AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – CONTRATOS ADMINISTRATIVOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE PUBLICIDADE Ivaldo Gonçalves Lemos Júnior Promotor de Justiça do MPDFT Juliana Ferraz da Rocha Santilli Promotora de Justiça Adjunta do MPDFT Libânio Alves Rodrigues Promotor de Justiça do MPDFT Vetuval Martins Vasconcelos Promotor de Justiça do MPDFT Capital da República, 17 de maio de 2002. Ipsen autem rex non debet esse sub homine sed sub deo et sub lege quia lex facit regem (Henri Acton) (tradução: não é o rei que faz a lei, mas a lei que faz o rei) EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) DE DIREITO DA ... VARA DE FAZENDA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, por seus membros abaixo assinados, em cumprimento de seu dever de defesa da Sociedade, da ordem jurídica e do patrimônio público, com base na Constituição da República, Lei Complementar no 75/93, Lei Federal no 8.429/92 e demais dispositivos legais, ajuiza perante Vossa Excelência a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face: 154 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 1 – do Excelentíssimo Senhor J.D.R., brasileiro, casado, domiciliado no Distrito Federal, Governador do Distrito Federal, a ser localizado no Palácio do Buriti, Brasília, DF; 2 – do Excelentíssimo Senhor W.L.M., brasileiro, estado civil ignorado, domiciliado no Distrito Federal, Secretário de Comunicação Social, a ser localizado na Secretaria de Comunicação Social, Brasília, DF; 3 – do Excelentíssimo Senhor P.C.Á.S, brasileiro, casado, domiciliado no Distrito Federal, ex-Consultor Jurídico do Governo do Distrito Federal e atual Conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, a ser localizado neste Tribunal; 4 – da pessoa jurídica de direito privado G. S/A, CGC no 146.516.712/000169, com sede na Praia do Botafogo, 228, 13o andar, Botafogo, Rio de Janeiro; e 5 – da unidade federativa do DISTRITO FEDERAL, como litisconsorte passivo necessário, na pessoa de seu Procurador Geral, com sede na ProcuradoriaGeral do Distrito Federal. 1 PRELIMINAR: UM MODELO DE DEMOCRACIA “ABSURDO OU INCONCLUDENTE” Por decisão do poder constituinte originário de 1988 e do plebiscito realizado pelo eleitorado nacional, em 1993, foi adotada a República como a forma de governo do País, mantendo-se a tradição histórica que remonta à sua proclamação, em 1889, e todas as Constituições seguintes. A essência do princípio Republicano consiste na representatividade e responsabilidade dos detentores do poder, e temporariedade dos mandatos. Inicialmente, tais características tinham por escopo opor-se ao absolutismo das Monarquias antigas (The King can do no wrong; Le Roi ne peut mal faire); e, mais modernamente, de quaisquer regimes não plasmados por valores democráticos. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 155 Nada mais natural em uma República Democrática, como é o caso do Estado Brasileiro, que haja revezamento dos órgãos superiores das Administrações Públicas e das Casas Legislativas, bem como responsabilidade das autoridades e agentes respectivos. Existe a possibilidade de se ter alterações ideológicas, algumas delas profundas, entre uma e outra Administração. Mas não é menos verdade que, em sua fluência normal, um novo Governo não inicia sua investidura como se nada herdasse dos Governos anteriores, vale dizer, atos administrativos em vigor, projetos em andamento, obras não concluídas, contratos de prestação de serviços etc., incluindo-se aí direitos adquiridos de particulares. É pública e notória a prática de se dar solução de continuidade entre uma e outra troca da cúpula da Administração Pública em seguida ao término das eleições e posse dos novos governantes. Esse costume decorre do fato de o novo Governo evitar repartir méritos de realizações com seus antecessores, à guisa de desfrutá-los com exclusividade, e não como resultado de uma parceria involuntária, no mais das vezes, com quem tem adversidade política. Portanto, nos albores de uma nova Administração, não é raro que obras e serviços em pleno andamento sejam interrompidos ou extintos, sem que haja o devido critério de dar-se seqüência ao que for proveitoso para a coletividade. Mesmo quando isso acontece, o que se vê com freqüência é a troca do nome