uma discussão mais
pormenorizada, ver o artigo sobre a aplicação
do Pacto de Estabilidade e Crescimento na
edição de Maio de 1999 do Boletim Mensal).
Estabilizadores automáticos – guia prático para uma estratégia
orçamental adequada
Uma estratégia bipartida: a estabilização
orçamental é compatível com finanças
públicas sustentáveis
A análise atrás apresentada sobre a actuação
dos estabilizadores automáticos e o Pacto de
Estabilidade e Crescimento sugere a existência
de uma estratégia bipartida: promover a
sustentabilidade das finanças públicas, por um
lado, e assegurar o papel estabilizador das
finanças públicas, por outro. Para conseguir o
primeiro objectivo, a sustentabilidade, os
governos têm que alcançar e manter uma
posição orçamental sólida, próximo do
equilíbrio ou excedentária a médio prazo. Uma
posição orçamental deste tipo torna possível a
redução do rácio da dívida, o que, no entanto,
nem sempre é suficiente para que a dívida
diminua a um ritmo satisfatório. Nesse caso, é
necessário um esforço adicional para além de
um orçamento equilibrado. Esse esforço é
particularmente importante no caso dos países
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
cuja dívida pública excede o valor de referência
de 60%.
Se os países apresentarem posições
orçamentais próximo do equilíbrio ou
excedentárias podem igualmente alcançar o
objectivo de estabilização deixando os
estabilizadores
automáticos
actuarem
livremente. Deste modo, é possível estabilizar o
produto sem correr o risco de exceder o
limite de 3% estabelecido para o défice em
condições cíclicas normais. Contudo, os países
cujos orçamentos são extremamente sensíveis
a flutuações cíclicas precisam de alcançar
posições orçamentais a médio prazo mais
ambiciosas do que os países que registam
apenas pequenas flutuações cíclicas nos
respectivos orçamentos. Se os primeiros não
conseguirem adoptar uma posição adequada
podem correr um risco maior de exceder o
valor de referência de 3%.
43
Normalmente, não há necessidade de tomar
medidas orçamentais discricionárias adicionais
para fins de estabilidade. Em circunstâncias
específicas podem ser necessárias medidas
discricionárias, quando os países são atingidos
por recessões graves ou quando é necessário
efectuar mudanças estruturais nas finanças
públicas. Contudo, estas medidas devem ter
objectivos claros e tratar de forma eficiente as
causas subjacentes.
Estratégias de consolidação são
totalmente compatíveis com a
estabilização automática
A estratégia orçamental destinada a alcançar
uma posição orçamental sólida e permitir a
actuação dos estabilizadores automáticos pode
também ser aplicada a países que registam
desequilíbrios significativos. Esses países devem
fixar objectivos a médio prazo para o défice e
para a dívida baseados numa estratégia de
consolidação ambiciosa e credível. Os seus
objectivos anuais e a execução da política
orçamental durante o período de consolidação
podem então reflectir as condições cíclicas
através da actuação de estabilizadores
automáticos. Numa estratégia desse tipo, a
sustentabilidade e a estabilização são, em geral,
totalmente compatíveis com os objectivos que
podem ser prosseguidos tanto nas épocas
favoráveis como nas desfavoráveis.
A estratégia depende essencialmente do facto
de ser alcançada uma velocidade de
convergência adequada para os objectivos
orçamentais desejados a médio prazo. Neste
ponto particular é necessário alcançar um
equilíbrio. Por um lado, se o ajustamento é
demasiado lento, a confiança em se alcançar
uma trajectória sustentável pode ficar
comprometida e a margem de actuação dos
estabilizadores
automáticos
pode
ser
demasiado restrita para evitar um défice
excessivo. Por outro lado, a consolidação
consiste, por definição, em medidas
discricionárias e atenua a procura, o que
significa que uma consolidação demasiado
rápida, com uma redução excessiva da despesa
a curto prazo, pode dar aso a uma inversão da
44
política prosseguida, se os custos políticos da
consolidação se tornarem demasiado elevados.
Se for conseguido um bom equilíbrio em
termos de oportunidade e se a estratégia for
bem concebida e credível, os efeitos positivos
sobre a confiança podem contrabalançar ou até
exceder os efeitos directos sobre a procura.
De acordo com o Pacto de Estabilidade e
Crescimento, os Estados-membros têm que
fixar objectivos para o défice e a dívida em
termos nominais (em percentagem do PIB). A
estratégia de consolidação em conjunto com a
estabilização automática reflectem-se no saldo
orçamental total, como ilustrado no Gráfico 3.
