C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
ISBN 978-85-7817-272-5
9 788578 172725
Universidade do Sul de Santa Catarina
História da Filosofia II
Disciplina na modalidade a distância
Palhoça
UnisulVirtual
2011
Créditos
Universidade do Sul de Santa Catarina | Campus UnisulVirtual | Educação Superior a Distância
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Roberto Iunskovski
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Gerência Administração
Acadêmica
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Secretaria de Ensino a Distância
Samara Josten Flores (Secretária de Ensino)
Giane dos Passos (Secretária Acadêmica)
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Douglas Silveira
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Fabiano Silva Michels
Fabricio Botelho Espíndola
Felipe Wronski Henrique
Gisele Terezinha Cardoso Ferreira
Indyanara Ramos
Janaina Conceição
Jorge Luiz Vilhar Malaquias
Juliana Broering Martins
Luana Borges da Silva
Luana Tarsila Hellmann
Luíza Koing Zumblick
Maria José Rossetti
Marilene de Fátima Capeleto
Patricia A. Pereira de Carvalho
Paulo Lisboa Cordeiro
Paulo Mauricio Silveira Bubalo
Rosângela Mara Siegel
Simone Torres de Oliveira
Vanessa Pereira Santos Metzker
Vanilda Liordina Heerdt
Gestão Documental
Patrícia de Souza Amorim
Poliana Simao
Schenon Souza Preto
Karine Augusta Zanoni
Marcia Luz de Oliveira
Mayara Pereira Rosa
Luciana Tomadão Borguetti
Gerência de Desenho e
Desenvolvimento de Materiais
Didáticos
Assuntos Jurídicos
Márcia Loch (Gerente)
Bruno Lucion Roso
Sheila Cristina Martins
Desenho Educacional
Marketing Estratégico
Rafael Bavaresco Bongiolo
Carolina Hoeller da Silva Boing
Vanderlei Brasil
Francielle Arruda Rampelotte
Cristina Klipp de Oliveira (Coord. Grad./DAD)
Roseli A. Rocha Moterle (Coord. Pós/Ext.)
Aline Cassol Daga
Aline Pimentel
Carmelita Schulze
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Delma Cristiane Morari
Eliete de Oliveira Costa
Eloísa Machado Seemann
Flavia Lumi Matuzawa
Geovania Japiassu Martins
Isabel Zoldan da Veiga Rambo
João Marcos de Souza Alves
Leandro Romanó Bamberg
Lygia Pereira
Lis Airê Fogolari
Luiz Henrique Milani Queriquelli
Marcelo Tavares de Souza Campos
Mariana Aparecida dos Santos
Marina Melhado Gomes da Silva
Marina Cabeda Egger Moellwald
Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo
Pâmella Rocha Flores da Silva
Rafael da Cunha Lara
Roberta de Fátima Martins
Roseli Aparecida Rocha Moterle
Sabrina Bleicher
Verônica Ribas Cúrcio
Reconhecimento de Curso
Acessibilidade
Multimídia
Lamuniê Souza (Coord.)
Clair Maria Cardoso
Daniel Lucas de Medeiros
Jaliza Thizon de Bona
Guilherme Henrique Koerich
Josiane Leal
Marília Locks Fernandes
Gerência Administrativa e
Financeira
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Ana Luise Wehrle
Anderson Zandré Prudêncio
Daniel Contessa Lisboa
Naiara Jeremias da Rocha
Rafael Bourdot Back
Thais Helena Bonetti
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Gerência de Ensino, Pesquisa e
Extensão
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Aracelli Araldi
Elaboração de Projeto
Maria de Fátima Martins
Extensão
Maria Cristina Veit (Coord.)
Pesquisa
Daniela E. M. Will (Coord. PUIP, PUIC, PIBIC)
Mauro Faccioni Filho (Coord. Nuvem)
Pós-Graduação
Anelise Leal Vieira Cubas (Coord.)
Biblioteca
Salete Cecília e Souza (Coord.)
Paula Sanhudo da Silva
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Gestão Docente e Discente
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Capacitação e Assessoria ao
Docente
Alessandra de Oliveira (Assessoria)
Adriana Silveira
Alexandre Wagner da Rocha
Elaine Cristiane Surian (Capacitação)
Elizete De Marco
Fabiana Pereira
Iris de Souza Barros
Juliana Cardoso Esmeraldino
Maria Lina Moratelli Prado
Simone Zigunovas
Tutoria e Suporte
Anderson da Silveira (Núcleo Comunicação)
Claudia N. Nascimento (Núcleo Norte-
Nordeste)
Maria Eugênia F. Celeghin (Núcleo Pólos)
Andreza Talles Cascais
Daniela Cassol Peres
Débora Cristina Silveira
Ednéia Araujo Alberto (Núcleo Sudeste)
Francine Cardoso da Silva
Janaina Conceição (Núcleo Sul)
Joice de Castro Peres
Karla F. Wisniewski Desengrini
Kelin Buss
Liana Ferreira
Luiz Antônio Pires
Maria Aparecida Teixeira
Mayara de Oliveira Bastos
Michael Mattar
Vanessa de Andrade Manoel (Coord.)
Letícia Regiane Da Silva Tobal
Mariella Gloria Rodrigues
Vanesa Montagna
Avaliação da aprendizagem
Portal e Comunicação
Catia Melissa Silveira Rodrigues
Andreia Drewes
Luiz Felipe Buchmann Figueiredo
Rafael Pessi
Gerência de Produção
Arthur Emmanuel F. Silveira (Gerente)
Francini Ferreira Dias
Design Visual
Pedro Paulo Alves Teixeira (Coord.)
Alberto Regis Elias
Alex Sandro Xavier
Anne Cristyne Pereira
Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro
Daiana Ferreira Cassanego
Davi Pieper
Diogo Rafael da Silva
Edison Rodrigo Valim
Fernanda Fernandes
Frederico Trilha
Jordana Paula Schulka
Marcelo Neri da Silva
Nelson Rosa
Noemia Souza Mesquita
Oberdan Porto Leal Piantino
Sérgio Giron (Coord.)
Dandara Lemos Reynaldo
Cleber Magri
Fernando Gustav Soares Lima
Josué Lange
Claudia Gabriela Dreher
Jaqueline Cardozo Polla
Nágila Cristina Hinckel
Sabrina Paula Soares Scaranto
Thayanny Aparecida B. da Conceição
Conferência (e-OLA)
Gerência de Logística
Marcelo Bittencourt (Coord.)
Jeferson Cassiano A. da Costa (Gerente)
Logísitca de Materiais
Carlos Eduardo D. da Silva (Coord.)
Abraao do Nascimento Germano
Bruna Maciel
Fernando Sardão da Silva
Fylippy Margino dos Santos
Guilherme Lentz
Marlon Eliseu Pereira
Pablo Varela da Silveira
Rubens Amorim
Yslann David Melo Cordeiro
Avaliações Presenciais
Graciele M. Lindenmayr (Coord.)
Ana Paula de Andrade
Angelica Cristina Gollo
Cristilaine Medeiros
Daiana Cristina Bortolotti
Delano Pinheiro Gomes
Edson Martins Rosa Junior
Fernando Steimbach
Fernando Oliveira Santos
Lisdeise Nunes Felipe
Marcelo Ramos
Marcio Ventura
Osni Jose Seidler Junior
Thais Bortolotti
Gerência de Marketing
Eliza B. Dallanhol Locks (Gerente)
Relacionamento com o Mercado
Alvaro José Souto
Relacionamento com Polos
Presenciais
Alex Fabiano Wehrle (Coord.)
Jeferson Pandolfo
Carla Fabiana Feltrin Raimundo (Coord.)
Bruno Augusto Zunino
Gabriel Barbosa
Produção Industrial
Gerência Serviço de Atenção
Integral ao Acadêmico
Maria Isabel Aragon (Gerente)
Ana Paula Batista Detóni
André Luiz Portes
Carolina Dias Damasceno
Cleide Inácio Goulart Seeman
Denise Fernandes
Francielle Fernandes
Holdrin Milet Brandão
Jenniffer Camargo
Jessica da Silva Bruchado
Jonatas Collaço de Souza
Juliana Cardoso da Silva
Juliana Elen Tizian
Kamilla Rosa
Mariana Souza
Marilene Fátima Capeleto
Maurício dos Santos Augusto
Maycon de Sousa Candido
Monique Napoli Ribeiro
Priscilla Geovana Pagani
Sabrina Mari Kawano Gonçalves
Scheila Cristina Martins
Taize Muller
Tatiane Crestani Trentin
Carlos Euclides Marques
Maria Juliani Nesi
História da Filosofia II
Livro didático
Design instrucional
Lucésia Pereira
1ª edição revista
Palhoça
UnisulVirtual
2011
Copyright © UnisulVirtual 2011
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.
Edição – Livro Didático
Professores Conteudistas
Carlos Euclides Marques
Maria Juliani Nesi
Design Instrucional
Lucésia Pereira
Assistente Acadêmico
Aline Cassol Daga (1ª ed. rev.)
ISBN
ISBN 978-85-7817-272-5
Projeto Gráfico e Capa
Equipe UnisulVirtual
Diagramação
Alice Demaria Silva
Edison Valim
Oberdan Piantino (1ª ed. rev.)
Revisão Ortográfica
Papyrus Textos Ltda.
109
M31
Marques, Carlos Euclides
História da filosofia II : livro didático / Carlos Euclides Marques, Maria
Juliani Nesi ; design instrucional Lucésia Pereira ; [assistente acadêmico
Aline Cassol Daga]. – 1. ed. rev. – Palhoça : UnisulVirtual, 2011.
164 p. : il. ; 28 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7817-272-5
1. Filosofia – História. I. Nesi, Maria Juliani. II. Pereira, Lucésia. III. Daga,
Aline Cassol. IV. Título.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul
Sumário
Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Palavras dos professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
UNIDADE 1 - Caracterização do pensamento medieval . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
UNIDADE 2 - O desenvolvimento da Filosofia Patrística . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
UNIDADE 3 - O desenvolvimento da Escolástica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
UNIDADE 4 - A crise da Escolástica e o nascimento do
pensamento moderno. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Para concluir o estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Sobre os professores conteuditas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Respostas e comentários das atividades de autoavaliação. . . . . . . . . . . . . . 161
Biblioteca Virtual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
Apresentação
Este livro didático corresponde à disciplina História da Filosofia II.
O material foi elaborado visando a uma aprendizagem autônoma e
aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados à sua
área de formação. Ao adotar uma linguagem didática e dialógica,
objetivamos facilitar seu estudo a distância, proporcionando
condições favoráveis às múltiplas interações e a um aprendizado
contextualizado e eficaz.
Lembre-se que sua caminhada, nesta disciplina, será acompanhada
e monitorada constantemente pelo Sistema Tutorial da
UnisulVirtual, por isso a “distância” fica caracterizada somente na
modalidade de ensino que você optou para sua formação, pois na
relação de aprendizagem professores e instituição estarão sempre
conectados com você.
Então, sempre que sentir necessidade entre em contato; você tem
à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como:
telefone, e-mail e o Espaço Unisul Virtual de Aprendizagem, que é
o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e recebido
fica registrado para seu maior controle e comodidade. Nossa equipe
técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe atender, pois sua
aprendizagem é o nosso principal objetivo.
Bom estudo e sucesso!
Equipe UnisulVirtual.
7
Palavras dos professores
Caro(a) aluno(a),
Seja bem-vindo(a) à disciplina História da Filosofia II!
É fundamental o estudo do pensamento filosófico e teológico
da Idade Média para se compreender como a filosofia
grega alcançou a Europa e se estendeu por todo o mundo
ocidental. A interpretação comum da Idade Média como um
período obscuro, no qual a produção filosófica e científica foi
praticamente nula, é insuficiente diante da vastíssima obra
deixada pelos pensadores da Patrística e da Escolástica. Por
meio da atividade intelectual vigorosa desses sábios, chegou
até nós a herança cultural do Ocidente.
O conhecimento do pensamento cristão medieval é
fundamental, também, para a compreensão de diversos
aspectos da educação, da moral e da história dos povos que, de
alguma forma, foram marcados pelo cristianismo.
Assim, os conteúdos estudados na disciplina História da
Filosofia II são importantes para você continuar seus estudos e
compreender os filósofos dos períodos posteriores, bem como
outras temáticas da Filosofia.
Ingresse no conteúdo de História da Filosofia II e bons
estudos!
Professores Carlos Euclides Marques e Maria Juliani Nesi.
Plano de estudo
O plano de estudos visa a orientá-lo no desenvolvimento da
disciplina. Ele possui elementos que o ajudarão a conhecer o
contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos.
O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva
em conta instrumentos que se articulam e se complementam,
portanto, a construção de competências se dá sobre a
articulação de metodologias e por meio das diversas formas de
ação/mediação.
São elementos desse processo:
„„
o livro didático;
„„
o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA);
„„
„„
as atividades de avaliação (a distância, presenciais e de
autoavaliação);
o Sistema Tutorial.
Ementa
História da Filosofia Medieval. Patrística, Escolástica e a
desagregação da Escolástica. Projeto de Prática da Disciplina.
Universidade do Sul de Santa Catarina
Objetivos da disciplina
Geral
A disciplina pretende situar o aluno no contexto do pensamento
medieval, patrístico e escolástico, especialmente de Santo
Agostinho e Tomás de Aquino.
Específicos:
„„
„„
„„
„„
Relacionar as características sociais, políticas e
econômicas da Idade Média e o pensamento filosófico
daquele período.
Compreender a influência do pensamento cristão na
filosofia medieval.
Identificar as características da Patrística e da
Escolástica.
Compreender a crise da Escolástica como um limiar do
pensamento moderno.
Carga Horária
A carga horária total da disciplina é 60 horas-aula.
Conteúdo programático/objetivos
Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de
conhecimentos que você deverá deter para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias à sua formação. Neste
sentido, veja a seguir as unidades que compõem o Livro Didático
desta Disciplina, bem como os seus respectivos objetivos.
Unidades de estudo: 4
12
História da Filosofia II
Unidade 1 - Caracterização do pensamento medieval
Nessa unidade, você vai estudar o surgimento da filosofia
helênica, pensamento cristão no último período da filosofia
grega. Conhecerá os fatores sociais, políticos e ideológicos que
caracterizaram o surgimento do pensamento medieval, com suas
fases e seus principais filósofos.
Unidade 2 - O desenvolvimento da Filosofia Patrística
Nesta unidade, você estudará a Patrística nos seus dois aspectos
distintos: a corrente grega, que buscou a continuidade entre o
mundo grego e o cristão; e a latina, que salientou o antagonismo
entre a filosofia pagã e a teologia cristã. E se deterá um
pouco mais no pensamento de Agostinho de Hipona, um dos
representantes mais importantes da Patrística.
Unidade 3 - O desenvolvimento da Escolástica
Nesta unidade, você irá estudar o pensador que fez a passagem
entre os padres latinos e o nascimento da Escolástica: Severino
Boécio. Perceberá que dois grupos distintos de pensadores
dedicaram-se especialmente à questão da prática da dialética na
profissão da fé: os místicos e os dialéticos. E se deterá um pouco
mais no pensamento de Tomás de Aquino, um dos representantes
mais importantes da Escolástica.
Unidade 4 - A crise da Escolástica e o nascimento do pensamento moderno
Nesta última unidade, você estudará o destino da Escolástica
após Tomás de Aquino; o impacto do Humanismo no
pensamento cristão; e, por fim, a crise da Escolástica e o
inevitável surgimento dos primeiros raios da ciência moderna.
13
Universidade do Sul de Santa Catarina
Agenda de atividades/Cronograma
„„
„„
„„
Verifique com atenção o EVA, organize-se para acessar
periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus
estudos depende da priorização do tempo para a leitura,
da realização de análises e sínteses do conteúdo e da
interação com os seus colegas e professor.
Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço
a seguir as datas com base no cronograma da disciplina
disponibilizado no EVA.
Use o quadro para agendar e programar as atividades
relativas ao desenvolvimento da disciplina.
Atividades obrigatórias
Demais atividades (registro pessoal)
14
UNIDADE 1
Caracterização do pensamento
medieval
Objetivos de aprendizagem
„„ Analisar
o surgimento do pensamento cristão a
partir da filosofia grega clássica.
„„ Apontar
os fatores que implicaram o surgimento do
pensamento medieval.
„„ Caracterizar
as fases do pensamento medieval,
identificando seus filósofos mais expressivos.
Seções de estudo
Seção 1 A imagem da Idade Média
Seção 2 O surgimento do pensamento cristão no
contexto da filosofia helenística
Seção 3 Fatores sociais e políticos que caracterizaram o
surgimento do pensamento medieval
Seção 4 As fases do pensamento medieval e seus
principais filósofos
1
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de estudo
Esta unidade inicia-se discutindo a imagem da Idade Média sob
diferentes perspectivas, salientando as diversas interpretações
-- às vezes opostas -- já efetuadas. Com isto, você observará que
este longo período da história é, geralmente, mal entendido.
Em seguida, são apresentadas as condições sociais, políticas,
econômicas e ideológicas que levaram à consolidação da Filosofia
Cristã a partir da expansão do Cristianismo e de sua relação com
a tradição grega, tendo como um dos temas centrais o debate
entre fé e razão e seus correlatos.
Por fim, serão apresentados alguns aspectos históricos que
são consensuais entre historiadores e filósofos, sintetizados
em quadros cronológicos, além da indicação de alguns dos
pensadores mais significativos da Idade Média.
16
História da Filosofia II
Seção 1 – A imagem da Idade Média
Para começar, efetue uma rápida pesquisa sobre a
imagem que as pessoas comuns e/ou a mídia fazem da
Idade Média. Pense nos filmes a que já assistiu e que
tenham este período histórico como pano de fundo.
Antes de continuar, anote os resultados no espaço
Exposição e leia as anotações dos outros colegas.
Lembre-se: você está desenvolvendo um estudo que depende,
também, de seu empenho e autodisciplina. Assim sendo, procure
não pular as etapas solicitadas, as pesquisas e os posicionamentos,
antes de apresentar o conteúdo propriamente dito: estas incursões
possibilitarão que você faça uma análise crítica da visão vigente
sobre o assunto.
Provavelmente, você encontrou, por um lado, opiniões e imagens
pejorativas, negativas, que retratam a Idade Média como um
ambiente obscuro, de perseguição, ignorância, superstição,
pobreza. Certamente, leu o termo “idade das trevas”, fazendo
alusão às fogueiras e queimas das bruxas e dos heréticos. É
possível que, em algum texto, haja pensamentos ou teorias que
estabeleçam relação com a filosofia, mas também pode ser que
algum teórico tenha afirmado não ter havido filosofia nesse
período, ou que esta se encontrava a serviço da religião. Ah, a
religião!
Muitas vezes, quando se fala em Idade Média, a Igreja -- está-se
falando da cristã -- é retratada como a instituição dominadora
do pensamento e da política medieval; a detentora de todo o
poder; a perseguidora dos que se colocavam contrários aos seus
dogmas, os chamados hereges, também mandados à fogueira;
a que ostentava riqueza e detinha vastas áreas de terra (feudos).
Não é difícil que, em sua pesquisa prévia, você tenha encontrado
representações pejorativas dos monges da Igreja ou membros
do clero, ostentando ricas roupas e demais adornos, gordos e
comilões, verdadeiros glutões.
Unidade 1
17
Universidade do Sul de Santa Catarina
Por outro lado, você deve ter encontrado, também, imagens
positivas sobre o período da Idade Média, as quais retratam uma
época de homens nobres, defensores dos fracos e oprimidos,
que se pautam pela honra, pela bravura e pela coragem. São
os cavaleiros de armaduras e longas espadas, os reis Arthur, as
Joana D’Arc, os cruzados, os “ladrões bonzinhos”, os abnegados
bibliotecários dos mosteiros, as maravilhosas catedrais góticas
-- suas colunas longilíneas e seus vitrais -- , as novas ferramentas
e técnicas agrícolas, os trovadores, o canto chão ou canto
gregoriano, as primeiras universidades.
E quanto à filosofia?
Na perspectiva da historiografia
tradicional, a Idade Média situa-se
entre a queda do Império Romano
Ocidental (476) e a conquista
de Constantinopla pelos turcos
otomanos (1453), podendo este
período ser ainda maior, tendo
em vista que alguns historiadores
contemporâneos colocam o
Renascimento (séculos XV e XVI)
como uma das fases da Idade Média.
Alguns podem afirmar que, nesse período, o legado da filosofia
antiga foi mantido pelo árduo trabalho dos monges copistas,
guardiões da cultura grega nos mosteiros, que a protegeram
das invasões bárbaras e do analfabetismo da maior parte da
população. E, de certa forma, a dialética platônica continuada,
pelos debates das autoridades eclesiásticas que, entre outras
questões, discutiram as “provas da existência de Deus”.
O que você pensa sobre estas visões? Seriam
verdadeiras, ou não?
Não se pode dizer que sejam totalmente verdadeiras, ou
totalmente falsas, mas se pode dizer que essas visões não dão
conta do longo período de aproximadamente mil anos.
É possível afirmar que a Idade Média é uma construção mítica,
pode-se dizer, elaborada a partir do Renascimento, passando
pelo século XVI, consolidada no século XVII, mantida no
Iluminismo, no seu viés pejorativo; e reconstruída de forma
romântica, por sua exaltação glorificante -- como um período
heróico e onde se encontram as origens do ocidente moderno -- ,
no século XIX e início do século passado.
18
História da Filosofia II
Observe que ambas as visões são resultantes de interesses
diferenciados. No primeiro caso, a oposição entre um modo
de vida, um sistema econômico-político e um dado estrato
social -- característicos da medievalidade -- ; e outro, que, a
partir do Renascimento, vai-se consolidando, caracterizando a
modernidade. Aqui, fala-se da oposição entre senhores feudais,
clero e nobres, estrato dominante da Idade Média, de um
lado; e os novos ricos, os burgueses, estrato que, a partir do
Renascimento, vai assumindo gradativamente seu status de classe
dominante e, também, da oposição feudalismo x capitalismo.
Modernidade que manifesta seus primeiros momentos de crise no
século XIX, com o Romantismo, oposto ao excesso de crença na
razão e na ciência -- alardeadas no Iluminismo -- , e que retoma a
paixão pelas imagens naturalistas e o apego a elas.
Figura 1.1 - Eugene Delacroix: O Massacre de Quíos, 1824
Fonte: The Massacre... (2006).
Atribui-se ao italiano Francisco Petrarca (1304-1374) as
primeiras referências pejorativas ao período anterior ao seu.
Petrarca tratava aquilo que chamamos de Idade Média de
tenebrae (tenebroso), conforme salienta Franco Jr. (2001, p. 11).
Mesmo assim, de início, o termo médium aevum (idade média),
também atribuído por alguns a Petrarca, refere-se a uma situação
bastante específica da Itália do período renascentista.
Unidade 1
19
Universidade do Sul de Santa Catarina
Petrarca refere-se, entretanto, à situação bastante específica
da Itália naquele momento. A sede da Igreja havia sido
transferida do Vaticano para Avignon pelos franceses.
Roma tornara-se uma cidade decadente cultural e
economicamente, e os clássicos haviam sido esquecidos.
Petrar­ca foi, por isso, um dos iniciadores do movimento
que culmina no humanismo renascentista, procurando
recuperar as glórias da Antigüidade greco-romana, e
formulando um novo ideal de cultura. (MARCONDES,
1998, p. 103).
Figura 1.2 - Petrarca
Fonte: El Humanismo (2009).
Há também a questão filológica, pois, ao tentar resgatar
as origens do latim e seu desenvolvimento, os estudiosos
dividiram-no em três fases:
[...] a Idade Superior ou Alta Idade, onde predominava
o latim clássico e que se estendeu desde as origens
do Estado Romano até o reinado de Constantino; a
Idade Média, abarcando o período compreendido entre
Constantino e Carlos Magno; e, por fim, a Idade Inferior
ou Ínfima, quando o latim apresentava-se corrompido e
degenerado, desde Carlos Magno até o Renascimento.
(INÁCIO; DE LUCAS, 1994, p. 8).
Ao que parece, os humanistas renascentistas confundiram a
segunda e terceira fase, apontando para um único e longo período
de decadência. Tal caminho foi seguido pelos historiadores, que,
como indicam vários estudiosos, visualizaram na Idade Média
um período que intercala a civilização: iniciada na Antiguidade,
um pouco obscurecida nestes mil anos medievos, e retomada a
partir da Renascença. Visão que se generalizou do século XVII
em diante.
20
Na mesma medida, o crescimento e consolidação da classe
burguesa, sua contraposição às instituições medievais, como a
Igreja Católica, e a acentuada concentração de terras -- resquícios
do regime feudal -- nas mãos da Igreja Católica e da nobreza,
fazem com que esta classe em ascensão fomente uma visão
pejorativa dos séculos medievos. Também o crescimento do
absolutismo contrapunha o aumento do poder dos reis com o
pouco poder que tinham antes. Mais um fator a contribuir para a
construção e difusão desta imagem pejorativa é o protestantismo,
pois este via a Idade Média como o período de domínio da Igreja
Católica e, em contrapartida a este domínio, pregava a retomada
de um cristianismo originário, o dos primórdios.
História da Filosofia II
Como você pode constatar, motivos -- evidentemente
em benefício próprio -- é que não faltavam para
vilipendiar, falar mal dos tais “mil anos de trevas”.
O outro ponto de vista -- que embora seja glorificador da Idade
Média é tão problemático como o anterior -- , construído a
partir do Romantismo nos séculos XIX e início do XX, nasce e
desenvolve-se como resposta ao desejo napoleônico de unificar
a Europa sob uma única direção, um único governo, e levou,
conforme aponta Franco Jr. (2001, p. 12-13), ao anseio pela
nacionalidade, retomando o ideal de identidade nacional da
Revolução Francesa. Assim, cada região dominada ou ameaçada
passa a valorizar suas especificidades, reforçando a questão da
identidade nacional.
Em parte, continua o historiador, tudo isto levou a uma
contraposição dos ideais iluministas, particularmente quanto à
validade do racionalismo. Neste sentido, a nostalgia em relação
à Idade Média colocava-a como as origens das nacionalidades.
Com isto, os ideais de equilíbrio e harmonia das artes da
Renascença e do Classicismo (ver Figura 1.4) são contrapostos à
paixão, à exuberância e à vitalidade da Idade Média.
Figura 1.3 - Jan Gossaert: A adoração do rei, 1515
Fonte: Cânovas (2011).
Unidade 1
21
Universidade do Sul de Santa Catarina
São muitos os exemplos de obras do Romantismo ambientadas
na Idade Média: Fausto, de Goethe, O corcunda de Notre Dame,
de Victor Hugo, para citar algumas das mais conhecidas (Cf.
FRANCO JR., 2001, p. 12-3).
O pensamento medieval estende sua influência por todos os
séculos que o sucederam até hoje. Amalvi (apud LE GOFF;
SCHMITT, 2002, p. 542-544) aponta, por exemplo, como as
referências da Idade Média serviram aos interesses do nazismo, nas
décadas de 20 a 40 do século XX, até o final da Segunda Grande
Guerra; como Stalin, na iminência do embate com os alemães
nazistas, exaltava o povo à guerra com imagens medievais; e como,
mais recentemente, nas primeiras décadas do século passado, o
cinema hollywoodiano teve o papel de propagar o mito da Idade
Média, seja reproduzindo a visão pejorativa, seja a romântica, mas
trazendo essas referências para a cultura de massa.
Há hoje uma vasta pesquisa historiográfica tentando recuperar
uma Idade Média registrada em documentos e vestígios, com
diferentes matizes. Um bom exemplo deste contexto são os
historiadores da Escola de Analles e seus herdeiros. Por meio
desse trabalho, vemos aspectos historiográficos riquíssimos, que
outrora foram desprezados: a história do cotidiano, a história
das mulheres, a história da indumentária, a história dos hábitos
alimentares. Tais tendências têm influenciado as produções
cinematográficas a partir da década de 70 do século XX. Os
cineastas, apesar de ainda apresentarem aspectos glorificantes
e românticos, ou pessimistas, apresentam maior preocupação
com a pesquisa de época, esmerando-se nos detalhes como a
ambientação, o vestuário, os costumes. Também os romances
de ficção vão nesta linha. Um bom exemplo é O nome da rosa,
de Umberto Eco. No que se refere à música medieval, esta
tem sido recuperada em pesquisas acadêmicas e, em espaços e
eventos especiais, são executadas músicas da época, com seus
instrumentos próprios.
22
História da Filosofia II
Não entraremos em maiores detalhes sobre a controvertida
construção da imagem da Idade Média, contudo o Dicionário
temático do ocidente medieval, de Le Goff e Schimitt, entre outras
obras, pode constituir uma boa fonte de pesquisa para você
se inteirar mais sobre a questão. Ao visualizar, aqui, o que foi
produzido no âmbito filosófico, você estará desfazendo, de certo
modo, algumas imagens sobre a Idade Média. Como vê, o que
temos no geral é uma imagem de um tempo passado.
Mas seria possível fugir disto?
Como bem salientam alguns estudiosos, o passado é lido e
revisto à luz do presente, ou seja, debruçamo-nos sobre aquilo
que já passou, procurando responder a questões de nossa época.
Assim, podemos comparar a nossa época, ou melhor, certos
aspectos dela, com alguns ocorridos na Idade Média.
Nossa época se vê assolada por velhas e novas doenças;
também hoje, um império arroga-se o papel de salvador da
humanidade em oposição a outras formas de viver, outros modos
de ver e organizar o mundo; “guerras santas” entre cristãos e
mulçumanos, também conhecidos como islâmicos; uma unidade
global se propaga por meio das novas tecnologias, por vezes
isolando indivíduos em suas celas computadorizadas, verdadeiras
bibliotecas que mantêm, reconstroem ou deturpam o legado da
humanidade.
Talvez esteja aí uma das razões para se debruçar sobre o
pensamento, a mentalidade medieval, uma mentalidade que
começa antes daquilo que cronologicamente se define como Idade
Média. Por sua grande importância ao longo da Idade Média, o
Cristianismo, em seu embate inicial e seu processo de absorção da
mentalidade antiga grega e romana, é fator preponderante para a
consolidação de uma “nova” vertente filosófica: a filosofia cristã.
A temática central desta filosofia será o embate entre razão e fé.
Unidade 1
23
Universidade do Sul de Santa Catarina
Seção 2 – O surgimento do pensamento cristão no
contexto da filosofia helenística
Como se sabe, é no contexto do Império Romano que surge
o Cristianismo, ou seja, no final da Antiguidade, no período
helenístico. Por tratar-se de religião, o Cristianismo tem por base
a fé e, como toda religião, sustentaria-se suficientemente com isso.
Então cabe questionar qual a necessidade de uma filosofia cristã?
Ou, por que o cristianismo apropriou-se tanto da tradição pagã,
particularmente da tradição grega? Em outra medida, seria
importante questionar se também a filosofia antiga não terá
sofrido mutações com o advento e expansão do Cristianismo.
Figura 1.4 - Rafael Sanzio: Ressurreição de Cristo, 1502
Fonte: Tomás... (2010).
De acordo com os relatos cristãos, o início do Cristianismo ocorreu
com as pregações de Jesus de Nazaré pela Judéia, a qual, nesta
época, era domínio do Império Romano. Este homem que se
anunciava como filho de Deus pregava, entre outras coisas, o amor
ao próximo, a benevolência e o desprezo aos valores mundanos
24
História da Filosofia II
em troca de outra morada, a verdadeira, no reino dos céus. Dizia
ter vindo ao mundo para salvar os homens de seus pecados. Desta
forma, sua crucificação pode ser visualizada como o sofrimento do
próprio Deus em favor dos seres humanos, para salvá-los.
Com a morte de Jesus, seus discípulos tomaram para si a tarefa
de difundir as ideias de seu mestre. Tal mensagem passou a
cobrir, cada vez mais, espaços de outras culturas e tendo de se
expressar em diversas línguas, entre elas o koiné, língua grega
que dá unidade ao helenismo e a língua das Epistolas de São
Paulo e do Evangelho de São João, e, posteriormente, o latim.
O nome Cristo, de origem grega, que significa “ungido”, é um
exemplo disto.
Essa difusão resultou num confronto entre fé e razão, entre
religião cristã e paganismo. E, como figura paradigmática deste
dilema -- fé versus razão -- temos São Paulo, de quem trataremos
mais à frente.
Antes de prosseguir, é bom que se lembre ser o Cristianismo
fruto de uma cisão do Judaísmo e que nossa cultura ocidental é
a resultante do amálgama das tradições judaico-cristãs e gregas.
Como o Judaísmo, o Cristianismo é uma religião monoteísta,
desta forma ambas se contrapõem ao politeísmo da tradição
mítica grega, e, talvez, o mais importante é que justamente
no ambiente helenístico estão as bases políticas e culturais
propiciadoras da aproximação da cultura judaica e grega.