do projeto, ou a modificação de um ou de outro detalhe, para se dar uma aparência de novidade. Nesse sentido, a relevância de divergências ideológicas não condiz com as mudanças que caracterizam uma verdadeira República Democrática, mas a sua corrupção, na medida em que se restringe a um contexto partidário-eleitoral que interessa a uns poucos políticos profissionais e a ninguém mais. Para se usar de uma metáfora, os jogadores mudam, mas o jogo continua, como continuam as regras do jogo. O sistema admite mudanças e até reclama 156 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. por elas, desde que haja uma continuidade mínima na manutenção dos negócios públicos – entendida a palavra “negócios” em seu sentido mais amplo –, não justificada por rupturas institucionais, e sim pessoais. NORBERTO BOBBIO explica melhor: “Mais precisamente: um jogo consiste exatamente no conjunto de regras que estabelecem quem são os jogadores e como devem jogar, com a conseqüência de que, uma vez dado um sistema de regras do jogo, serão dados também os jogadores e os movimentos que podem ser feitos. Qualquer pessoa pode preferir um jogo no qual os dois adversários troquem não apenas socos mas também pontapés, desde que perceba que está simplesmente propondo um jogo diverso, contrapondo luta livre ao pugilato (A ninguém seria lícito, caso não queira ser tido por louco, inventar e defender um jogo no qual um dos jogadores tenha o direito de dar apenas socos e o outro também pontapés; entretanto, no debate político isso ocorre com freqüência)”. Considerando, assim, que “regras do jogo, atores e movimentos fazem um todo único”, e que “não se pode separar uma dos outros”, o mestre italiano conclui: “Neste sentido, regras do jogo, atores e movimentos são solidários entre si, pois atores e movimentos devem sua existência à regra. Em conseqüência, não se pode aceitar as regras, recusar os atores e propor outros movimentos. Ou melhor, pode-se, mas desde que se esteja consciente de que se está saltando pela janela, e não saindo pela porta. O que é absurdo (ou melhor, inconcludente) é imaginar um modo diverso de fazer política com atores e movimentos diversos sem levar em conta que, para fazêlo, é preciso mudar as regras que previram e criaram aqueles atores e organizaram aqueles movimentos, inclusive nos mínimos detalhes” (grifos nossos; O Futuro da Democracia – Uma defesa das regras do jogo”, Paz e Terra, 6a ed., p. 68/69). Na consagrada teoria de RENATO ALESSI, os interesses públicos dividem-se em primários, que são os da coletividade como um todo, e os do aparelho estatal apenas, chamados secundários. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 157 Quando os detentores do poder agem em função deles próprios, está-se diante de uma categoria de interesses “terciários”, por assim dizer, que não atendem à sociedade nem ao Estado e, portanto, não podem ser considerados interesses públicos, e sim interesses privados disfarçados. Cai como uma luva a seguinte lição do mestre MIGUEL REALE, em sua TEORIA DO DIREITO E DO ESTADO: “A compressão da natureza do poder torna-se mais clara quando lembramos que o bem comum não coincide com a idéia particular que cada homem faz de seu próprio bem. Como nos diz Jean Dabin, a soberania é uma exigência do bem comum que não poderia se realizar pela simples benevolência dos indivíduos e dos grupos – e não pode dispensar uma “conjugação obrigatória dos esforços de todos, sem distinção de classe, de sexo, de religião, de partido etc.”, de maneira que “o empreendimento da coisa pública reveste a forma de uma sociedade ao mesmo tempo universal e necessária””(grifos originais, Saraiva, 5a ed., pág. 109). O jurista CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO enriquece esse raciocínio: “O interesse público, fixado por via legal, não está à disposição da vontade do administrador, sujeito à vontade deste; pelo contrário, apresenta-se para ele sob a forma de um comando. Por isso mesmo a prossecução das finalidades assinaladas, longe de ser um “problema pessoal” da Administração, impõe-se como obrigação indiscutível” (in CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, Malheiros, 12a ed., 2000, p. 41); Para finalizar as citações doutrinárias desta preliminar, a palavra é do professor JOSÉ AFONSO DA