Neste é apresentada uma variação do cenário
ilustrado no Gráfico 1, no qual se mostra a
situação quando já foi alcançada uma posição
próximo do equilíbrio.
A linha inferior a cheio do gráfico reflecte uma
trajectória de consolidação possível para um
país que ainda não tenha atingido uma posição
orçamental sólida, levando a um orçamento
corrigido do ciclo equilibrado a médio prazo. A
linha fina reflecte um exemplo possível de
objectivos estabelecidos anualmente para o
orçamento em termos nominais. À semelhança
do Gráfico 1, este gráfico toma igualmente em
consideração a estabilização automática em
linha com as condições cíclicas.A chaveta indica
o esforço de consolidação necessário, enquanto
a área a cinzento mostra o efeito da evolução
cíclica esperada sobre a posição orçamental
observada. Este exemplo ilustra uma trajectória
de consolidação linear, mas também é possível
argumentar a favor de um ajustamento mais
ambicioso, quanto mais próximo de 3% se
encontrar o rácio do défice nominal. Além
disso, este exemplo mostra que o ajustamento
nominal anual é menor nos períodos de
crescimento reduzido (neste caso, no início do
período de ajustamento) e maior quando o
crescimento se encontra próximo ou é
superior à tendência. Na verdade, os
estabilizadores automáticos podem contrariar
totalmente os esforços de consolidação se o
crescimento é muito baixo. Este caso é
apresentado no Gráfico 3, onde o saldo nominal
inicialmente não varia ainda que a trajectória
subjacente de ajustamento seja adequada.
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
Gráfico 3
A actuação dos estabilizadores automáticos ao longo do ciclo em conjugação com uma
estratégia de consolidação a médio prazo
rácio do saldo/taxa de crescimento
4
4
crescimento tendencial
3
3
crescimento observado
2
2
1
1
0
0
esforço de
consolidação
-1
saldo orçamental
-1
trajectória de consolidação
-2
-2
estabilização automática
-3
-3
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
tempo
A estratégia de convergência suave para uma
posição a médio prazo pode utilmente ser
aplicada de forma simétrica nos casos em que
os países têm margem para tornar menos
restritiva a respectiva política orçamental. Essa
margem de manobra deverá ser utilizada de
forma a não dar origem a sobreaquecimento
económico e a grandes impulsos expansionistas
pró-cíclicos. Uma forte expansão orçamental é
especialmente desadequada nas épocas
favoráveis, da mesma forma que uma
contracção orçamental muito significativa,
normalmente, não
é
adequada
aos
abrandamentos económicos.
A estabilização automática pode dar
origem a resultados que se afastam dos
objectivos
objectivos originais reflectem uma posição
orçamental sólida ou uma trajectória de
consolidação credível não há razão para
contrariar os desvios face aos objectivos que
resultam dos estabilizadores automáticos. Na
verdade, os países que têm margem para
políticas expansionistas podem até falhar os
seus objectivos em valores superiores aos
justificados pela estabilização automática, desde
que tal não dê origem a um impulso
expansionista desadequado a uma economia já
forte e não voltem a ser registados
desequilíbrios. Contudo, os países que ainda
apresentam desequilíbrios e que têm estratégias
a médio prazo credíveis devem evitar
derrapagens para além das resultantes da
estabilização automática, uma vez que tal adiaria
uma posição orçamental sólida, aumentando o
risco de se incorrer num défice excessivo.
É importante não só avaliar a adequação dos
objectivos orçamentais (ex ante), como também
explicar os seus resultados (ex post). Esta
avaliação é particularmente importante nas
situações em que os pressupostos acerca da
evolução económica não se concretizaram e o
crescimento acaba por ser significativamente
menor ou maior do que era esperado. Se os
A situação mais difícil acontece quando os
objectivos originais não são suficientemente
ambiciosos e mesmo assim não são atingidos.
Nesses casos, os estabilizadores automáticos
podem ter de actuar de forma incompleta nos
anos orçamentais em que existe um desvio
significativo face à trajectória de consolidação e,
certamente, quando existe risco de um défice
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
45
excessivo. Neste cenário, as derrapagens
orçamentais para além da estabilização
automática devem ser firmemente rejeitadas.