Saiba Mais
“Aparentemente a primeira comunidade a se
autodenominar cristã (christianoi) foi a de Antioquia,
na Síria (primeira metade do séc. I), um importante
centro helenístico. Normal­mente, o termo utilizado
por essas comunidades era “nazarenos” ou ”galileus”.
No entanto, no Império Romano, não se distinguia
claramente entre estes e os judeus, ambos praticantes
de religiões monoteístas e resistindo à adoração dos
deuses oficiais. As perseguições em grande parte
deviam-se a isso.” (MARCONDES, 1998, nota 2, p. 282).
Unidade 1
O termo pagão (e seus
correlatos) refere-se
àqueles que não foram
batizados, ou seja, não
passaram pelo ritual de
inserção na comunidade
cristã. Assim sendo, não
deve ser tomado como
sinônimo de ateu, embora,
às vezes, alguns autores
pareçam estabelecer
sinonímia, de forma
hiperbólica, entre estes
termos: pagão e ateu.
Arnald, ao ressaltar o
caráter urbano da Igreja
cristã, remete o sentido de
pagão (pagani) àqueles
que habitam os pagi,
“aldeias” ou “regiões”.
Sentido reforçado pelo fato
de a cristianização estar
ligada à escolarização,
aspecto urbano, e não
rural. (ARNALD apud LE
GOFF; SCHMITT, 2002, p.
569-570).
25
Universidade do Sul de Santa Catarina
No século I a.C., encontramos em Alexandria, cidade
cosmopolita, um dos mais importantes centros culturais da
tradição helenística, a convivência de várias culturas: a egípcia,
dos povos originários desta região, com milênios de história; a
grega, daqueles que fundaram a cidade; a romana ou latina, dos
que recentemente haviam invadido, conquistado esta região; e, a
judaica, de uma grande comunidade ali residente.
Figura 1.5 - Farol de Alexandria
Fonte: O Grande... ([20--?]).
26
A história do famoso Farol de Alexandria começa com
a fundação da cidade de Alexandria pelo conquistador
macedônico, Alexandre, o Grande, em 332 a.C.
Alexandre fundou pelo menos 17 cidades chamadas
Alexandria, em diferentes localizações do seu vasto
domínio. A maioria delas desapareceu, mas Alexandria,
no Egito, sobreviveu por séculos e continua nos dias
atuais. Alexandre, o Grande escolheu a localização
de sua nova cidade muito cuidadosamente. Em vez
de construí-la no delta do rio Nilo, fez opção por
um local 20 milhas para o oeste, onde o lodo e a
lama carregados pelo rio não bloqueariam o porto
da cidade. No sul da cidade, era o Lago Mareotis.
Depois de construído um canal ligando o lago ao
Nilo, a cidade passou a ter dois portos: um, para o
tráfego no Rio Nilo; e o outro, para as trocas, no Mar
Mediterrâneo. Ambos permaneceriam profundos e
limpos. Alexandre morreu logo depois, em 323 a.C.,
e a cidade foi complementada por Ptolomeu Soter, o
novo líder do Egito. Sob o comando de Ptolomeu, a
cidade tornou-se rica e próspera. De qualquer modo, a
cidade precisava de um símbolo e de um mecanismo
para guiar os navios comerciais no movimentado
porto. Ptolomeu autorizou a construção do Farol
em 290 a.C., que, completado 20 anos depois, era
a primeira e a mais alta construção existente com
exceção da Grande Pirâmide. O designer do farol foi
Sóstrates de Knidos. Orgulhoso de seu trabalho, ele
desejava ter seu nome na fundação. Ptolomeu II,
filho de Ptolomeu, recusou seu pedido, querendo
que seu nome fosse o único a estar inscrito na
construção. Homem inteligente, Sóstrates inscreveu
o seguinte: “Sostrates filho de Dexifanes de Knidos
em nome de todos os marinheiros para os deuses
salvadores”, e então cobriu com um gesso. E, no gesso,
ele escreveu o nome de Ptolomeu. Com o tempo, o
gesso envelheceu e saiu, revelando a declaração de
Sostrates. O farol foi construído sobre a lha de Pharos
e logo adquiriu esse nome. Veja a figura 1.5.
História da Filosofia II
Estas comunidades conviviam em tolerância e integração, no
típico espírito de sincretismo da tradição greco-romana, e não
raro os seus membros falavam mais de um idioma.
A comunidade judaica, próspera e educada, fala
fluentemente o grego. A Septuaginta, tradução do
hebraico para o grego do Pentateuco (os ‘livros da Lei’, os
cinco livros iniciais do Antigo Testamento), havia sido feita
em Alexandria, na época de Ptolomeu II Filadelfo (séc.
III a.C.). (MARCONDES, 1998, p. 105).
Filon de Alexandria ou Filon, o Judeu (23a.C.–50d.C.) foi
um dos primeiros representantes da aproximação entre a
tradição grega e a judaica. Como aponta Marcondes, ao fazer
comentários ao Pentateuco, aproximando-o da tradição grega,
aventa a hipóteses da influência do Antigo Testamento e da
tradição de Moisés na tradição grega. Tal hipótese não encontra,
porém, comprovação histórica. Filon de Alexandria aproxima,
particularmente, a cosmologia platônica do Timeu à narrativa da
criação do mundo no Gêneses.
No Timeu, Platão apresenta um ente divino que, partindo das
ideias, molda a matéria amorfa, organizando, assim, o cosmo,
ou seja, tal ente engendra todas as coisas. Certamente, Filon
de Alexandria não concebe deus aos moldes de Platão, mas
considera que o ser divino (deus único) criou tudo a partir de
ideias de sua própria mente. Eis as origens do que seguirá grande
parte da tradição seguinte, pregando ser as ideias entidades
mentais – primeiramente na mente de Deus, depois, na do ser
humano – e não, como via Platão, entidades independentes.
“O primeiro lugar de
ordem e de honra entre
os livros do Antigo
Testamento ocupa-o
aquele que os gregos
chamaram Pentateuco,
isto é, obra em cinco
tomos. Para os hebreus
é a ‘tora’, ou seja, a lei,
nome tomado da matéria
central. Também os
hebreus o dividiram em os
mesmos cinco livros que
os gregos, distinguindo-os
com a palavra inicial.
Fonte: A Bíblia... (2000)
Lembre-se: não podemos dizer, propriamente, que o
deus platônico, o demiurgo, criou o mundo, já que a
noção de criação implica partir do nada. Mas, para o
grego, do nada, nada se cria. Reforçando, o demiurgo
é um tipo de poeta, um construtor, que toma a
matéria bruta e a molda, partindo dos modelos, das
ideias.
Filon de Alexandria recupera, também, a noção de lógos,
interpretando-o como “[...] um princípio divino a partir do qual
Deus opera no mundo.” (MARCONDES, 1998, p. 106). Como
prova da influência desta posição no desenvolvimento da filosofia
Unidade 1
27
Universidade do Sul de Santa Catarina
cristã, diversos estudiosos apontam a passagem do Evangelho de
São João: “No princípio era o Verbo (Lógos)” (1, 1). Assim, você
pode entender por que, embora não sendo um cristão, Filon de
Alexandria pôde ser um precursor da filosofia cristã. Entretanto,
cabe lembrar que mesmo o judaísmo está sendo impregnado pela
tradição grega.
Tomemos, então, aquele que é considerado o marco do
Cristianismo como religião independente: São Paulo.
São Paulo [ou Saulo para os hebreus] de Tarso, o apóstolo dos
gentios
(~ 10 - 67). Apóstolo nascido em Tarso, cidade principal da
Cilícia, conhecido como o grande apóstolo dos gentios.
Descendia de uma família de hebreus da tribo de Benjamin,
que haviam obtido a cidadania romana, de grandes posses
e prestígio político. Seus pais, sendo como eram, fiéis à lei
mosaica, mandaram-no logo para Jerusalém para ser educado
lá. Fariseu fervoroso, recebeu na circuncisão o nome de Saulo
e teve como preceptor um dos mais sábios e notáveis rabinos
daquele tempo, o grande Gamaliel, neto do ainda mais famoso
Hilel, de quem recebeu as lições sobre os ensinos do Antigo
Testamento. [...] Apareceu no cenário da história cristã, como
presidente da execução do diácono Estêvão (1), o protomártir
do Cristianismo, a cujos pés as testemunhas depuseram suas
vestimentas At 7. 58. Na Bíblia aparece então no 7º capítulo do
livro Atos dos Apóstolos, guardando as vestes do diácono, que
foi apedrejado, concordando, portanto, com a condenação.
Depois disso, empreendeu forte perseguição aos cristãos. Na sua
posição, odiava a nova seita, não só desprezando o crucificado
Messias, como considerando os seus discípulos elementos
perigosos tanto para a religião como para o Estado. Este seu ódio
mortal contra os discípulos de Jesus durou até o momento da
sua conversão, que aparece no 9º capítulo. Foi no caminho de
Damasco que se deu a sua repentina conversão (30). Ele e seus
companheiros viajavam pelos desertos da Galiléia e, quando,
ao meio-dia, o sol ardente estava no seu zênite, At 26. 13,
repentinamente uma luz vinda do céu, mais brilhante que a luz
do sol, caiu sobre eles, derrubando-os. Todos se ergueram, mas
ele continuou prostrado por terra.
28
História da Filosofia II
Ouviu-se então uma voz que dizia em língua hebraica: “Saulo,
Saulo, porque me persegues? Dura coisa é recalcitrares contra o
aguilhão (2)”.
Respondeu ele então: “Quem és tu, Senhor?” E veio a resposta:
“Eu sou Jesus a quem tu persegues. Levanta-te e vai à cidade
e aí se te dirá o que te convém fazer”. Os companheiros que o
seguiam ouviam a voz sem nada ver, nem entender. Ofuscado
pelo intenso clarão da luz, foi conduzido pela mão dos
companheiros. Entrou em Damasco e hospedou-se na casa de
Judas, onde permaneceu três dias sem ver, sem comer e nem
beber, orando e meditando sobre a revelação divina. Guiado
pelo Senhor, o judeu convertido Ananias foi visitá-lo e, ao se
encontrar com o grande perseguidor, recebeu a confissão da
sua nova fé. Certo de sua conversão, Ananias impôs-lhe as mãos,
fê-lo recobrar a visão e o batizou. Batizado, foi para o deserto
da Arábia, onde orou e fez penitência por três anos. A partir de
então, com a juventude e a energia que o caracterizava, e para
grande espanto dos judeus, começou a pregar nas sinagogas
que Jesus era o Cristo, Filho de Deus vivo, 9 10-22. [...] Por ordem
de Nero, desta vez não teve perdão e foi condenado à morte,
mas, por ser um cidadão romano, não deveria ser crucificado
e, sim, decapitado. Além de alguns discursos a ele atribuídos,
mencionados nos Atos dos Apóstolos, deixou 14 cartas dirigidas
a várias comunidades convertidas e a amigos. Nas cartas que
escreveu às comunidades que fundou, mostrou-se o grande
teólogo empenhado em elaborar uma síntese do mistério cristão
que atravessasse os tempos. Esses documentos caracterizamse por conterem valiosas regras de vida completamente
atemporais, que jamais perderão seu significado se praticadas
para garantirem a harmonia em qualquer sociedade, em
qualquer época. Em seus ensinamentos também se observa
o esclarecimento da distinção entre judaísmo e cristianismo e
a difusão deste último no mundo grego. É celebrado nos dias
25 de janeiro, tradicionalmente o dia da sua conversão, e 29 de
junho, o dia de sua morte. Não era apóstolo oficialmente, mas
foi considerado o apóstolo dos gentios por causa da sua grande
obra missionária nos países gentílicos. Ele dizia de si mesmo: “Eu
trabalhei mais que todos os apóstolos [...] e ai de mim se não
evangelizar!”, mas também dizia: “Eu sou o menor dos apóstolos
[...] não sou digno de ser assim chamado”.
Unidade 1
29
Universidade do Sul de Santa Catarina
(1) Santo Estevão, considerado o protomártir, nascido e morto
em Jerusalém (35), judeu convertido, foi um dos sete diáconos
eleitos pela comunidade cristã de Jerusalém para presidir ao
serviço das mesas (At 6,5-11; 7,54-60). Despertando a antipatia
dos judeus helenistas, enciumados do sucesso com que exercia
o seu ministério, foi acusado de ter blasfemado contra Deus, a
religião e o Templo. Conduzido ao Sinédrio, foi condenado à
lapidação. Saulo, o futuro apóstolo Paulo, presenciou o martírio.
As relíquias de Estevão, descobertas em Constantinopla (415),
foram transportadas para Veneza (1110).
(2) A frase “Dura coisa é recalcitrares contra o aguilhão” não quer
dizer que ele agia contra a sua vontade, ou que já reconhecia
a verdade do Cristianismo, e sim, quer dizer antes, que era
insensatez resistir aos propósitos divinos. Veja a figura 1.6.
Figura 1.6 - Representação de São Paulo
Fonte: Paulo (2011).
Você deve estar se questionando: “Por que foi
dito anteriormente que São Paulo é uma figura
paradigmática com relação ao embate entre fé e razão,
entre tradição religiosa cristã e tradição pagã grega?”
30
História da Filosofia II
É porque este apóstolo, em suas pregações, ora se aproveita da
tradição local e de seu conhecimento da tradição helênica, ora
se opõe categoricamente a essa tradição, particularmente quanto
ao uso da razão para dar resposta aos problemas do mundo,
dos seres humanos. Para ilustrar isto, os estudiosos se utilizam,
geralmente, de duas passagens dos escritos de São Paulo.
Figura 1.7 - Caravaggio: A conversão de São Paulo, 1601
Fonte: Secretaria Nacional da Pastoral da Cultura (2008).
A primeira é uma passagem dos Atos dos apóstolos (17:23-24), no
Novo Testamento, que, frente a “filósofos epicureus e estóicos”, diz:
Atenienses, tudo indica que sois de uma religiosidade
sem igual. [...] Encontrei inclusive um altar com a
inscrição: ‘Ao Deus des­conhecido’. Pois bem! Justamente
aqui estou para vos anunciar este Deus que adorais sem
o conhecer. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele
existe [...]
Unidade 1
31
Universidade do Sul de Santa Catarina
A segunda encontra-se na Primeira carta aos Coríntios (1:20-25):
Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está
o inquiridor deste século? Porventura não tornou
Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto como na
sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela
sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela
loucura da pregação. Porque os judeus pedem sinal, e os
gregos buscam sabedoria. Mas nós pregamos a Cristo
crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura
para os gregos. Mas para os que são chamados, tanto
judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de
Deus, e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus
é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é
mais forte do que os homens.
Como você percebeu, no primeiro caso, São Paulo parte de
elementos da cultura grega. E, embora não tenha conquistado
muitos adeptos à sua causa a partir do momento que começa
a falar de um Deus único, que se transformou em homem,
sofrendo para salvar a humanidade, deixa a mensagem que,
aos poucos, vai convertendo um número maior de pessoas. Já,
no segundo caso, São Paulo radicaliza, opondo-se à tradição
filosófica. Neste caso, tal radicalização deve-se à impregnação
muito acentuada de elementos helenísticos e do culto a certos
sábios convertidos na comunidade cristã deixada por São Paulo
em Corinto, cidade grega. Tal comunidade, segundo o apóstolo,
vinha se esquecendo que a mensagem de Cristo não tinha dono e
que a sabedoria está no próprio Cristo.
Há outras passagens do apóstolo que debatem a imposição, ou
não, dos costumes judaicos a outros povos convertidos. Nestas,
fica marcada a visão do cristianismo como uma religião universal,
não restrita a uma dada comunidade, como era comum em outras
religiões. São Paulo defende a não-imposição de certos costumes
judaicos aos novos convertidos. Eis mais um elemento comum
entre o helenismo e o cristianismo: a universalidade.
É esta marca de oposição entre fé e razão e a tentativa de
conciliá-las que marcará a filosofia cristã e toda a Idade Média.
32
História da Filosofia II
Figura 1.8 - Monge copista
Fonte: Tomás... (2011).
Com a expansão do Cristianismo e a conversão de pessoas de
classes mais elevadas, há a necessidade de apresentar um discurso
mais elaborado, sobretudo para converter as autoridades do
Império que tanto perseguiam os cristãos nos primeiros séculos.
Eis um dos papéis da filosofia tomada pelos filósofos cristãos.
São Paulo e São Justino, por exemplo, são considerados pela
tradição dois destes primeiros filósofos a buscar uma união
intelectualizada da cultura pagã com o nascente cristianismo.
Sabe-se pouco sobre São Justino, mas ele é uma figura
importante por ser um dos primeiros a defender, após convertido,
a necessidade de uma filosofia cristã, tendo o Cristianismo como
a “verdadeira filosofia”.
Os pensadores que seguem tal posicionamento são os apologetas,
e levam esta denominação em função de fazerem apologia,
ou seja, discursos em defesa do Cristianismo. Tal atitude é
dominante no início da Patrística, a doutrina dos primeiros
Padres (pais) da Igreja, como veremos mais adiante.
Jean Pepin, que escreve o tópico Helenismo e Cristianismo, no
volume 2 -- A filosofia medieval -- da obra História da filosofia,
organizada por François Châtelet, faz uma esclarecedora
reflexão sobre as aproximações entre a alegoria grega e a cristã.
Resumindo a investigação do historiador da filosofia, pode-se
Unidade 1
Nesta abordagem considere
o sentido literal da palavra
alegoria: do verbo alegoreô:
allos - outro, agoréô tomar, apoderar-se de;
logo, tomar outro. No caso
das figuras de retórica, por
meio de um enunciado dizer
outro.
33
Universidade do Sul de Santa Catarina
dizer que o uso do recurso alegórico é bem antigo, remetendo
às primeiras interpretações dos textos homéricos, passando pela
tradição pré-socrática, platônica e helenística. Tal procedimento,
a leitura alegórica, seria uma resposta àqueles que viam nos
escritos de Homero e Hesíodo contradições e equívocos quanto
ao “ser” das divindades. Assim sendo, a uma interpretação literal,
estes intérpretes alegoristas opunham um estrato simbólico, um
outro dizer do texto literal.
Pepin indica que a alegoria como método interpretativo, em sua
base, não difere muito, seja na tradição grega ou cristã; seja ela,
por parte dos cristãos, tomada do uso dos judeus alexandrinos -como Filon, o Judeu -- ou por contato direto com uma tradição
mais antiga, particularmente o estoicismo. Embora não haja
grandes disparidades no sentido geral, a interpretação alegórica
cristã difere da grega antiga pelo menos num sentido: a grega
toma o texto como uma narrativa fictícia que conduz a um
ensinamento; a cristã toma o texto bíblico como uma narrativa
histórica, verdadeira. Nas palavras de Pepin ao considerar a
novidade, está explicada a diferença presente no Cristianismo:
A novidade não parece menor se considerarmos, não
mais o objeto ao qual se aplica a alegoria cristã e a
representação que dele faz, mas o sentido que nele desco­
bre e o caminho que a conduz a esse resultado. De um
conjunto de relatos tidos geralmente por imaginários, a
alegoria helenística extraía um ensinamento intemporal
que considerava sub specie aeternitatis, sem suspeitar da
noção de um desenvolvimento irreversível. A alegoria
cristã discerne, ao contrário, sob uma história verdadei­
ra, uma história mais verdadeira; substitui o didatismo
pelo profetismo; a interpretação eternista, pela preocupa­
ção com o tempo histórico e o advento da salvação; já
o Novo Testamento lê o Antigo antes no presente e no
futuro do que no aoristo. É a dialética da “vetusti­dade” e
da “novidade” que especifica a alegoria cristã. É preciso
acrescentar que esta, para chegar a esse re­sultado sem
precedente, teve que repensar em novas ba­ses a relação
do signo e do significado e, em particular, teve que
transformar a noção clássica de imagem ou de símbolo
na de “tipo” de pessoa e do papel de Jesus; eis por que o
termo “tipologia”, embora carecendo de fia­dores muito
antigos, parece ser de fato preferível ao termo, mais geral,
“alegoria”, para designar a prática propriamente cristã da
exegese espiritual. (PEPIN, 1983, p. 53).
34
História da Filosofia II
Na busca por uma unidade, temos nos séculos IV e V,
particularmente, um período conhecido como Igreja Conciliar.
Os concílios são reuniões de bispos e líderes religiosos para
fixar a “legítima doutrina da Igreja”, passando, assim, a
considerar heréticas as posições contrárias a estas doutrinas e,
consequentemente, expulsão dos heréticos da Igreja.
Como você pode perceber, o desenvolvimento do
pensamento cristão resulta, inicialmente, de uma
maior ou menor resistência a seu crescimento e da
intolerância ou da tolerância dos governantes em
relação a uma nova mentalidade. Fatores sociais e
políticos podem reforçar o que já foi dito.
Seção 3 – Fatores sociais e políticos que caracterizaram
o surgimento do pensamento medieval
Como já foi dito, é no contexto do helenismo, durante o
domínio romano, que surge o Cristianismo e, da relação com
este, em função de sua expansão, o Cristianismo constitui uma
mentalidade, uma filosofia. Em parte, o Cristianismo responde
a duas inquietações da época helenística: o medo da morte e dos
castigos dos deuses. Ao primeiro, o Cristianismo responde com
a vida após a morte. E, ao segundo, o Cristianismo prega uma
imagem de um deus único e amoroso, do qual só o bem pode
brotar. Contudo sua aceitação não foi imediata.
Como você já estudou, a religião romana era de caráter politeísta e,
com o contato com a cultura grega, absorve uma série de elementos
destas. Por se apresentar como uma religião monoteísta e universal,
o Cristianismo já se contrapõe de início à religiosidade romana.
Mas sua maior ameaça à estrutura militar e escravista da Roma
Imperial é o fato de condenar o militarismo e defender a igualdade
entre os homens. Estas divergências levam a uma violenta
perseguição aos cristãos. São conhecidas as narrativas de uso, por
parte dos romanos, de cristãos nos espetáculos de arena, onde estes
– os cristãos – eram jogados aos leões.
Unidade 1
35
Universidade do Sul de Santa Catarina
Entretanto, a resistência dos cristãos, produtora de mártires,
é um dos fatores importantes de sua divulgação e expansão.
E, conforme a crise do Império Romano ia-se agravando,
muitos se converteram para a nova religião, particularmente
cativos e pobres, pois estes visualizavam alento para suas vidas
na nova fé. Aos poucos, o Cristianismo vai sendo aceito pelo
Império Romano e, finalmente, em 313, com o Edito de Milão,
promulgado pelo imperador Constantino, é dada a liberdade de
culto aos cristãos.
Inicialmente, a estrutura hierárquica do Cristianismo era mais
diluída. Nas primeiras comunidades, os presbíteros (ou padres)
eram responsáveis pela divulgação da doutrina, a organização das
reuniões e pelo culto; os diáconos, pelas questões administrativas;
e aos bispos cabia zelar pela preservação dos princípios cristãos.
Do século IV em diante, o bispo de Roma passa a ter primazia
em relação aos outros e, com Leão I, em 455, cria-se o mais alto
posto eclesiástico: o de Papa. A partir daí, a Igreja vai tomando
um caráter mais imperial, embora ainda conviva com uma
postura mais apostólica.
Como você pode perceber, estamos no final da Antiguidade e
início daquilo que cronologicamente denomina-se Idade Média.
Outro fator importante para caracterizar tal contexto são as
invasões bárbaras.
Mas quem são os bárbaros?
Na realidade uma série de povos, predominantemente em
estágio tribal, organizados numa economia de subsistência -alguns com atividades agrícolas e pastoris rudimentares -- , que
estavam fora das fronteiras do Império Romano. Estes povos
formaram pequenos reinos que não duram muito, configurando
a fragmentação do Império Romano. Como foi visto, duas
datas relacionadas ao Império Romano e aos povos bárbaros
36
História da Filosofia II
são usadas para demarcar o começo e o fim da Idade Média. A
primeira, a tomada de Roma pelos germanos: a derrubada do
Império Romano do Ocidente, em 476. A segunda, o ataque a
Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, e a sua
conquista pelos turcos otomanos, em 1453.
Neste contexto de fragmentação, cada vez mais a
religião cristã apresenta-se como elemento agregador.
Assim, a Igreja Cristã passa a ter não só uma função
espiritual, mas, também, a função política. Por isto,
muitos chefes dos reinos bárbaros se convertem a ela.
Exemplar é a cerimônia de coroação do Imperador dos francos,
Carlos Magno, pelo Papa Leão III, no ano 800. Tal fato pode ser
considerado a primeira tentativa de recuperar a antiga unidade
do Império Romano, formando o Sacro Império RomanoGermânico. Como diz Marcondes (1998, p. 115), há aí a
reunião de três características básicas, que simbolizam esta nova
realidade:
l. a vinculação do novo império à tradição imperial
romana, com a qual na realidade não possuía nenhum
vínculo histórico ou cultural mais próximo, 2. a referência
aos ‘germânicos’, isto é, aos povos bárbaros do norte que
ocuparam aquela região e que agora se apresentavam
como herdeiros dessa tradição, e 3. a denominação de
‘sacro’ que indica a influência e o papel da Igreja nesse
processo.
Mas aqui já estamos entrando no contexto do
surgimento da Escolástica, tema que você estudará
mais à frente.
Unidade 1
37
Universidade do Sul de Santa Catarina
Seção 4 – As fases do pensamento medieval e seus
principais filósofos
Primeiramente, cabe indicar que alguns autores consideram
ser mais rigoroso considerar o período que vai do século XI ao
XIV como o da Filosofia Medieval. Em parte, isso se deve ao
fato de a Patrística, em sua origem, ainda estar muito ligada
à mentalidade helenística e, um pouco mais adiante, a pouca
sistematização da Filosofia Cristã. Ainda, há o fato de que é no
período da Escolástica (aproximadamente entre os séculos XI e
XIV) que a Filosofia Cristã é institucionalizada. Contudo, como
salienta Mora (2001, p. 1094), em seu Dicionário de filosofia,
pensar a Filosofia Medieval restrita aos séculos XI a XIV é uma
formulação didática, pois há os que alargam tanto para séculos
anteriores como para séculos posteriores. Para ambos os casos,
Mora aponta contrassensos.
Conforme seu interesse quanto
a dados historiográficos, você
pode consultar essa e outras
obras do gênero. Posteriormente,
compilaremos a divisão, também
didática, feita por Marcondes, com
os principais temas e autores deste
período, desta mentalidade, ou
filosofia.
38
Talvez seja mais interessante usar o termo Filosofia Cristã, como
Boehner e Gilson em importante estudo intitulado História
da Filosofia Cristã, ou ainda A filosofia na Idade Média (Gilson,
1995), título que se aproxima mais do que vamos fazer. Mesmo
assim, aquilo que historiograficamente se denomina Idade
Média, circunscreve um espaço temporal menor que aquele a ser
apresentado. Outra questão é distinguir a cronologia dos fatos e
acontecimentos, mais própria da historiografia, da história das
ideias ou mentalidades, mais próxima da filosofia.
Mesmo assim, para se ter uma ideia geral das condições
políticas e sociais do contexto da Filosofia Cristã, ou melhor,
da mentalidade medieval, tomaremos como ponto de partida
os quadros sinópticos retirados do livro de história de Hilário
Franco Jr. intitulado A Idade Média: nascimento do ocidente,
fazendo alguns breves comentários. Veja Quadro 1.1.
História da Filosofia II
A formação das estruturas medievais
Aspecto
A crise do século III
Demográfico
Manifestação
Recrudescimento de
epidemias
Econômico
Migrações internas
Recuo da mão-de-obra
escrava
As estruturas prémedievais
Resultante
Fixação da população no
campo = colonato
Colonato; tendência à
auto-suficiência
Intervenção estatal;
corporações
Dirigismo estatal = Edito
do Máximo (301)
Queda na produção
Monetário
Inflação
Político
Militarização do poder
Divisão do Império =
Tetrarquia (284)
Anarquia militar
Cristianização do poder
= imperador convoca
o primeiro Concílio
Ecumênico (325)
Institucional
Militar
Social
Cultural
Crescente autonomia das
províncias
Nova capital =
Constantinopla (330)
Pressão germânica
Contratação de tribos
bárbaras = germanização
do exército romano
Êxodo urbano
Ruralização
Hereditariedade das
funções
Enrijecimento das
hierarquias sociais
Fim do assistencialismo
(pão e circo)
Aumento das distâncias
sociais
Respeito excessivo às
autoridades
Esterilidade
Simplificação dos padrões
culturais
Aumento da descrença
Religioso
Sucesso dos cultos
orientais
Psicológico
Fatalismo, desânimo
Cristianismo = permitido
(313)/Oficializado (392)
Cristianismo = esperança
em outra vida
Quadro 1.1 - A formação das estruturas medievais
Fonte: Franco (2001, p.187).
Unidade 1
39
Universidade do Sul de Santa Catarina
Como você pode constatar, a ruralização -- em função disto, a
simplificação dos padrões culturais -- ; o aumento das distâncias
sociais; as invasões bárbaras, particularmente os germânicos
e sua posterior “inclusão” no estrato do Império Romano,
principalmente como soldados; e a permissão do culto cristão e
sua posterior oficialização são fatos que prenunciam as estruturas
da Idade Média: feudalismo e domínio da Igreja Cristã.
O feudalismo é um sistema econômico, político e social
fundamentado na propriedade sobre a terra. Esta pertence ao
senhor feudal, que cede uma porção dessa terra ao vassalo em
troca de serviços, ocasionando uma relação de dependência.
O feudalismo inicia-se com o período das invasões bárbaras
e a posterior queda do Império Romano do Ocidente (século
V), que transformam toda a estrutura política e econômica da
Europa Ocidental, descentralizando-a. Os povos “bárbaros”, ao
ocuparem parte das terras da Europa Ocidental, contribuem
com o processo de ruralização e o surgimento de diversos
reinos, dentre os quais se destacou o reino dos Francos. Mas é
no reino Carolíngeo que se solidificam as principais estruturas
do feudalismo.
Predominante durante toda a Idade Média, o feudalismo
caracteriza-se pelas relações de vassalagem (dependência
pessoal) e de autoridade e posse da terra. As vilas e o colonato
tornam-se o centro da nova estrutura socioeconômica, que
tem um sistema produtivo basicamente voltado para o
suprimento das necessidades individuais dos feudos.
Os feudos, por sua vez, constituíam a unidade territorial da
economia feudal, caracterizando-se pela sua auto-suficiência
econômica, produção predominantemente agropastoril e
ausência quase total de comércio. Nos feudos, a produção de
arte ocorre nos castelos.
40
História da Filosofia II
Eram geralmente divididos em três áreas: o domínio,
exclusivamente do senhor feudal e trabalhado pelo servo;
a terra comum, matas e pastos, que podem ser utilizados
tanto pelo senhor quanto pelos servos; e o manso servil, que,
destinado aos servos, era dividido em áreas denominadas
“glebas”, de onde metade de toda produção deveria ser
destinada ao senhor feudal (talha -- um tipo de imposto).
Os feudos podiam tanto ser enormes territórios com cidades
inteiras dentro deles, ou apenas uma fazenda, variando muito
de um para o outro. Na época do Reino Carolíngeo, feudo
significava “benefício”, era o nome dado ao benefício que o
suserano cedia ao vassalo e que, na maioria das vezes, era
a posse de terras. Daí o porquê de “feudo” designar hoje a
propriedade em si.
Com uma estrutura social estática e hierarquizada, podemos
identificar a vassalagem e a suserania como as principais
relações da sociedade feudal. O senhor feudal ou suserano
era quem tinha a posse das terras e as cedia aos vassalos, que
deveriam trabalhar nelas para sustento próprio e, ainda, no
que chamavam de corvéia, o trabalho gratuito para o senhor
feudal durante três dias por semana.
A sociedade era basicamente composta por duas camadas
principais: os senhores e os servos. O clero, embora de muita
importância na sociedade feudal, não constituía uma classe
separada, uma vez que os componentes do clero, ou eram
senhores (alto clero), ou eram servos (baixo clero). Entretanto,
a relação de suserania é mais complexa, uma vez que as terras
eram cedidas não aos camponeses, mas a outros senhores ou
cavaleiros que assumiam um compromisso de fidelidade com
o suserano. Este cedia terras em troca de mais poder e um
aumento no contingente de seu exército. O que, na prática,
não significava que ele possuía poder sobre os outros feudos,
uma vez que o poder era descentralizado.
Fonte: Feudalismo (2007).
