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Eça de Queirós: Um crítico da sociedade.
“Enganados
pela
ciência,
embrulhados nas subtilezas balofas da
economia política, maravilhados como
crianças pelas habilidades da mecânica,
durante
setenta
anos
construímos
freneticamente vapores, caminhos de ferro,
máquinas, fábricas, telégrafos, uma imensa
ferramentagem, imaginando que por ela
realizaríamos a felicidade definitiva dos
homens e mal antevendo que aos nossos
pés e por motivo mesmo dessa nova
civilização utilitária se estava criando uma
massa imensa de miséria humana, e que,
com cada pedaço de ferro que fundíamos e
capitalizávamos, íamos criar mais um
pobre!”
Gazeta de notícias do Rio de Janeiro
23 / abril / 1885
As fases de Eça.
• Romantismo:
Prosas bárbaras (1905)
• Realismo – Naturalista:
O crime do padre Amaro (1875)
O primo Basílio (1878)
Os Maias (1888)
• Realismo – Fantasista:
A relíquia (1887)
A ilustre casa de Ramires (1900)
A cidade e as serras (1901)
Bola no vermelho de Moulin (1889-90). Henri de Toulouse-Lautrec
A obra:
•Ano de publicação 1901 (ano seguinte à morte do autor)
•Desenvolvido a partir do conto Civilização (1892).
•Ironia sobre os males da civilização (crítica ao Positivismo)
•Relação entre as elites e as classes subalternas: Jacinto ao voltar
para o campo melhora as condições de vida de quem lá vive
•Crítica ao progresso urbano e industrial em detrimento da tradição
Elogio da Natureza = agigantamento do espírito lusitano.
•Tese: Hipervalorização da civilização
•Antítese: Hipervalorização da natureza
•Síntese: Equilíbrio
•Romance de espaço: Amplidão da quinta de Tormes x estreiteza do
universo tecnológico do 202 .
Primeira parte – Paris
“A cidade”
Segunda parte – Tormes
“As serras”
Do capítulo 01 até metade
do capítulo 08
Da metade do capítulo 08 até o
final da obra.
Exaltação da cidade e
posterior tédio de Jacinto
Exaltação do Campo (Jacinto se
encontra com suas origens, mas
adota melhorias da cidade)
Poder de ironia e talento caricatural
Carga de lirismo com descrições
impressionistas
Foco narrativo:
• Primeira pessoa – não confiável
(inviabiliza a classificação do livro como um
romance de tese)
• Narrador-testemunha
• Parcialidade – ligação com a terra
• Reforço da perspectiva
impressionista
• Personagem mais exposto de toda
a obra
Jacinto e suas origens rurais:
Jacinto Galeão
Dona Angelina
Cintinho
JOSÉ FERNANDES
NARRADOR – TESTEMUNHA
Teresinha Velho
JACINTO
PRÍNCIPE DA GRÃ VENTURA
PROTAGONISTA
SUMA CIÊNCIA
SUMA POTÊNCIA
SUMA FELICIDADE
Personagens:
JACINTO
• Protagonista – representa a elite
portuguesa
ultracivilizada
que
se
desenraizou do solo e da cultura
lusitana.
• Trajetória sintetizada:
[negação do campo / negação da cidade
/ síntese dialética]
• Referência ao mito grego de Jacinto,
transformado em flor por Apolo.
“ O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda
em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival.
No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando
pôr e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos
desta velha família agrícola que já entulhava o grão e plantava cepa em tempos
de el-rei d.Dinis. A sua Quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo douro,
cobriam uma serra. Entre o Tua e o Tinhela, pôr cinco fartas léguas, todo o torrão
lhe pagava foro. E cerrados pinheirais seus negrejavam desde Arga até ao mar de
âncora. Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em
Paris, nos Campos Elísios, nº.202. “ (Capítulo 1)
“ Este delicioso Jacinto fizera então vinte e três anos, e era um soberbo moço em
quem reaparecera a força dos velhos Jacintos rurais. Só pelo nariz, afilado, como
narinas quase transparentes, duma mobilidade inquieta, como se andasse
fariscando perfumes, pertencia às delicadezas do século XIX. O cabelo ainda se
conservava, ao modo das eras rudes, crespo e quase lanígero; e o bigode, como
o dum Celta, caía em fios sedosos, que ele necessitava aparar e frisar.
“ Reparei então que o meu amigo emagrecera: e que o nariz se lhe afilara mais
entre duas rugas muito fundas, como as dum comediante cansado. Os anéis do
seu cabelo lanígero rareavam sobre a testa, que perdera a antiga serenidade de
mármore bem polido. Não frisava agora o bigode, murcho, caído em fios
pensativos. Também notei que corcovava. “
ZÉ
FERNANDES
• Representa o fidalgo culto, viajado e perfeitamente
identificado com suas raízes rurais lusitanas.
• Espírito prático e benigno.
• Temperamento afetuoso e compreensivo
• Personificação da amizade
• Caráter energético, marcado pela ironia, malicia e
até cinismo.
