A Utilização de Filmes no Ensino de Administração Autoria: Andréa Rodrigues Barbosa, Luiza Reis Teixeira Resumo A presente oficina tem por objetivo apresentar alguns passos que podem ser seguidos durante o uso de filmes no processo ensino-aprendizagem em sala de aula, sem perder a essência da razão de ser desta atividade - promover através da emoção estímulos que levem a reflexão e interação do grupo, após durante e após a sua exposição. Durante a apresentação deste trabalho serão discutidos os porquês da utilização deste recurso, com base nos escritos de Duarte (2002), Aguilar Idanez (2004), Davel et al (2004) e Napolitano (2006). No decorrer desta oficina também serão apresentados: os diferentes momentos que devem ocorrer no emprego deste recurso em sala de aula, tendo a exposição como estratégia metodológica; alguns exemplos práticos de aplicação das quatro fases descritas no momento anterior, enfocando o filme como objeto de análise e debate; e um trabalho em equipe, levando os participantes da oficina a demonstrarem como escolhem determinado filme, considerando os aspectos de sua utilização (temática principal, um breve roteiro de análise e as principais cenas que fazem a ponte com a temática escolhida). 1 Tema: Problemas, métodos e estratégias didáticas inspirados pela experiência de ensino de graduação e de pós-graduação. 1. Introdução Objeto: O trabalho tem como objeto a utilização de filmes no ensino de Administração. Objetivo geral: apresentar roteiro e exemplos de como se trabalhar o recurso filme no ensino de Administração. Objetivos específicos: • Debater vantagens e desvantagens do uso de filmes em sala de aula; • Descrever e exemplificar as fases que envolvem o uso de filmes como recurso de aprendizagem; • Demonstrar três exemplos práticos do emprego de filmes. 2. Contextualização da oficina O Cinema é a arte que mais caracterizou o século que passou. Desde sua criação, em 1895, nenhum meio de comunicação mostrou com tanto realismo as situações vividas pelas pessoas no seu cotidiano e no seu trabalho. Em inúmeros filmes, as cenas são tão realistas que levam muitas vezes os espectadores a concluir que, trazidas para realidade do seu dia-a-dia, elas não seriam muito diferentes. Portanto, essa possibilidade de captação da realidade transforma o cinema, ao lado do seu aspecto de entretenimento e lazer, em uma poderosa ferramenta cultural e didática (BRANDÃO, 2004). Vários educadores têm buscado fortalecer a relação entre o cinema e o ensinoaprendizagem. Rosália Duarte (2002), ao iniciar sua explicação sobre a pedagogia do cinema, traz a seguinte afirmação de Bourdieu (1979): (...) a experiência das pessoas com o cinema contribui para desenvolver o que se pode chamar de ‘competência para ver’, isto é, certa disposição, valorizada socialmente, para analisar, compreender e apreciar uma história contada em linguagem cinematográfica. Esta competência não é adquirida somente vendo filmes, mas o contexto cultural do qual o indivíduo faz parte é o que determinará como as pessoas lidam com produtos culturais, complementa o sociólogo francês. Mais adiante, Duarte (2002) afirma que determinadas experiências culturais, associadas à maneira de como se vê filmes, acabam interagindo na produção de saberes, identidades, crenças e visões de mundo de um grande contingente de atores sociais. Esse é o maior interesse que o cinema tem para o campo educacional em sociedades audiovisuais como esta – sua natureza eminentemente pedagógica. Segundo esta autora, a linguagem do cinema está ao alcance de todos e não precisa ser ensinada, principalmente em sociedades audiovisuais, em que a habilidade para interpretar os códigos e signos próprios dessa forma de narrar é desenvolvida desde cedo. No entanto, Duarte (2004, p. ?) explica que isso não significa deixar o conhecimento da gramática cinematográfica apenas para os especialistas, e afirma: Conhecer os sistemas significadores de que o cinema se utiliza para dar sentido às suas narrativas aprimora a nossa competência para ver e nos permite usufruir melhor e mais prazerosamente a experiência com filmes. Assim como a beleza e a grandiosidade de 2 Dom Casmurro podem ser mais bem apreciadas quando se conhece a estrutura que torna possível a produção de um texto literário. A gramática cinematográfica criou uma linguagem profundamente rica; fruto da articulação de códigos e elementos distintos: imagens