Unidade 1
41
Universidade do Sul de Santa Catarina
Sinopse da civilização medieval
Fase
Primeira Idade
Média
Alta Idade
Média
Data
princípios séc. IV
– meados VIII
meados séc. VIII –
fins X
início séc. XI –
fins XIII
início séc. XIV –
meados XVI
retração
relativa
recuperação
acentuado
incremento
crise: fomes,
peste negra
Economia
“escassez
endêmica”
agrícola, com
tendência à
autossuficiência
crescimento
agrícola,
artesanal e
comercial
depressão
generalizada
Sociedade
enrijecimento da
hierarquia
polarização:
detentores
de terra;
despossuídos
ordens: oretores,
bellatores,
laboratores
passagem para
uma sociedade
estamental
Política
pluralidade
dos reinos
germânicos
reunificação
carolíngia
universalismos,
afirmação das
particularismos e monarquias
nacionalismos
nacionais
Igreja
formação da
hierarquia
eclesiástica
relativa
dependência ao
poder laico
ensaio de uma
teocracia papal
dupla crise:
nacionalismo e
conciliarismo
permanência
de modalidades
pagãs
crescentes
ritualismo,
clericarismo e
moralismo
interiorização,
laicização e
evangelismo:
humanização da
Divindade
insatisfação
com as fórmulas
anteriores:
angústia coletiva
síntese de
elementos
clássicos, cristãos,
germânicos,
célticos e
orientais
completa-se a
síntese anterior
românico e
gótico
preservação e
cristianização
de obras da
Antiguidade
redescoberta e
conservação de
obras clássicas
canções de
gesta; romances
artúricos, lírica
trovadoresca
temas macabros;
contos profanos
Escolástica:
harmonização
de fé e razão
rompe-se o
equilíbrio, com
crescentes
críticas ao
aristotelismo
Demografia
Religiosidade
Arte
Literatura
Filosofia
42
Patrística:
neoplatonismo
cristão
mesmos temas
e reflexões
anteriores
Idade Média
Central
Baixa Idade
Média
gótico
flamboyant
História da Filosofia II
Educação
Ciência
escolas
eclesiásticas:
as Sete Artes
liberais e
Teologia
prossegue o
monopólio
clerical
nascimento das
universidades
elitização e
esclerosamento
das universidades
limitada pela
visão simbólica
do mundo
bloqueada pelas
condições sociais
e culturais da
época
desenvolvida a
partir de uma
visão naturalista
do mundo
continua a
utilizar a herança
clássica, bizantina
e muçulmana
Quadro 1.2 - Sinopse da civilização medieval
Fonte: Franco (2001, p. 198).
Este quadro mais completo (também adaptado de FRANCO
JR., p. 198), mostra como a Idade Média passa por diversos
momentos em que, aos poucos, certas estruturas vão-se
consolidando e se desintegrando.
No quadro, constam certas terminologias específicas
da cultura medieval. Para ampliar a sua compreensão
sobre o conteúdo, destaque os termos cujo significado
você desconhece e, em seguida, pesquise-os nas
fontes de sua preferência. Publique os resultados de
sua pesquisa na Ferramenta Exposição.
Unidade 1
43
Universidade do Sul de Santa Catarina
Finalmente, é possível afirmar que a grande questão que
dominou a Idade Média foi a empreitada das autoridades da
Igreja em tornar compatíveis o conhecimento racional dos gregos
com os princípios da fé cristã.
A dificuldade em converter a ciência e Filosofia gregas à fé
cristã fez com que os primeiros padres da Igreja tornassem-se
inimigos da cultura profana, desestimulassem a especulação
filosófica e a experimentação empírica, isto é, a produção de
conhecimentos, especialmente os referentes às ciências naturais (a
criação e funcionamento do universo deveriam permanecer como
mistérios). O principal objetivo era difundir a doutrina cristã, isto
é, a fixação dos dogmas e da moral por meio de uma disciplina
rígida e de um código de ética que definisse, de forma absoluta,
o bem e o mal, o certo e o errado. Deveria haver, no entanto,
uma forma de conciliar razão e fé, principalmente para que o
Cristianismo fosse assimilado tanto pelos eruditos como pela
massa de iletrados.
Síntese
Nesta unidade, você estudou as diferentes interpretações acerca
do período histórico denominado Idade Média. Um período
longo, que, geralmente, é tratado de forma pouco interessada, em
virtude de ter sido ideologicamente dominado pelo pensamento
religioso, o que poderia trazer o desaparecimento da filosofia,
uma vez que esta se opõe, por princípio, à religião. No entanto,
você verificou que a Idade Média pode ser conhecida como um
período de profunda produção intelectual, ainda que seja na
tentativa conciliatória entre fé e razão.
A passagem da cultura grega para o Cristianismo não foi
propriamente uma continuidade natural, mas exigiu grande
esforço dos primeiros padres da Igreja. De qualquer forma, com
a decadência do Império Romano, cada vez mais a segurança
e a proteção oferecidas pela Igreja conquistavam adeptos, que
44
História da Filosofia II
lhes doavam terras, esmolas e lhes pagavam altos tributos, em
troca de proteção espiritual, fora o recolhimento das grandes
obras filosóficas, científicas e artísticas promovida pelos padres,
para o interior dos mosteiros. Foi assim que a Igreja tornou-se
o monopólio do saber, neste período, uma vez que somente os
monastérios mostraram-se instituições suficientemente sólidas
para proteger, das invasões bárbaras, a cultura precedente e
somente ali se aprendia a ler e a escrever.
É preciso admitir, também, que, principalmente depois de se
tornar a religião oficial do Império, aproximadamente no ano 312
de nossa era, o Cristianismo, passou a exercer um papel muito
importante, pelo menos durante o tempo em que perdurou o
modo feudal de produção e organização social, questionando
a escravidão, pregando a igualdade e assumindo como meta
principal a salvação dos homens no mundo de Deus.
No entanto, o Cristianismo não é uma Filosofia, pois esta se
apoia na razão. É uma Religião Revelada e tem como critério de
verdade a própria palavra de Deus. Não se verifica, por exemplo,
uma relação pedagógica entre Cristo e o próprio discípulo cristão,
como a que houve entre Sócrates e seus discípulos. E, embora
as autoridades cristãs medievais tenham buscado explicar os
mistérios do Cristianismo como a santa trindade, a criação, a
revelação, etc., apelando à estrutura do pensamento filosófico
grego, a Filosofia sempre foi mais ameaçadora do que alentadora
do pensamento cristão.
De modo geral, o que foi trabalhado nesta unidade resume
o contexto teológico, ideológico e filosófico deste período
denominado Idade Média. Historiadores, filósofos e
comentadores do Cristianismo nem sempre concordam com
as delimitações históricas, e nem sempre têm interpretações
convergentes sobre o pensamento e as intenções expressadas
nas obras dos teóricos medievais. Mas é possível ter um
conhecimento satisfatório dessas questões, trabalhando com as
informações mais consensuais desta área.
Unidade 1
45
Universidade do Sul de Santa Catarina
Atividades de autoavaliação
Após a leitura criteriosa desta unidade, responda às seguintes questões:
1) Com base na imagem apresentada a seguir, elabore um texto
dissertativo, explicando como elas podem ser utilizadas para ilustrar
algumas das ideias apresentadas nesta unidade.
2) Busque um exemplo de explicação religiosa (bíblica) para um
fenômeno natural qualquer e argumente:
a) em que esta explicação assemelha-se ao pensamento mitológico;
b) em que esta explicação difere do pensamento filosófico.
46
História da Filosofia II
Saiba mais
Para aprimorar seus conhecimentos acerca do que foi tratado
nesta unidade, consulte os seguintes materiais:
Livros:
BÍBLIA SAGRADA. 96. ed. São Paulo: AVE-MARIA, 1995.
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da
filosofia cristã. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
ECO, Umberto. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1983.
FRANCO JR., Hilário. A idade média: nascimento do ocidente.
2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2001.
GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. São Paulo:
Martins Fontes, 1995.
JAEGER, Werner. Cristianismo primitivo y paideia grega.
México: Fondo de Cultura Económico, 1965.
Unidade 1
47
Universidade do Sul de Santa Catarina
LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude. Dicionário
temático do ocidente medieval. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo,
SP: Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2. v.
MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos présocráticos a Wittengenstein. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editor,
1998.
MORA, J. F. Dicionário de filosofia. São Paulo: Loyola, 1994.
4. v.
Filmes:
O 13º Guerreiro. Diretor: John McTiernan. EUA, 1999.
O Incrível Exército de Brancaleone. Diretor: Mario Monicelli.
Itália, 1965.
Cruzada. Diretor: Ridley Scott. EUA, 2005.
El Cid. Diretor: Anthony Mann. EUA, 1961.
O Leão no Inverno. Diretor: Anthony Harvey. EUA, 1968.
O Leão no Inverno. Diretor: Andrei Konchalovsky. EUA, 2003.
As Aventuras de Robin Hood. Diretor: Michael Curtiz. EUA,
1938.
Robin Hood. Diretor: John Irvin. EUA, 1991.
Robin e Marian. Diretor: Richard Lester. EUA, 1976.
Em Nome de Deus. Diretor: Clive Donner. IugosláviaInglaterra, 1988.
São Francisco de Assis. Diretor: Michael Curtiz. EUA, 1961.
Irmão Sol, Irmã Lua. Diretor: Franco Zeffirelli. Itália, 1972.
Francesco. Diretora: Liliana Cavani. Itália, 1989.
48
História da Filosofia II
Coração Valente. Diretor: Mel Gibson. EUA, 1995.
Os Viajantes do Tempo. Diretor: Jean-Marie Poiré. EUA, 2001.
O Nome da Rosa. Diretor: Jean-Jacques Arnnaud. França-ItáliaAlemanha, 1986.
Henrique V. Diretor: Kenneth Branagh. Reino Unido, 1989.
Joana D’Arc. Diretor: Victor Fleming. EUA, 1948.
Unidade 1
49
UNIDADE 2
O desenvolvimento da Filosofia
Patrística
Objetivos de aprendizagem
„„ Identificar
a Patrística como um conjunto teórico
fundamental para a constituição do pensamento
medieval.
„„ Compreender
as características específicas da
Patrística Grega e da Patrística Latina, bem como
seus principais pensadores.
Seções de estudo
Seção 1 Os três períodos da Patrística
Seção 2 A Patrística grega e a continuidade entre o mundo
grego e o cristão
Seção 3 A Patrística latina e o antagonismo entre o mundo
grego e o cristão
2
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de estudo
Ao se iniciar o estudo do pensamento e do contexto dos
primeiros padres e doutores do Cristianismo, é comum encontrar
dois termos: Patrística e Patrologia. Ambos os termos derivam
da designação “pais da Igreja”, estudo dos pais da Igreja; por
terem sido eles os primeiros teóricos a estruturar a doutrina, a
incentivar a fé e a pregar as verdades bíblicas reveladas por Cristo,
ou pelo próprio Deus feito homem. Apesar de ambos os termos
fazerem referência aos pais da Igreja, comumente se utiliza o
termo Patrologia para designar o estudo da vida, da história e
do contexto social desses homens, enquanto o termo Patrística
refere-se ao estudo do seu pensamento e da sua obra.
Então, a Patrística é o estudo do pensamento dos primeiros
padres cristãos, porém o conjunto das obras que fazem parte da
Patrística inclui autores cristãos, mas não padres, e até mesmo
autores que beiram o paganismo – gnosticismo.
Seção 1 – Os três períodos da Patrística
Considerando-se todo o período de formação do Cristianismo,
pode-se dizer que a Patrística corresponde, aproximadamente,
ao período compreendido entre o séc. I e o séc. VII d.C. Em
geral, os estudiosos identificam três fases da Patrística, embora
com algumas diferenças quanto a seus limites e designações. Por
exemplo, alguns, tomando por base o platonismo, identificam uma
fase inicial do neoplatonismo cristão – com Orígenes; outra fase,
que seria do platonismo propriamente dito – com Agostinho; e
outra, que seria uma segunda fase do neoplatonismo, já no final
da Patrística. Outros autores, tomando como base o Concílio
Ecumênico de Nicéia (325 d.C.), dividem a Patrística em período
anteniceno; período niceno e período pós-niceno.
O Edito de Milão de 313 e o Concílio Ecumênico de
Nicéia foram as duas grandes ações de Constantino
para a consolidação do Cristianismo como religião
oficial do Império Romano. O Concílio de Nicéia foi
motivado por discussões dentro da própria Igreja.
52
História da Filosofia II
O impasse teológico deu-se entre o bispo Alexandre,
que afirmava a identidade entre Deus pai e Jesus filho,
e o padre Ário, defensor de que “o Logos Encarnado era
inferior a Deus Pai e que se o Pai gerou o Filho, então
houve uma época em que o Filho não existia”. Diante
do perigo iminente de cisão na Igreja, Constantino
convocou um Concílio que se realizou na cidade de
Nicéia da Bitínia, próxima de Constantinopla, em 325, e
que concluiu com a redação do Credo de Nicéia:
O Credo de Nicéia
«Cremos em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, criador
de todas as coisas, visíveis e invisíveis. E em um só
Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, unigênito do Pai,
da substância do Pai; Luz de Luz, Deus verdadeiro de
Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial
ao Pai; por quem foram criadas todas as coisas que
estão no céu ou na terra.
O qual por nós homens e para nossa salvação, desceu
(do céu), se encarnou e se fez homem. Padeceu e
ao terceiro dia ressuscitou e subiu ao céu. Ele virá
novamente para julgar os vivos e os mortos. E (cremos)
no Espírito Santo. E quem quer que diga que houve um
tempo em que o Filho de Deus não existia, ou que antes
que fosse gerado ele não existia, ou que ele foi criado
daquilo que não existia, ou que ele é de uma substância
ou essência diferente (do Pai), ou que ele é uma criatura,
ou sujeito à mudança ou transformação, todos os que
falem assim, são anatematizados pela Igreja Católica e
Apostólica.»
Fonte: Primeiro... [200-]
Figura 2.1 - Imagem representativa do Concílio de Nicéia
Fonte: Primeiro... [200-]
Unidade 2
53
Universidade do Sul de Santa Catarina
Porém, na abordagem deste livro, é considerada a divisão
apresentada por Reale e Antiseri (1990, p. 400), que leva em
conta todo o contexto desde o nascimento de Cristo até o início
da Idade Média, e divide esse período em três fases.
A primeira fase compreende as obras escritas durante o século
I da era cristã, mais dedicadas à temática moral e à propagação
do evangelho. Foi um período de formação das primeiras
comunidades cristãs e das pregações pelos padres denominados
apostólicos – por serem seguidores diretos dos apóstolos de Cristo.
A temática dos padres apostólicos circula em torno dos
ensinamentos dos apóstolos para o cultivo da vida cristã.
Eram poesias, homilias e cartas que deveriam passar de
comunidade em comunidade, propagando a palavra sagrada e as
recomendações apostólicas.
O que esses padres objetivavam não era a fundamentação e
justificação do cristianismo, nem a elaboração de uma teologia
ou de uma espécie de filosofia cristã, que foi o propósito da fase
seguinte, dos padres Apologistas.
Os Apostólicos fizeram a ligação entre o Novo
Testamento e as apologias do século II.
Acompanhe a citação que segue; ela foi tirada do texto História
do Cristianismo VIII, de Maurício Junior (2001):
A primeira coleção de escritos teológicos surgidos
depois do Novo Testamento é composta de documentos
agrupados sob o título de Padres Apostólicos. Foi o
estudioso francês Jean Cotelier quem assim os classificou
no séc. XVII. Inicialmente faziam parte dessa coleção:
54
História da Filosofia II
a Epístola de Barnabé, a Carta de Clemente Romano,
Cartas de Inácio de Antioquia, a Carta de Policarpo, e
o Pastor de Hermas. Em 1765, foram incluídos na lista
os fragmentos de Pápias e de Quadrato, e a Epístola a
Diogneto. Mais tarde, em 1873, descobriu-se o Didaquê
(2), concluindo-se com ele a coleção. São obras de
estilo simples, interessadas em dar testemunho da vida
cristã em face das perseguições a que era submetida a
Igreja, com algumas indicações a respeito da estrutura
eclesiástica incipiente.
Entre os escritos cristãos desta época, está a “Didaquê” – a
“Doutrina dos doze Apóstolos”, o que não significa que tenha
sido escrita pelo punho dos doze Apóstolos de Cristo. Em geral,
os estudiosos afirmam que se trata de uma obra de vários autores,
que reúne as regras de convivência e de celebração escritas ou
apenas praticadas pelos cristãos, provavelmente das comunidades
originárias palestinas.
A Didaquê mostra-nos o início da formação da tradição cristã
como religião e, inclusive, como instituição ou organização
política e hierárquica, e a necessidade de estabelecer o ritual.
Revela, também, o contexto pagão em que viveram as primeiras
comunidades cristãs, como é possível observar na seguinte
instrução do Capítulo III da Didaquê (BETIATO, 2006):
4 - Meu filho, não sejas dado à adivinhação, pois ela
conduz à idolatria. Abstém-te também da encantação
(feitiçaria) e da astrologia e das purificações, nem
procures ver ou ouvir (entender) estas coisas, pois tudo
isto origina a idolatria.
Unidade 2
55
Universidade do Sul de Santa Catarina
E, pelo que parece, reflete o crescente distanciamento do
Judaísmo. Embora seja recomendado que se louve ao pai, ao
filho e ao espírito santo, Jesus é apresentado como servo, e não
como unidade com Deus pai; o pão e o vinho ainda não são
representações do “corpo e do sangue de Jesus seu único filho”,
mas da “vinha de Davi” e do “conhecimento revelado”; por
outro lado, já aparece a exigência do batismo, como é possível
observar nas seguintes instruções do Capítulo IX da Didaquê
(BETIATO, 2006):
1 - No que concerne à Eucaristia, celebrai-a da seguinte
maneira:
2 - Primeiro sobre o cálice, dizendo: “Nós te bendizemos
(agradecemos), nosso Pai, pela santa vinha de Davi, teu
servo, que tu nos revelaste por Jesus, teu servo; a ti, a
glória pelos séculos! Amém.”
3 - Sobre o pão a ser quebrado: “Nós te bendizemos
(agradecemos), nosso Pai, pela vida e pelo conhecimento
que nos revelaste por Jesus, teu servo; a ti, a glória pelos
séculos! Amém.”
4 - Da mesma maneira como este pão quebrado primeiro
fora semeado sobre as colinas e depois recolhido para
tornar-se um, assim das extremidades da terra seja unida
a ti tua igreja (assembléia) em teu reino; pois tua é a glória
e o poder pelos séculos! Amém.
5 - Ninguém coma nem beba de vossa Eucaristia, se não
estiver batizado em nome do Senhor. Pois a respeito dela
disse o Senhor: não deis as coisas santas aos cães!
Nesta fase, destacaram-se, também, Clemente Romano, Inácio
de Antioquia, Filon de Alexandria e Paulo de Tarso. Pode-se
dizer que os dois últimos colocaram a pedra fundamental da
“filosofia cristã”, com a explanação da identidade entre Logos,
Verbo e Cristo, conforme você estudou na Unidade 1. Além disso,
enfatizaram a distinção entre o Judaísmo e o evangelho cristão, e
saíram a propagá-lo.
56
História da Filosofia II
Paulo de Tarso, especialmente, empreendeu
jornadas missionárias, percorrendo a Grécia,
a Ásia Menor, a Itália, etc., convertendo
principalmente judeus como ele próprio.
É importante grifar que, por volta do ano 50, Figura 2.2 - Antigo símbolo cristão
Fonte: Cristianismo ([200- ?]).
começaram as perseguições aos cristãos, e as
hostilidades vinham de toda parte: do povo
comum, porque o politeísmo tradicional dava
uma segurança maior ao homem em relação à imprevisibilidade
dos fenômenos naturais, ao sucesso do cultivo da terra e à solução
das situações cotidianas, já que, para cada elemento da natureza,
havia uma divindade correspondente; de parte dos judeus, já que
o Cristianismo era uma seita judaica que crescia e se afastava de
suas raízes, o Velho Testamento; da população romana culta, que
entendia o cristianismo como uma “superstição nova e maléfica”,
que envolvia práticas de feitiçaria e que era própria da população;
e, pelo império, acusados de ateísmo, por não reconhecer o
absolutismo da majestade imperial. Tudo isso justificava a
violenta perseguição do Estado aos cristãos.
As perseguições contra os cristãos - Teresio Bosco
Plínio não demorou em aplicar a interdição das hetérias
num caso particular que lhe foi apresentado no outono de
112. A Bitínia estava cheia de cristãos: «É uma multidão
de gente de todas as idades, de todas as condições,
espalhada pelas cidades, nas aldeias e nos campos»,
escreve ao Imperador. Continua dizendo que recebeu
denúncias dos construtores de amuletos religiosos,
perturbados pelos cristãos que pregavam a inutilidade
de tais bugigangas. Instituíra uma espécie de processo
para conhecer bem os fatos, e tinha descoberto que eles
costumavam «reunir-se num dia fixo, antes do levantarse do sol, cantar um hino a Cristo como a um deus,
empenhar-se com juramento a não cometer crimes, a não
cometer nem roubos, nem assaltos, nem adultérios, e a
não faltar à palavra dada. Eles têm também o hábito de
reunir-se para tomar a própria refeição que, apesar dos
boatos, é alimento ordinário e inócuo».
Os cristãos não tinham cessado as reuniões nem mesmo
depois do edito do governador que insistia na interdição
das hetérias. Continuando a carta (10,96), Plínio refere
ao Imperador que nada vê de mal nisso tudo. A recusa,
porém, de oferecer incenso e vinho diante das estátuas do
Unidade 2
57
Universidade do Sul de Santa Catarina
Imperador parece-lhe um ato sacrílego de desprezo. A
obstinação dos cristãos parece-lhe «irracional e tola».
Parece claro, da carta de Plínio, que caíram as absurdas
acusações de infanticídio ritual e incesto. Permanecem
a de «recusarem a oferecer culto ao Imperador»
(portanto de lesa majestade), e da formação de hetérias.
O Imperador responde: «Os cristãos não devem ser
perseguidos por ofício. Sendo, porém, denunciados e
reconhecidos culpados, é preciso condená-los». Em outras
palavras: Trajano encoraja a fechar um olho sobre eles:
são uma hetéria inócua como os barqueiros do Sena e
os vendedores de vinho de Lion. Uma vez, porém, que
estão praticando uma «superstição irracional, tola e
fanática» (como é julgada por Plínio e outros intelectuais
do tempo, como Epíteto, e continuam a recusar o culto
ao imperador (e, portanto, consideram-se «estranhos» à
vida civil), não se pode fazer de conta que não há nada.
Quando denunciados, sejam condenados. Continua
então (embora de forma menos rígida) o “Não é lícito ser
cristão”. Vítimas desse período são seguramente o bispo
Simeão de Jerusalém, crucificado quando tinha 20 anos
de idade, e Inácio Bispo de Antioquia, levado a Roma
como cidadão romano, e aí justiçado. A mesma política,
em relação aos cristãos, é exercida pelos imperadores
Adriano (117-138) e Antonino Pio (138-161).
[...]
Fonte: Bosco (200- ?]).
A segunda fase, que se passa aproximadamente durante o séc.
II, é dedicada às primeiras estruturações da doutrina com vistas à
defesa do cristianismo contra o paganismo e o gnosticismo, pelos
padres apologistas – assim denominados, justamente por fazerem
a apologia dos ensinamentos evangélicos, para a qual utilizaram
argumentos filosóficos.
58
História da Filosofia II
Nesta fase, o Cristianismo foi
fortemente atacado por sábios pagãos,
que confrontavam a nova seita, na
opinião deles, repleta de misticismo,
com o vigor intelectual da tradição
greco-romana. As apologias cristãs
representavam um retrocesso ao
mito e ao misticismo, banidos pela
racionalidade filosófica séculos antes
e que agora ameaçavam voltar.
Figura 2.3 - Pentagrama, antigo
símbolo pagão
Fonte: Leitte (200- ?]).
Um dos críticos cultos do
Cristianismo foi Luciano de
Samosata, escritor de estilo satírico cujo tema recorrente era a
crítica aos cristãos, que ele fazia, em língua grega. Escreveu uma
obra denominada “A morte do peregrino”, na qual ridiculariza os
cristãos pela sua resignação estóica ao sofrimento e à perseguição,
e pelo seu amor fraternal.
Outro crítico foi Celso, cuja obra mais citada, “Discurso
Verdadeiro”, foi dedicada à defesa da religião pagã e à crítica da
visão messiânica, à moral e à fé cristã. Em resposta a Celso, no
século seguinte, Orígenes escreve a obra “Contra Celso”, na qual
critica os filósofos por alterarem seus argumentos e voltarem atrás
constantemente em suas afirmações, o que mostra a inverdade
de seu discurso. Contra o habilidoso discurso, o cristianismo
apresenta evidências do criador e sua criação, contra a adoração
de vários deuses. Celso defende o Deus único. Observe a citação
que segue:
Quanto mais eficaz e superior a todas essas fantasias é
a persuasão, pelo que é visível, da boa ordem do mundo
e a adoração do artífice único de um mundo que é uno,
em harmonia com a realidade total; que, portanto, não
pode ser obra de diversos demiurgos, nem ser mantido
por diversas almas que movem a totalidade do céu.
(ORÍGENES, 2004, p. 23).
Unidade 2
59
Universidade do Sul de Santa Catarina
No entanto, Orígenes utiliza uma série de recursos da
filosofia grega, como será visto mais adiante, na seção
sobre a Patrística Grega.
De um modo ou de outro, os escritos dessa fase estavam
concentrados, principalmente, na resposta às acusações de
ateísmo, insubordinação, e à rejeição do conhecimento pagão. A
esse respeito, Santidrián (1997, p. 36) afirma que:
Os textos dos apologistas reúnem, assim, os argumentos
e rumores que correm contra os cristãos e os rebatem
contundentemente. Dirigem-se, sobretudo, contra três
tipos de argumentos: a) contra a acusação de que os cristãos
representavam um perigo para o Estado. Chamam a
atenção sobre a maneira de viver dos cristãos: séria, austera,
casta e honrada; cidadãos de Roma, como os outros;
b) demonstram o absurdo e a imoralidade do paganismo
e de suas divindades. Defendem a unidade de Deus, a
divindade de Cristo e a ressurreição do corpo; e c) avançam
mais, afirmando que a filosofia não foi capaz de encontrar
a verdade, a não ser fragmentariamente. O cristianismo, ao
contrário, possui toda a verdade, porque o Logos, que é a
mesma razão divina, veio ao mundo por Cristo.
Nesse tempo, quanto mais o cristianismo crescia, mais acirrado
ficava o conflito com os seguidores do Império. Por um lado,
era necessário obedecer ao Império e justificar essa obediência
sem ser infiel às escrituras sagradas. Por outro lado, era preciso
estruturar a doutrina, estabelecendo seus cânones e elaborando
um discurso lógico, não apenas baseado na fé, para converter ao
Cristianismo as pessoas mais importantes do Império, ilustradas
pela ciência e pela filosofia helênico-romana.
Além disso, era preciso combater o gnosticismo e outros heréticos.
O gnosticismo ameaçava particularmente o pensamento filosóficoteológico, porque utilizava explanações no estilo platônico – “aliás,
repelidas por Plotino, que escreveu um dos tratados de suas
Eneadas ‘contra os gnósticos’ – com doutrinas cristãs e tradições
judaicas e orientais”. (MORA, 1994, p. 319).
60
História da Filosofia II
Figura 2.4 - O limiar entre o céu e a Terra
Fonte: Universum... (2010).
Há várias formas de gnosticismo, mas o que interessa neste
contexto é aquele que se vinculou ao Cristianismo e tinha caráter
aristocrático, dirigindo-se às camadas mais cultas da sociedade
romana. Esse gnosticismo caracterizava-se por uma compreensão
de Deus, desvinculada da razão e fundada na “iluminação direta”,
ou na revelação; por misturar elementos orientais, místicos,
helênicos e bíblicos; por rejeitar o Velho Testamento e deturpar
o evangelho; e por explicar que “esse mundo, que é caracterizado
pelo mal, não foi feito por Deus, mas sim por um demiurgo
malvado”. (REALE; ANTISERI, 1990, p. 406).
Em certo aspecto, a Patrística começou a tomar corpo justamente
porque foi atacada pelas contundentes críticas dos sábios pagãos,
e as Apologias dos primeiros pensadores cristãos foram escritas
em resposta a essas críticas. Havia um contexto de debate entre
a cultura pagã tradicional e os defensores do Cristianismo –
uma nova ideologia religiosa que exigia uma profunda reforma
cultural – , em disputa do convencimento, ou conversão do
Império Romano; disputa vencida pelo Cristianismo.
Entre os pensadores mais importantes desta segunda
fase da Patrística, estão Justino de Roma, Teófilo
de Antioquia, Tertuliano de Cartago e Clemente de
Alexandria.
Unidade 2
61
Universidade do Sul de Santa Catarina
Por fim, a terceira fase, quando propriamente se desenvolveu a
Patrística, vai do séc. III ao séc. VIII, e é considerada a fase de
consolidação do sistema doutrinário cristão, sob forte influência
do platonismo e do estoicismo.
É possível que, sem a incorporação de algumas bases gregas, os
doutores da Igreja tivessem demorado mais para estabelecer e
disseminar a doutrina, ou quem sabe, não tivessem logrado êxito
nessa intenção. Porém esse foi um árduo trabalho, visto que,
desde sua origem na Escola de Mileto, por volta do séc. VII a.C.,
até a Escola Neoplatônica de Atenas, posteriormente fechada por
um Édito de Justiniano em 529 d.C., a tradição filosófica grega
sempre esteve fundada na indagação racional, plenamente livre
de limites externos, e cujas conclusões sustentavam organicidade
própria e necessidade interna; enquanto que o pensamento
cristão estava fundado nas verdades da fé e suas conclusões que,
de certa forma, já estão reveladas nas escrituras sagradas. E, por
mais brilhantes que fossem os escritos patrísticos, não se pode
dizer que tenham sido fruto da pesquisa livre, tendo podido
desenvolver-se a despeito da doutrina e de seus dogmas.
Mesmo assim, muitos aspectos da filosofia grega, sobretudo
as ideias platônicas, tornaram-se bases consistentes para a
fundamentação da ontologia cristã, que defendia, justamente,
a oposição entre o verdadeiro “ser” de Deus, que é uno, eterno,
estável, pleno, e sua cópia, o “ser” do homem, que é dividido,
finito, instável e incompleto. Respectivamente, no pensamento
platônico, é o mundo arquetípico das ideias, da alma, em
oposição ao mundo da matéria, das aparências, das opiniões,
do corpo; e, respectivamente, no pensamento de Agostinho, é a
“Cidade de Deus” e a “Cidade dos Homens”.
A Patrística como um todo teve uma profunda
influência do platonismo, especialmente da segunda
investida neoplatônica de Plotino, no séc.III.
62
História da Filosofia II
Nascido no Egito, aproximadamente em 205 d.C.,
Plotino estudou em Alexandria e foi um dos principais
divulgadores das ideias platônicas. Para Plotino, a
filosofia ultrapassava a discussão moral, epistemológica
e a especulação abstrata, para propor uma explicação
de como todos os seres são criados a partir do Uno – o
Bem, indescritível e indefinível. Sendo indefinível,
não se pode, também, compreendê-lo, pelo menos não
com o estudo. Somente com a contemplação, com o
arrebatamento, pode-se compreender o Uno. Esta ideia
será lembrada, quando estudarmos Agostinho com seu
Figura 2.5 - Plotino
“Crer para compreender e compreender para crer”.
Fonte: Plotino ([20-- ?]).
Nesse sentido, pode-se dizer que o propósito
fundamental de Plotino foi estabelecer uma relação mais
direta entre o Uno criador e o múltiplo criado. Esta relação se
estabelece, segundo ele, por meio da manifestação do princípio
originário e ordenador do mundo, e da alma do mundo, na qual
estão incluídos os homens.
Plotino, assim como Platão, acredita que a alma humana está
aprisionada ao corpo e seu propósito mais nobre é fazer a “ascese”.
Porém, diferente de Platão, acredita que é possível realizar a
reintegração da alma ao Uno, por meio da transcendência ou
“união extática”, estando (a alma) ainda ligada ao corpo. O
“êxtase” de Plotino não tinha o mesmo sentido de “graça divina”,
como queriam alguns padres, mas era fruto do esforço voluntário
da alma humana.
Observe a citação que segue: são palavras de Plotino sobre a
relação entre o Uno e o homem:
Tu te acresces, portanto, a ti mesmo, depois de ter jogado
fora o resto: depois de tal renúncia, o “Todo” se te faz
presente; mas, se se faz presente para quem sabe renunciar,
ele, no entanto, não aparece por nada para quem fica com
as outras coisas; não creias que ele “vem para ficar a teu
lado”, mas, quando ele não está junto de ti, foste tu quem
foi embora. E, tendo ido embora, tu não foste embora
d’Ele (pois Ele ainda está presente ali) nem foste para
qualquer outro ponto, mas sim, mesmo permanecendo
presente, te voltastes para a parte oposta (para o lado das
coisas). (REALE; ANTISERI, 1990, p. 349).