• Forma um par com o protagonista
• Duplo de Jacinto – podem ser considerados uma
versão modernizada de D.Quixote e Sancho
Pança
“Jacinto e eu, José Fernandes, ambos nos encontramos e acamaradamos
em Paris, nas Escolas do Bairro Latino – para onde me mandara meu bom
tio Afonso Fernandes Lorena de Noronha e Sande, quando aqueles
malvados me riscaram da Universidade pôr eu ter esborrachado, numa tarde
de procissão, na Sofia, a cara sórdida do dr. Pais Pita. “
“ O tempo aqui está lindo, o que se pode chamar de rosas, e tua santa tia
muito se recomenda, que anda lá pela cozinha, porque vai hoje em trinta e
seis anos que casamos, temos cá o abade e o Quintais a jantar, e ela quis
fazer uma sopa dourada”. Deitando uma acha ao lume, pensei como devia
estar boa a sopa dourada da tia Vicência. Há quantos anos não a provava,
nem o leitão assado, nem o arroz de forno da nossa casa! Com o tempo
assim tão lindo, já as mimosas do nosso pátio vergariam sob os seus
grandes cachos amarelos. Um pedaço de céu azul, do azul de Guiães, que
outro não há tão lustroso e macio, entrou pelo quarto, alumiou, sobre a puída
tristeza do tapete, relvas, ribeirinhos, malmequeres
e flores de trevo de que meus olhos andavam aguados. E, pôr entre as
bambinelas de sarja, passou um ar fino e forte e cheiroso de serra e de
pinheiral.
Amei aquela criatura. Amei aquela criatura com Amor, com todos os Amores que estão
no Amor, o Amor divino, o Amor humano, o Amor bestial, como Santo Antonino amava a
Virgem, como Romeu amava Julieta, como um bode ama uma cabra. Era estúpida, era
triste. Eu deliciosamente apagava a minha alegria na cinza da sua tristeza;
e com inefável gosto afundava a minha razão na densidade da sua estupidez. Durante
sete furiosas semanas perdi a consciência da minha personalidade de Zé Fernandes –
Fernandes de Noronha e Sande, de Guiães! Ora se me afigurava ser um pedaço de
cera que se derretia, com horrenda delícia, num forno rubro e rugidor; ora me parecia
ser uma faminta fogueira onde flamejava, estalava e se consumia um molho de galhos
secos. Desses dias de sublime sordidez só conservo a impressão duma alcova forrada
de cretones sujos, duma bata de lã cor de lilás com sotaches negros, de vagas garrafas
de cerveja no mármore dum lavatório, e dum corpo tisnado que rangia e tinha cabelos
no peito. E também me resta a sensação de incessantemente e com arroubado deleite
me despojar, arremessar para um regaço, que se cavava entre um ventre sumido e uns
joelhos agudos, o meu relógio, os meus berloques, os meus anéis, os meus botões de
safira, e as cento e noventa e sete libras de ouro que eu trouxera de Guiães numa cinta
de camurça.
Do sólido, decoroso, bem fornecido Zé Fernandes, só restava uma carcaça errando
através dum sonho, com gâmbias moles e a barba a escorrer.
Aqui tens tu, Zé Fernandes (começou Jacinto, encostado à janela do mirante),
a teoria que me governa, bem comprovada. Com estes olhos que recebemos da Madre
natureza, lestos e sãos, nós podemos apenas distinguir além, através da Avenida,
naquela loja, uma vidraça alumiada. Mais nada! Se eu porém aos meus olhos juntar os
dois vidros simples dum binóculo de corridas, percebo, pôr trás da vidraça, presuntos,
queijos, boiões de geléia e caixas de ameixa seca. Concluo portanto que é uma
mercearia. Obtive uma noção: tenho sobre ti, que com os olhos desarmados vês só o
luzir da vidraça, uma vantagem positiva. Se agora, em vez destes vidros simples, eu
usasse os do meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no
planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia
dum astro que circula a milhares de léguas dos Campos Elísios. É outra noção, e
tremenda! Tens aqui pois o olho primitivo, o da Natureza, elevado pela Civilização à sua
máxima potência de visão. E desde já, pelo lado do olho portanto, eu, civilizado, sou
mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do Universo que ele não
suspeita e de que está privado. Aplica esta prova a todos os órgãos e compreenderás o
meu princípio. Enquanto à inteligência, e à felicidade que dela se tira pela incansável
acumulação das noções, só te peço que compares Renan e o Grilo... Claro é portanto
que nos devemos cercar da Civilização na máximas proporções para gozar nas
máximas proporções a vantagem de viver. Agora concordas, Zé Fernandes?
- Não me parecia irrecusavelmente certo que Renan fosse mais feliz que o Grilo; nem
eu percebia que vantagem espiritual ou temporal se colha em distinguir através do
espaço manchas num astro, ou através da Avenida dos Campos Elísios presuntos
numa vidraça.
Tempo:
Cinco blocos de tempo bem definidos
• (1820 – 1854) - O avô de Jacinto
escorrega em uma casca de
laranja e o protagonista nasce.
• (anos
1870)
–
juventude
entusiasta do protagonista.
• (fev 1887 – fev 1888) – cotidiano
sufocante de Jacinto em Paris.
• (abr 1888 – mai 1889) –
reconquista da alegria de viver
no campo.
• (1894 ... ) – felicidade familiar
de Jacinto com sua mulher e
filhos.
Espaço:
BLOCO I
(DOS CAPÍTULOS I AO VII)
CIDADE
• Mundo da cultura e
civilização
• Espaço do
progresso científico
e tecnológico
• Responsável pela
humanização do
homem
CAMPO
• Domínio da natureza
e da selvageria
• Degradação do
homem
• Redução da condição
humana à
bestialidade.
Espaço:
BLOCO II
(DOS CAPÍTULOS IX AO XVI)
CIDADE
• Espaço de
aviltamento do
homem
• Progresso visto
como ilusão
• Luxo da minoria
decorrente da
condição miserável
da maioria
CAMPO
• Natureza vista como
espaço de libertação
da inteligência
• Idealização da vida
rural
• Vida campestre como
fonte de paz e
felicidade
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A Cidade e as Serras - Profasoninha