Os governos podem, de facto, querer fazer
esforços adicionais para limitar os desvios
relativamente aos objectivos originais
resultantes da actuação dos estabilizadores
automáticos se desta forma forem retirados
grandes benefícios do reforço da credibilidade
dos compromissos de consolidação.
alcançar e manter uma posição próximo do
equilíbrio ou excedentária. Assim, quaisquer
alterações cíclicas nos objectivos do saldo
orçamental deverão antes reflectir a flutuação
da receita com o ciclo.
A consolidação deverá concentrar-se na
contenção da despesa
Existem vários desafios práticos quando se
tenta aplicar a estratégia de consolidação
orçamental e a estabilização automática
descritas atrás. O Tratado de Maastricht e o
Pacto de Estabilidade e Crescimento definem
os objectivos para o défice e a dívida como
rácios nominais em relação ao PIB não
corrigidos e, de acordo com a linha de
orientação a médio prazo do Pacto, os
resultados são avaliados tomando em
consideração as circunstâncias cíclicas.
A estratégia orçamental tem que se traduzir
nos valores da receita e da despesa. É de
distinguir, mais uma vez, consolidação e
estabilização. Conforme referido atrás, as
medidas discricionárias são necessárias para
alcançar a consolidação. Existem muitas provas
empíricas de que a contenção da despesa é
mais adequada a este objectivo do que
aumentos dos impostos. A consolidação
conseguida pelo lado da despesa, especialmente
a que se centra nas transferências e nos
pagamentos de salários, tende a ser mais
persistente e bem sucedida na redução dos
níveis da dívida do que a consolidação
conseguida pelo lado da receita. O factor
credibilidade e a perspectiva de impostos mais
baixos no futuro induzidos pela contenção da
despesa tendem igualmente a ter efeitos mais
positivos no investimento e no consumo
privado. A consolidação através da contenção
da despesa pode também ajudar os governos a
introduzir reformas estruturais na despesa.
Apenas com a contenção da despesa é possível
alcançar quer a consolidação quer novos
cortes nos impostos e inverter a tendência
expansionista dos sectores públicos.
A actuação de estabilizadores automáticos
deverá ser reflectida de forma adequada na
evolução da receita e da despesa. Como os
compromissos de despesa, em geral, se mantêm
inalterados durante o ciclo económico, excepto
no que respeita aos subsídios de desemprego, a
despesa nominal total poderá manter-se
inalterada, desde que a sua trajectória a médio
prazo seja compatível com o objectivo de
46
Aplicação e acompanhamento da
estratégia orçamental exige factores
estatísticos e institucionais subjacentes
sólidos
Para avaliar se os rácios do défice nominal se
encontram próximo do equilíbrio ou são
excedentários, é necessário tomar em
consideração vários factores. Em particular, é
necessário determinar se a posição orçamental
é sólida quando excluídos os factores cíclicos.
O saldo orçamental corrigido do ciclo pode
servir de aferidor, ainda que imperfeito. A
Caixa 2 ilustra a forma como o BCE
acompanha e analisa a evolução orçamental
com o auxílio de indicadores orçamentais,
incluindo o saldo corrigido do ciclo e os saldos
primários.
O simples cálculo do ajustamento cíclico não é
suficiente. É necessário também examinar se os
saldos orçamentais são suficientemente
robustos para suportar mudanças inesperadas
no produto ou nas taxas de juro sem exceder
ou atingir um valor próximo de 3% do PIB. Uma
análise deste tipo pode ser efectuada através
do denominado “teste sob pressão” das contas
públicas, através da aplicação de diferentes
cenários para o crescimento e taxas de juro.
Por último, existem outros indicadores úteis
para captar outros aspectos da sustentabilidade
não reflectidos no saldo corrigido do ciclo ou
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
Caixa 2
Acompanhamento dos saldos orçamentais
Na análise da evolução orçamental, é utilizado regularmente o tipo de gráfico a seguir apresentado para
ilustrar a orientação orçamental e as alterações na composição do orçamento subjacentes à evolução actual.
Esta análise é efectuada, nomeadamente, na secção intitulada “Evolução orçamental” das edições trimestrais
do Boletim Mensal.