Unidade 2
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Universidade do Sul de Santa Catarina
De acordo com Reale e Antiseri (1990), Plotino foi a última
grande voz da antiguidade greco-pagã.
Um dos pensadores mais conhecidos desta longa fase é Agostinho
de Hipona. Filho de pai pagão e de mãe cristã, Agostinho fez seus
primeiros estudos clássicos em retórica e gramática, e, embora
tenha sido fortemente influenciado pela mãe, viveu no paganismo
até sua conversão no ano 387, como consta em suas “Confissões”
(SANTIDRIÁN, 1997, p. 14). Este pensador será retomado mais
adiante, na seção sobre a Patrística Latina.
Depois de Agostinho, a Patrística
manteve-se por mais dois séculos,
porém não mais com o mesmo vigor.
Houve uma espécie de esgotamento
das questões filosófico-teológicas
tratadas até aquele momento, e,
como se não bastasse a apatia
interna, havia o abalo social e
político pela decadência do poderoso
Império Romano diante da sua
ingovernabilidade, da falência do
Figura 2.6 - Imagem representativa de
sistema escravista, do nascimento do
São Bento de Núrcia
poder feudal e das invasões bárbaras.
Fonte: Fernandez (2011).
Mesmo assim, pela crescente
influência religiosa, e diante da
fragmentação política da sociedade feudal, a Igreja passou a
exercer importante papel de unificação da vida social.
Vale lembrar que, principalmente em função da instabilidade
político-social, muitos doutores cristãos do final desta terceira
fase da Patrística dedicaram-se ao Monaquismo, em que se
destaca São Bento, conhecido como “Pai dos Monges do
Ocidente”, e cujas regras monásticas prevaleceram durante
séculos.
64
História da Filosofia II
Ao depararmos com o termo Monaquismo, de
imediato nos surge a ideia de isolamento e de
alheamento do mundo. Com efeito, o Monaquismo
é um sistema de vida de consagração à causa divina,
que tenta chegar a Deus passando pelo recolhimento
e uma vida de dedicação e interiorização.
A esta palavra associa-se uma outra - monge - que
deriva do grego monos, (único, só). Etimologicamente,
designa aquele que vive solitário, dedicando a sua
vida ao serviço de Deus, dedicação essa assumida
livremente e que pressupõe o cumprimento das
normas estabelecidas numa regra, baseando-se
sempre nos conceitos de castidade, pobreza e
obediência. [...]. Desde os primórdios da Cristandade
que os ideais livremente assumidos de virgindade
e castidade em louvor do Reino de Deus foram
motivo de admiração. Essa escolha era feita “por
fiéis de ambos os sexos que abraçaram uma vida
de plena imitação de Cristo e que, para além dos
votos referidos, praticavam a oração e a mortificação
paralelamente com obras de misericórdia”.
Como causas deste procedimento, poderemos referir a
“repugnância pela imoralidade reinante” e, sobretudo
para as mulheres, o fato de esse tipo de vida lhes
proporcionar certa emancipação, tendo em conta a
servidão social que o matrimônio assumia na época.
Fonte: Vargas (2003).
Entre os escritores cristãos da terceira fase da Patrística, é
possível citar os nomes Orígenes de Alexandria, Cipriano de
Cartago, Gregório de Nissa, Jerônimo, Plutarco, Proclo, o mais
conhecido deste grupo que é Agostinho de Hipona, os Padres
Capadócios, Cirilo de Alexandria, Papa Gregório I, Boecio, João
Damasceno, entre tantos outros que viveram e teorizaram nesses
cinco séculos, entre o séc. III e o início da Idade Média.
Unidade 2
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Universidade do Sul de Santa Catarina
Saiba mais sobre as Escolas
Neoplatônicas, consultando a fonte
bibliográfica citada no Saiba Mais.
Também é importante lembrar o papel fundamental das grandes
escolas neoplatônicas que, desde o período clássico e helênico,
atuaram como centros de conhecimento artístico, filosófico
e científico, às quais estavam ligados os pensadores que se
envolveram com a questão do Cristianismo, seja criticando-o ou
defendendo-o. Umas mais antigas que outras, umas mais voltadas
ao conhecimento pagão, e outras voltadas ao desenvolvimento
teórico doutrinário teológico, estas escolas fizeram parte da
Patrística e da história do pensamento cristão. Reale e Antiseri
(1990, p. 350) citam as Escolas Neoplatônicas. Estão na
sequência:
„„
„„
„„
„„
„„
66
primeira escola de Alexandria, fundada por Amônio
Sacas, em 200 d.C., da qual Plotino foi aluno.
Alexandria, cidade fundada em 331 a.C. por Alexandre,
no Egito, já era um reconhecido centro cultural,
abrigando a famosa biblioteca. Embora estivesse
estreitamente ligada à tradição metafísica grega, acabou
tornando-se um dos mais antigos centros de estudos do
Cristianismo;
a escola fundada por Plotino em Roma, no ano de
244, que, provavelmente, seguiu o traço metafísico e
especulativo de seu mestre Amônio, mantinha distinção
em relação à “religião positiva” e às “práticas mágicoteúrgicas”, isto é, dedicadas aos rituais e ao culto de
Deus;
escola da Síria, fundada por Jâmblico pouco depois do
ano 300. Diferente da anterior, esta escola destacou-se
por buscar a síntese entre o sistema filosófico e o
religioso, não apenas cristão, como também o politeísta;
escola de Pérgamo, fundada em 340 por Edésio, que
fora discípulo de Jâmblico, mas que não fez desta uma
expressiva escola nos moldes de seu mestre;
escola de Atenas, fundada por Plutarco entre os séculos
IV e V, e fechada pelo édito de Justiniano em 529.
Pode-se dizer que foi o último reduto do helenismo a
sobreviver no mundo cristão;
História da Filosofia II
„„
„„
segunda Escola de Alexandria, que, na verdade, é
a primeira, porém renascida. Um de seus maiores
pensadores foi Amônio (filho de Hermias) com sua
obra dedicada ao comentário de Aristóteles. E importa
grifar que os estudiosos dessa escola tendiam à erudição
e estudavam Aristóteles como uma introdução ao
pensamento de Platão; e
as Escolas de Alexandria e Atenas passaram por dois
momentos: o de sua fundação, e, depois de decaírem, o
de seu ressurgimento, mantendo-se atuantes até o séc.
VI, aproximadamente.
Até aqui foi apresentada a divisão da Patrística numa perspectiva
histórica, pelo critério cronológico, mas é possível estudá-la a
partir de outros critérios. Os estudiosos também identificam
duas linhas de pensamento distintas na Patrística, que agrupa
os filósofos-teólogos deste período em função da forma de sua
argumentação, do método e dos recursos verbais e conceituais
que aplicaram em suas teorias. São elas: a Patrística Grega e a
Patrística Latina. Assunto das próximas seções.
Seção 2 – A Patrística grega e a continuidade entre o
mundo grego e o cristão
Os pensadores da Patrística grega, na sua maioria, tiveram
formação na cultura helênica e viveram no paganismo até se
converterem ao Cristianismo, por motivos diversos. Há que se
considerar o contexto, a multiplicidade de sistemas filosóficos
que já proliferavam desde o séc. I a.C. e o inevitável ceticismo
que surgia a partir da conclusão de que nenhum dos sistemas
existentes poderia levar o homem à felicidade. Isso pode ter
feito os pensadores da época tornarem-se receptivos ao sagrado.
No início, o Cristianismo não passava de mais uma das seitas
orientais que invadiam o mundo helenizado; vinha pregando
a liberdade, a igualdade entre os homens, a paz e a salvação e
encontrou o sincretismo e as dissidências típicas desse período de
transição. O sagrado, de cuja separação nascera a filosofia, volta,
então, a orientar o pensamento vigente.
Unidade 2
67
Universidade do Sul de Santa Catarina
Figura 2.7 - Paulo e a cegueira de Barjesus, o mago
Fonte: Pedreiro (2007).
Especialmente a partir da conversão dos homens cultos e da
necessidade de estruturar a doutrina cristã frente à cultura
pagã, esses doutores pagãos convertidos lançaram mão da
filosofia para elaborar o discurso doutrinário da nova religião.
Aplicaram os esquemas conceituais, a dialética e a lógica do
pensamento grego como instrumentos para dar organicidade
interna e força à verdade cristã, que, até aquele momento,
estava mais baseada no critério da “revelação” divina do que
no critério da “elaboração” por meios humanos. Esses homens
levaram para dentro de uma doutrina que estava nascendo no
ocidente os modelos e os esquemas tradicionais da cultura pagã.
Por esse motivo, afirma-se que a Patrística grega promove a
continuidade entre a cultura pagã para a cristã.
Doutores da Patrística Grega como Justino, Taciano,
Antenágoras, entre outros, enxergavam uma continuidade entre
a filosofia e o Novo Testamento. O esforço especulativo dos
filósofos gregos na busca do bem supremo, da felicidade e do
retorno à essência por meio do conhecimento científico-filosófico
foi uma etapa necessária para tornar os homens capazes de
receber a “boa nova”, a verdade revelada do Cristianismo. Desse
entendimento decorre a convicção de que é possível conhecer
a Deus a partir do conhecimento da obra de Deus, isto é, do
conhecimento do mundo natural, exterior, por meio da razão
humana. Há, então, uma sabedoria cristã.
68
História da Filosofia II
A seguir, leia o fragmento do texto “Sobre a ressurreição dos
mortos” de Antenágoras de Atenas, um dos maiores apologistas
gregos do séc. II. Observe como parece que ele buscou inspiração
na ironia socrática, para elaborar seu ensinamento:
Com efeito, se se olha para a força demonstrativa e para
a ordem natural, os raciocínios a respeito da verdade têm
a primazia sobre os raciocínios em defesa da verdade; ao
contrário, se olhamos, porém, a utilidade, os raciocínios
em defesa da verdade são anteriores aos raciocínios a
respeito da verdade. Assim é que o lavrador não pode
convenientemente lançar as sementes na terra, se antes
não arrancar todo o mato e o que pode prejudicar
a boa semente; o médico também não pode aplicar
medicamentos de saúde ao enfermo, se não limpa antes o
mal interno ou não detém o mal que procura infiltrar-se;
assim quem procura ensinar a verdade não poderá, por
mais que fale dela, persuadir a ninguém, enquanto uma
falsa opinião esteja agarrada à mente dos ouvintes e se
oponha aos raciocínios. Nós também, visando justamente
à utilidade, por vezes antepomos os raciocínios em defesa
da verdade aos raciocínios a respeito da verdade.
Fonte: Sobre... ([200- ?]).
Você deve lembrar que Sócrates utilizava a ironia
com seus discípulos, a fim de purgar as opiniões, ou
falsas verdades, de modo que o aprendiz estivesse
preparado para “dar à luz” novas e verdadeiras ideias.
Segundo Étienne Gilson, Antenágoras busca justificar o estudo
do conhecimento pagão e a aplicação da razão na justificação da
crença. Observe:
É preciso nos informarmos sobre Deus com “Deus”, isto
é, na Revelação; mas, feito isso, podemos refletir sobre a
verdade revelada e interpretá-la com auxílio da razão. É
o que Antenágoras chama, no capítulo da “Súplica”, de
“demonstração da fé. (GILSON, 2007, p. 18).
A Patrística grega desenvolveu-se em torno de duas grandes escolas:
de Alexandria e de Antioquia. Elas representavam duas linhas
distintas de entendimento e interpretação das sagradas escrituras:
enquanto a primeira fazia uma leitura mais alegórica da bíblia, a
outra fazia uma leitura mais literal.
Unidade 2
69
Universidade do Sul de Santa Catarina
São vários os representantes da Patrística grega. Nesta
oportunidade, vamos abordar apenas dois deles: Justino Mártir e
Orígenes de Alexandria. O codinome “Mártir” não é apenas pelo
fato de Justino ter sido preso e decapitado pelo governo de Roma,
mas por ter estudado profundamente o estoicismo, admirado
a vida austera dos cristãos, bem como seu martírio diante das
perseguições e torturas, que suportavam com resignação. Veja a
Figura 2.8.
Figura 2.8 - Imagem de Justino Mártir (107 - 165).
Fonte: Papa... (2007).
Justino é um dos apologistas mais conhecidos. De suas obras,
conservam-se três: “Diálogo com o judeu Trifão”, um diálogo
em que ele próprio explica ao sábio judeu como a mensagem
de Cristo é uma continuidade dos ensinamentos do Velho
Testamento; “Apologia I”, dirigida ao Senado Romano e ao
Imperador Antonino Pio; e a “Apologia II”, escrita por ocasião da
morte de três cristãos que professaram sua fé.
Nascido em uma família pagã, como a maioria de seus
contemporâneos, Justino teve formação tradicional, até converterse ao Cristianismo. Estudando os profetas do Velho Testamento,
a quem buscara especialmente para saber sobre a questão da
imortalidade da alma, Justino chegou ao Cristianismo.
Explicou a ligação da filosofia com o Cristianismo, por meio
do argumento do Logos, buscado por filósofos gregos e revelado
aos cristãos. Embora buscassem explicar o Logos, bem como
a união com ele, com a palavra criadora, o artífice racional,
esses filósofos não chegavam a um consenso e não conseguiam
atingir a felicidade plena. Em função disso, Justino afirma que
70
História da Filosofia II
os filósofos gregos aproximaram-se da verdade de Deus por meio
das verdades especulativas intuídas. Porém, somente os cristãos
conheciam o verbo-logos: “O Logos se fez carne e habitou entre
nós” (Jô 1,14).
Embora o apóstolo João fale do “Verbo que ilumina
todo homem que vem ao mundo, foi no estoicismo
que Justino aprendeu que o Lógos é a razão imanente
do mundo, a lei que o rege e a força que o anima. Neste
aspecto, o Lógos é chamado Logos spermatiks ou
razão seminal. Cada homem tem seu lógos particular,
participa do lógos total, animado, dirigido por ele.
Assim, em Cristo-Logos, os cristãos têm a plenitude do
conhecimento e da revelação (10,1); “A nossa doutrina
supera todo ensinamento humano porque temos
o Lógos em toda a sua inteireza em Cristo, que foi
manifestado por nós, corpo, razão e alma. O Lógos é
criador de sua própria humanidade. Cristo, Filho de
Deus, é a Lei eterna e a nossa aliança para o mundo
inteiro. O tema central de Justino é o plano criador e
salvífico de Deus (a economia), manifestado e realizado
por Cristo-Lógos. No interior deste plano divino,
encontra seu lugar a sabedoria dos antigos filósofos.
Sua premissa básica é que a razão humana (lógos) é
uma participação do Lógos divino: em cada homem há
“uma semente”, sperma do Lógos, resultante da ação
do “Verbo que dá a semente” (7,3; 13,3).
Fonte: Diocese de Anápolis (2011b).
Observe na citação que segue, do Capítulo décimo da II
Apologia de Justino, a interessante comparação que ele faz entre
Cristo e Sócrates:
Com efeito, tudo o que os filósofos e legisladores
disseram e encontraram de bom, foi elaborado por eles
pela investigação e intuição, conforme a parte do Verbo
que lhes coube. 3Todavia, como eles não conheceram
o Verbo inteiro, que é Cristo, eles freqüentemente se
contradisseram uns aos outros. 4Aqueles que antes de
Cristo tentaram investigar e demonstrar as coisas pela
razão, conforme as forças humanas, foram levados aos
tribunais como ímpios e amigos de novidades. 5Sócrates,
que mais se empenhou nisso, foi acusado dos mesmos
crimes que nós, pois diziam que ele introduzia novos
demônios e que não reconhecia aqueles que a cidade
considerava como deuses. 6O fato é que, expulsando
Unidade 2
71
Universidade do Sul de Santa Catarina
da república Homero e outros poetas, ele ensinou os
homens a rejeitar os maus demônios, que cometeram
as abominações de que falam os poetas, e, ao mesmo
tempo, os exortava ao conhecimento de Deus, para
eles desconhecido, por meio de investigação racional,
dizendo: “Não é fácil encontrar o Pai e artífice do
universo, nem, quando o tivermos encontrado, é seguro
dizê-lo a todos.” 7Foi justamente o que o nosso Cristo
fez por sua própria virtude. 8Com efeito, ninguém
acreditou em Sócrates, até que ele deu a sua vida por essa
doutrina; em Cristo, porém, que em parte foi conhecido
por Sócrates, – pois ele era e é o Verbo que está em tudo,
e foi quem predisse o futuro através dos profetas e, feito
de nossa natureza, por si mesmo nos ensinou essas coisas
– em Cristo acreditaram não só filósofos e homens cultos,
mas também artesãos e pessoas totalmente ignorantes,
que souberam desprezar a opinião, o medo e a morte;
porque ele é a virtude do Pai inefável, e não um vaso de
humana razão (JUSTINO, 1995).
Segundo Justino, há “algo como uma semente do Verbo Divino”
nos filósofos gregos, mas sem que seja alcançado inteiramente
por eles. Prova disso é que há contradições entre esses pensadores
pagãos, que se dividem e confundem em vários sistemas,
enquanto, na verdade, sua filosofia é uma só. Porém, eles não
sabem disso.
Influenciado pela filosofia de Platão, que considerava um
caminho para o conhecimento de Deus, Justino acreditava na
possibilidade da alma reintegrar-se a Deus por meio do exercício
filosófico. No entanto, nem tudo Justino conseguiu absorver de
Platão. É o caso da questão da alma incorruptível e do corpo
corruptível: esta era uma que não se explicava para ele:
Tudo o que existe fora de Deus [...] é corruptível por sua
natureza, pode desaparecer e não existir mais. Somente
Deus é incriado e incorruptível – e exatamente por isso é
que é Deus –, ao passo que tudo o que vem dele é criado
e corruptível. Eis porque as almas morrem e são punidas;
se elas não fossem corruptíveis, não pecariam. (REALE;
ANTISERI, 1990, p. 409).
Justino explica que o corpo e a alma do homem não estão unidos
para a eternidade, mas por circunstância criada pela vontade de
Deus. Embora a natureza humana participe do Lógos por meio
72
História da Filosofia II
da alma e do espírito que habita nela, ela não é idêntica ao verbo,
mas é criada a partir dele. Porém, quando a alma se desliga do
corpo, deixam de existir o corpo, a alma e o homem.
Sobre este tema, Reale e Antiseri (1990, p. 408) citam
uma passagem da segunda Apologia de Justino, que resume
perfeitamente a sua posição de cristão em relação à filosofia:
Eu sou cristão, glorio-me disso e, confesso, desejo fazerme reconhecer como tal. A doutrina de Platão não é
incompatível com a de Cristo, mas não se casa perfeitamente
com ela, não mais do que a dos outros, dos estóicos, dos
poetas, e dos escritores. “Cada uma delas viu, do Verbo
divino que estava disseminado pelo mundo, aquilo que
estava em relação com a sua natureza, chegando desse
modo a expressar uma verdade parcial.” Mas, à medida
que se contradizem nos pontos fundamentais, mostram
que não estão de posse de uma ciência infalível e de um
conhecimento irrefutável. “Tudo aquilo que ensinaram com
veracidade pertence a nós, cristãos.” Com efeito, depois
de Deus nós adoramos e amamos o Logos, nascido de
Deus, eterno e inefável, porque ele se fez homem por nós,
para curar-nos dos nossos males tomando-os sobre si. Os
escritores “puderam ver a verdade de modo obscuro graças
à semente do Logos que neles foi depositada”. Mas uma
coisa é possuir uma semente e uma semelhança proporcional
às próprias faculdades e outra é o próprio Logos, cuja
participação e imitação deriva da Graça que dele provém.
Para Justino, os cristãos vivem conforme o Lógos, ainda mais
inteiramente do que os filósofos gregos, já que a razão dos cristãos
leva-os a um resultado definitivo. A “única filosofia segura e útil”
é o Cristianismo, portanto os cristãos são filósofos por natureza,
conclui Justino.
Outro personagem de grande importância para a Patrística grega
foi Orígenes de Alexandria. Nasceu em Alexandria, filho de pai
cristão, que viu ser perseguido e morto. Orígenes, depois da morte
do pai e ainda jovem, começou a se dedicar vigorosamente ao
estudo e ao ensino, até ser preso e torturado até a morte, por ordem
do Imperador Décio. Foi aluno de Clemente de Alexandria e, mais
tarde, pelo que tudo indica, foi de Amônio Sacas. Em sua atividade
de professor manteve a linha da Escola de Alexandria.
Unidade 2
Sobre a linha da escola
de Alexandria, destacamse os seguintes itens:
a) primeiro, o aprendiz
deveria dedicar-se ao
exercício da dialética;
b) em seguida, deveria
dedicar-se ao estudo das
ciências da natureza;
c) depois, à ética e
às virtudes morais
(prudência, temperança,
justiça e piedade); d) só
então, o aprendiz poderia
prosseguir e aprender a
teologia e a metafísica.
Fonte: Otero (2003).
73
Universidade do Sul de Santa Catarina
Figura 2.9 - A tortura de Orígenes
Fonte: Dicionário... ([20-- ?]).
Segundo relatos, Orígenes é autor de uma extensa obra, que
pode ser dividida em quatro blocos: obras bíblicas e exegéticas,
entre elas uma edição da bíblia – Hexapla; obras teológicas,
consideradas a primeira tentativa de sistematização teológica,
entre as quais se destaca Sobre os Princípios, obras Apologéticas,
das quais restou apenas o livro Contra Celsum; e, obras ascéticas,
basicamente dedicadas aos temas da oração e do martírio.
(SANTIDRIÁN, 1997, p. 432-433).
Orígenes dedicou sua vida às suas convicções, de modo que seu
testemunho e pensamento foram motivo de grande polêmica
entre os doutores e padres da Igreja até o séc.V. O Concílio de
Constantinopla em 553 rejeitou o conjunto do seu pensamento,
sobretudo a doutrina da reencarnação, declarada herética pela
assembléia dos bispos. Assim, a referência ao seu pensamento foi
evitada por séculos na Igreja.
A questão da reencarnação é uma das questões controversas. Há
quem defenda que Orígenes referia-se à “transmigração” da alma
humana por sucessivos mundos até seu reencontro final com
Deus, e não propriamente em reencarnação, o que implicaria
manutenção da identidade do sujeito através das sucessivas vidas
e acúmulo de pecados -- karma.
74
História da Filosofia II
Segundo Orígenes, conforme o tamanho do
distanciamento que a alma estabeleceu de Deus, e
conforme seu esforço em tornar a ligar-se a Deus, a alma
volta a nascer até que esteja purificada o bastante para
permanecer em seu estado originário. Ele acreditava que
toda alma racional, por ter sido tocada pelo espírito divino,
pode captar o significado do evangelho e vislumbrar a luz
divina, mas não pode conhecer Deus n’Ele mesmo. Deus
está fora do mundo criado e não pode ser captado pela
alma que está inserida entre as coisas criadas e corruptíveis.
Observe as palavras de Orígenes, na citação que segue:
Em sua realidade, Deus é incompreensível e
inescrutável. Com efeito, podemos pensar e
compreender qualquer coisa de Deus, mas devemos
crer que ele é amplamente superior àquilo que dele
pensamos [...]. Por isso, sua natureza não pode ser
compreendida pela capacidade da mente humana,
mesmo que seja a mais pura e a mais límpida.
(REALE; ANTISERI, 1990, p. 413).
Figura 2.10 - Orígenes de
Alexandria (185-253)
Fonte: Orígenes (2009).
Então, como é possível conhecer algo de verdadeiro
sobre Deus?
Nessa questão, Orígenes segue as orientações de São Paulo, que
apresentava a possibilidade do conhecimento humano em três
níveis: sabedoria divina; conhecimento das coisas (gnosis); e fé.
Todos os cristãos crêem, pois, nas mesmas coisas, mas
não da mesma maneira. O homem se compõe de um
corpo, de uma alma e de um espírito. Do mesmo modo,
a Igreja se compõe de simples fiéis, que se atêm à fé nua
e crua na verdade do sentido histórico das Escrituras;
de cristãos mais perfeitos, que, graças à interpretação
alegórica dos textos, atingem a “gnose”, isto é, no sentido
bíblico da palavra “conhecer”, um conhecimento que seja
uma união (Jô 14, 4; 17); enfim, cristãos mais perfeitos
ainda, que alcançam o “sentido espiritual” das Escrituras
e, por uma contemplação superior (theôria), já discernem
na própria Lei divina a sombra da beatitude vindoura.
(GILSON, 2007, p.51).
Unidade 2
75
Universidade do Sul de Santa Catarina
Orígenes afirmava que é possível fazer a ascese (e aqui nos
lembra Platão) por meio de um processo gradativo que inicia
com a dialética, passa ao conhecimento das coisas sensíveis, e às
verdades intelectuais e morais. O problema, segundo ele, é que
alguns homens se contentam com essa luz que ainda não é força
maior (o que pode ser uma referência aos filósofos gregos).
Somente os que são tocados pelo “calor divino” é que
podem, realmente, vê-lo.
É exatamente nisso que difere a gnose pagã do cristianismo que
Orígenes chama de “verdadeira gnose”. E parece que nisso ele
concorda com Clemente: não é possível ser verdadeiramente
cristão sem o conhecimento; e não se pode ser verdadeiramente
gnóstico sem a fé. Para Clemente de Alexandria, há três
testamentos para o cristão: um Novo Testamento, o de Cristo,
que os Apóstolos registraram, e dois Velhos Testamentos: o
judaico e o grego. “A lei aos judeus; a filosofia aos gregos; a Lei, a
filosofia e a fé aos cristãos”(GILSON, 2007, p. 45).
Observe a seguinte paráfrase de uma passagem da obra
Estrômates (VI, 15), de Clemente:
O filósofo pagão é uma árvore bravia; consome pouco
alimento mas não produz frutos. Sobrevindo um
jardineiro que a enxerte com um ramo de oliveira, essa
árvore precisará de mais alimento, mas dará azeite. Deus
é esse jardineiro, que enxerta a fé na razão do homem. [...]
Mas a melhor das enxertias se faz de borbulha. Retira-se
um broto com seu fragmento de casca e substitui-se-o por
um broto da árvore que se quer enxertar. É esse o enxerto
que produz o gnóstico digno desse nome. O olho da fé
substitui, por assim dizer, o da razão natural, e o filósofo
passa a ver por ele. (GILSON, 2007, p. 49).
76
História da Filosofia II
Orígenes é reconhecido, também, pelo uso do método alegórico
na interpretação das Escrituras Sagradas, que ele afirmava conter
sentidos extra-literais. Tal método fora aplicado anteriormente
por Filon de Alexandria; era uma característica da Escola de
Alexandria, e pode remontar à tradição grega de interpretação
das narrativas míticas. E, como vimos anteriormente, Orígenes
considera a interpretação alegórica das Escrituras uma condição
de aperfeiçoamento do cristão.
Outra questão importante do pensamento de
Orígenes é sua doutrina da “Apocatástase”, isto é, a
afirmação de que tudo o que veio de Deus, voltará a
Ele, e o “fim será exatamente igual ao princípio”.
Embora o “Gênesis” aponte um começo para o mundo em
que vivemos, este mundo não é o primeiro nem será o último
na criação divina, visto que ela é eterna. E, nessa sucessão de
mundos, há certo progresso, no sentido do bem que extirpa o
mal, da alma que busca o calor de Deus e de todos os seres que
se dirigem naturalmente à sua origem primitiva. Sendo assim,
há uma tendência natural a Deus, somente o livre arbítrio pode
afastar o homem d’Ele.
Segundo Orígenes:
Devemos crer que toda essa nossa substância corpórea
será retirada a tal condição quando toda coisa for
reintegrada para ser uma coisa só e Deus for tudo em
todos. Isso, porém, não acontecerá em um só momento,
mas lenta e gradualmente, através de infinitos séculos,
já que a correção e a purificação advirão pouco a pouco e
singularmente: enquanto alguns com ritmo mais veloz se
apressarão como primeiros na meta, outros os seguirão
de perto e outros ainda ficarão muito para trás. E assim,
através de inumeráveis ordens constituídas por aqueles
que progridem e, inimigos que eram, se reconciliam
com Deus, chega-se ao último inimigo, a morte, para
que também ela seja destruída e não haja mais inimigo.
(REALE; ANTISERI, 1990, p. 416).
Unidade 2
77
Universidade do Sul de Santa Catarina
Com essa citação, é possível imaginar quanta polêmica Orígenes
deve ter causado não apenas entre os doutores pagãos, mas
também ente os padres da Igreja. Além disso, também é possível
avaliar a influência que sua doutrina exerceu sobre as diversas
seitas e religiões ocidentais até hoje.
Depois de Orígenes, a Patrística grega continuou com Eusébio de
Cesaréia, Atanásio de Alexandria, os Padres Capadócios, entre
outros, até João Damasceno, no séc.VII, considerado o último
representante da Patrística grega. Ademais, a partir do séc. IV, a
Patrística latina se afirma cada vez mais entre os padres da Igreja.
Veja a Figura 2.11.
Padres Capadócios é o nome dado aos seguintes
padres: Basílio Cesaréia; Gregório de Nissa, irmão
de Basílio; e Gregório Nazianzeno. Segundo Werner
Jaeger: Orígenes e Clemente haviam-se movido
por esse caminho de altas reflexões, mas agora era
preciso muito mais. Certamente, Orígenes havia
dado sua teologia à religião cristã no espírito da
tradição filosófica grega, mas aquilo que os Padres
da Capadócia visavam em seu pensamento era uma
civilização cristã total. E levavam para essa empresa
a contribuição de uma vasta cultura, que é evidente
em cada parte de seus escritos. [...] Graças à sua obra,
o cristianismo ergue-se agora como o herdeiro de
tudo o que parecia digno de sobreviver na tradição
grega. Com isso, ele não apenas se fortalece e reforça
sua posição no mundo civil, como também salva e dá
nova vida a um patrimônio cultural que, em grande
parte, sobretudo nas escolas retóricas da época, haviase tornado uma forma vazia e adulterada de uma
tradição clássica já ossificada.
Figura 2.11 - Padres Capadócios
Fonte: San... (2007).
78
História da Filosofia II
Seção 3 – A Patrística latina e o antagonismo entre o
mundo grego e o cristão
Denomina-se Patrística latina o pensamento filosófico-teológico
que se desenvolveu entre o séc. IV e V, cujas características
principais são: o latim como língua padrão e a negação da filosofia
pagã como parte necessária da doutrina cristã.
Mais influenciados pela Escola de Antioquia do que pela de
Alexandria, os latinos rejeitavam a interpretação alegórica das
escrituras e davam maior importância ao contexto histórico e
cultural onde elas foram escritas. Em passagens bíblicas que
causavam constrangimento por seu obscurantismo, por exemplo,
os latinos utilizavam como explicação outras passagens bíblicas
que fossem mais claras; em vez de recorrer à alegoria. E, assim,
exceto no que se refere ao Velho Testamento, que precisava de certa
manipulação, sobretudo para demonstrar que a vinda de Cristo já
havia sido anunciada naquele documento.
A palavra Apócrifo vem
do grego Apokryphos
e significa oculto ou
não autêntico. Mas
este termo é usado
principalmente para
designar os documentos
do início da era Cristã,
que abordam também a
vida e os ensinamentos
de Jesus, mas não foram
inclusos na Bíblia Sagrada
por serem considerados
ilegítimos. A origem dos
Livros Apócrifos (também
chamados de Livros
Gnósticos; do grego
Gnosis, que significa
Conhecimento) nos
remete ao ano 367 d.C. Por
ordem do Bispo Atanásio
de Alexandria, que seguia
a resolução do Concílio
de Nicéia ocorrido em
325 d.C, foram destruídos
inúmeros manuscritos
dos primórdios do
Cristianismo.
Figura 2.12 - Figura 2.12 - Documento Apócrifo do início da era cristã
Fonte: Os livros... ([200-?]).
É válido lembrar que os padres latinos elaboraram suas doutrinas
sob os auspícios dos primeiros Concílios Ecumênicos. Portanto,
praticavam a exegese fechada, obedeciam aos cânones recém
estabelecidos ou em vias de sê-lo.
Unidade 2
79
Universidade do Sul de Santa Catarina
Pode-se dizer que, inicialmente, antes de Agostinho, os padres
da Patrística latina não absorveram significativamente a filosofia
em suas doutrinas, e seus enfáticos discursos estiveram baseados
apenas na fé fervorosa. Como exemplo de crítica à cultura pagã
e às tentativas de conciliação entre fé e filosofia, pode-se citar a
seguinte passagem de Minúcio Felix, autor do primeiro escrito
apologético latino em favor dos cristãos:
E note-se bem que os filósofos afirmam as mesmas coisas
em que cremos “não porque nós tenhamos seguido os seus
passos, mas porque eles se deixaram guiar por uma leve
centelha, que os iluminou com as pregações dos profetas
sobre a divindade, inserindo um fragmento de verdade em
seus sonhos”. (REALE; ANTISERI, 1990, p. 424).