SILVA: “... os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário. Este é um mero agente da Administração Pública, de sorte que não é ele o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente 158 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. manifesta a vontade estatal. Por conseguinte, o administrado não se confronta com o funcionário X ou Y que expediu o ato, mas com a entidade cuja vontade foi manifestada por ele” (in CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO, Malheiros, 18a ed., p. 651). Dessa obtusa e medíocre cultura política, advém graves conseqüências históricas, sociais e econômicas, mas, antes de mais nada, jurídicas, porquanto princípios nucleares do Direito Público, quais sejam, legalidade – incluindo os subprincípios finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação e continuidade administrativa –, impessoalidade, moralidade e eficiência, ficam seriamente comprometidos. Em casos tais, extravasa-se, e muito, o mérito discricionário das conveniências e oportunidades do Governo Representativo, vale dizer, da Função Executiva do Estado, e se adentra na seara do ilícito jurídico, pelo que o Ministério Público é chamado a intervir, invocando a tutela do Estado-Juiz, em defesa do ordenamento, em especial do patrimônio público, que é interesse público difuso de extrema relevância. É disso o que cuida a presente ação, como se terá oportunidade de demonstrar. 2 RESCISÃO UNILATERAL DE CONTRATOSADMINISTRATIVOS É dado à Administração Pública alterar ou rescindir os contratos administrativos unilateralmente. Essa é uma das cláusulas exorbitantes do direito comum, típica do Regime Jurídico Administrativo, cujo fundamento é a supremacia do interesse público sobre o particular. Há previsão explícita sobre o assunto no Direito Positivo brasileiro: Lei Federal no 8.666/93, artigos 65, I; 58, II; 78 e 79, I. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 159 Ocorre que a rescisão unilateral não pode ser feita sem motivo nem motivação, porque arbitrária e, assim, incompatível com Estado Democrático de Direito. É imperioso que ocorra uma das hipóteses previstas na Lei (art. 78), a ser verificada no bojo de um procedimento administrativo especificamente instaurado para tal fim. Porém, em diversas ocasiões, o Poder Público maneja a prerrogativa exorbitante do direito comum justamente no intuito de não dar seqüência a contratos celebrados em Administrações passadas, dentro do contexto comentado no item anterior desta petição inicial. A presente ação civil pública por improbidade administrativa trata exatamente dessa questão, pois, no caso concreto, não foram observadas as formalidades e, no mérito, não ocorreu nenhum dos motivos previstos no art. 78, muito menos o alegado – razões de interesse público –, que pudesse justificar a rescisão unilateral de contratos administrativos. Tal ato não apenas significou falta grave aos princípios jurídicos que norteiam a Administração Pública, como também provocou prejuízo aos cofres públicos. É o que se vai explicar em detalhes, na análise do 3 CASO CONCRETO Tudo começou em 1o de janeiro de 1999, quando o Excelentíssimo Senhor J.D.R. tomou posse no cargo de Governador do Distrito Federal. Na época, havia 50 (cinqüenta) contratos administrativos em vigor, cujo objeto era a prestação de serviço de publicidade, celebrados pela Administração anterior (vários órgãos do GDF) com quatro agências especializadas no assunto: ALÔ COMUNICAÇÃO S/C LTDA., ATUAL PROPAGANDA LTDA., PROPEG BRASIL PROPAGANDA LTDA. e MAKPLAN MARKETING E PLANEJAMENTO LTDA. 160 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. O contratos tinham vigência até 30 de junho de 1999. Poucos dias após sua posse, mais exatamente em 14 de janeiro de 1999, o Exmo Sr. Governador J.D.R. expediu o Decreto no 20.005, publicado no dia seguinte no Diário Oficial do Distrito Federal (fl. 86/87 ou 599 ou 958/959), que rescindiu unilateralmente todos os 50 (cinqüenta) contratos (cf. lista completa à fl. 1113, e mais os contratos nos 482/98 e 209/98). O inteiro teor do Decreto é o seguinte: DECRETO No 20.005, DE 14 DE JANEIRO DE 1999 Dispõe sobre a rescisão administrativa dos contratos de prestação de serviços e obras que menciona e dá outras providências. O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 