Gráfico A: Variações anuais da posição
orçamental média na área do euro e
factores subjacentes
Gráfico B: Variações anuais da posição
orçamental média na área do euro –
contributos da receita, despesa primária e
despesas com juros
(em pontos percentuais do PIB)
(em pontos percentuais do PIB)
1.5
excedente (+) ou défice (-) primário
corrigido do ciclo
componente cíclica do excedente (+) ou
défice (-)
despesas com juros
excedente (+) ou défice (-)
diferença entre o crescimento observado e
tendencial do PIB real
despesas com juros
despesa primária
receita total
excedente (+) ou défice (-)
1.5
1.5
1.5
1.0
1.0
1.0
1.0
0.5
0.5
0.5
0.5
0.0
0.0
0.0
0.0
-0.5
-0.5
-0.5
-0.5
-1.0
-1.0
-1.0
1999
2000
2001
2002
2003
1999
2000
2001
2002
2003
-1.0
Fontes: Comissão Europeia, Outono de 2001 e cálculos do BCE.
Nota: Os valores positivos indicam um contributo para uma redução dos défices, enquanto os valores negativos indicam um contributo para
o respectivo aumento. Os dados excluem as receitas provenientes da venda de licenças UMTS.
O gráfico da esquerda apresenta uma desagregação da evolução do saldo orçamental total de modo a destacar
as variações na componente não cíclica do orçamento, dando uma aproximação dos esforços de consolidação
dos governos. Esses esforços são apresentados como apareceriam sem o impacto das flutuações cíclicas,
através dos estabilizadores automáticos e do contributo da despesa com juros. As barras neste gráfico
mostram, assim, em que medida as variações no saldo primário corrigido do ciclo, a componente cíclica e a
despesa com juros afectam o saldo total em percentagem do PIB. Valores positivos (implicados, por exemplo,
pela redução da despesa com juros) indicam uma contribuição para a descida do défice. As linhas mostram a
variação do saldo orçamental total (que também é igual à soma das barras) e a diferença entre o crescimento
observado e a tendência (subjacente ao cálculo da componente cíclica).
Por exemplo, este gráfico, baseado nas estimativas e nas previsões da Comissão Europeia, mostra uma
deterioração do saldo orçamental médio na área do euro em 2001, o qual, segundo as projecções, deverá
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
47
continuar a diminuir em 2002. A deterioração está largamente relacionada com o abrandamento económico e
com a actuação dos estabilizadores automáticos. A política orçamental contribuiu moderadamente para a
deterioração em 2001 (através de um relaxamento), mas, em geral, deverá manter-se neutra em 2002, como
indicado pelas variações do saldo orçamental primário corrigido do ciclo. A despesa com juros contribui de
forma positiva para o saldo orçamental em ambos os anos.
Além disso, tem interesse analisar a composição dos fluxos subjacentes às variações do saldo orçamental, uma
vez que esta afecta a carga fiscal total e a qualidade das finanças públicas. Desta forma, o gráfico da direita
apresenta a contribuição da receita e da despesa primária e com juros (representadas nas barras) para a
evolução do saldo orçamental total. O gráfico mostra que a deterioração em 2001 e 2002 tem diferentes
origens. Enquanto as reduções da receita (em relação ao PIB) contribuíram para a deterioração do saldo em
2001, no corrente ano essa deterioração tem origem nos aumentos da despesa primária (em relação ao PIB).
no teste sob pressão. Em particular, estes
cálculos não tomam em consideração as
necessidades de consolidação adicionais
resultantes de uma dívida pública muito elevada
ou de responsabilidades futuras ainda não
visíveis nos valores apresentados no
orçamento. O crescimento da despesa
resultante do envelhecimento da população nas
áreas das pensões, saúde e cuidados a longo
prazo, por exemplo, deverá exercer uma
pressão muito significativa nas finanças públicas
a longo prazo. Assim, os valores referentes à
dívida e às responsabilidades futuras devem
igualmente ser acompanhados cuidadosamente,
de modo a identificar a necessidade de novas
reformas bem como os impasses na
sustentabilidade.
Para que a aplicação e o acompanhamento da
estratégia sejam eficazes é também necessário
que a base estatística e institucional seja sólida.
Primeiro, é essencial assegurar o cumprimento
rigoroso dos requisitos estabelecidos no Pacto
de Estabilidade e Crescimento. Estes incluem a
disponibilização atempada de programas de
estabilidade e dados orçamentais de grande
qualidade. Só então é que as instituições da UE
e os governos poderão aplicar e acompanhar as
regras do Pacto e exercer pressão, na sua
qualidade de pares, sobre os países que não (ou
ainda não) cumprem integralmente as suas
obrigações. O Sistema Europeu de Contas
48
Nacionais e Regionais (SEC 95) estabelece um
quadro conceptual e prático para as contas
económicas e financeiras, incluindo o
tratamento estatístico das transacções
governamentais. Em alguns casos, o tratamento
de determinadas transacções dentro do quadro
deve ser cuidadosamente avaliado. Os Estados-membros não devem correr o risco de pôr em
perigo a credibilidade do Pacto de Estabilidade
e Crescimento efectuando transacções
governamentais de modo a explorar a
flexibilidade do quadro contabilístico, com vista
a obter vantagens em termos da sua
apresentação.