São vários os representantes da Patrística latina. Nesta
oportunidade, vamos abordar apenas dois deles: Tertuliano de
Cartago e Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho.
Tertuliano, cujo nome completo é Quinto Septímio Florente
Tertuliano, nasceu em Cartago, que era um importante centro
cultural da África “latina” da época. Recebeu sólida formação em
sua juventude e, aos vinte anos, dirigiu-se a Roma onde, segundo
os historiadores, teria exercido a prática do Direito. Converteuse ao cristianismo quando já tinha por volta de trinta anos
de idade, sendo ordenado sacerdote logo em seguida. Porém,
aproximadamente vinte anos depois, Tertuliano abandonou
o cristianismo, seguindo uma seita ascética denominada
Montanismo e constituindo, posteriormente, sua própria seita, o
“Tertulianismo”, que perdurou até o séc. V. O Montanismo foi
considerado uma seita herética pela Igreja.
O montanismo foi um movimento herético cristão
iniciado por Montano por volta do ano 170. Também
é denominado heresia dos frígios ou dos pepuzianos,
para indicar a região de origem e o centro do
movimento. As informações sobre tal movimento
chegaram até nós, sobretudo mediante a vasta
literatura antimontanista. Caracterizado por uma forte
consciência entusiasta e extática (inspirada talvez em
antigos cultos pagãos) e por um espiritualismo radical
80
História da Filosofia II
de fundo escatológico, o montanismo proclamava
o advento do Paráclito (ou seja, do Espírito Santo)
para guiar a Igreja, à espera da iminente parusia
perfeita do Cristo. Em decorrência de uma fervorosa
ação apostólica, o montanismo teve ampla difusão,
sobretudo, a princípio, entre as mulheres: Priscila,
Quintila, Maximila são lembradas como profetisas.
Também contou com adesões notáveis, como a de
Tertuliano. Depois de tentativas iniciais de isolamento,
passou a ser combatido como heresia nos séculos
III e IV, devido, sobretudo, à sua total rejeição da
eclesiologia tradicional. As várias comunidades
montanistas diluíram-se pouco a pouco na ortodoxia.
Fonte: Berean (2009).
A obra de Tertuliano compreende três grupos:
„„
„„
„„
Apologéticas, cujo foco era a defesa do cristianismo. São
livros desse grupo: Apologética, dirigida aos governantes
das províncias do Império Romano, e De testimonio
animae, onde ele fundamenta a fé no testemunho da alma,
e não mais no conhecimento pagão;
Dogmáticas, que eram dedicadas à refutação das heresias –
entre outras, pode-se citar De praescriptione haereticorum,
Adversus Valentinianos, dirigida contra os gnósticos, De
baptismo, negando o batismo dos hereges, De carne Christi,
em que afirma a realidade do Corpo de Cristo, e De
resurrectione, em defesa da ressurreição da carne; e
Prático-ascéticas, relativas à moral prática e à disciplina
eclesiástica, como se pode ver pelos títulos de algumas
obras: De patientia; De oratione; De paenitentia; De
pudicitia; De exhortatione castitatis; De monogamia; De
spectaculis; De idololatria; De corona; De cultu feminarum,
etc. (SANTIDRIÁN, 1997, p. 539).
Étienne Gilson (2007, p. 106) considera que suas obras mais
importantes para a filosofia foram Apologética, Prescrição dos
Heréticos e o tratado Da alma. Mas é consenso entre seus
comentadores que os escritos de Tertuliano são os primeiros de
relevância na tradição latino-cristã.
Unidade 2
81
Universidade do Sul de Santa Catarina
Seguindo o lema de “buscar o Senhor com simplicidade de
coração”, Tertuliano atacou fortemente a filosofia, negando-a
como suporte racional da doutrina cristã ou como estágio
preparatório para a aceitação da verdade revelada.
Pelo contrário, Tertuliano acusa a filosofia de
corromper a alma pura e desviá-la do caminho
verdadeiro. Tal posição pode ser ilustrada com um
trecho de Tertuliano:
Figura 2.13 - Representação de Tertuliano (160 – 240)
Fonte: Oliveira (2010).
— Com efeito, o que existe de comum entre Atenas e
Jerusalém? Que acordo pode haver entre a Academia
e Igreja? Que pode haver de comum entre hereges e
cristãos? Nossa instrução vem do pórtico de Salomão
e este nos ensinou que devemos buscar o Senhor
com simplicidade de coração. Longe de vós qualquer
tentativa de produzir um cristianismo mitigado
com estoicismo, platonismo e dialética. Depois que
possuímos a Cristo não nos interessa discutir sobre
nenhuma curiosidade, nem nos interessa qualquer
investigação depois que desfrutamos do Evangelho.
Basta-nos a nossa fé, pois não pretendemos ir atrás de
outras crenças. (BOEHNER; GILSON, 2003, p. 138).
Note como Tertuliano estabelece pares de opostos: Atenas versus
Jerusalém, academia versus igreja; hereges versus cristãos. A própria
expressão “pórtico de Salomão” revela esta contraposição, pois
pórtico é a denominação de um elemento da arquitetura grega e
Salomão um dos grandes sábios da tradição judaico-cristã. O autor
é contrário à tentativa de estabelecer pontes entre Cristianismo e
filosofia grega, bastando a fé nas Sagradas Escrituras.
Note que a simplicidade, no sentido de professar a fé ignorando a
dialética e o conhecimento da natureza, que Tertuliano defende,
vai de encontro com a posição de Orígenes, que considerava esta
a característica da classe mais simples entre os cristãos. Enquanto
Orígenes considera a filosofia um exercício fundamental para
buscar a Deus pela ascese, Tertuliano considera que a filosofia
corrompe a integridade da alma simples, esta sim, a mais
preparada para receber a “palavra revelada”. É precisamente essa
ação de ruptura dos padres deste período, com o pensamento
pagão, que caracteriza a Patrística latina.
82
História da Filosofia II
Na seguinte citação de Reale e Antiseri (1990, p. 426), é possível
perceber a provocadora crítica que Tertuliano faz aos filósofos:
No Testemunho da alma podemos ler: “Mas não me
refiro àquela alma que se formou na escola, que se treinou
na biblioteca, que se empanturrou na Academia e no
Pórtico da Grécia e agora dá os seus arrotos culturais.
Para responder, é a ti que chamo, alma simples, ainda no
redil, não manipulada ainda e privada de cultura, assim
como és naqueles que só têm a ti, alma íntegra que vens
dos ajuntamentos, das ruas, da fiação.”
Para Tertuliano basta a fé para fazer o cristão aceitar a verdade
das escrituras sagradas, e, nesse sentido, valem as palavras de São
Paulo: “Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos
pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja
anátema” (GL, 1, 8).
Maldito, excomungado.
Pode-se dizer que o que Tertuliano fez foi retomar a questão
fé incondicional que já havia sido professada pelos apóstolos.
É célebre a seguinte passagem de sua obra De carne Christi,
capítulo V:
O filho de Deus foi crucificado, do que não me
envergonho, porque há que se envergonhar. E que o filho
de Deus tenha morrido, é de todo crível, porque é inepto.
E que, sepultado, tenha ressuscitado, é certo, por ser
impossível. (GILSON, 2007, p. 107).
Tertuliano ficou conhecido como um exímio escritor e orador
que defendia o cristianismo com um discurso contundente; e
que o criticou, do mesmo modo e com igual ardor, quando seu
materialismo e espírito inquieto o levaram ao montanismo.
O “antifilosofismo” de Tertuliano não se vê em Agostinho
de Hipona, que, depois da devida limpeza, retoma ideias
fundamentais do sistema platônico.
Considerado o mais importante representante da Patrística,
Agostinho viveu num período em que o Império Romano já
entrava em decadência e a Igreja representava um caminho
sólido, nos aspectos ideológico, ontológico e político.
Unidade 2
83
Universidade do Sul de Santa Catarina
Religião herética, fundada no
séc. III pelo persa Mani, cujas
características principais são o
racionalismo, o materialismo e o
dualismo bem e mal nos princípios
morais, ontológicos e cósmicos.
Nascido no ano de 354, em
Tagaste, norte da África,
Agostinho recebeu os primeiros
ensinamentos da vida cristã, de
sua mãe, embora não tivesse
sido ainda batizado. E não teria
se destacado nos estudos se, aos
dezenove anos de idade, não
tivesse lido o diálogo Hortensius,
obra de Cícero, que hoje está
perdida. A partir daí, Agostinho
tornou-se um “amante” da
sabedoria e acabou ligando-se ao
Maniqueísmo. Veja a Figura 2.14.
Figura 2.14 - Aurélio Agostinho
Fonte: Filosofia... ([200-?]).
Agostinho aprofundou-se na busca da verdade e na explicação
racional do mundo e da fé, mas se manteve insatisfeito com
a perspectiva de alcançar a verdade última, por meio do
racionalismo, como é possível conferir na citação que segue:
Era entre estes companheiros que eu, ainda de tenra
idade, estudava eloquência, na qual desejava salientar-me,
com a intenção condenável e vã de saborear os prazeres
da vaidade humana. Seguindo o programa do curso,
cheguei ao livro de Cícero, cuja linguagem, mais do que
o coração, quase todos louvam. Esse livro contém uma
exortação ao estudo da filosofia. Chama-se Hortênsio.
Ele mudou o alvo das minhas afeições e encaminhou
para Vós, Senhor, as minhas preces, transformando as
minhas aspirações e desejos. Imediatamente se tornaram
vis, a meus olhos, as vãs esperanças. Já ambicionava,
com incrível ardor do coração, a Sabedoria imortal. (S.
AGOSTINHO, 1973, p. 59-60).
Esse estado de espírito deixou-o receptivo para mais tarde
conhecer as Enéadas, obra de Plotino pela qual Agostinho entrou
em contato com o neoplatonismo, que passaria a ser a base de seu
pensamento. Porém, mesmo seguindo as indicações da filosofia
platônica acerca da purificação do corpo e o exercício da razão,
Agostinho sentia o apelo da carne e a corrrupção da alma
84
História da Filosofia II
pelas paixões. Nesse sentido, o platonismo não supria sua
necessidade de plenitude espiritual. É possível conferir isso
nas palavras de Agostinho, na seguinte passagem de Confissões
I – Lágrimas do Pródigo:
Quem me dera repousar em Vós! Quem me dera que
viésseis ao meu coração e o inebriásseis com a vossa
prensença, para me esquecer de meus males e me abraçar
convosco, meu único bem!
Que sois para mim? Compadecei-Vos, para que possa
falar! Que sou eu aos vossos olhos para que me ordeneis
que Vos ame, irando-Vos comigo e ameaçandome com tremendos castigos, se o não fizer? É acaso
pequeno castigo não Vos amar? Ai de mim! Pelas
vossas misericórdias, dizei, Senhor meu, o que sois para
comigo? Dizei à minha alma: “Sou a tua salvação”.
Falai assim para que eu ouça. Estão atentos, Senhor,
os ouvidos do meu coração. Abri-os e dizei à minha
alma: “Sou a tua salvação”. Correrei após esta palavra e
alcançar-Vos-ei. Não me escondais o rosto. Que eu morra
para o contemplar, a fim de não morrer eternamente!
(AGOSTINHO, 1973, p. 27-28).
A conversão de Agostinho ao cristianismo deu-se em 386, aos
trinta e três anos de idade, quando ele entrou em contato com as
Epístolas de São Paulo, que apontam Jesus Cristo como o único
caminho pelo qual o homem pode viver livre do pecado, das
paixões e da corrupção.
Figura 2.15 - O batismo de Agostinho de Hipona
Fonte: Colégio Santo Agostinho ([200-?]).
Unidade 2
85
Universidade do Sul de Santa Catarina
As questões em que Agostinho deteve-se giravam em torno
do homem, que deve sempre buscar o bem. Neste aspecto, sua
filosofia mostra claramente a influência de Platão, para quem
Deus é o bem supremo. Tudo o que existe foi criado por Deus a
partir do nada. Ao homem, superior às outras criaturas porque
criado à imagem e semelhança de Deus, não é dado o direito
de dominar os fenômenos da natureza, mas de compreendê-los
como partes da criação de Deus.
Do mesmo modo que incorporava a filosofia platônica,
“cristianizando-a”, Agostinho rejeitava a especulação e as ciências
físicas, que insistiam em prescrutar a natureza e o cosmo por meio
da razão e da experiência, julgando poder conhecê-la, julgando
poder encontrar a verdade última das coisas dirigindo-se a elas
mesmas, como se não fossem, elas, obra e reflexo de Deus.
A observação dos fenômenos naturais, que era de grande interesse
da ciência greco-romana, agora era negada por Agostinho, por se
constituirem eles num mistério divino, velado ao homem. Observe
as palavras de Agostinho, na citação que segue:
[...] quando então surge a pergunta do que devemos
acreditar a respeito da Religião, não é necessário procurar
entender a natureza das coisas, como faziam os que os
gregos chamavam de physici; tampouco devemos ficar
alarmados se o cristão desconhece a força e o número
dos elementos, o movimento, a ordem e os eclipses
dos corpos celestes, a forma dos Céus, as espécies e a
natureza dos animais, das plantas, das pedras, das fontes,
dos rios, das montanhas; (se desconhece) a cronologia e
a agrimensura, os sinais que prenunciam as tempestades
e mil outras coisas que esses filósofos têm descoberto ou
pensam ter descoberto [...]. Basta ao cristão acreditar que
a causa única de todas as criaturas, sejam elas terrestres
ou celestes, visíveis ou invisíveis, é a bondade do Criador,
Deus único e verdadeiro, e que nada existe, a não ser Ele,
que não deve a Ele a sua existência. (AGOSTINHO
apud KUHN, p. 130).
Assim como para Platão e para todos os patrísticos que seguiram
suas ideias, para Agostinho, o corpo é a prisão da alma e fonte
do que julgamos ser o Mal. O homem degrada-se por perversão
da sua vontade, podendo recuperar-se somente pela intervenção
da graça divina. Deus é o poder absoluto que salva os homens
86
História da Filosofia II
mediante a graça, possibilitando-lhes o conhecimento num
ato de iluminação. Nesse caso, os sentidos funcionam como
estimuladores da reflexão que gera os conhecimentos de ordem
superior e que não são obtidos diretamente da realidade exterior.
Os conhecimentos percebidos através da mente são os que se
referem a juízos morais e relações matemáticas, enfim, aos que
não podem ser obtidos diretamente pelos sentidos, pois, apesar
de informarem a respeito dos aspectos materiais das coisas, não
são capazes de nos fazer compreender a noção de número, justiça,
virtude, etc., conhecimentos que somente podem ser alcançados
através da inteligência iluminada por Deus.
Platão, da mesma forma, diz serem ilusórias as imagens que os
sentidos nos oferecem e que a verdade encontra-se no mundo
das ideias, que corresponderia ao exterior da “caverna” (lembre-se
da Alegoria da Caverna de Platão), banhado pela luz do Sol, do
próprio Deus. Há, no entanto, uma diferença fundamental entre
Platão e Agostinho, visto que o primeiro concebe as ideias como
absolutas e exteriores à mente do criado-demiurgo, e o segundo
as concebe como verdades ou verbo de Deus.
Santo Agostinho também defendeu a existência de uma
realidade melhor, que chamou de “Cidade de Deus”, perfeita,
superior e de ordem espiritual. Na realidade, a igreja representa
a Cidade de Deus, devendo todos os cidadãos e o Estado
submeter-se a ela, pois seus chefes não estariam sujeitos ao
erro. Esta é mais uma aproximação com o Mundo das Ideias de
Platão. Veja a Figura 2.16.
Figura 2.16 - A Cidade de Deus rodeada por demônios. Livro de Horas, I-X, Paris,c. 1474-1480
Fonte: Silveira (2010).
Unidade 2
87
Universidade do Sul de Santa Catarina
Agostinho defende que tudo o que ocorre no mundo deve
ser aceito como bom e justo porque vem de Deus; o mal é
decorrência da má aplicação do “livre arbítrio” dado ao homem
pela infinita bondade de Deus. Sendo assim, o escravo deve
aceitar sua condição de submissão ao senhor que, por sua vez,
deve obedecer ao Estado e este à Igreja, numa hierarquia que
vai do mais afastado ao mais próximo de Deus. Em Agostinho,
a hierarquia que há no céu, há no universo físico e, também, na
organização social.
Para Agostinho, a fé principia o conhecimento, isto é, ela é
uma forma de pensamento com aceitação. Com a máxima “Crê
para compreender e compreenda para crer”, este filósofo teólogo
concilia razão e fé.
Nas Confissões, Livro VI, há uma reflexão belíssima a respeito da
relação entre a verdade da fé e a verdade das letras. Observe os
seguintes trechos citados:
O desejo de saber o que havia de aceitar como verdadeiro
roía tanto mais fortemente meu interior quanto mais me
envergonhava de ter sido iludido e enganado durante
tanto tempo com a promessa de certeza, e de ter, com
erro e entusiasmo pueril, palrado tanto de inúmeras
coisas incertas, como se fossem verdadeiras. Depois vi a
razão por que eram falsas. [...]
Cheio de gozo, ouvia muitas vezes a Ambrósio
dizer nos sermões ao povo, como que a recomendar,
diligentemente, esta verdade: “A letra mata e o espírito
vivifica”. Removido assim o místico véu, desvendou-me
espiritualmente passagens que, à letra, pareciam ensinar
o erro. Ele nada dizia que me desagradasse (refere-se
a Ambrósio)*, embora tivesse afirmações que eu ainda
então ignorava se eram ou não verdadeiras.
Abstinha o meu coração de qualquer afirmativa, com
medo de cair no precipício. Mas esta suspensão matavame ainda mais, porque desejava estar tão certo do que
não via, como de sete mais três serem dez. [...]
Se acreditasse, poderia ter obtido a cura. Assim o olhar,
já mais purificado, da minha inteligência, dirigir-se-ia,
de algum modo, para a vossa verdade sempre constante
e indefectível.
88
História da Filosofia II
Costuma suceder a um doente que consultou um médico
desprestigiado ter depois receio dum médico bom. Assim
acontecia à saúde da minha alma, que não podia curar-se,
senão crendo. Porque temia crer o que era falso, precisava
deixar-se curar, resistindo às vossas mãos, ó Divino
Médico, que fabricaste o remédio da fé e o derramaste em
todas as enfermidades do mundo, dando-lhe, a ela, tão
grande autoridade. *nota nossa (AGOSTINHO, 1973, p.
112-113).
A fé não é obstáculo para a inteligência, mas, pelo contrário, a fé
garante-nos a intuição dos princípios primeiros, dos fundamentos
que nos ajudam a interpretar melhor o que nos é dado pela
experiência e resolver os problemas que Deus permitiu que
fossem objetos de nossas investigações.
Agostinho deixou uma obra bastante vasta. Reconhecida como
a principal obra da Patrística, é um esforço bem sucedido de
conciliação entre o cristianismo e a filosofia platônica.
Depois de Agostinho, durante os séculos vindouros e até mesmo
hoje, as ideias de Santo Agostinho fazem-se presentes não
somente na igreja, mas, também, entre filósofos e acadêmicos.
Unidade 2
89
Universidade do Sul de Santa Catarina
Síntese
Nesta unidade, você pôde conferir a intensidade do pensamento
e do testemunho deixado pelos primeiros padres da igreja.
Verificou que é simplista resumir o período da Idade Média como
a “idade das trevas” e identificar os pensadores deste período
exclusivamente pelo aspecto da conciliação entre razão e fé.
Em vez disso, você viu que o estudo das ideias filosóficoteológicas cristãs desse período pode ser realizado a partir de
várias perspectivas e em vários níveis de profundidade. A esse
estudo denomina-se Patrística.
Considerando a perspectiva histórica, você estudou os primeiros
doutores cristãos, cujo propósito principal era converter os
Imperadores romanos ao cristianismo e rebater a filosofia pagã
e as seitas heréticas, consolidando a doutrina cristã em religião.
Esse intento foi alcançado com o Edito de Milão de 313 e
o Concílio Ecumênico de Nicéia, no governo do imperador
Constantino.
Você estudou que grande parte desses pensadores cristãos teve
formação na cultura helênico-romana. Este fato e a inegável
grandeza dessa cultura levou muitos deles a estabelecer vínculos
de continuidade e fundamentação entre a filosofia grega e o
pensamento cristão.
Após o Concílio de Nicéia, o pensamento que mais se destaca é
o de Aurélio Agostinho, considerado o principal representante
da Patrística, especialmente da corrente latina. Diferente dos
primeiros doutores da igreja, Agostinho teve formação cristã por
influência de sua mãe, mas se afastou do cristianismo durante
a juventude. Seu retorno a ele ocorreu depois que encontrou
nas palavras de Ambrósio a recomendação de entregar-se
primeiramente à fé, a partir da qual vem o conhecimento
iluminado de Deus.
90
História da Filosofia II
Atividades de autoavaliação
1) Além da perseguição promovida pelo Império Romano, cite e comente
mais duas (pelo menos) barreiras que os doutores cristãos tiveram de
enfrentar nos primeiros séculos da era cristã.
2) Como foi visto nesta unidade, de todos os sistemas filosóficos gregos,
o de Platão foi o mais influente nas obras dos doutores da Patrística.
Elabore um texto dissertativo, relacionando pelo menos três pontos
em que a filosofia de Platão coincide com as ideias dos primeiros
padres da Igreja.
Unidade 2
91
Universidade do Sul de Santa Catarina
Saiba mais
Você pode saber mais sobre o assunto estudado nesta unidade,
consultando as seguintes referências:
ABRAÃO, Bernadete Siqueira (Org). História da filosofia. São
Paulo: Nova Cultural, 1999.
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da
filosofia cristã. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
GILSON, Étienne. A filosofia na Idade Média. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
JUSTINO. Apologia I e II. Diálogo com Trifão. São Paulo:
Paulus, 1995.
ORÍGENES. Contra Celso. São Paulo: Paulus, 2004.
SANTIDRIÁN, Pedro R. Breve dicionário de pensadores
cristãos. São Paulo: Editora Santuário, 1997.
VERGEZ, André; DENIS, Huisman. História dos filósofos
ilustrada pelos textos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.
SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Abril, 1973.
92
UNIDADE 3
O desenvolvimento da
Escolástica
Objetivos de aprendizagem
„„ Caracterizar a Escolástica como um movimento de
conservação da cultura clássica e de renovação do
pensamento cristão.
„„ Identificar as fases da Escolástica e apontar as principais
questões que animaram os debates durante a Idade
Média.
„„ Analisar o pensamento de Tomás de Aquino,
destacando seu esforço em conciliar fé e razão pela
argumentação lógica.
Seções de estudo
Seção 1 Severino Boécio e o nascimento da Escolástica
Seção 2 Místicos e dialéticos da Escolástica pré-tomista
Seção 3 O Pensamento de São Tomás de Aquino
3
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de estudo
Na unidade anterior, você estudou que a Patrística durou até o
início da Idade Média, aproximadamente no século VII. Um
século depois, nasce o movimento que os estudiosos chamaram
de Escolástica.
O período entre o fim da Patrística e o início da Escolástica é
considerado o mais obscuro da Idade Média e foi marcado pela
consciência dos pensadores deste período, da necessidade de
forjar uma nova cultura sem, no entanto, deixar perder-se a velha
cultura dos gregos. Assim, de fato, a Escolástica faz renascer
muitos aspectos da filosofia grega, especialmente a lógica e a
dialética. O período áureo da Escolástica ocorreu com Tomás
de Aquino, cuja obra gira em torno da filosofia aristotélica. E o
período de decadência foi marcado pela metafísica de Scoto, que,
mais tarde, deu origem ao nominalismo e ao humanismo.
O termo Escolástica designa o conhecimento elaborado e
ensinado nas escolas medievais, sobretudo nas “palacianas”, que
versava sobre a linguagem, a natureza, a filosofia e a teologia.
Embora o ensino dessas áreas do conhecimento fosse bastante
básico nos primeiros séculos, as escolas acabaram preservando a
cultura clássica das invasões bárbaras, transcrevendo, traduzindo
e conservando diversas obras antigas. Além disso, foram
fundamentais para o nascimento das universidades nos séculos
XII e XIII.
94
História da Filosofia II
Seção 1 – Severino Boécio e o nascimento da
Escolástica
Assim como na Patrística, também na Escolástica os estudiosos
divergem quanto ao tempo de duração deste período. Alguns
consideram o período compreendido entre os séculos IX e XVI,
outros atrasam as datas e consideram o período entre os séculos
VIII e XIV. Quanto à identificação das fases da Escolástica,
ocorre o mesmo: os estudiosos parecem concordar que ela
seja dividida em fases específicas, mas nem sempre utilizam
os mesmos critérios para estabelecer essas fases e nem sempre
consideram o mesmo número de fases.
A maioria dos estudiosos divide a Escolástica a partir de Tomás
de Aquino; assim identificam três fases: pré-tomista, tomista e
pós-tomista. Outros a dividem em quatro fases, incluindo parte
do período de transição, e consideram, como ponto de partida,
a organização das escolas medievais por Carlos Magno (742814). Estas quatro fases seriam as seguintes: pré-escolástica, alta
escolástica, ápice da escolástica e crise da escolástica.
Nesta unidade, será considerada a divisão em quatro fases, a fim
de cobrir um período maior. Porém, é importante levar em conta
outras formas de entendimento deste período e das fases que o
compõem.
Fase pré-escolástica – compreende o período histórico entre o
séc. VIII e o séc. X, em que ocorreu a Renascença Carolíngia,
isto é, o renascimento das artes e da literatura, sob o governo de
Carlos Magno (747-814). Uma das suas principais ações nesse
sentido foi a organização das “escolas”; cujos programas acabaram
por manter a tradição das escolas antigas.
É importante lembrar que durante a Idade Média,
mesmo antes de Carlos Magno, já existiam escolas,
geralmente vinculadas às ordens cristãs.
No início, as escolas ensinavam basicamente a ler, escrever e fazer
contas, e, de modo geral, tanto a igreja como os governantes não
davam a devida importância a essas escolas, mas, aos poucos,
Unidade 3
95
Universidade do Sul de Santa Catarina
sobretudo depois da influência de Carlos Magno, todos passaram
a prestar mais atenção a elas.
Figura 3.1 - Papa Leão III coroando Carlos Magno
Fonte: Rocha (2011).
As artes liberais significam as
ciências cultivadas pelos homens
livres, em oposição às artes servis
ou mecânicas, que significam os
ofícios dos escravos e servos. As
artes liberais eram subdivididas
em: quadrivium, isto é, aritimética,
geometria, astronomia, música; e
trivium: gramática, retórica, dialética.
Havia as escolas monacais ou monásticas, construídas ao lado dos
mosteiros e abadias, reservadas aos futuros monges, aos copistas,
tradutores e outros doutores da igreja. As escolas capitulares ou
catedralícias, construídas junto às catedrais, e as escolas palacianas.
Essas escolas tinham, a sua frente, os mestres-escola, ou
escolásticos, quase sempre submetidos aos bispos ou abades.
Porém, além da teologia e da exegese, especialmente ministradas
aos que queriam seguir a vida religiosa, o currículo dessas escolas
também incluía as artes liberais.
Por muito tempo, chefes militares e dirigentes do governo
iletrados tiveram que deixar, na mão das autoridades episcopais
que dirigiam essas escolas, a organização e redação de sua
literatura, burocracia administrativa e outros documentos oficiais.
Até que as escolas palacianas, as quais eram mantidas pelos
governantes, passaram a preparar o corpus do governo com base
em uma educação laica.
Pelo que tudo indica, somente no século XII, quando
surgem as primeiras universidades, as autoridades
eclesiásticas passaram a enxergar, nas escolas e
universidades, a via de propagação e perpetuação do
catolicismo no novo tempo em que viviam.
96
História da Filosofia II
Figura 3.2 - Escola medieval
Fonte: Na Idade... (2009).
Entre os principais representantes dessa fase pré-escolástica está
Alcuino de York (730-804), diretor da Escola Palatina de Carlos
Magno, em 781, e João Escoto Eruígena, tradutor dos escritos de
Pseudo-Dionísio, o Areopagita, e considerado um dos primeiros
escolásticos.
Fase da alta escolástica – período compreendido entre o séc. XI
e XII, caracterizado pelo início da crise do sistema feudal, pelo
surgimento de uma espécie de pré-capitalismo (SEVCENKO,
1988), e pelo renascimento urbano das cidades européias,
fatores que produziram uma significativa mudança política e
social. Nesse contexto, há duas forças contrárias que agiram,
respectivamente, no séc. XI e no séc. XII. Primeiro, há um
enfraquecimento dessas escolas. Como afirma Verger:
De Pedro Damião a São Bernardo, todos os autores do grande
movimento de restauração monástica que se desenvolveu no
Ocidente, no final do séc. XI, foram hostis, não, como foi dito
abusivamente, à cultura, mas ao ensino escolar praticado então,
baseado nas artes liberais e na leitura dos autores antigos.
Sob sua influência, numerosos conventos fecharam sua escola
“externa” e, diminuindo o número de seus oblatos, reduziram
em seguida a importância de sua escola “interna”; a formação
intelectual do monge encontrava novamente seus meios e
suas finalidades tradicionais: o humilde trabalho do copista,
a leitura e a meditação pessoal, sendo o conjunto apenas a
preparação para a prece. (VERGER, 1990, p. 20).
Unidade 3
97
Universidade do Sul de Santa Catarina
Já no séc. XII, segundo alguns teóricos, ocorre mais um
renascimento provocado pela retomada do estudo da língua
grega e pelo trabalho de tradução dos pensadores bizantinos e
muçulmanos, que acabou alcançando especialmente a Itália e a
Espanha. Muitas dessas traduções não foram feitas diretamente
do grego, mas a partir do siríaco e do árabe, e isto forçou esses
tradutores a dominarem pelo menos três línguas. Acompanhe as
seguintes palavras de Verger, sobre o trabalho desses tradutores:
O esforço dos tradutores do século XII recaiu antes de
tudo sobre a filosofia e a ciência gregas. Quase toda a
obra de Aristóteles era conhecida no final do século XII
(toda a Lógica, a Física, a Metafísica); faltava apenas, ao
século XIII, descobrir a Retórica, a Ética, a Econômica
e a Política; [...] descobriram-se os grandes sábios
gregos (Euclides, Arquimedes, Ptolomeu); conheceramse melhor as obras de Hipócrates e Galeano. Além
disso, o século XII traduziu em latim uma massa de
tratados árabes que eram, eles mesmos, comentários
de obras gregas: tratados de Matemática (como os de
al-Khwrizmi, inventor da Álgebra), de Astronomia, de
Ciências naturais, de Medicina (como os de al-Razi,
chamado Rázi no Ocidente ou o Cânon de Ibn-Sîna,
chamado Avicena), comentários de Aristóteles (como os
de al-Fârâbi e de Avicena). (VERGER, 1990, p. 24-25).
Esse renascimento da literatura e das artes reforçou o aumento
do contingente de escritos que chegavam aos escolásticos e seus
alunos. A cultura clássica guardada nas grandes bibliotecas cristãs
ultrapassou os muros dos monastérios e abadias, alcançando as
recém surgidas associações corporativas de professores e alunos,
que se transformariam nas primeiras universidades.
O ensino nas universidades não era, necessariamente, ligado à
Igreja, e os alunos vinham de toda parte, independentemente do
que seriam no futuro, se comerciantes ou monges, e de sua classe
social, se nobres ou plebeus, desde que estivessem dispostos
a aprender. A nobreza não era reconhecida pelo “berço”, mas
pela cultura acumulada, o que representava uma perspectiva
bem diferente da anterior, quanto à produção e propagação de
98
História da Filosofia II
conhecimentos. Os escolásticos desse período dedicavam-se
especialmente à lógica e à dialética, muitas vezes buscando a
velha conciliação entre a razão e a fé.
Entre os pensadores representantes desse período
estão Berengário, Anselmo, Abelardo e Bernardo.
Fase do ápice da Escolástica – durante o séc. XIII, foi
finalizada a tradução da obra de Aristóteles e estudou-se
profundamente a sua filosofia. A obra de Aristóteles já havia
sido objeto de estudo de pensadores como Boécio, que traduziu
partes da Lógica, e das escolas palacianas e monacais que atuaram
até o séc. XIII. Mesmo assim, a questão que marca esta fase da
Escolástica é a assimilação da filosofia aristotélica pela teologia
cristã, em substituição à filosofia neoplatônica de Agostinho.