em movimento, luz, som, música, fala, textos escritos; o cinema tem ao seu dispor infinitas possibilidades de produzir significados (DUARTE, 2002). O resultado final dependerá de como esses elementos serão orquestrados, fazendo com que esse conjunto de significações possa ser interpretado e compreendido de diversas maneiras. O Quadro 1 apresenta os elementos de significação do cinema. Elementos Papel Um dos elementos mais complexos da gramática cinematográfica. Envolve a escolha do material de gravação (película, ou fita magnética, colorido ou preto e branco); os Câmera diferentes modos de capturar os espaços; a velocidade com que a câmera se movimenta; profundidade do foco e o ângulo de filmagem que define o destino da história que está sendo contada. Tem como objetivo, estabelecer um estado emocional, dar ao filme uma “aparência” ou contribuir para detalhes da narrativa, como caráter e motivação – e o realismo. A combinação entre cor, luz e sombra poderão causar vários tipos de impressão. Ela Iluminação funciona como um meio “natural” de dirigir o olhar e a atenção do espectador para os diferentes objetos e pessoas que participam da cena, delineando o clima e acentuando o papel dramático desempenhado por cada um na trama. Sua função principal em uma narrativa fílmica é reforçar o realismo, garantir verossimilhança. O som pode ser diegético (aquele que é motivado por ações ou fatos Som ocorridos na narrativa – como gritos, ruídos, etc) ou não-diegéticos (utilizado para amplificar o estado emocional, para reforçar as emoções que se espera em determinada cena – a trilha musical). Oferece ao cinema um conjunto de técnicas para articular esses diferentes sistemas. A montagem é entendida como a ordem em que os planos se sucedem em uma seqüência temporal, assim como a forma como os elementos que compõem um mesmo plano são Montagem (ou edição) apresentados – simultaneamente ou sucessivamente. Colocadas juntas, as imagens se unem em uma nova idéia; estendendo fios invisíveis entre elas, de modo que façam sentido para os espectadores. Quadro 1: Elementos de significação do cinema. Fonte: Elaboração própria adaptada de Duarte (2002). Um outro autor que se dedica a aproveitar o potencial do cinema na relação ensinoaprendizagem é o historiador Marcos Napolitano (2006). Em sua obra Como usar o cinema em sala de aula, ele apresenta o uso do cinema nas salas de aulas das escolas de ensino fundamental e médio, abordando questões que vão desde os elementos da linguagem cinematográfica e a história do cinema até às relacionadas ao planejamento das atividades com filmes, incluindo os procedimentos básicos para este fim; além de elaborar comentários para mais de cem filmes, sugerindo inúmeras questões pontuais a serem desenvolvidas em sala de aula, sob a forma de debates, pesquisas e projetos práticos. Em se tratando do planejamento das atividades com o filme, Napolitano (2006) sugere algumas ações. Primeiro, o emprego do filme deve ser pensado dentro de um planejamento geral do curso, ou da disciplina, articulando-o com os conteúdos e os conceitos trabalhados, bem como as habilidades e competências desejadas. Ao longo do ano, uma seqüência de filmes, a serem trabalhados, precisa ser selecionada. O uso do cinema em sala de aula deve ser sistemático e coerente, e isso implica que os filmes sejam articulados entre si, sobretudo quando o espírito da atividade é a análise do filme como linguagem e fonte de aprendizado, mais do que catalisador de 3 discussões. Na seqüência, a busca por algumas informações básicas, antes de trabalhar com o filme em sala de aula, poderá aperfeiçoar o trabalho do professor. Não se trata de exigir que o professor se torne um crítico do cinema, mas algumas informações sobre a história do cinema, a linguagem cinematográfica, os filmes, atores e diretores, poderão ajudá-lo. Por fim, é fundamental conhecer a cultura cinematográfica da turma, onde a sondagem e avaliação da cultura audiovisual podem ser feitas de maneira individual ou sistematizadas, levando em conta algumas questões básicas: faixa socioeconômica dos alunos, hábitos de consumo e culturais da família, aspectos referente ao consumo cinematográfico dos alunos (salas de cinema, aluguel de DVDs, assistência de filmes na TV aberta ou a cabo, preferências de gêneros cinematográficos, preferências pelos filmes já vistos, dentre outros). Sobre a análise do filme, Napolitano (2006) ainda lista algumas dicas sobre como facilitar e/ou direcionar esta atividade, quais sejam: o trabalho de análise não deve ser iniciado apenas com a exibição do filme em classe, pois o uso de alguns procedimentos complementares pode auxiliar esse processo e a atividade pode ser estendida para que a turma trabalhe em equipe, fora do âmbito escolar; o professor pode fornecer um roteiro de análise para os alunos, não no intuito de limitar a capacidade criativa dos alunos-espectadores, mas estabelecer alguns parâmetros de análise com base nos objetivos da atividade, dividindo o roteiro em duas partes – informativa e interpretativa; se for preciso, textos de apoio podem ser utilizados, pois esse tipo de material é importante não apenas para o aluno, mas também como recurso para a formação dos próprios professores; podem ser formados grupos de discussão com bases nos relatórios gerados, estimulando uma análise mais aprofundada; por fim, o professor pode organizar uma síntese da discussão grupal, relacionando-a com o conteúdo trabalhado durante o curso ou disciplina. Apesar de serem direcionados ao ensino médio, muitos dos filmes comentados por Napolitano, principalmente aqueles incluídos nos temas transversais, já vêm sendo utilizados por professores no curso de Administração para trabalhar questões ligadas à ética (Mera Coincidência, Truman show, Erin Brokovich), ao meio ambiente (Ilha das flores, Brincando nos campos do Senhor), ao trabalho e consumo (Tempos modernos, Domésticas – o filme), dentre outros. Myrna Brandão (2004) analisa cinqüenta filmes que podem ser utilizados como método de treinamento e desenvolvimento através da indicação, crítica e comentários, abordando temas vividos no cotidiano das organizações e no dia-a-dia das pessoas na sua vida profissional e pessoal. Apesar de seu enfoque ser direcionado ao uso desses filmes por profissionais que trabalham com treinamento e desenvolvimento em organizações, muitos desses filmes também vêm sendo utilizados por professores do curso de Administração, para estimular discussões que envolvem temas como assédio moral, abuso de poder, busca de objetivos, clima organizacional, conflito, ética, trabalho em equipe, liderança, resistência a mudanças, pressões, problemas de comunicação, valores, e outros. As bases conceituais desta oficina também se justificam pela crença de que a utilização de recursos estéticos, como é o caso dos filmes, revigoram a relação do ensino-aprendizagem em Administração, pois envolvem sentimento e percepção da experiência através dos sentidos. O uso deste tipo de recurso expõe professor e estudante às dimensões da ambigüidade, da incerteza, da emoção, da fluidez, da fragmentação, da multiplicidade e da diversidade, além de instigá-los a uma reflexão sobre as diferenças entre o que se aprende no conteúdo diário do ambiente acadêmico e as possíveis circunstâncias representativas da realidade. Acredita-se que os filmes podem funcionar como um instrumento útil para professores que desejam atuar de forma consistente e coerente com a postura que adotam em sala de aula, uma vez que há a possibilidade de reafirmação de conteúdos, o que proporciona a reflexão dos alunos. Os filmes são considerados um veículo fecundo para tarefa educacional de provocar a curiosidade e de criar 4 oportunidades para que o educando possa adquirir independência intelectual e habilidades sociais que lhe permitam interagir com outras pessoas (DAVEL et al, 2004). Eles também proporcionam o resgate de dimensões humanas como a emoção, sentimento, intuição (indissociáveis da cognição e lógica de raciocínio humano), favorecendo o equilíbrio entre objetividade e subjetividade. No entanto, estes autores consideram o uso de filmes e de outros recursos estéticos como um desafio, por exigir do professor uma capacidade e sensibilidade comedindo em sala de aula o conteúdo e forma (forma adequada para disponibilizar o material e conteúdo coerente com a abordagem), pensamento e sensação (conciliando prudência e sensibilidade), demonstração e imaginação (valorizando a imaginação e a projeção como fontes alternativas de conhecimento e aprendizagem), transmissão e interação (ênfase nas interações entre estudantes e entre estudantes e professor), estrutura e abertura (equilíbrio entre leituras sistemáticas e rigorosas de um determinado assunto com a necessidade de manter uma certa leveza e