Em segundo lugar, os países podem melhorar
mais as suas hipóteses de alcançar uma posição
orçamental sólida criando instituições
orçamentais nacionais adequadas. Em particular,
as experiências do passado relativas às
derrapagens da despesa que conduzem a défices
e à manutenção de impostos mais elevados do
que seria necessário sugerem a importância de
introduzir e reforçar os mecanismos de
controlo da despesa em muitos países. Existe
evidência considerável de que processos
orçamentais adequados e restrições orçamentais legais favorecem a disciplina orçamental.
A contenção da despesa a vários níveis do
governo pode também ser reforçada, por
exemplo, através da criação de pactos internos
de estabilidade.
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
5
Conclusão
O presente artigo argumenta que a
estabilização orçamental automática e a
sustentabilidade são objectivos totalmente
compatíveis. Na realidade, são aspectos
complementares da estratégia de política
orçamental destinada a manter uma posição
orçamental a médio prazo próximo do
equilíbrio
ou
excedentária. Primeiro,
alcançando ou mantendo posições orçamentais
a médio prazo próximo do equilíbrio ou
excedentárias – como é exigido no Pacto de
Estabilidade e Crescimento e nos valores de
referência para o défice e a dívida – é possível
assegurar a sustentabilidade através de contas
públicas globalmente equilibradas e rácios da
dívida em redução. Segundo, tanto as posições
orçamentais sólidas como uma estratégia de
consolidação suficientemente ambiciosa são
totalmente compatíveis com a actuação dos
estabilizadores automáticos. Desta forma, é
possível assegurar o papel estabilizador das
finanças públicas e minimizar a probabilidade de
ocorrência de défices excessivos.
O impacto esperado dos estabilizadores
automáticos
pode
ser
tomado
em
consideração na formulação dos objectivos
para o orçamento anual, sempre que é
alcançada uma posição orçamental sólida ou
quando é definida uma trajectória de
consolidação ambiciosa, uma vez que estes não
afectam a posição orçamental subjacente. Os
estabilizadores automáticos orçamentais
podem também ter como resultado desvios
inesperados entre os objectivos orçamentais e
os resultados.
Os estabilizadores automáticos são a forma
adequada de estabilizar o produto, uma vez que
têm efeitos previsíveis, atempados e simétricos.
BCE • Boletim Mensal • Abril 2002
Não obstante, também existem desvantagens e
limites à estabilização automática. Estabilizadores consideráveis, reflectindo sectores
públicos grandes, podem comprometer a
eficiência, devido à elevada distorção associada
às taxas de imposto, e podem retardar o
ajustamento a uma conjuntura económica em
mudança. Nos países em que as políticas
orçamentais são desadequadas ou a
sustentabilidade está em dúvida, efeitos não-Keynesianos podem contrariar o impacto da
estabilização.
Políticas orçamentais discricionárias são
frequentemente instrumentos desadequados
de gestão da procura, excepto em
circunstâncias extraordinárias, uma vez que
sofrem de desfasamentos na aplicação, sendo
difíceis de inverter. Contudo, a consolidação ou
a reforma orçamental estrutural, por definição,
exige escolhas de políticas discricionárias.
A aplicação de estratégia de consolidação e
estabilização automática coloca desafios
adicionais. A transparência, a pressão por parte
dos pares e a aplicação integral do quadro
institucional não devem ser considerados
dados adquiridos. É essencial a existência de
informação estatística adequada e dados de
elevada qualidade sobre os objectivos
orçamentais, para diferentes horizontes
temporais, para o cuidadoso acompanhamento
e avaliação das estratégias orçamentais. Além
disso, o cumprimento rigoroso dos
regulamentos contidos no Pacto de
Estabilidade e Crescimento e o reforço de
instituições orçamentais complementares
parecem essenciais para assegurar a
sustentabilidade e o papel estabilizador das
finanças públicas a longo prazo.
49
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