Esse movimento não se deu sem resistência, sobretudo dos
padres franciscanos, que buscaram retomar a filosofia platônica,
“cristianizada” por Agostinho; mas, em seguida, com a obra
de Tomás de Aquino, uma das figuras mais proeminentes da
Escolástica, o aristotelismo foi incorporado à reflexão teológica.
Fase da crise da Escolástica – vai do final do séc. XIII ao séc.
XIV. Nessa fase, há uma retomada da questão entre a lógica e a
fé, a filosofia de Aristóteles e o cristianismo. Um dos maiores
representantes desse período é Escoto, que, como seus irmãos
franciscanos, negou que a razão pudesse ser fundamento da fé.
Segundo Escoto, enquanto a filosofia pertence ao
domínio teórico, a religião é relativa à vida prática.
Também Guilherme de Ockham representa essa fase
da Escolástica, conforme você vai estudar na
Unidade 4.
Desde a morte de Agostinho, no séc. V, até a
emissão das Cartas Capitulares, de Carlos Magno
(séc. VIII), decorrem três séculos de grande alteração
na configuração política do Ocidente. Por um lado,
a queda do Império Romano, o crescimento dos
Unidade 3
Figura 3.3 - Ancius Manlius
Torquatus Severinus Boecius
(470 – 525)
Fonte: Biography... ([20--?]).
99
Universidade do Sul de Santa Catarina
muçulmanos que isolavam o Ocidente do resto do mundo, e
as invasões bárbaras que resultavam na criação dos primeiros
reinos bárbaros. Por outro lado, as tentativas de reunificação
de governantes como Justiniano (responsável pelo fechamento
da Escola de Atenas), e o esforço da Igreja em preservar a
estabilidade do Estado. Os pensadores desse período pareciam
saber que se tratava de um período de transição e reconheciam
a necessidade de se forjar uma nova cultura, ao mesmo tempo
que se preservava a cultura antiga.
Muitos cumpriram exatamente esse papel, entre eles,
é possível citar Boécio entre os séculos V e VI e Isidoro
de Sevilha entre os séculos VI e VII.
Severino Boécio nasceu em Roma, no seio de uma tradicional e
conceituada família de condes e autoridades episcopais. Depois
de adulto, atuou na política, junto ao rei Teodorico, até ser preso
sob a acusação de conspiração.
É considerado pelos estudiosos como o último dos padres latinos,
e, ao mesmo tempo, o primeiro representante da Escolástica,
devido à característica limítrofe de seu pensamento.
Numa época de declínio do Império Romano, de retração
da cultura grega clássica e de enfraquecimento dos centros
de ensino, que renasceriam dois séculos mais tarde, Boécio
demonstrava profundo conhecimento da língua grega e voltava-se
para a filosofia.
Em seus escritos, ele quase não se referia a Jesus Cristo, exceto
nos Opúsculos Teológicos, cuja autoria duvidou-se durante séculos
que fosse realmente de Boécio. A incerteza quanto à autoria
desta obra foi polêmica para a Igreja, que ficava sem saber se o
colocava no rol dos pensadores cristãos, ou fora dele. A dúvida
permaneceu até o séc. XIX, quando foi descoberto um fragmento
de obra de Cassiodoro, em que ele atribuía a Boécio a autoria de
dois textos que fazem parte dos Opúsculos.
100
História da Filosofia II
Seus estudos, traduções e comentários sobre a filosofia aristotélica,
alimentaram os filósofos e teólogos dos séculos seguintes,
especialmente os escolásticos. O objetivo inicial e declarado
de Boécio era traduzir toda a obra de Aristóteles e de Platão,
interpretando-as de forma complementar e conciliatória, feito que
não conseguiu levar a cabo. Segundo Santidrián (1997, p. 90):
Apenas parcialmente conseguiu realizar esse vasto projeto.
Temos as traduções dos Analíticos I e II de Aristóteles,
além de Tópicos, Elencos sofísticos e Da interpretação, com
dois comentários. Possuímos a tradução das Categorias,
com um comentário.
Também temos sua tradução da Isagoge de Porfírio, com
comentário e outros trabalhos da Lógica. Sobre Platão,
que saibamos, não traduziu nem comentou nada.
Durante a prisão, Boécio escreveu o último e um de seus
principais textos, intitulado Da Consolação da Filosofia.
Composta em prosa e verso, e bastante influenciada pelo
neoplatonismo, diz-se que foi escrita entre as sessões de tortura
que sofreu na prisão.
Nessa obra composta por cinco livros, a Filosofia é apresentada
de forma alegórica, como uma nobre dama que responde às
angustiosas perguntas de Boécio sobre a vida e a verdadeira
felicidade. Leia nas próprias palavras de Boécio:
Enquanto no silêncio, me agitavam esses sombrios
pensamentos e com aguçado estilo escrevia em brandas
tabletas meu lamento lamurioso, pareceu-me que sobre
minha cabeça se erguia a figura de uma mulher de rosto
sereno e majestoso, de olhos de fogo, penetrantes como
jamais vira em um ser humano, de rosada, cheia de vida,
de inesgotável energia, apesar de que seus muitos anos
podiam fazer crer que ela não pertencia a nossa geração.
Seu porte, impreciso, nada mais me deu a entender.
(BOÉCIO, 1955, p. 15, tradução da autora).
Unidade 3
Tabletas: pedaços
pequenos de argila
suficientemente duros
para serem manuseados
e macios “brandas” o
suficiente para que uma
cânula possa desenhar
as letras. Suporte para
escrita utilizado desde a
Mesopotâmia.
101
Universidade do Sul de Santa Catarina
No primeiro livro, Boécio reconhece a Filosofia como aquela que
o nutre desde sua juventude; e ela, por sua vez, consola Boécio
em seu cárcere, e o faz lembrar que o mundo não é governado
pelo acaso, mas pela razão divina.
No segundo livro, a Filosofia recomenda-lhe conformar-se às
vicissitudes da fortuna, já que fazem parte do destino humano.
Neste ponto, Boécio alerta que, quanto mais bem afortunada é a
vida do homem, menos ele consegue ver onde está a verdadeira
felicidade que, por certo, não está nas riquezas e glórias terrenas.
Essas fazem parte do “vir a ser perpétuo” do mundo físico, sendo
que os senhores de hoje serão derrubados pelos miseráveis de
hoje que, nesse curso, se tornarão senhores amanhã e, depois,
novamente miseráveis: trata-se da “roda da fortuna”.
O simbolismo da roda da fortuna na arte medieval pode ser
explicado através da iluminura do Hortus Deliciarum, com seus
quatro estágios simbolizados pelos quatro personagens em
torno da Roda: regnabo (“eu devo reinar”: figura em cima, do
lado esquerdo da Roda, com o braço direito erguido), regno
(“eu reino”: figura em cima da roda, frequentemente coroada,
para significar o reinado), reganvi (“eu reinei”: figura que está do
lado direito da roda, caindo da graça), sum sine regno (“eu não
tenho reino”: figura na base da roda que perdeu completamente
os favores da Fortuna. Esta pessoa é, às vezes, completamente
jogada da roda ou esmagada por esta, sem nenhuma chance de
reinar de novo).
[...]
No entanto, a Filosofia repreende Boécio:
Pensas que a Fortuna mudou a teu respeito? Enganas-te. Ela
sempre tem os mesmos procedimentos e o mesmo caráter.
E, quanto a ti, ela permanece fiel em sua inconstância. Ela
era a mesma quando te lisonjeava, ou quando fazia de ti seu
joguete prometendo-te miragens [...] seus jogos são funestos
[...] e é precisamente essa faculdade de passar de um extremo
ao outro que caracteriza a Fortuna, que deve fazer com que a
desprezemos, sem temê-la ou desejá-la.
102
História da Filosofia II
A Filosofia, então, coloca-se no papel da Fortuna para que
Boécio compreenda melhor sua sorte. Neste momento, o
autor vale-se da metáfora da Roda para explicar o sentido
do movimento da Fortuna:
E quanto a mim, é o desejo sempre insatisfeito dos homens
que pretende me obrigar a fazer prova de uma constância
incompatível com minha própria natureza! Minha natureza,
o jogo interminável que jogo é este: virar a Roda [da Fortuna]
incessantemente, ter prazer em fazer descer o que está no alto
e erguer o que está embaixo. Sobe se tiveres vontade, mas
com uma condição: que não consideres injusto descer, quando
assim ditares as regras do jogo. Ignoravas mesmo a minha
maneira de agir?
Por esse motivo, a Fortuna propicia aos homens um jogo,
um grande espetáculo. Pois esse é o sentido da vida, um
teatro, o teatro da vida. Vive-se uma grande peça, em que se
desenvolvem tumultuadas e violentas relações pessoais que
perpassavam a prática social. Veja a Figura 3.4.
Figura 3.4 - A roda da fortuna
Fonte: Costa e Zierer ([2008?]).
Quanto mais o homem embrutece e afasta-se de Deus, ficando
à mercê de suas sensações, mais fica vulnerável à instabilidade da
fortuna. Segundo a Filosofia, o homem goza a boa fortuna, ela
lhe parece justa, mas não a má fortuna, que lhe parece a maior
Unidade 3
103
Universidade do Sul de Santa Catarina
das injustiças. Exceto se o homem acredita que a má fortuna é
decorrência do pecado e da culpa. Porém, não é este o caso para
Boécio, já que ele crê que a transitoriedade da fortuna advém de
sua natureza temporal. Assim, recomenda a Filosofia que o homem
busque a verdadeira felicidade e simplesmente aceite a fortuna.
No terceiro livro, a Filosofia considera que Boécio já está
preparado para receber o preceito fundamental que o conduzirá à
felicidade verdadeira, que é o Bem supremo, ou seja, Deus.
No quarto livro, Boécio pergunta à Filosofia de onde vem o mal?
Pela resposta da Filosofia vê-se o esforço de Boécio em conciliar
a existência do mal espalhado no mundo e a bondade divina
criadora do mundo.
No quinto livro, o problema discutido no livro anterior
estende-se, e Boécio trata da relação do livre arbítrio com a
providência divina, separando o que é do destino e o que é da
providência divina; sendo que a providência contém o destino.
Observe o comentário de Gilson sobre o significado que Boécio
dá à Filosofia:
Você pode saber mais sobre a
subdivisão que Boécio faz da
filosofia consultando o livro:
GILSON, Etienne. A filosofia na
Idade Média. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
O autor do De Consolatione philosophiae não só legou à
Idade Média a imagem alegórica da filosofia que vemos,
até hoje, esculpida nas fachadas de certas catedrais, como
deixou dela uma definição, ao mesmo tempo que uma
classificação das ciências que ela domina. A filosofia é
o amor à Sabedoria, pelo que não devemos entender a
simples habilidade prática, nem mesmo o conhecimento
especulativo abstrato, mas uma realidade. A Sabedoria
é esse pensamento vivo, causa de todas as coisas, que
subsiste a si mesma e só necessita de si para subsistir.
Iluminando o pensamento do homem, a Sabedoria
esclarece-o e atrai-o a si pelo amor. Assim, a filosofia, ou
amor à Sabedoria, pode ser indiferentemente considerada
como a busca da Sabedoria, a busca de Deus ou o amor a
Deus. (GILSON, 2007, p. 161).
Boécio tratou de diversos temas, e aqui trataremos a
questão dos universais e do livre arbítrio.
104
História da Filosofia II
Boécio abordou a questão dos universais na sua tradução
comentada do Isagoge de Porfírio. Ele busca saber se os “gêneros e
as espécies” subsistem independentemente do espírito, ou se estão
ligados a ele por terem sido criados por ele.
Seguindo Aristóteles, inicialmente, Boécio nega a existência
incorpórea e apartada dos universais em relação às coisas
concretas (como é o caso dos gêneros e das espécies). E sua
explicação é plausível, pois, se os universais referem-se a grupos
de indivíduos, então não podem existir na individualidade, que
é uma condição de todo ser corpóreo. Embora cada indivíduo
traga em si as características essenciais que o inserem em uma
determinada espécie, também traz características particulares
que o distinguem dos demais indivíduos da mesma espécie.
Por exemplo, todo homem tem as características essenciais
que o identificam como homem, e também tem características
aparentes que são só dele. Nenhum homem individualmente
traz em si todas as características aparentes possíveis da espécie
humana – sendo baixo, alto, gordo, magro, negro, branco,
forte, fraco, etc., ao mesmo tempo. Noutra forma de dizer, um
indivíduo tem as características universais de sua espécie, mas
não pode ser tomado, em sua individualidade, como modelo
universal de sua espécie.
Boécio conclui que os universais existem como
simples noções do espírito.
O problema recomeça quando Boécio considera que, se os
universais são apenas noções do espírito sem realidade concreta,
então eles não são nada. E como pode o pensamento pensar
nada? Como de fato o pensamento pensa os universais, então eles
têm que ser considerados realidade!
Diante desse dilema, Boécio explica que os sentidos fornecem
dados imprecisos e confusos dos seres do mundo, mas o
espírito, que pode dissociar e recompor esses dados, analisa-os
e distingue os aspectos universais que se encontram misturados
Unidade 3
105
Universidade do Sul de Santa Catarina
na corporeidade dos seres. Assim, o conceito universal de espécie
humana decorre da abstração de características universais
distribuídas nos indivíduos humanos concretos.
É essa a solução do problema dos universais: subsistunt
ergo circa sensibilia, intelliguntur autem preter corpora, eles
subsistem em ligação com as coisas sensíveis, mas os
conhecemos à parte dos corpos. (GILSON, 2007, p. 165).
Diferentemente de Platão e Agostinho, Boécio não pensa que os
sentidos corrompem a alma, afastando-a das ideias; ao contrário,
os sentidos provocam o homem a buscar as ideias.
Os comentadores de Boécio afirmam que, mesmo buscando
a conciliação entre a tese platônica e a aristotélica, ele acaba
demonstrando ter optado pela explicação de Aristóteles.
Leia com atenção a seguinte passagem:
Portanto, Boécio transmitiu à Idade Média mais que uma
simples colocação do problema dos universais, e a solução
que propunha para ele era, sim, a de Aristóteles, mas não
a propunha sem reservas. Platão, acrescentava, “pensa
que gêneros, espécies e outros universais não são apenas
conhecidos à parte dos corpos, mas também que existem
e subsistem fora deles, ao passo que Aristóteles pensa
que os incorpóreos e os universais são, de fato, objetos
de conhecimento, mas só subsistem nas coisas sensíveis.
Qual dessas opiniões é verdadeira, não tenho a intenção
de decidir, porque é de uma filosofia mais elevada.
Assim, ativemo-nos a seguir a opinião de Aristóteles, não
que a aprovemos mais, senão porque este livro está escrito
tendo em vista as Categorias, cujo autor é Aristóteles”.
(GILSON, 2007, p. 165).
Outra questão tratada por Boécio é a do livre arbítrio: como
conciliar a liberdade humana – livre arbítrio, com a previsão
divina dos nossos atos. O livre arbítrio é uma dádiva de Deus que
torna o homem um ser livre, isto é, pelo exercício da vontade, ele
pode alterar o curso de sua vida, pode inclusive tornar-se ateu.
106
História da Filosofia II
Nesta perspectiva, seria o homem tão livre que
pudesse fugir aos olhos de Deus?
Boécio diz que não, porque o tempo e o espaço do mundo
concreto, o homem entre elas, está dentro da eternidade de
Deus, que é onipresente e onisciente. Sendo uma dádiva divina,
Deus prevê o livre arbítrio exatamente como a possibilidade de o
homem ter “atos livres”.
Boécio garante tanto a liberdade do homem, quanto a onisciência
de Deus, afirmando que o devir perpétuo do homem está dentro
da simultaneidade eterna de Deus, e isso não tira a liberdade do
homem. Acompanhe a citação que segue:
Portanto há um antes e um depois nos acontecimentos,
mas não no conhecimento totalmente presente que
Deus tem deles. Ele não “prevê”, mas “provê”: seu nome
não é “previdência”, mas “providência”; portanto, ele vê
eternamente o necessário e o livre como livre. Vejo que o
sol nasce; o fato de vê-lo não é a causa do seu nascimento.
Vejo que um homem caminha; isso não o obriga a
caminhar. Do mesmo modo, a visão imóvel e permanente
que Deus tem de nossos atos voluntários não compromete
em nada sua liberdade. (GILSON, 2007, p. 170).
A ordem das coisas concretas é fruto do pensamento divino,
mas a lei e a ordem interior no curso das próprias coisas, esse é o
destino. O destino é o suceder de causas e efeitos que provocam
a evolução de todo ser criado de natureza mutável, dentro da
imutabilidade divina. Nesse aspecto, o Deus cristão de Boécio
diferencia-se das divindades gregas que não controlam o destino.
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Universidade do Sul de Santa Catarina
Seção 2 – Místicos e dialéticos da Escolástica prétomista
Os escolásticos tiveram um interesse especial pela dialética e pela
lógica aristotélica, mas o estudo dos assuntos que traziam à tona
a filosofia e a ciência gregas sempre causava polêmica. E como
é recorrente na história do pensamento cristão, esse interesse
acirrou a disputa entre dois grupos opostos conhecidos: os que
reconheciam a filosofia como um caminho para a fé, e a dialética
como instrumento para explicar o mistério e argumentar contra
os hereges; e os que consideravam a filosofia um conhecimento
pagão, que promovia a vaidade do homem, levando-o a esquecer
que as verdades alcançadas por ele eram, na realidade, oriundas
de Deus, e não de sua razão e/ou experiência sensível. Portanto, a
filosofia era antagônica à humildade e simplicidade da mensagem
cristã.
Estava posta a disputa entre místicos e dialéticos que marcou esse
período da escolástica.
De modo geral, os estudiosos reconhecem a dialética como a
base em que foi forjado o método escolástico, que consiste na
especulação e na forma lógica de exposição. As questões são
enunciadas para serem analisadas e interpretadas, e, por meio
da disputa discursiva, ser demonstrada a tese verdadeira. Alguns
trabalhos de dialética apresentam uma notável utilização dos
mecanismos lógicos e clareza na exposição dos argumentos.
Características que, segundo seus opositores, levavam à
preocupação excessiva com a forma e ao abandono do conteúdo,
e à consequente racionalização da palavra sagrada – o que era
absurdo, já que a palavra de Deus se basta.
Vários pensadores ligaram-se ao grupo dos místicos:
entre eles, Pedro Damião é um dos mais expressivos.
108
História da Filosofia II
Pedro Damião nasceu na Itália, em
uma família grande e muito pobre.
Cedo, tornou-se órfão, mas, por
intermédio de um irmão mais velho,
iniciou os estudos, destacando-se por
sua disciplina. Tornou-se professor
mais adiante. Por volta dos 30 anos,
no entanto, abandonou o magistério
e ingressou na ordem religiosa
Camaldulense, na qual permaneceu
vivendo virtuosamente, até tornar-se
Figura 3.5 - Pedro Damião (1007 – 1072)
abade do mosteiro de Fonte Avellana.
Fonte: São Pedro... ([200-?]).
Mas Pedro Damião não aceitava a
corrupção e o vício que, a seus olhos,
invadira o clero, como era o caso da prática da simonia, ou venda dos
cargos eclesiásticos. Veja a figura 3.5.
No século XI, quando viveu Pedro Damião, a Igreja passava
por um período de crise motivada, sobretudo, pela interferência
dos governantes, na nomeação dos Prelados, o que levava aos
cargos de poder da Igreja, homens não exatamente voltados para
a glorificação de Deus, mas para os privilégios que poderiam
alcançar com sua posição.
Quanto mais aspirava ao silêncio e à meditação do claustro,
mais Pedro Damião lançava-se a contendas externas. Assim, ele
se tornou um combatente contra a imoralidade, pela defesa da
integridade das lições de humildade e pobreza deixadas por Cristo.
Sua militância no ambiente interno da Igreja, juntamente com a do
Papa Gregório VII, resultou na reforma dos costumes eclesiásticos,
ocorrida no séc. XI.
O que realmente pretendia Pedro Damião era reforçar a
necessidade do cristão viver de forma ascética, em vez de envolver
a palavra sagrada na erudição ou de acumular riquezas e viver
na ostentação. Numa época em que muitos aventuraram-se
e perderam-se em habilidosos e capciosos debates acerca das
questões que envolviam a palavra sagrada, Damião acabou
voltando-se com grande força contra a filosofia, especialmente
Unidade 3
109
Universidade do Sul de Santa Catarina
contra a dialética. Para ele, não há explicação para o mistério dos
milagres de Jesus Cristo, que desafiam a lógica e a física, já que
os primeiros são coisas de Deus, e o resto é forjado pelo demônio.
Observe a citação que segue:
Quanto aos estudos profanos, o que Pedro Damião pensa
deles é simples. A única coisa importante é alcançar a
salvação; a maneira mais segura de se salvar é fazer-se
monge; o problema reduz-se, pois, a saber se um monge
necessita da filosofia. De modo algum. O que o homem
deve saber para se salvar está contido nas Escrituras; o
monge deverá conhecê-las, pois, e ater-se a elas. É preciso
ouvir com que tom que nosso mestre monge diz essas
coisas: “Platão escruta os segredos da misteriosa natureza,
fixa os limites para as órbitas dos planetas e calcula a
trajetória dos astros; rejeito-o com desprezo (respuo).
Pitágoras divide em latitudes a esfera terrestre; faço pouco
caso dele (parviplendo)[...] Euclides debruça-se sobre
os problemas embrulhados de suas figuras geométricas;
dispenso-o igualmente (aeque declino). Quanto a todos os
retores com seus silogismos e suas cavilações sofisticas, eu
os desqualifico como indignos de tratarem dessa questão.”
Essas linhas do Dominus vobiscum mostram um santo
que não se pode negar seja medieval, mas cuja santidade
está nos antípodas do não menos medieval santo Alberto
Magno. (GILSON, 2007, p. 285).
Para Damião, é o caminho da simplicidade que leva para Deus, e
não o da filosofia, já que não foram os filósofos que Jesus mandou
percorrer a Terra para converter os pagãos, mas, sim, os homens
simples, os pescadores. A respeito do poder de Deus acima de
toda lei racional, incluindo a lógica aristotélica, ele escreveu a
obra Da Divina Onipotência. Segundo alguns estudiosos, nessa
obra, Damião utiliza sutilmente, e não abertamente, a própria
filosofia para combater a filosofia. Tudo teria iniciado a partir de
uma discussão de Damião com São Jerônimo, segundo o qual
Deus era onipotente para alterar o que virá a ser e, até mesmo, o
que é, mas não tem poder sobre o que foi.
Para esta questão, o místico responde que, se fosse verdadeira
a tese de Jerônimo, tanto Deus não poderia alterar o passado,
quanto não poderia fazê-lo com o futuro, o que, por fim,
colocaria em risco a fé em toda a obra divina. É a isso que podem
levar as vãs discussões dos dialéticos. Ocorre que o tempo é
110
História da Filosofia II
atributo do homem, e não de Deus, que é eterno e comporta o
passado, o presente e o futuro do homem.
Não introduzamos em Deus as regras do discurso, nem as leis
da dialética, pois o silogismo não se adapta sem dificuldades
ao mistério do poder divino; as necessidades lógicas de nossas
conclusões não valem para Deus. Com efeito, Deus vive num
eterno presente; portanto não está submetido às condições em
que o problema se coloca, pois, para ele, não há passado nem
presente. (GILSON, 2007, p.287).
No grupo opositor aos místicos de Pedro Damião, estão os
dialéticos, para quem a assimilação da dialética era fundamental
para responder aos ataques dos heréticos.
Entre os dialéticos, um dos principais é Anselmo de Aosta, ou
de Cantuária.
Nasceu na primeira cidade
e morreu na segunda, e os
estudiosos variam quanto
à sua designação.
Figura 3.6 - O bispo Anselmo de Aosta (1033–1109)
Fonte: Diocese de Anápolis (2011a).
Anselmo nasceu em Aosta del Piamonte, na Itália, de uma
família abastada, que lhe oportunizou uma excelente educação
clássica. Antes dos trinta anos, já havia ingressado na ordem
beneditina, tornando-se monge contra a vontade do pai, que
aspirava para o filho uma promissora carreira política.
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111
Universidade do Sul de Santa Catarina
A obra de Anselmo é marcada pela clareza e precisão das
palavras, fruto da excelente educação clássica que recebeu durante
a juventude. Fortemente marcado pelo pensamento neoplatônico
de Agostinho, Anselmo é reconhecido pela sua argumentação
ontológica. Um de seus principais escritos é o Monologium,
feito sob encomenda dos monges de Bec, que desejavam um
tratado sobre a existência de Deus, baseado exclusivamente na
argumentação lógica e sem recorrer à palavra sagrada. Nesse
tratado, Anselmo retoma o entendimento platônico de que as
essências, ou conceitos universais das coisas concretas e plurais,
existem fora das coisas e que Deus é ainda maior que as coisas e
que as essências.
Lembre-se da ideia platônica de que o Bem supremo,
representado pelo sol, na parte externa da caverna de
Platão, é a razão pela qual é possível contemplar as
coisas iluminadas.
Assim como as essências são mais perfeitas que as coisas, também
há um princípio supremo das essências. Se, entre as coisas que
existem, pode-se identificar maior e menor perfeição, é porque
há um princípio único e perfeito, a partir do qual todas as coisas
são, isto é, Deus. Um ser tão poderoso que não se pode conceber
nenhum outro que seja maior que ele. Como é imperfeito, o
homem não pode pensar o que é maior que ele mesmo. Portanto,
a primeira conclusão de Anselmo é a de que o homem conhece
a Deus pela fé, e não pelo entendimento. Porém, o homem
pode pensar que há esse ser perfeito, isto é, ele existe em seu
entendimento.
Sendo assim, Anselmo conclui que Deus existe no entendimento
do homem e fora dele. Porque falar da existência de Deus, o que
é perfeitamente possível para o homem, não é o mesmo que falar
da natureza de Deus, que ultrapassa as possibilidades humanas.
Para Anselmo, a dialética não se prestava para o entendimento
dos mistérios da fé, mas para demonstrar a necessidade da fé.
Acompanhe a citação que segue:
112
História da Filosofia II
Trata-se, portanto, da fé que procura a inteligência
(fides quaerens intellectum) e, consequentemente, de uma
contínua e sutil meditação racional sobre as razões da
fé. Tanto quando Anselmo coloca entre parênteses as
verdades que aceita pela fé para alcançá-las com a razão,
como quando reflete sobre as verdades de fé, tanto em
um como no outro caso a “razão move-se constantemente
ao longo do traçado da fé”, pela explicitação de suas
verdades. [...] As verdades de fé estão pressupostas (fides
quae creditur) nos seus conteúdos, que não são fruto
da investigação racional, mas a ela são oferecidos pela
própria fé, que permanece como ponto de partida, uma
espécie de pilastra, de toda a construção racional. A razão
serve para desarticular as verdades da fé ou para iluminálas através de argumentações dialéticas. (REALE;
ANTISERI, 1990, p. 501).
É possível dizer que Anselmo busca um meio termo entre os
dialéticos radicais e os místicos radicais. Para os primeiros,
a dialética não se limita à habilidade discursiva, ao controle
da ordem e do nexo dos termos nas exposições e disputas
argumentativas, mas serve como instrumento para distinguir
o verdadeiro do falso e para avaliar a relação entre os termos
e as coisas que eles representam, a fim de que se diga, na justa
medida, o que são as coisas. Para os místicos, os dialéticos
deixam-se envolver com a retórica e a dialética ao ponto de dar
mais importância à eloquência e à sutileza do estilo, do que
propriamente ao conteúdo teológico sobre o qual escrevem e
discutem. Segundo o comentário de Etiènne Gilson, para os
dialéticos radicais, a dialética torna-se um instrumento para a
impertinência; eles levam sua paixão pela dialética ao ponto de
“submeter até o dogma e a revelação às exigências da dedução
silogística.” (GILSON, 2007, p. 291).
Diferentemente desses dois grupos antagônicos, Anselmo busca o
caminho do meio.
Duas fontes de conhecimento estão à disposição do
homem: a razão e a fé. Contra os dialéticos, santo
Anselmo afirma que primeiro é preciso estabelecerse firmemente na fé, e recusa-se, por conseguinte, a
submeter as Sagradas Escrituras à dialética. A fé é, para
o homem, o dado de que este deve partir. O fato que o
homem deve compreender e a realidade que sua razão
pode interpretar lhe são fornecidos pela revelação; não
Unidade 3
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Universidade do Sul de Santa Catarina
se pode compreender para crer, mas, ao contrário, crê-se
para compreender: neque enim quaero intelligere ut credam,
sed credo ut intelligam. Numa palavra, a inteligência
pressupõe a fé. Mas, inversamente, santo Anselmo toma
partido contra os adversários irredutíveis da dialética.
Para aquele que primeiro estabeleceu-se firmemente
na fé não há inconveniente algum em se esforçar por
compreender racionalmente aquilo em que crê. Objetar
a esse uso legítimo da razão com o argumento de que
os Apóstolos e os Padres já disseram todo o necessário é
esquecer, em primeiro lugar, que a verdade é demasiado
vasta e profunda para que algum dia os mortais consigam
esgotá-la, que os dias do homem estão contados, logo
os Padres não puderam dizer tudo o que teriam dito
caso tivessem vivido mais tempo e que Deus não cessou
e nunca cessará de iluminar sua igreja; é esquecer,
sobretudo, que, entre a fé e a visão beatífica a que todos
aspiramos, há neste mundo um intermediário, que é a
inteligência da fé. Compreender sua fé é aproximar-se da
própria visão de Deus. A ordem a observar na busca da
verdade é, pois, a seguinte: primeiro crer nos mistérios da
fé antes de discuti-los pela razão; depois esforçar-se por
compreender aquilo em que se crê. Não dar precedência à
fé, como fazem os dialéticos, é presunção; não apelar em
seguida para a razão, como nos proíbem os adversários
[os místicos], é negligência. (GILSON, 2007, p. 292).
Assim, Anselmo aparece como um grande conciliador entre fé e
razão, e, embora seus comentadores afirmem que sua obra não é
nem uma completa filosofia e nem uma teologia, consideram-no
o primeiro escolástico digno deste título.
114
História da Filosofia II
Seção 3 – O Pensamento de São Tomás de Aquino
Tomás de Aquino nasceu no castelo de Roccasecca, na
Sicília, estudou com os beneditinos e com vinte anos
aproximadamente ingressou na ordem dos dominicanos.
Muito afeito aos estudos, dedicou-se à teologia, estudou
com Alberto Magno e, com trinta e quatro anos, obteve
amento em teologia na universidade de Paris.
A obra que ele deixou é extensa, e, entre os escritos mais
conhecidos, estão: Suma Teológica, Súmula Contra os
Gentios, Os Princípios, O Ente e a Essência, Questões sobre
Figura 3.7 - São Tomás de Aquino
a Alma.
Pode-se dizer que o trabalho de Tomás de Aquino foi
basicamente dedicado à organização do conhecimento
teológico medieval. Veja figura 3.7.
(1225-1274)
Fonte: 28 de janeiro (2010).
Além de Carlos Magno, também Platão e Aristóteles
exerceram muita influência no pensamento de Tomás,
apesar de dominar apenas o latim, o que ele remediou
lendo as obras de tradutores pagãos.
As questões tratadas por este escolástico não fugiram das questões
fundamentais que envolveram os filósofos cristãos durante toda a
Idade Média, sendo a principal delas, no aspecto filosófico, a da
intervenção da razão para fundamentar verdades da fé.
Tomás de Aquino acreditou ser possível, através de argumentos
racionais, provar a existência de Deus. Inspirado pelo “motor
primeiro” de Aristóteles, ele explica que todas as coisas do
universo têm causa, isto é, não existe um efeito sem causa,
nem uma coisa que seja causa de si mesma. Ao retroceder no
encadeamento da história, encontra-se, finalmente, algo que, não
tendo causa, é a causa de si e a primeira causa de todas as coisas
do mundo: trata-se de Deus.
Apesar de recorrer claramente à argumentação lógica, Tomás de
Aquino prioriza a fé, quando afirma que alguns conhecimentos
revelados são superiores aos alcançados com o simples
Unidade 3
115
Universidade do Sul de Santa Catarina
exercício racional. Mesmo não podendo ser demonstrados, são
necessariamente verdadeiros, porque provêm da revelação divina.
Observe a seguinte passagem do capítulo VIII da Súmula contra
os Gentios:
Todo efeito possui, a seu modo, certa semelhança
com a sua causa, embora o efeito nem sempre atinja a
semelhança perfeita com a causa agente. No que concerne
ao conhecimento da verdade de fé – verdade que só
conhecem à perfeição os que vêem a substância divina
– , a razão humana se comporta de certa maneira, que
é capaz de recolher a seu favor certas verossimilhanças.