100, inciso VII, da Lei Orgânica do Distrito Federal e, Considerando o disposto no artigo 78, inciso XII, da Lei no 8.666/93, que autoriza a rescisão administrativa por “razões de interesse público de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa”; Considerando, ademais, que diante da mudança dos rumos da Administração, a partir de 1o de janeiro do corrente ano, faz-se necessário rever as prorrogações contratuais levadas a efeito pelo governo anterior, e que podem gerar grave prejuízo ao Erário; Considerando, ainda, que as prorrogações de alguns contratos, feitos ao talante do governo findo, não atendem às exigências legais de comprovação da obtenção de preços e melhores condições para a Administração Pública; Considerando, por fim, que a imperiosidade de se evitar danos ao patrimônio público, sobretudo neste momento em que as contratações públicas devem adequar-se às exigências do interesse público e bem-estar da comunidade, Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 161 DECRETA: Art. 1o – Ficam rescindidos, com base no art. 78, inciso XII, da Lei no 8.666/ 93, os contratos de prestação de serviços e de obras a seguir enumerados: I) Processo: 030.001.330/95 – Contratos nos 111 a 120/95 e 156/95 - firmados entre DISTRITO FEDERAL/SECRETARIA COMUNICAÇÃO SOCIAL X ALÔ COMUNICAÇÃO S/C LTDA., em 06 de julho de 1995; II) Processo: 030.001.330/95 – Contratos nos 121 a 131/95 - firmados entre DISTRITO FEDERAL/SECRETARIA COMUNICAÇÃO SOCIAL X ATUAL PROPAGANDA LTDA., em 06 de julho de 1995; III) Processo: 030.001.330/95 – Contratos nos 132 a 145/95 e 159 a 160/95 firmados entre DISTRITO FEDERAL/SECRETARIA COMUNICAÇÃO SOCIAL X P & N – PROPAGANDA E NEGÓCIOS S/C LTDA. em 06 de julho de 1995; IV) Processo: 030.001.330/95 – Contratos nos 146 a 155/95 - firmados entre DISTRITO FEDERAL/SECRETARIA COMUNICAÇÃO SOCIAL X MAKPLAN MARKETING E PLANEJAMENTO LTDA., em 06 de julho de 1995; V) Contrato no 482/98 - firmado entre a SUL AMÉRICA – AETNA SEGUROS E PREVIDÊNCIA S/A e a COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA – TERRACAP, em 30 de dezembro de 1998 VI) Contrato no 209/98 - firmado entre a ESMALE – REPRESENTAÇÃO DE PLANO DE SAÚDE E SERVIÇOS LTDA. e a COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA – TERRACAP, em 30 de dezembro de 1998. Art. 2o – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 3o – Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 14 de janeiro de 1999. 162 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 111o da República e 39o de Brasília. J.D.R. 4 A ANÁLISE DO DECRETO No 20.005/99 Tal ato administrativo está contaminado por irregularidades graves e insanáveis. Sem querer chocar com excesso de linguagem, pode-se dizer que o Decreto em questão chega às raias do escândalo. Dispõem o artigo 78, parágrafo único, e inciso XII, e artigo 79 § 2o, I, II e III, da Lei de Licitações, respectivamente: “Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa”; “Constituem motivo para rescisão do contrato: razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato”; “Quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII do artigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a: devolução de garantia, pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão; pagamento do custo de desmobilização”. De todas as exigências legais, as únicas observadas foram o “amplo conhecimento”, eis que o ato foi publicado no Diário Oficial, e a “determinação pela máxima autoridade a que está subordinado o contratante”, o Governador do Distrito Federal. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 163 As demais prescrições legais foram desprezadas. Vejamos. 