flexibilidade para permitir a criatividade). A linguagem cinematográfica oferece a vantagem de conseguir demonstrar com clareza uma situação ou o transcorrer de uma ação, além de impacto emotivo. Podemos listar mais algumas vantagens trazidas por esta linguagem: • • • • Poder de atrair a atenção do educando; Mostrar com mais realismo como se realiza uma tarefa; Poder de persuasão e de convicção, induzindo o indivíduo à ação, já que tem capacidade de promover impacto emocional (AGUILAR IDANEZ, 2004); Capacidade de trazer à tona a reflexão sobre questões éticas que envolvem a formação de um profissional. Contudo, a utilização de filmes não é capaz de alcançar todas as suas vantagens quando apresentada sem um planejamento prévio. Este planejamento para utilização de filmes como uma atividade em sala de aula envolve cinco etapas distintas: • Programação: primeiramente, é necessário definir o objetivo que se quer alcançar com a utilização do filme. Existem três propósitos diferentes para utilização de filmes, quais sejam: promover, informar e instruir. Algumas questões devem ser pensadas no ato da seleção e planejamento da atividade. Questões norteadoras: O que queremos fazer: promover, informar ou ensinar? Qual é o tema, questões que vamos retratar? Quem são os destinatários? • Momento antes da apresentação do filme: este momento deve existir para contextualização do filme a ser apresentado, o que ajuda a criar um clima psicológico e uma aproximação do tema que será abordado. O estudante deve obter algumas pistas sobre o conteúdo do filme e como ele se relaciona com o conteúdo a ser trabalhado em sala. Neste momento as atividades devem envolver a leitura da sinopse do filme, ou mesmo uma crítica a respeito do filme. • Momento durante o filme: durante o filme os alunos podem ser orientados a tomar notas sobre alguma questão para debate, ou mesmo tomar notas para elaboração de relatório. Durante o filme, a atenção dos alunos deve ser orientada para o objetivo estabelecido no momento da programação. 5 • • Momento após o filme: este momento deve voltar-se para a verificação do entendimento do filme pelos alunos e a sua relação com o conteúdo. Este também é o momento ideal para induzir à reflexão e ao debate. Feedback: este momento serve como o fechamento do ciclo e deve remeter-se às questões perguntadas na primeira etapa. Neste momento, o grupo deve elaborar algum tipo de sistematização a respeito do que foi trabalhado. Descrição e método da atividade: A oficina em questão será composta por quatro partes diferentes. A primeira parte envolve a discussão da relevância de se utilizar o filme como um recurso didático. Portanto, nesta fase, pretende-se debater entre os participantes o tema relacionado à utilização de filmes em sala. Será explicitado que o uso deste recurso vai além de apenas projetá-lo, envolve momentos diferenciados com o objetivo de levar os estudantes à aprendizagem. O método a ser utilizado com o grupo durante a oficina será o levantamento do perfil do grupo em relação à utilização deste recurso didático e posterior debate. A segunda parte envolverá a apresentação dos diferentes momentos que devem ocorrer no emprego deste recurso em sala de aula, tendo a exposição como estratégia metodológica. Nesta parte serão expostos exemplos de atividades a serem utilizadas em cada um destes momentos. O terceiro momento trará três exemplos práticos de aplicação das quatro fases descritas no momento anterior, enfocando o filme como objeto de análise e debate. A última etapa, caracterizada como uma espécie de trabalho em equipe, levará os participantes da oficina a escolherem um filme para apresentarem aos demais participantes alguns aspectos de sua utilização: a temática principal, um breve roteiro de análise e as principais cenas que fazem a ponte com a temática principal Referências: BRANDÃO, Myrna Silveira. Leve seu gerente ao cinema: filmes que ensinam. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2004. DAVEL, Eduardo; VERGARA, Sylvia; GHADIRI, Sacha; FISHER, Tânia. Revitalizando a relação ensino-aprendizagem em administração por meio de recursos estéticos. Anais do XXVIII EnANPAD. Curitiba, 2004. DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. AGUILAR IDANEZ, María José. Como animar um grupo: princípios básicos e técnicas. Petrópoles: Vozes, 2004. NAPOLITANO, Marcus. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. 6