Indubitavelmente, estas não são suficientes para fazernos apreender esta verdade de maneira por assim dizer
demonstrativa, ou como por si mesma. Todavia é útil que o
espírito humano se exercite em tais razões, por mais fracas
que sejam, desde que não imaginemos que as possamos
compreender ou demonstrar. Com efeito, na área das
realidades mais elevadas, já constitui uma alegria muito
grande o fato de se poder apreender algo, embora com
humildade e com fraqueza. (AQUINO, 1996, p. 145).
Assim como Aristóteles, Tomás afirma que tudo o que existe é,
simultaneamente, ato e potência: potência, na medida em que
passa por um processo contínuo de transformação, podendo
engendrar outras coisas; e ato, na medida em que tudo o que
existe é alguma coisa, num determinado momento. Assim, por
exemplo, uma semente de abacateiro é uma semente em ato, no
momento presente, mas é também um abacateiro em potência,
porque pode vir a ser um, no futuro. Esta transformação dá-se
sempre para cumprir determinadas finalidades e nisso também
ele segue Aristóteles, na ideia teleológica, segundo a qual tudo
caminha para um fim preestabelecido ao nascimento, pela própria
natureza das coisas.
Tomás de Aquino compreende o universo como algo ordenado e
hierarquizado, em que cada coisa tem uma função e determinado
grau de perfeição. Não é por acaso que a semente transforma-se
em planta e que esta se transforma em flores e frutos. Tudo o que
existe é dirigido a este ser que ordena o universo, visando a um
fim último: é Deus.
116
História da Filosofia II
O homem, como os outros animais e as plantas, é constituído de
corpo e alma. No homem, a alma responde pela razão; e o corpo,
pelos sentidos. Destruído o corpo, desaparecem as faculdades
sensitivas, permanecendo, no entanto, as que são inerentes à
alma, já que ela é imortal. A alma desempenha uma função de
grande importância: a obtenção do conhecimento, especialmente
aquele que não depende dos órgãos dos sentidos.
Outra conseqüência derivante da revelação sobrenatural
consiste na eliminação deste vício que é a presunção
humana, presunção que constitui a mãe de todos os erros.
Certos homens, com efeito, confiam a tal ponto em suas
capacidades, que timbram em medir a natureza inteira
com o metro de sua inteligência, estimando verdadeiro
tudo o que enxergam e falso o que não enxergam. A
fim de que o espírito humano, liberto de tal presunção,
pudesse conquistar a verdade com modéstia, era
necessário que Deus propusesse à sua inteligência certas
verdades totalmente inacessíveis à sua razão. (AQUINO,
1996, p. 139-140).
Segundo Tomás de Aquino, existem outros conhecimentos além
dos revelados. São os obtidos através dos sentidos e organizados
pela razão. Num primeiro momento, os sentidos captam os dados
do mundo exterior. Num segundo momento, a mente humana
abstrai a essência destes dados e organiza os conceitos.
Essa explicação foi dada por Boécio, conforme você
viu na seção anterior, e não é por acaso, já que ele
também dedicou-se ao estudo de Aristóteles.
Para compreender se a verdade existe somente no intelecto, ou,
antes, nas coisas, Tomás de Aquino faz uso de argumentos que
apelam para a evidência de certas verdades.
Acompanhe a passagem que segue. Ela faz parte da "Suma
Teológica" de Tomás de Aquino (1996, p. 245-248):
Unidade 3
117
Universidade do Sul de Santa Catarina
Art. I - SE A VERDADE EXISTE SOMENTE NO
INTELECTO, OU, ANTES, NAS COISAS
O primeiro discute-se assim. – Parece que a verdade não
está somente no intelecto, mas antes nas coisas.
1. – Pois Agostinho reprova esta definição de verdade:
A verdade é aquilo que é visto; porque, então, as pedras,
ocultas no mais profundo seio da terra, não seriam
verdadeiras pedras, porque não se vêem. Também reprova
esta outra: “A verdade é tal, que é vista pelo sujeito, se
quiser e puder conhecê-la”; pois, se assim fosse, nenhuma
verdade existiria, se ninguém pudesse conhecê-la. Donde
se conclui que a verdade está nas coisas e no intelecto.
2. – Demais. – Tudo o que é verdadeiro o é pela verdade.
Se, pois, a verdade existe somente no intelecto, nada será
verdadeiro senão na medida em que for inteligido; erro
dos antigos filósofos, como se vê em Aristóteles, dizendo
ser verdadeiro tudo o que é visto. Donde se segue que
os contraditórios são simultaneamente considerados
verdadeiros por diversos.
3. – Demais. – A causa de ser uma coisa o que é, é essa
coisa ainda em maior grau, como diz Aristóteles. Mas,
conforme uma coisa é, ou não é, assim a opinião ou a
oração é verdadeira, ou falsa, conforme o Filósofo. Logo,
a verdade está mais nas coisas do que no intelecto.
Mas, “em contrário”, diz o Filósofo: “O verdadeiro e o
falso não estão nas coisas, mas no intelecto”.
SOLUÇÃO
Assim como o bem designa o termo para o qual tende
o apetite, assim a verdade [designa] o termo para o qual
tende o intelecto. Ora, a diferença entre o apetite e o
intelecto, ou qualquer conhecimento, está em que o
conhecimento supõe o objeto conhecido, no conhecente,
ao passo que o apetite supõe que o apetente se inclina
para a coisa mesma apetecida. E, assim, o termo do
apetite, que é o bem, está na coisa apetecível, enquanto o
termo do conhecimento, que é a verdade, está no próprio
intelecto. Ora, o bem está na coisa, enquanto esta se
ordena para o apetite; por isso, a noção da bondade deriva
da coisa apetecível para o apetite, sendo, assim, a razão
por que chamamos bom ao apetite do bem. Do mesmo
modo, a verdade, estando no intelecto, enquanto este
118
História da Filosofia II
se conforma com a coisa inteligida, necessariamente a
noção da verdade deriva para essa coisa, de maneira que
também esta se chama verdadeira, enquanto se ordena, de
certo modo, para o intelecto.
Ora, a coisa inteligida pode se ordenar para um certo
intelecto, ou em si, ou por acidente. Em si, ordena-se
para o intelecto do qual o seu ser depende; por acidente,
a um intelecto do qual é cognoscível. Como se dissermos
que a casa depende, em si, do intelecto do artífice; e, por
acidente, é relativa a um intelecto do qual não depende.
Ora, julgamos uma coisa fundada não no que nela existe
por acidente, mas no que lhe pertence por essência. Por
onde, uma coisa é considerada verdadeira, absolutamente
falando, quando se ordena para o intelecto, do qual
depende. Por isso, são chamadas verdadeiras as coisas
artificiais, em ordem ao nosso intelecto; assim, é
chamada verdadeira a casa resultante da semelhança
da forma, existente na mente do artífice; e verdadeira
a oração, enquanto procede do intelecto verdadeiro.
Semelhantemente, as coisas naturais chamam-se
verdadeiras, enquanto realizam a semelhança das
espécies existentes na mente divina; assim, chamamos
verdadeira à pedra que realiza a natureza própria da
pedra, preexistente no conceito do intelecto divino. Por
onde a verdade principalmente existe no intelecto e
secundariamente nas coisas, enquanto estas dependem do
intelecto, como do princípio.
E, por onde, a verdade é conhecida de modos diversos.
Assim, Agostinho diz: “A verdade é o meio pelo qual
se manifesta aquilo que é”. E Hilário: “A verdade é
declarativa e manifestativa do ser”. O que é próprio dela,
enquanto existente no intelecto. Mas pertence à verdade
da coisa em ordem ao intelecto, a seguinte definição
de Agostinho, no mesmo lugar: “A verdade é a suma
semelhança do princípio, a qual não tem nenhuma
dessemelhança”. E esta definição de Anselmo: “A verdade
é a retidão perceptível só da mente”; pois reto é o que
concorda com o princípio. E uma outra, de Avicena: “A
verdade de uma coisa é a propriedade do ser que lhe foi
atribuído”. Quando, porém, dizemos que “a verdade é a
adequação da coisa com o intelecto”, essa definição pode
convir a um e outro modo.
Unidade 3
119
Universidade do Sul de Santa Catarina
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
Agostinho refere-se à verdade da coisa; e exclui dessa
noção de verdade a comparação com o nosso intelecto.
Pois de toda definição se exclui o que lhe é acidental.
RESPOSTA À SEGUNDA
Os antigos filósofos não diziam que as espécies das
coisas naturais procediam de algum intelecto, mas que
provinham do acaso. E, por considerarem que a verdade
implica relação com o intelecto, viam-se forçados a
constituir a verdade das coisas em dependência de
nosso intelecto; donde as incongruências assinaladas
pelo Filósofo [Aristóteles], no lugar citado. Mas tais
incongruências desaparecem, se admitirmos que a
verdade das coisas consiste na relação com o intelecto
divino.
RESPOSTA À TERCEIRA
Embora a verdade de nosso intelecto seja causada
pela realidade, não é necessário que a noção dela se
encontre primeiramente na realidade. Assim como a
noção de saúde não se encontra primeiro no remédio
que no animal; pois é a virtude, e não a sanidade do
remédio, a causa da saúde, que não é um agente unívoco.
Semelhantemente, não é a verdade da coisa, mas o
seu ser, que causa a verdade do intelecto. Por isso, o
Filósofo diz, no lugar citado, que a opinião ou a oração
é verdadeira porque a realidade existe, não porque seja
verdadeira.
Neste fragmento, que requer esforço do leitor para que seja
compreendido, você pode ver o exercício realizado por Tomás
de Aquino, em que ele aplica o procedimento dialético, o qual
caracteriza o que se chama de método escolástico. Trata-se da
apresentação de uma hipótese, uma ideia ou uma tese a respeito
de um problema. A seguir, apresentação de uma ideia contrária à
tese inicial (antítese). Finalmente, a elaboração de uma resposta
ou solução para o problema proposto, o que corresponderia à
síntese, para o filósofo moderno alemão Hegel.
Nesta etapa de estudos, você entrou em contato com as ideias
de vários pensadores que viveram entre os séculos VI e XIII,
período que compreende uma das fases mais férteis da história
do pensamento cristão: a fase em que se deu a Escolástica. Este
120
História da Filosofia II
estudo servirá de base para você compreender os motivos pelos
quais a Escolástica entrou em crise e deu lugar ao pensamento
científico moderno. Então, que tal ir adiante?
Síntese
Nesta unidade, você estudou que um dos principais pensadores
deste período foi Severino Boécio, o qual se dedicou
especialmente ao estudo de Aristóteles e foi um personagem
polêmico por não declarar sua fé tão insistentemente como
gostariam as autoridades eclesiásticas da época. Você estudou,
ainda, dois grupos de pensadores que se destacaram por
defenderem posições contrárias em relação ao entendimento dos
mistérios divinos: os dialéticos, que confiavam na argumentação
lógica como via de entendimento do mistério, e os místicos, que
defendiam que o mistério deve ser simplesmente aceito.
Por fim, estudou o pensamento de Tomás de Aquino, grande
dialético e um dos representantes mais importantes da
Escolástica.
Unidade 3
121
Universidade do Sul de Santa Catarina
Atividades de autoavaliação
Para praticar os conhecimentos apropriados nesta unidade, realize as
atividades seguintes propostas.
1) Na Escolástica, uma das ideias que expressa o sentido do conhecimento
verdadeiro, para os místicos em oposição aos dialéticos, propõe que o
verdadeiro conhecimento obtém-se pela via da aceitação do mistério
pela fé, e não de forma especulativa, pela via do discurso. Com base
nestes dados, assinale a afirmação correta.
(a) o conhecimento pode ser aceito pela via da argumentação hipotéticodedutiva da lógica aristotélica;
(b) a prioridade para o cristão não é compreender o mistério da sagrada
escritura, mas vivenciar a verdade divina com fé e humildade;
(c) a verdade do conhecimento revelado depende da sua lógica interna ou
da sua comprovação material, já que ela está baseada na autoridade de
quem a revela;
(d) a filosofia não pode ajudar na compreensão da fé porque se perde em
palavras e torna a verdade revelada inacessível para os homens simples.
2) Com base na definição do termo Escolástica que você estudou no início
desta unidade, responda se é possível chamar os professores atuais de
mestres escolásticos e justifique sua resposta.
122
História da Filosofia II
Saiba mais
Você pode saber mais sobre o assunto estudado nesta unidade,
consultando as seguintes referências:
AQUINO, Tomás. Súmula teológica. São Paulo: Nova
Cultural, 1996.
______. Súmula contra os gentios. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
BOÉCIO. La consolación de la filosofia. Traducción del latín
por Pablo Masa. Buenos Aires: Aguilar, 1955.
GILSON, Étienne. A filosofia na Idade Média. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. Campinas: Atual,
1988.
VERGER, Jacques. As universidades na Idade Média. São
Paulo: Unesp, 1990.
Unidade 3
123
UNIDADE 4
A crise da Escolástica e o
nascimento do pensamento
moderno
Objetivos de aprendizagem
„„ Identificar o conjunto de condições indicadoras da
crise da Escolástica e de elementos prenunciadores da
mentalidade moderna.
„„ Compreender as características específicas das principais
linhas de pensamento no final da Escolástica.
Seções de estudo
Seção 1 A Escolástica pós-tomista
Seção 2 A Escolástica e o Humanismo
Seção 3 A crise da Escolástica e o alvorecer da ciência
moderna
4
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para iniciar o estudo
Como já referido, ao iniciar-se o estudo do pensamento e do
contexto dos primeiros padres e doutores do Cristianismo, é
comum encontrar dois termos: Patrística e Patrologia. Ambos
os termos derivam da designação “pais da Igreja”, estudo dos
pais da Igreja; por terem sido eles os primeiros teóricos a
estruturar a doutrina, a incentivar a fé e a pregar as verdades
bíblicas reveladas por Cristo, ou pelo próprio Deus feito homem.
Apesar de ambos os termos fazerem referência aos pais da Igreja,
comumente utiliza-se o termo Patrologia para designar o estudo
da vida, da história e do contexto social desses homens, enquanto
o termo Patrística refere-se ao estudo do seu pensamento e da sua
obra.
Então, a Patrística é o estudo do pensamento dos primeiros
padres cristãos, porém o conjunto das obras que fazem parte da
Patrística inclui autores cristãos, mas não padres, e até mesmo
autores que beiram o paganismo ou o agnosticismo.
“AGNOSTICISMO (ingl. Agnosticism; franc. Agnosticisme;
al. Agnosticismus). O termo foi cunhado pelo
naturalista inglês Thomas Huxley em 1869 (Collected
Essays, V, pág. 237 segs.) para indicar a atitude
de quem se recusa a admitir soluções daqueles
problemas que não podem ser tratados com os
métodos da ciência positiva e, particularmente, dos
problemas metafísicos e reli­giosos. O próprio Huxley
declarou ter criado o termo ‘como antítese do gnóstico
da história da Igreja, o qual pretendia saber muito
bem a respeito de coisas que eu ignorava’. O termo
foi retomado por Darwin, que se declarou agnóstico
em uma carta de 1879. Desde então, o termo foi
usado para designar a atitude dos cientistas de diretriz
positivista em face do Absoluto, do Infinito, de Deus
e dos problemas respectivos, atitude assinalada pela
recusa de professar publi­camente qualquer opinião
sobre tais problemas. Assim, foi dita agnóstica
a posição de Spencer que, na primeira parte dos
Primeiros princípios (1862), entendeu demonstrar a
inacessibilidade da reali­dade última, isto é, da força
misteriosa que se manifesta em todos os fenômenos
naturais. O fisiólogo alemão Du-Bois Raymond, em um
escrito de 1880, enunciava Sete enigmas do mundo (a
origem da matéria e da vida; a origem do movi­mento;
126
História da Filosofia II
‘o surgir da vida; a ordenação finalista da natureza; o
surgir da sensibilidade e da cons­ciência; o pensamento
racional e a origem da linguagem; a liberdade do
querer) em face dos quais ele julgava que o homem
estivesse destinado a pronunciar um ignorabimus,
já que a ciência não poderá nunca resolvê-los.
No mesmo período, a palavra foi estendida para
designar também a doutrina de Kant, enquanto
esta reputa o nôumeno ou a coisa em si além dos
limites do conhecimento humano (v. NÔUMENO).
Mas essa extensão da palavra não pode dizer-se
de todo legítima, dada a concepção kantiana de
nôumeno como conceito-limite. Faz parte integrante
da noção de A, a redução do objeto da religião a
simples mistério a respeito do qual os símbolos que
se usam para interpretá-lo permanecem de todo
inadequados.” (ABBGNANO, 1962, p. 21).
Seção 1 – A Escolática pós-tomista
O século XIV não apresentou a mesma pujança do século
anterior, quando, como você já viu, estruturas que apontam
para o Renascimento dão seus primeiros passos. Um processo
de crescimento, iniciado na passagem dos séculos XI ao início
do XIV, entra em colapso no século XIV. Alguns dos fatores
indicados pelos historiadores para esta crise são a Peste Negra,
que reduz significativamente a população e, consequentemente,
a mão-de-obra: em uma sociedade de base agrícola, mesmo que
com vários avanços tecnológicos importantes para este sistema,
mão-de-obra vasta é fundamental; a Guerra dos 100 anos,
entre franceses e ingleses, mais um fato que reduz a população;
e as revoltas populares, decorrentes, muitas vezes, dos fatores
anteriores, pois, ao verem reduzir a sua parte na produção, os
senhores feudais aumentam tributos, o que deixa as classes
subalternas ainda mais atarefadas e empobrecidas. Como aponta
Sevcenko (1988, p. 6.), tal crise tem sido denominada de Crise do
Feudalismo. Tal denominação faz com que possamos estabelecer
pontes com a própria crise da Escolástica.
Unidade 4
127
Universidade do Sul de Santa Catarina
Franco Alessio (apud LE GOFF; SCHMITT, 2002, p. 367-382)
mostra a ligação entre as universidades e a Escolástica e, ainda,
como é difícil pensar em uma unidade desta última, indicando,
mesmo, que há mais de uma Escolástica. “A escolástica não
é unitária, decom­põe-se em quatro escolásticas distintas e
independentes: filosófica, jurídica, médi­ca e teológica. A
escolástica é, pois, plural, e sua história é quádrupla.” (Idem, p.
370). Tal unidade poderia ser pensada mais a partir da Filosofia
e, propriamente, de um procedimento metodológico baseado,
sobretudo, na lógica aristotélica. Trata-se, como foi visto, do
procedimento de análise textual.
Se há uma unidade da escolástica, ela reside inteiramente
no método, na invariabilidade das regras e das técnicas
que observa o escolástico quando co­menta os textos
canônicos. Aqui, o aporte decisivo provém menos da
doutrina (física, ética, metafísica, biológica) de Aristóteles
do que de sua “lógica”. É do Organon que a escolástica
retira a técnica lógico-lingüística que lhe permite
or­ganizar seu comentário. Técnica que permanece a
mesma em teologia, em di­reito e em medicina, que é
aprendida na faculdade de artes, mas impõe-se em todas
as outras faculdades. Portanto é a maneira de proceder
que fornece a uni­dade ideal da escolástica. Por sua vez,
esse método não consiste somente numa técnica formal,
mas comporta também um princípio diretor, o “princípio
de au­toridade”. Princípio que foi herdado pela escolástica
de épocas muito antigas, que eram menos ricas em livros,
e só a importância que esse princípio adquire para ela
pode levar a crer que o tivesse formulado. Ele impõe
uma submissão de­ferente a textos quase sacralizados, que
garantem por si próprios que são portadores da verdade:
reflete, no interior do saber, a visão tipicamente cristã
segun­do a qual a chave da salvação está contida no Livro
que garante por si mesmo sua própria verdade. O saber
profano aparece como encarnado, ele também, em livros
que garantem por si mesmos sua própria verdade: a
tradição que transmi­tem veicula saberes prestigiosos por
si mesmos, que se impõem como valores. É precisamente
isto que leva a fazer do escolástico essencialmente um
comentador. (Idem, p. 371).
128
História da Filosofia II
O que se pode observar é que a inserção de Aristóteles no
ambiente cristão já prenuncia a crise desta mentalidade. O
gosto pelas disputas salienta as divergências e o impasse entre a
tradição e o novo (moderno). Mesmo o monumental trabalho de
São Tomás de Aquino em conciliar cristianismo e aristotelismo
não tem reconhecimento imediato. Conforme salientam Inácio e
De Lucas (1994, p. 78-79.), franciscanos e teólogos tradicionais
tomavam-no como revolucionário em demasia, reprovando-o por
introduzir a sinistra figura de Aristóteles e seus comentadores,
particularmente os de origem árabes -- representantes de uma
cultura filosófico-religiosa, a islâmica, que, ao mesmo que se
toma se quer expulsar, basta lembrar as Cruzadas -- ; outros, mais
extremados, consideraram que São Tomás de Aquino ficou no
meio do caminho, pois não abraçou plenamente o aristotelismo.
Quando é reconhecido e passa a compor a ortodoxia da Igreja
Cristã, o intento de São Tomás de Aquino torna-se um sistema
rígido e mecânico. Assim, como dizem Inácio e De Lucas (1994,
p. 79.), “[...] havia sido, em certa medida, amesquinhado em sua
forma criadora e libertadora.”
Chegando ao final do século XIII, além do tomismo, são a
tradição agostiniana e o averroísmo latino que tentam orientar,
como doutrinas, o pensamento medieval. Contudo, mesmo
internamente a estas tradições, temos variados matizes, com suas
questões e recursos a tão variadas autoridades, que, ao iniciar um
debate, vemos insaciáveis querelas. Tal situação gera uma leva de
pensadores “independentes”, que apresentam sistemas de ideias
mais pessoais. Muitos destes, como você verá mais a frente, são
de Oxford, e acentuam a tonalidade “empirista” assim como
prenunciam o espírito científico da modernidade. Há, ainda, o
aparecimento dos primeiros representantes do humanismo que
marcará o pensamento renascentista.
Antes de falar destes pensadores, vejamos o contexto
em que se insere a crítica ao tomismo.
Unidade 4
129
Universidade do Sul de Santa Catarina
A crise da mentalidade cristã, conforme assinala Abraão (1999,
p. 119-220), também é marcada por outras transformações que
ocorreram no século XIV. A autonomia de certas cidades e o
surgimento de monarquias que mais tarde se transformariam em
Estados nacionais centralizados, fundaram os germes do Estado
Moderno. O Sacro Império Romano-Germânico é enfraquecido
pelos sucessivos conflitos com o papado. Este, por sua vez, passa a
disputar a hegemonia com os monarcas e organiza-se como uma
espécie de Estado monárquico supranacional. É desse período o
cisma do Ocidente, onde o poder papal ficou dividido entre Avignon
e Roma, aos quais se juntaria, depois, um terceiro. Para pôr fim neste
cisma, é realizado o Concílio de Constança de 1414 até 1418.
Todavia, se agora há apenas um pontífice, este passa a ter seu
poder reduzido pelo concílio dos bispos. É deste período também
o ingresso das ordens mendicantes, franciscanos e dominicanos, na
universidade, que tinha como objetivo a manutenção da ortodoxia
católica. Santo Tomás deve ser entendido a partir desse contexto. A
doutrina desse dominicano desenvolver-se-á como um ataque aos
averroístas. Todavia, o aristotelismo de Santo Tomás também seria
motivo de crítica pelo franciscano São Boaventura (1221-1274).
Ainda, pautando-se na fala de Abraão, cabe lembrar que
as ordens mendicantes dos dominicanos e dos franciscanos
ingressam nas universidades sob a autorização do papa, com
o objetivo de retomada do controle, por parte do papado,
protegendo a ortodoxia dos “dialéticos”. Tais ordens acabam, de
formas diferentes, constituindo-se matizes da Escolástica como
tão bem esclarece esta passagem de Alessio (apud LE GOFF;
SCHMITT, 2002, p. 374-375):
O mestre dominicano pertence a uma ordem
originalmente constituída para pre­gar a ortodoxia em
regiões heréticas: uma tal ordem dá aos monges armas
dou­trinais e os destina ao combate doutrinal contra o
erro. O mestre dominicano é, portanto, escolástico por
vocação, e seu estatuto de escolástico não modifica seu
“estado” (habitus) de regular. Ao contrário, o encontro
130
História da Filosofia II
entre o pensamento fran­ciscano e a escolástica, quando
ocorre, é quase a contragosto: enquanto tal, o sa­ber
(doutrina) mantém-se sempre como um luxo supérfluo,
uma “ciência infla­da” (scientia inflans). O franciscano
não é espontaneamente um escolástico, e, na escolástica,
seus valores são mais criticados e ameaçados do que
reafirmados. En­quanto mestre, ele elabora uma doutrina
que é mais do que uma escolástica, em­bora permanecendo
o menos escolástica possível. Por outro lado, sendo mais
sen­sível à persistência de certos costumes do que ao
desvio doutrinário, ele exalta, sobretudo, os valores da
alma cristã, contrapondo-os frontalmente aos costumes
neopagãos que, a seus olhos, identificam-se com a recusa
do sobrenatural que se insinua entre os escolásticos por
causa dos mestres averroístas.
Partindo de Ferrater Mora (2000, p. 327-329), temos que São
Boaventura nasceu em Bagnoregio (Balneoregium), perto
de Viterbo, na Toscana, de nome João Fidanza. Na ordem
franciscana, ingressou em 1238, sendo nomeado, por volta de
1257, vigário geral. “Estudou em Paris sob o magistério de
Alexandre de Hales e lecionou na mesma universidade, de 1248
a 1255. Em 1273, foi nomeado cardeal.” Seu pensamento é
visto, predominantemente, como de base agostiniana, embora
nem todos os seus comentadores concordem com isso. Sua
preocupação central era mostrar como conduzir a alma a Deus,
ou seja, procurava estabelecer um itinerário da alma a Deus.
Entretanto, não retira de seu pensamento o falar sobre a filosofia
e sua natureza. Para o franciscano, a diferença fundamental entre
filosofia e teologia consiste no fato de a primeira começar do
ponto em que, no máximo, a filosofia termina. Esta diferença,
entretanto, não significa, necessariamente, incompatibilidade
entre filosofia e teologia: diz, apenas, que se tratam de vias
diferentes. Essa busca de conduzir a alma a Deus é dada pela
iluminação divina, ou seja, a fé.
Mas, e como fica a razão neste caminho?
Unidade 4
131
Universidade do Sul de Santa Catarina
A ela resta buscar, encontrar no mundo sensível -- mundo das
criaturas de Deus -- os
[...] vestígios, imagens, sinais ou signos das ideias
perfeitas, que são o próprio conhecimento de Deus. Não
se trata de conhecer o que as coisas são, mas apenas
o que elas significam e representam, como imagem e
semelhança dessa imensa sabedoria divina.” (ABRAÃO,
1999, p. 121).
Gilson (1995, p. 548.) aponta três etapas do movimento de
ascensão: vestígios de Deus no mundo sensível; busca da imagem
de Deus em nossa alma; por fim, a superação das coisas criadas
que “[...] nos introduz nas alegrias místicas do conhecimento e da
adoração de Deus”. São Boaventura representa muito bem, como
salienta Gilson (2003, p.443,), a síntese do homem e do espírito
medieval, ardor místico e força especulativa, num complemento
harmonioso entre “unção” e “especulação”.
Outro representante franciscano que percorre um caminho
diferente do de São Tomás de Aquino foi o catalão Raimundo
Lúlio (c. 1233-1315). Suas ideias tiveram por objetivo converter
os muçulmanos e, para isto, vive em terras conquistadas por
árabes. Para tanto, não lhe é suficiente a verdade da fé, mas
necessita dos meios racionais para demonstrá-la.
Uma parte de sua atividade literária é orientada para
esse fim, como fora o caso da Summa contra Gentiles de
santo Tomás; mas o método de Lulo, consignado em sua
Grande Arte, é bem diferente, constatando que a lógica
aristotélica, excelente para demons­trar, é impotente para
inventar, vangloria-se de constituir uma ars inveniendi
pela combinação, variada ao infinito, dos diferentes
conceitos; vai mesmo materializar esse método através
de um verdadeiro jogo de figuras e símbolos cujo
manejo deve conduzir todo homem -- e especialmente
os muçulmanos -- às grandes verdades cristãs. Essa
álgebra teológica iria despertar, nos séculos seguintes, ora
zombaria, ora interesse. De resto, Raimundo Lulo, poeta
e místico, adquiriu nesses dois domínios tí­t ulos de glória
menos incertos. (PEPIN, 1983, p. 160-161).
132
História da Filosofia II
Lúlio morreu martirizado pelos muçulmanos. Os tempos
conturbados, a retomada de certos aspectos do platonismo e uma
preocupação com a observação da natureza remetem a possíveis
analogias como o humanismo renascentista. Eis o caminho a ser
tomado na sequência.
Seção 2 – A Escolástica e o Humanismo
A retomada de Platão para se opor a certos aspectos do
aristotelismo, mesmo que ainda de forma mitigada, anuncia uma
estratégia utilizada pelo humanismo renascentista. Mas, antes
de visualizarmos rapidamente de que forma podemos encontrar
nos pensadores medievais do final da Escolástica aspectos que
apontam para este humanismo, retomemos o que foi estudado em
Antropologia Filosófica para localizar o humanismo. Segundo
Sevcenko (1988, p. 14), os mais significativos pensadores
renascentistas são denominados humanitas (humanistas). Eles
realizavam o studia humanitatis, isto é, estudos humanísticos,
o que equivalia à atualização, dinamização e revitalização dos
estudos tradicionais que incluíam a “poesia, a filosofia, a história,
a matemática e a eloquência, disciplina esta resultante da fusão
entre retórica e a filosofia.”
Estes pensadores estavam empenhados na reforma educacional
e na aprendizagem das línguas clássicas. Os mesmos suscitaram
os estudos a partir dos textos “originais”, geralmente em latim
e grego, abdicando à autoridade dos sábios e dos manuais
medievais ou dos exegetas da tradição teológica. Eles buscavam
a reforma da tradição medieval e o exercício de um espírito livre
que engendrasse as bases de uma nova mentalidade: a moderna.
O humanismo representou o olhar do homem sobre
ele mesmo, o estudo do que caracteriza sua própria
humanidade.
Unidade 4
133
Universidade do Sul de Santa Catarina
Este olhar sobre si mesmo levou à preocupação com a
instrução e formação das novas gerações, a fim de promover
o aprimoramento desta humanidade -- propósito que era
conflitante com as preocupações da Escolástica, pelo menos desta
Escolástica dogmática, que, como foi visto anteriormente, virou
mero recurso de uma ortodoxia.
Lembre a reforma de Lutero,
que, apesar de não incentivar o
abandono da Igreja e de reforçar a
obediência às autoridades de modo
geral, investe contra os abusos das
autoridades eclesiásticas e acaba
enfraquecendo a Igreja que, por sua
vez, reage com a Contra-Reforma.
De qualquer modo, o humanismo forçou as autoridades
eclesiásticas a renovar o ensino no sentido de absorver
parcialmente a nova visão de mundo, em que a relação entre
homem e natureza seria mediada pela razão.
Na apresentação do pensamento de Bacon, Inácio e De Lucas
parecem indicar a necessidade de reforma da Igreja e um espírito
experimentalista. Veja o que dizem estas autoras:
Para Bacon, a cidade terrestre deveria ser absorvida pe­
la Igreja, constituindo uma “República cristã” fundada,
organizada e mantida por uma sabedoria espiritual
distribuída pelos clérigos. Tal sabedoria era a teologia,
à qual a filosofia deve estar inteiramente subordinada,
da mesma forma que o direito civil deve subordinarse ao canônico. Para tanto era necessária uma reforma
intelectual e moral, uma reforma de costumes dos
clérigos, da organização eclesiástica e do ensi­no teológico.
A doutrina de Bacon só pode ser compreendida no con­
texto de sua teoria da iluminação, que explica a unicidade
da sabedoria e o privilégio atribuído aos cristãos,
beneficiá­rios da revelação divina; e de sua teoria da
ciência, cujo au­têntico valor acha-se em sua utilidade: a
ciência é para a salvação. Sob a doutrina da iluminação,
podemos já reconhe­cer em Bacon como ideal da ciência
“o repouso do espírito ante a contemplação da verdade”.
(INÁCIO; DE LUCAS, 1994, p. 63).
No século XIV, vários pensadores se envolvem na luta contra o poder
papal, entre eles Guilherme de Ockham. Para ele, “[...] um todo não
é outra coisa senão os seus elementos. Como a relação não é uma
coisa concreta, real, as relações que os membros de um corpo so­cial
contraem com seu rei ou entre si não convertem o seu conjunto em
uma coisa numericamente una.” Assim, suas ideias políticas eram
134
História da Filosofia II
uma reação contra o impe­rialismo papal, colocando no centro o problema
dos direitos dos súditos frente aos governantes e afirmando o direito de
uma minoria a reagir contra a coação.