4.1 AUSÊNCIA DE PROCESSO, CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E OUTROS DIREITOS DO CONTRATADO Não foi instaurado qualquer processo administrativo; tampouco foram assegurados contraditório e ampla defesa. Ademais, na hipótese de rescisão unilateral, sem que haja culpa do contratado – o Decreto nada falou sobre culpa –, aplica-se o disposto no artigo 79 § 2o, I, II e III, da Lei de Licitações, acima transcrito (ressarcimento e outras compensações financeiras). Daí por que a rescisão unilateral é possível; mas, dada sua gravidade, só pode ser feita em hipóteses plenamente recomendáveis, consoante a lição de MARÇAL JUSTEN FILHO, que foi desprezada pelo Decreto em estudo: “A rescisão por inconveniência da contratação provoca, de modo inevitável, um prejuízo para a Administração Pública. As despesas já efetivadas anteriormente e a indenização devida ao particular acarretarão uma perda para o patrimônio público. Logo, apenas se aplica a regra quando a continuidade da execução do contrato acarretar lesões ainda maiores. A perda da Administração deve configurar-se como um mal menor do que a continuação da execução. A rescisão deverá ser precedida de todos os levantamentos necessários e que comprovem, dentro dos limites do conhecimento dominado, a efetiva necessidade de extinção do contrato. (...) A decisão exige motivação e se sujeita a amplo controle jurisdicional, inclusive na via da ação popular” (Dialética, 8a ed., 2001, p. 591/2). 4.2 FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO Como não há referência a motivos constantes em qualquer outro ato ou procedimento administrativo, a não ser os próprios consideranda do Decreto, são estes, pois, e somente estes, que nos permitem analisar a liceidade o ato (cf. item 7 desta petição inicial, infra). 164 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. Por mais generosa que seja a interpretação do Decreto, em nenhuma hipótese poder-se-ia afirmar que as alegadas “razões de interesse público” e “alta relevância” estejam suficientemente “justificadas”, tampouco que tenham sido “exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato”. Não basta se fazer menção a dizeres legais ou a fórmulas genéricas e vagas como “se evitar danos ao patrimônio público” e “adequar-se às exigências do interesse público e bem-estar da comunidade”. Ao contrário, a motivação do ato exige algo de determinado, preciso, concreto. É obrigatório que a autoridade fundamente com rigor e clareza em que medida o interesse público reclama a rescisão do contrato administrativo – no caso, de 50 contratos administrativos –, sob pena de invalidade. O Decreto apenas sugeriu que a manutenção dos contratos “pode gerar grave prejuízo ao Erário”, e que “as prorrogações de alguns (sem dizer quais) contratos, feitos ao talante do governo findo, não atendem às exigências legais de comprovação da obtenção de preços e melhores condições para a Administração Pública”, mas não há qualquer demonstração objetiva a sustentar tais afirmações. É do escólio de MARÇAL JUSTEN FILHO, em seus “Comentários à lei de licitações e contratos administrativos”, que encontra respaldo a unanimidade da doutrina: “A Lei expressamente reconheceu a insuficiência da simples alegação do interesse público na rescisão do contrato. Primeiramente, condicionou a rescisão à existência de interesse público de alta relevância e amplo conhecimento. A adjetivação não pode ser ignorada. A eventual dificuldade em definir, de antemão, o sentido de “alta relevância” não autoriza a ignorar a exigência legal. A Administração está obrigada a demonstrar que a manutenção do contrato acarretará lesões sérias a interesses cuja relevância não é a usual. A “alta” relevância indica uma importância superior aos casos ordinários. Isso envolve danos Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 165 irreparáveis, tendo em vista a natureza da prestação ou do objeto executado. O risco da lesão ao interesse público afasta a invocação de “conveniência”. Há necessidade de extinguir-se o contrato porque sua manutenção será causa de conseqüências lesivas” (ob. cit., p. 592). Para que as supostas razões de “interesse público” e “bem-estar da comunidade” pudessem se restringir a um mérito de discricionariedade apenas administrativa, infensa à apreciação judicial, o Decreto deveria ter demonstrado, com fundadas razões, a medida da razoabilidade do ato, e não se limitar a fórmulas abstratas e vazias. O saudoso HELY LOPES MEIRELLES não nos deixa mentir: “O Judiciário não poderá valorar o mérito da rescisão, mas deverá sempre verificar a existência dos motivos e confrontá-los com a norma legal pertinente e com as cláusulas contratuais que os consignam, para coibir o arbítrio e o abuso de poder nessas rescisões administrativas” (grifos originais, in LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO, Malheiros, 12a ed., 1999, p. 236). Mas a fundamentação