Figura 4.1 - Imagem de Guilherme de Ockham
Fonte: Apresentação (2006).
Na luta entre o Império e o Papado, Ockham tomou de­
cididamente a defesa do primeiro, negando que o poder do
imperador derivasse em algum sentido do Papa, que a ceri­mônia
da coroação contribuísse de alguma forma para a le­gitimidade
de sua autoridade e que fosse necessária a confirmação pontifícia
de uma eleição imperial. O poder do imperador derivava
exclusivamente da eleição, ou seja, do consentimento do conjunto
de seus súditos expresso pelo co­légio de eleitores que falava em
nome. O mesmo ocorria por sua vez com qualquer poder régio,
inclusive o papa1.
Fiel à “doutrina das duas espadas”, embora Ockham a
compreendesse de um modo mais radical, o pensamento
político ockhamista representava a supremacia do poder papal
como verdadeira heresia dentro do cristianismo, uma inovação
desastrosa que encheu a Europa de discórdias, destruiu a
liberdade cristã e conduziu à invasão discricionária dos di­reitos
dos governantes seculares. (Idem, p. 84).
Para Ockham, conforme Inácio e De Lucas, Deus, por sua
condição de transcendente, infinitamente remoto, incompreensível
e inimaginável, não tem nada a fazer quanto aos acordos humanos.
Sua posição lembra o relativismo sofístico, por indicar que, quanto às
relações humanas, só temos convenções e mesmo a possibilidade de
Unidade 4
135
Universidade do Sul de Santa Catarina
dar conta do conhecimento, como retomaremos mais a frente,
é mera suposição. Note que esta aproximação, este lembrar a
sofística, pode ser mais um argumento para aproximar certos
aspectos das ideias de Ockham do humanismo renascentista.
Para Ockham, “[...] parte da teologia mais tra­dicional e
conservadora não passava de ficção: Deus enganara os teólogos
com um jogo de palavras cuja interpretação não era segura, pois
os homens decidiram, eles mesmos, quando pen­savam de outra
maneira.” (Idem, p. 85).
Ockham defende um humanismo individualista. Para ele,
cada coisa é individual, sendo a totalidade a reunião destas
individualidades. Partindo da noção de que Deus é livre, considera
que o homem é livre e que cada singularidade confronta-se com
a outra na convivência social. Estas ideias da autonomia do crente
face à autoridade papal e seu humanismo individualista chegaram,
por meio do neo-ockhanista Gabriel Biel, a Lutero.
Note que ainda se trata de uma interpretação da
passagem bíblica que diz ter sido o homem criado
à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-27).
Tal passagem, ao ser colocada frente a outras que
recomendam não fabricar e não adorar imagens
do divino (Dt 5, 8; Ps 96. 7 e Jr 10, 11, entre outras)
como também frente àquelas que dizem ser Deus
incognoscível, produziram inúmeras disputas de ordem
estético-religiosa ao longo do percurso da mentalidade
cristã: a disputa entre iconoclastas (contrários ao uso
de imagens na representação do divino) e filoclastas
(favoráveis ao uso da imagem para a propagação da
palavra de deus e dos atos santos), por exemplo.
136
História da Filosofia II
Seção 3 – A crise da Escolástica e o alvorecer da ciência
moderna
Como foi apontado anteriormente, podemos encontrar, em
Oxford, as origens do empirismo inglês. Evidentemente, não se
trata do empirismo propriamente dito, mas de uma tendência à
observação, ao mundo sensível. Para Inácio e De Lucas (1994,
p. 58.), os franciscanos Robert Grossteste (c. 1175-1253) e
seu discípulo Roger Bacon (1214-1294) apenas incorporam
certos aspectos da nova filosofia, a de raiz aristotélica, “[...]
à antiga tradição inglesa onde, desde Beda, o plato­nismo
mesclava-se com um absorvente interesse pelo mundo sensível”.
Talvez pelo afastamento do continente, tanto histórica como
geograficamente, e das ideias por lá (pela Europa continental)
estabelecidas, tenham estes pensadores construído formulações
mais ousadas. Certamente, esses pensadores marcam ainda os
diversos caminhos da Escolástica, antes da grande sistematização
tomista: basta observar que alguns livros de História da Filosofia
Medieval apresentam-nos antes de São Tomás de Aquino.
Optou-se por colocá-los neste tópico, por apontarem,
desde cedo, para o espírito científico, que, no
Renascimento, junto como o humanismo, lançará,
talvez, as últimas pás de cal na mentalidade medieval.
Grosseteste, um erudito, profundo conhecedor do grego, toma
a noção de luz divina e investe em pesquisas sobre a óptica,
estendendo-as a toda a natureza e aplicando a matemática
no lugar das deduções lógicas. Segundo Inácio e de Lucas
(1994, p. 59), o franciscano parte de um princípio aristotélico,
a saber, “um sentido a menos é uma ciência a menos”, para
enfatizar a importância do mundo sensível para a aquisição
do conhecimento. Seguindo, entretanto, uma linha platônica,
considera que o pecado original obscureceu a alma humana,
incapacitando-a
Unidade 4
137
Universidade do Sul de Santa Catarina
[...] de conhecer por uma sim­ples iluminação vinda
de Deus; sua ciência começa pelos sentidos, que lhe
proporcionam a oportunidade de extrair de si mesma, por
procedimentos adequados, seu conhecimento das coisas.”
(Idem, p. 59)
Tal iluminação é, também, o princípio fundamental
para o desenvolvimento da arquitetura gótica, que
tem em seus vitrais e em suas colunas cada vez mais
pontiagudas os elementos mais característicos.
As grandes catedrais, igrejas próprias dos bispos
(cathedra = trono episcopal), do final do século XIII e
início do século XIII, foram quase sempre concebidas
numa escala tão imponente e arrojada que poucas,
se algumas porventura houve, foram completadas
exatamente como o projeto. Apesar disso, porém, e
depois das numerosas alterações que sofreram com o
tempo, continua sendo uma experiência inesquecível
entrar nesses vastos interiores, cujas dimensões
parecem apequenar tudo o que é tão-somente
humano e trivial. É difícil imaginar a impressão que
esses edifícios devem ter causado àqueles que só
tinham conhecido as pesadas e sombrias estruturas
do estilo romântico. Aquelas igrejas mais antigas, em
sua força e poder, talvez transmi­tissem algo da “igreja
militante” que oferecia abrigo e proteção contra as
investidas do mal. As novas catedrais propiciavam
aos fiéis o vislumbre de um mundo diferente. Eles
teriam ouvido falar, em sermões e cânticos, da
Jerusalém celestial com seus portões de pérolas,
suas jóias de incalculável preço, suas ruas de ouro
puro e cristal transparente (Apocalipse, XXI). Essa
visão tinha descido agora do céu à Terra. As paredes
das novas igrejas não eram frias nem assustavam.
Eram formadas de vitrais polícromos que refulgiam
como rubis e esmeraldas. Os pilares, nervuras e
rendilhados despendiam cintilações douradas. Tudo
o que era pesado, terreno ou trivial fora eliminado.
Os fiéis que se entregavam à contemplação de tanta
beleza podiam sentir que estavam mais próximos de
entender os mistérios de um reino afastado do alcance
da matéria.” (GOMBRICH, 1993, p. 140-141).
138
História da Filosofia II
Perceba na explicação dada por Inácio e de Lucas
(1994, p. 59) como não é difícil encontrar certos
parentescos com aquilo que, de forma mais básica, é
tomado como método científico:
Seu contato com as obras de Aristóteles e
com os escri­tos árabes estimulou-o a refletir
sobre a natureza da pesqui­sa científica: a
ciência começou com a experiência dos
fenômenos pelo homem e sua finalidade
era descobrir as ra­zões para a experiência,
encontrar suas causas. Tendo des­coberto
os “agentes causais”, estes deveriam ser
organizados, separando-os em suas partes
ou princípios componentes. A seguir, o
Figura 4.2 - Perspectiva da nave central da
fenômeno observado deveria ser reconstruído Catedral de Amiens
segun­do esses princípios, com base em uma
Fonte: A estrutura... (2005).
hipótese que deveria ela mesma ser testada
pela observação. Se várias hipóteses se
apresentassem como prováveis, dever-se-ia
realizar experiências que demonstrassem
com clareza qual delas era ver­dadeira. Era necessário ter
sempre em mente dois princípios fundamentais: “as coisas
de igual natureza produzem iguais operações segundo
sua natureza” e “a natureza atua segun­do o caminho mais
curto possível”.
E mais, como platônico, Grosseteste considerava de grande
importância a matemática, dizendo mesmo que “todas as causas
dos efeitos naturais devem ser expressas por meio de linhas,
ângulos e figu­ras” (apud INÁCIO; DE LUCAS, p. 60). Tal
enunciado está muito próximo do que mais tarde dirá Galileu
(1564-1642): “A natureza é um livro escrito em linguagem
geométrica; para compreendê-la é necessário apenas aprender a
ler esta linguagem.” (apud MARCONDES, 1998 p. 152).
O estudo da óptica compõe uma das partes centrais de suas
investigações, compreendendo a natureza das lentes e a forma de
utilizá-las. Estudou, também, o fenômeno do arco-íris, a reflexão
e a refração da luz.
Dos tratados árabes sobre óptica, soube extrair dados para
uma cosmogonia original: um ponto de luz criado por Deus se
teria difundido até formar uma esfera de raio finito; ao chegar
Unidade 4
139
Universidade do Sul de Santa Catarina
ao limite de seu poder de difusão a luz determinou então o
firmamento, limite do mundo, que por sua vez reen­v iou uma
luz que engendrou as esferas celestes e a dos elementos. Assim,
a luz -- substância física -- propagou-se a partir de sua fonte
inicial, dando origem às três dimensões do espaço. (INÁCIO;
DE LUCAS, p. 60).
Cabe ainda reforçar que tal entendimento, embora aponte para a
ciência experimental, não pode ser separado, ainda, de uma visão
religiosa. Como indica Ferrater Mora (2000, p. 2544), tal luz não
é apenas algo da ordem do mundo físico, ou seja, não tem apenas
propriedades geométricas, trata-se de uma “claridade espiritual”,
na ordem do conhecimento, propiciadora do conhecimento. “E,
na ordem do divino, pode-se dizer, inclusive, como em Jó 1,1, que
constitui a fonte da verdade.” (Idem). Mesmo assim, a passagem de
uma formulação mítico-religiosa para uma científico-racional pode ser,
muitos autores hoje defendem isto, vista como certa continuidade.
Para reforçar tal afirmação, esses autores lembram que
os pais de certas áreas da ciência moderna foram, na
realidade, alquimistas. Um bom exemplo disto é o pai
da farmacologia, Paracelso.
Segundo Abraão (1999, p. 121), a expressão scientia experimentalis
(ciência experimental) teria sido formulada pela primeira
vez por Roger Bacon, discípulo de Grosseteste. Para Bacon,
“[...] as provas da experiência constituem a melhor forma de
conhecimento -- motivo pelo qual é considerado pre­cursor da
ciência moderna” (Idem). Bacon deu continuidade às pesquisas e
às teses de seu mestre, como pode comprovar a citação abaixo:
Se se examinarem letras ou pequenos objetos por meio
de uma “lente” de vidro, de cristal ou de qualquer outra
matéria trans­parente colocada por cima das letras, se essa
lente tiver uma forma muito ligeiramente esférica, se a
face convexa estiver virada para o lado do olho e o olho
estiver diante do vazio, ver­-se-ão então muito melhor as
letras, que aparecerão maiores [...]
[...] poderemos igualmente conseguir que o Sol, a Lua e
as estrelas pareçam aproximar-se e descer até nós. (OPUS
MAIUS apud INÁCIO; DE LUCAS, p. 61).
140
História da Filosofia II
Indo mais além, descreveu, com minúcias, a anatomia do olho
de diversos vertebrados, superando as descrições existentes em
sua época. Diferentemente dos pensadores de Paris, Bacon não
vê na dialética um papel predominante, mesmo que útil. Para
ele, fazer ciência era “[...] examinar os fenômenos, captar sua
lei numérica ou geométrica e, além disso, provocá-los ou fazêlos variar, servindo-se da habilidade manual e do engenho.
Construiu, assim, uma metodologia da “ciência experimen­tal”,
termo que talvez tenha sido o primeiro a utilizar.” (INÁCIO;
DE LUCAS, p. 62). Desta forma, ele sugere que o raciocínio não
é suficiente, necessitando da “ciência experimental”. Contudo,
esta ocupa “[...] o último lugar de uma lista que compreendia
a física: geral, a perspectiva, a astronomia, a ciência dos pesos,
a alquimia e a medicina. Não era encarada como um método
geral, mas enquanto uma especialidade; seu objeto, porém, não
era particular e sua função era prolongar e aperfeiçoar as demais
ciências da natureza.” (Idem)
Bacon apesar de ter sido condenado à prisão por exercitar sua
scientia experimentalis, não considerava esta contrária à fé,
entendendo que esta “[...] complementa, na esfera dos segredos
das coisas materiais, os segredos das coisas espirituais revelados
pela iluminação divina.” (ABRAÃO, 1999, p. 122).
Como você pode perceber, Grosseteste e Bacon são
bons exemplos de que a Idade Média não foi apenas o
período de obscurantismo e misticismo, pelo contrário,
apesar de tantas condições adversas também foi
possível construir, com originalidade, uma física com
método preciso, tenaz, com uma hipótese cosmológica
fundamental. Viam a abstração silogística escolástica
insuficiente para a compreensão das coisas.
Mesmo sendo tributários do experimento e da razão,
consideravam que a ciência ainda destinava-se ao serviço da
fé, conforme salienta Abraão. Mas, sempre crescentemente, a
unidade entre fé e razão vai sendo minada, aumentando a crise
da Escolástica e a desconfiança na razão. Isto fica bem claro nas
ideias de John Duns Scot e Guilherme de Ockham.
Unidade 4
Duns Scot (ou Scotus, isto
é, escocês) nasceu por
volta de 1266 e morreu
em 1308. O franciscano,
que foi pro­fessor em
Oxford e Paris, recebeu
o título de doctor subtilis
(doutor sutil). Tal título
indica o difícil acesso a seu
pensamento.
141
Universidade do Sul de Santa Catarina
Como salientam Inácio e De Lucas (1994, p. 81), ao propor sua
teoria do conhecimento, teve um importante papel no divórcio
entre filosofia e teologia. Para ele, as discussões sobre o ser
não podem partir do mundo sensível e depois abstraí-lo. Tal
posicionamento é uma nítida crítica ao aristotelismo tomista, que
procurou demonstrar a existência de Deus partindo dos sentidos,
reduzindo, segundo Scot, Deus, meramente, à causa primeira.
Considerar o ser como ser equivale a deduzir as
propriedades que lhe são intrínsecas, sem nenhum
recurso aos sentidos. Nessa análise, Duns Scot chega
a uma série de pares dos modos do ser, que constituem
a sua essência: finito e infinito, possível e necessário, e
assim por diante. Examinando detidamente cada uma
dessas propriedades, Duns Scot demonstra uma série de
atributos de Deus – perfeição, inteligência, infinitu­de,
causa primeira e final de todas as criaturas --, entre os
quais a sua própria existência.
Ele, no entanto, não considera essa uma demons­tração
no sentido rigoroso da palavra. Acredita que demonstrar
é deduzir da causa o efeito, isto é, partir de Deus para o
ser, e não o que a filosofia é capaz de fazer, partindo do
efeito (ser) para chegar à causa (Deus). Além disso, essa
“falsa” demonstração só se refere a Deus enquanto ser,
não a Deus enquanto Deus. Isso significa que uma série
de atributos que o cristia­nismo associa a Deus, como
a providência e a miseri­córdia, é inacessível à razão, é
indemonstrável. Do mes­mo modo, é insondável a vontade
divina, que, por um ato absolutamente livre, criou o
mundo. Para Duns Scot, a supremacia dessa vontade é
total. Deus não criou o mundo de maneira ordenada; se
a ordem existe no mundo, é porque Deus o criou; Deus
não fez as coisas boas e justas, mas elas são boas e justas
porque são criaturas de Deus.
Por tudo isso, qualquer demonstração da existência de
Deus e de seus atributos é relativa e, no limite, vã. Nessa
medida, é ilusória a tentativa de construir a teologia como
ciência. Para Duns Scot, a teologia ape­nas estabelece as
normas de conduta do fiel, e a razão deve abandonar a
presunção de desvendar os mistérios de Deus, que são
objeto da fé. (ABRAÃO, 1999, p. 122-123).
Duns Scot também apresenta sua posição em relação a um debate
célebre na Idade Média, a saber, a questão dos universais.
142
História da Filosofia II
Você pode estar se perguntando: o que são os
universais?
De uma forma simples, pode-se dizer que eles correspondem
àquilo que chamamos conceito. Assim, tal debate procura
responder se os universais, os conceitos, são reais ou não, se são
meras convenções ou essências supra-sensíveis; qual a relação
entre esses e as coisas particulares. Para refrescar sua memória
e apresentar resumidamente as diferentes possibilidades dos
universais, leia o fragmento a seguir:
Basicamente temos quatro grandes linhas de tratamento
desse tema. As mais tradicionais são o realismo platônico
e o realismo aristotélico, adotadas pelos seguidores
desses filósofos. Segundo o realismo platônico, gêneros
e espécies (tais como “animal mamífero” e “cavalo”)
seriam formas ou ideias, portanto entidades dotadas de
uma existência autônoma, pertencentes ao mundo das
ideias e independentes tanto das coisas concretas (“este
cavalo”) quanto de nossos pensamentos (“o conceito de
cavalo”). Para o realismo aristotélico, posição adotada,
por exemplo, por são Tomás de Aquino, gêneros e
espécies existem nas coisas, como formas da substância
individual, e podem ser conhecidos por nós através da
abstração, em que des­tacamos do particular o universal,
isto é, percebemos que este indivíduo é um cavalo, um
animal mamífero, etc. O conceitualismo foi desenvolvido,
sobretudo, por Pedro Abelardo (l079-1142), em sua
Lógica para principiantes, onde sustenta que os universais
são apenas conceitos, ou seja, predicados de sentenças
que descrevem o objeto (‘’Isto é um cavalo’’), existindo,
portanto, na mente como meio de unir ou relacionar
objetos particulares dotados das mesmas características
ou qualidades. (MARCONDES, 1998, p. 132).
Há ainda a tese nominalista que considera, numa posição mais
extremada, serem os universais, conceitos apenas emitidos
como sons, não tendo nem existência real nem participação nas
coisas. Mais a frente, o nominalismo será retomado quando da
apresentação das ideias de Guilherme de Ockham (c. 1300-1350).
Inácio e De Lucas (1994, p. 81-82) esclarecem resumidamente a
posição de Duns Scot e suas implicações quanto a este tema.
Unidade 4
143
Universidade do Sul de Santa Catarina
À distinção real entre essência e existência atribuída por
Tomás de Aquino, Duns Scot reafirmava o princípio
tradi­cional da unidade do ser, utilizando-o, porém, para
uma con­clusão em tudo original: se é certo que a unidade
acompanha o ser, então cada grau do ser possui também
uma unidade real correspondente, existindo, portanto,
em todo ser concreto e singular, uma multiplicidade de
“aspectos reais” insepa­rados e inseparáveis, uma vez que
compõem um único indivíduo.
Por outro lado, a aplicação de semelhante tese à teoria do
conhecimento tinha profundas implicações. O tomismo
restringia a possibilidade de conhecimento ao domínio
das essências universais que determinam todos os seres
indivi­duais, e admitia a abstração como único modo de
conheci­mento. Duns Scot, entretanto, ao afirmar que a
essência contém tanto o universal quanto o individual e
que, portanto, o real não poderia ser entendido nem como
universalidade pura (pois se fragmenta em indivíduos),
nem como pura in­dividualidade (pois comporta ideias
gerais), colocava ao la­do do conhecimento abstrativo, o
intuitivo. Desta maneira, enquanto a abstração permitiria
à inteligência captar as essências universais, a intuição
conduziria à apreensão do ser existente enquanto
fenômeno singular, concreto e individual.
Também nas relações entre fé e razão, Scot assumiu uma
postura particular: afirmando a primazia da vontade
so­bre a inteligência, sustentava que as verdades da fé
não poderiam ser compreendidas ou demonstradas pela
razão, mas apoiavam-se exclusivamente na Revelação.
Reclamava para a metafísica a função de verdadeira
ciência do ser e de suas propriedades, responsável pela
elaboração dos conceitos de que a teologia -- disciplina
prática -- necessitava para expressar os conteúdos da
fé. A teologia; por seu lado, não com­portava qualquer
fundamento racional e logo toda especulação sobre a
essência de Deus deveria ser unicamente me­tafísica, o
que liberava a filosofia das preocupações transcendentais.
Assim, a filosofia estava definitivamente liberta da teologia,
abrindo-se espaço para uma ciência que teria como objeto
primeiro o particular e o imediato.
Voltando à questão dos universais, focamos novamente em Guilherme
de Ockham. Como nominalista, ele considerava que os universais não
tinham existência e as palavras eram meras convenções, apenas signos
(ou significações), ou seja, substitutos de algo, e só têm sentido entre si
nas relações estabelecidas em uma proposição.
144
História da Filosofia II
Mas, que garantia temos de que os signos ainda falem
das coisas?
No fundo, nenhuma, é mera suposição. Como salienta Abraão,
para Ockham, estas relações entre signos e coisas são supostas
pela ciência, “[...] quando, na realida­de, apenas investigam por
meio dos signos o que estes significam.” (ABRAÃO, 1999, p.
123-124).
É visível que esta posição aponta, prenuncia o problema
da indução -- um dos aspectos do pensamento de David
Hume (1711-1776) -- ; a retomada da posição sofística
e, consequentemente, o humanismo renascentista; e a
impossibilidade de conhecer as coisas em si por parte do
raciocínio lógico.
O nomi­nalismo de Ockham é, no entanto, mais
sofisticado e elaborado do que o do séc. XII. Na
verdade, Ockham defende um misto de nominalismo
e conceitualismo, pois entende o universal como um
termo que corresponde a um conceito por meio do qual
nos referimos a essas qualidades ou características. O
universal é assim a referência de um termo, e não uma
entidade, mas tampouco é apenas uma palavra, já que
existe o correlato mental, o conceito, por meio do qual a
referência é feita. Sua posição foi muito influente no séc.
XIV, dando origem a vários desdobramentos por seus
segui­dores. É em relação a essa questão que devemos
entender a famosa fórmula conhecida como “lâmina
(ou navalha) de Ockham”: entia non sunt multiplicanda
praeter necessitatem, isto é, não devemos multiplicar a
existência dos entes além do necessário. Isto significa que
não devemos supor a existência de entidades metafísicas
como no realismo platônico, já que essas entidades não
só não explicam adequada­mente a natureza das coisas
particulares, como carecem, elas próprias, de explicação.
A “navalha de Ockham” é, portanto, um “princípio de
economia”, segundo o qual nossa ontologia (teoria sobre
o real) deve supor apenas a possibilidade de existência do
mínimo necessário. Termos e conceitos são suficientes,
assim, para dar conta do problema dos universais, não
havendo a necessidade de supor a existência de entidades
reais universais. (MARCONDES, 1998, p. 132).
Unidade 4
145
Universidade do Sul de Santa Catarina
Conclui-se que, para Ockham,
[...] a verdade reve­lada, muito mais que a realidade das
coisas do mundo sensível, é absolutamente inacessível à
razão. Rebaixan­do o conhecimento racional, ele pretende
reafirmar a supremacia radical da fé sobre a razão. (Ibid.
p. 124).
Como se pode ver, no ambiente conturbado dos últimos séculos
da Idade Média, a retomada do platonismo, a separação entre
poder terreno e poder divino, o experimentalismo, o humanismo
individualista e o nominalismo já apontam para os movimentos
do período seguinte, o Renascimento.
Entretanto, a caracterização das ideias filosóficas e do contexto
deste período vindouro são alguns dos elementos que marcarão,
possivelmente, estudante do curso de Filosofia, sua próxima
viagem, na busca por entender o nascimento da modernidade,
com a disciplina História da Filosofia III.
Síntese
Nesta unidade, você pôde acompanhar o início da crise da
Escolástica, com a reintrodução de elementos platônicos no contexto
das universidades; também, como tal crise vai-se aprofundando,
gerando debates sobre a separação entre o poder terreno e poder
divino, entre a Igreja e os Estados nacionais, enfim, entre fé e
razão. Juntando-se a tudo isso, uma maior preocupação com a
observação da natureza, particularmente por parte de membros da
universidade de Oxford, e a questão dos universais, com a posição
nominalista, você pôde perceber um caminhar para a mentalidade
moderna, caracterizada pelo livre pensar, pelo humanismo, pelo
individualismo nascente e pela ciência experimental.
146
História da Filosofia II
Atividades de autoavaliação
1) Elabore um texto dissertativo de vinte a trinta linhas, desenvolvendo
uma reflexão que responda às seguintes questões:
a) O que foi a questão dos universais?
b) Qual a posição de Guilherme de Ockham frente a tal questão?
c) Que implicações posteriores podemos tirar deste posicionamento?
Procure elaborar a redação com suas palavras, evitando a mera cópia
do texto, localizando seu leitor quanto às suas fontes de pesquisa, ao
ambiente do debate e seu posicionamento.
Unidade 4
147
Universidade do Sul de Santa Catarina
148
História da Filosofia II
Saiba mais
Você pode saber mais sobre o assunto estudado nesta unidade,
consultando as seguintes referências:
ABRAÃO, Bernadette Siqueira. História da filosofia. São
Paulo: Nova Cultural, 1999.
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Étienne. História da
filosofia cristã. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
CHÂTELET, François. História da filosofia: ideias, doutrinas.
Vol. II - A filosofia medieval: do século I ao século XV. 2. ed.
Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
FERRATER MORA, J. Dicionário de filosofia. São Paulo:
Loyola, 2000. 4. v.
FRANCO JR., Hilário. A idade média: nascimento do ocidente.
2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2001.
GILSON, Étienne. A filosofia na Idade Média. São Paulo:
Martins Fontes, 1995.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. 15. ed. Rio de Janeiro:
LTC, 1993.
Unidade 4
149
Para concluir o estudo
A disciplina História da Filosofia II, que você acabou de
estudar, percorre o período entre o início da era cristã
e o final do Renascimento, destacando a Idade Média,
período de grande importância para a compreensão da
história da filosofia no ocidente.
A história do pensamento ocidental, estudado a partir
do pensamento grego arcaico, faz sua passagem pelo
pensamento cristão da Idade Média, antes de culminar
com a crise renascentista e o nascimento do pensamento
moderno. Nisso, também reside a importância dos
pensadores medievais, na conservação e interpretação
do conhecimento antigo, preservando-o das guerras,
dos incêndios e, sobretudo, da intransigência de alguns
governantes e do dogmatismo de alguns padres da
Igreja. Eles se dedicaram aos estudos com tal entrega e
tamanha intensidade, apesar dos inúmeros obstáculos
que enfrentaram -- entre eles a perseguição, a tortura e a
morte -- que não se pode ter parâmetro na atualidade. De
igual grandeza é a obra que esses pensadores nos legaram.
Sendo assim, o estudo do período e dos pensadores
estudados nesse livro didático é fundamental para
qualquer pessoa que deseje se aprofundar no estudo
da filosofia. Além disso, sobretudo em função da
Escolástica, a filosofia medieval estende sua influência,
até hoje, ao pensamento contemporâneo.
Referências
A BÍBLIA - Livros do Antigo Testamento: O Pentateu. 2000.
Disponível em: <http://www.fatheralexander.org/booklets/
portuguese/biblia_sept_2.htm#n4>. Acesso em: 27 jul. 2011.
A ESTRUTURA arquitectónica das catedrais góticas: o exemplo
de Amiens. Galaaz. 25 out. 2005. Disponível em: <http://galaaz.
blogspot.com/2005/10/7-estrutura-arquitectnica-das.html.
Acesso em: 29 jul. 2011. il.
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Mestre
Jou, 2000.
ABRAÃO, Bernadete Siqueira (Org). História da filosofia. São
Paulo: Nova Cultural, 1999.
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158
Sobre os professores conteuditas
Carlos Euclides Marques possui bacharelado e
licenciatura em Filosofia pela UFSC (1990-1991), é
mestre em Literatura (1997) pela mesma Universidade.
Foi professor substituto no curso de Filosofia da UFSC
entre 1992 e 1995, e, posteriormente, entre 1998 e 1999.
De 1998 a 2003, trabalhou na UNIVALI, onde, entre
outras disciplinas, ministrou Filosofia da Educação I e II,
no curso de Pedagogia. Ingressou na UNISUL em 2002,
inicialmente no curso presencial de Filosofia, no qual,
entre outras disciplinas, ministrou História da Filosofia
Antiga, Medieval e Contemporânea, Estética e Filosofia
na América Latina. Foi orientador de vários TCCs e de
alguns trabalhos de Iniciação Científica pelo artigo 170.
Publicou alguns artigos no campo da Crítica Literária e
da relação Literatura e Filosofia. Atualmente, trabalha
com a disciplina Filosofia I e está iniciando em EAD.
Faz, também, um curso de Artes Plásticas na UDESC.
Maria Juliani Nesi é graduada em Filosofia pela UFSC,
especialista em Arte-educação pela UDESC e mestre
em Engenharia de Produção/Mídia e Conhecimento
pela UFSC. Foi professora de Filosofia nos cursos de
Pedagogia, História, Geografia da UDESC, durante
dez anos. Foi elaboradora e corretora do Vestibular
Vocacionado para Pedagogia da UDESC, durante cinco
anos. Além disso, foi roteirista de vídeos educativos de
Filosofia e escritora de Livros Didáticos de Filosofia para
o Curso de Pedagogia a Distância da UDESC, durante
cinco anos.
Respostas e comentários das
atividades de autoavaliação
Unidade 1
1) O desenvolvimento desta questão envolve, basicamente, a
observação da imagem. Assim sendo, a redação deve levar
em conta que a imagem do Papa abençoado - a figura de
joelho - remete ao poder da Igreja Cristã, ao teocentrismo;
as armas e algumas vestimentas dos nobres remetem às
Cruzadas; detalhes ao fundo da arquitetura remetem ao
estilo gótico, típico do período Escolástico. Partindo disso,
o(a) estudante pode comentar algumas das características
apresentadas na unidade 1 do livro. As possibilidades de
resposta são grandes, mas deve ser observação a referência à
imagem como ponto de partida.
2) As respostas dos itens a e b são de caráter pessoal.
Unidade 2
1) Entre outros aspectos, é possível citar: a dificuldade do povo
de aceitar o monoteísmo, enquanto a cultura tradicional
helênico-romana era politeísta; o confronto da doutrina cristã
baseada na fé com a filosofia pagã baseada na metafísica
especulativa.
2) Dentre outros tópicos, é possível citar: a existência de um
modo supra-sensível e divino do qual o mundo sensível é
apenas uma cópia; a superioridade da alma sobre o corpo; a
possibilidade da alma de contemplar a luz divina por meio da
ascese.
Universidade do Sul de Santa Catarina
Unidade 3
1) Item b.
2 ) Você pode responder que, guardadas as devidas proporções, o
estilo de vida dos escolásticos assemelhava-se mais a um sacerdócio
do que a uma profissão no sentido atual, com salário, direitos
trabalhistas e carga horária determinada; as universidades, em número
absurdamente menor do que hoje, mantinham o clima de intensa
atividade intelectual dos professores e dos alunos, o que não acontece
hoje, pois a universidade, cada vez mais, atua como um mercado de
conhecimentos; mas também há aspectos positivos, como a liberdade
de pensamento dos professores atuais de que não gozavam os
escolásticos, etc.
Unidade 4
1) Na redação, você poderá começar dizendo que a questão dos universais
trata da relação entre as palavras, conceitos gerais e os objetos aos
quais eles (os universais) se referem; apontar as possibilidades de
resposta a esta questão e centrar em como Ockham a trata, dizendo
que Ockham considera que os universais são meras palavras, ou seja,
convenções que nada têm a ver com os objetos que substituem. Por
apontar algumas possíveis implicações desta posição: a quebra da
relação entre conhecimento e iluminação interior; da noção de que
os universais são inatos e dados por Deus; a libertação da filosofia da
teologia. Tudo, sem esquecer-se de dar um título à redação e referenciar
as fontes, quando necessário. Evidentemente, por se tratar de uma
redação própria, há variantes, mas ao menos alguns dos aspectos
apontados anteriormente devem aparecer na redação.
162
Biblioteca Virtual
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M
Y
CM
MY
CY
CMY
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História da Filosofia II