deficiente – melhor seria dizer, falta de motivação –, submete-se ao controle jurisdicional. Vale a pena transcrever parecer do então Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do DF, hoje Conselheiro, JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES, que é especialista de renome do Direito Administrativo, especificamente sobre o Decreto em estudo (fl. 448): “9. O decreto, ao menos na parte transcrita pela instrução, é extremamente ambíguo, na verdade silente, quanto às razões de fundo que levaram ao desfazimento de relações jurídicas que se supõe formalmente perfeitas. Um juízo hipotético como firmado desserve como fundamento relevante, porque incapaz de imprimir certeza e convencimento à sociedade. 10. O decreto em apreço é ilegal, o que, por si só, já macularia o procedimento da recontratação”. 166 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. Em verdade, a consideração “diante da mudança dos rumos da Administração”, como consta do segundo “considerando” é verdadeira confissão de que não houve qualquer motivação técnica, mas tão somente política, em virtude da mudança de Governo. 4.3 RESUMO Em suma, a disciplina jurídica sobre rescisão unilateral de contratos administrativos é a seguinte: a Administração Pública tem autoridade para fazêlo, desde que instaure processo administrativo, em que assegure oportunidade de defesa ao contratado, fundamente o ato de maneira adequada e, não havendo culpa a ser imputada ao contratado, ressarça-o no que for de direito. No caso concreto, o Decreto expedido pelo Exmo Sr. Governador do Distrito Federal contrariou todas essas prescrições, na forma e no mérito: não instaurou processo, não ouviu os interessados, não justificou a rescisão, não apurou se havia ressarcimento cabível a algum ou alguns dos contratados, ou a todos eles, ou, se não havia, não fundamentou o porquê. As conseqüências do malsinado Decreto foram funestas do ponto de vista jurídico, por sua incompatibilidade com os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e continuidade administrativa, o que, por si só, é suficiente para caracterizar ato de improbidade. Com efeito, não há necessidade de que haja dano efetivo, ou seja, econômico. Sobre isso, não deixam a menor dúvida os artigos 11 e 12, III, da Lei 8.429/92, que tipificam como ato de improbidade administrativa aquele que atenta contra “os princípios da Administração Pública” e prevê graves sanções ainda quando não haja dano efetivo (“dano, se houver”). É o que o JUAREZ FREITAS denomina de atentado às pautas morais básicas da Administração Pública. Confira-se, a esse propósito, as lúcidas observações desse autor: “Sob a ótica da Lei, ainda quando não se verifique o enriquecimento ilícito ou o dano material, a violação do princípio da moralidade pode e deve ser considerada, em si mesma, apta Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 167 para caracterizar a ofensa ao subprincípio da probidade administrativa, na senda correta de perceber que o constituinte quis coibir a lesividade à moral positivada, em si mesma, inclusive naqueles casos em que não se vislumbram, incontrovertidos, os danos materiais” (in DO PRINCÍPIO DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA E DE SUA MÁXIMA EFETIVAÇÃO, RDA 204/65). De qualquer sorte, houve, sim, prejuízos também de natureza econômica, o que será comentado adiante (item 8). 5 DISPENSA DE LICITAÇÃO O mais grave está por vir. O GDF não rescindiu os contratos diante da constatação de deles ter prescindido, ou, em outras palavras, por estar cortando uma despesa desnecessária, o que seria coerente, razoável e, enfim, jurídico. Insurgir-se contra isso seria arrostar um juízo que cabe ao Administrador Público como tal, e somente a ele. Mas o que ocorreu foi exatamente o contrário. Logo em seguida – para ser mais exato, sete dias após –, o GDF celebrou novo contrato para realização dos mesmos serviços de publicidade, desta vez com outra empresa e sob dispensa de licitação, à alegação de urgência. Os fatos. Como já se viu, a rescisão ocorreu em 15.1.1999. A partir desse momento, obviamente, o GDF não tinha como realizar campanhas publicitárias em nível profissional, pois os contratos em vigor foram extintos. Por mais incrível que possa parecer, no mesmo dia 15.1.1999 (sextafeira), o Exmo Sr. Secretário de Comunicação Social, W.L.M., encaminhou o 168 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. ofício no 48/98 ao Exmo Sr. Governador J.R. (fls. 15/16), solicitando dispensa de licitação para contratação de empresas publicitárias, argumentando urgência para realização de serviços! Na terça-feira seguinte, 19.1.1999, a Consultoria Jurídica do GDF, pelo então consultor P.C.Á.S., lançou parecer favorável à consulta, mas ressaltou que a competência para dispensa de licitação não era do Governador, e sim do próprio Secretário de Comunicação Social (fls. 17/19). No dia seguinte, 20.1.1999, o Governador aprovou parecer da Consultoria, sem qualquer ressalva (fl. 20). No mesmo dia 20.1.1999, a Secretaria de Comunicação Social deu início à contratação. A Chefia de Gabinete endereçou ofício a três empresas, AGÊNCIA PROPAGANDA LTDA. (fls. 983/4), MASTER COMUNICAÇÃO E MARKETING LTDA. (fls. 985/6) e G. S/A (fls. 987/8), solicitando proposta de preço para prestação de serviços publicitários, por cento e oitenta dias. As três empresas responderam no dia seguinte, 21.1.1999 (fls. 989/95, 996/8 e 999/1004). Nessa mesma data, o Exmo Sr. Secretário de Comunicação Social, W.L.M. autorizou (fl. 1007); a Chefe de Gabinete, P. F., dispensou a licitação, em favor da empresa G. S/A (fl. 1008); e o Secretário autorizou a dispensa (fls. 1008 e 1009). O contrato foi assinado no dia seguinte, 22.1.1999 (fl. 125/130 ou 1019/ 24), e seu extrato foi publicado no Diário Oficial de 8.2.1999 (fl. 61). 6 ANÁLISE DA DISPENSA DA LICITAÇÃO: CRASSA ILEGALIDADE A alegada situação de urgência é manifestamente improcedente e artificial, pois a mesma não surgiu de qualquer emergência ou calamidade pública Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 169 (LL, art. 24, IV), e sim foi criada por fato – ou melhor, falta - da própria Administração, que havia dispensado seus parceiros publicitários ao rescindir, sem a devida justificativa, os contratos então em vigor. Em outras palavras, a situação “urgente” a que se viu submetida decorreu de sua própria conduta, exteriorizada por ato administrativo imotivado e, assim, ilegal. Novamente o Dr. JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES vem nos auxiliar (fl. 287): “11. A nobre unidade técnica do Tribunal afasta corretamente a justificativa para a dispensa de licitação, sustentada no art. 24, IV, da Lei de Licitações, ou seja, por incidência de situação emergencial ou calamitosa. 12. Não é possível à Administração alegar emergência que ela mesma criou, fundada em decreto que não observou a exigência do art. 78 da Lei no 8.666/93, que é a motivação”. Na mesma linha de raciocínio, o entendimento do e. Tribunal de Contas da União, em caso análogo (fl. 1187/9): “A SITUAÇÃO EMERGENCIAL OU CALAMITOSA que legitima o acionamento do permissivo contido no art. 24, IV, da Lei no 8.666/93 é aquela cuja ocorrência refuja às possibilidades normais de prevenção por parte da Administração. Ou, dito de outro modo, é a que não possa ser imputada à desídia administrativa, à falta de planejamento, à má gestão dos recursos disponíveis etc. (...) Além da adoção das formalidades previstas no art. 26 e seu parágrafo único da Lei no 8.666/93, são pressupostos da aplicação do caso de dispensa preconizado no art. 24, inciso IV, da mesma Lei: a.1) que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída a culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação; TC no 009.248/94-3, DOU 21.6.94, p. 9040”. 170 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. Os termos do contrato dizem tudo, pois são extremamente vagos, genéricos, imprecisos, incompatíveis com a demonstração da urgência que o caso requeria. Veja-se: “O Contrato tem por objeto a prestação de serviços de contratação de agência de propaganda para estudar, planejar, criar, produzir, distribuir para veiculação e controlar os serviços e divulgação de publicidade, programas e campanhas promocionais sobre atividades desenvolvidas pelo Governo do Distrito Federal, em caráter emergencial por 180 (cento e oitenta) dias, consoante especifica a Justificativa de Dispensa de Licitação de fls. 07 a 10 e a Proposta de fls. 29 a 34, que passam a integrar o presente Termo”. No jargão do meio administrativo, tal contrato é conhecido como “guardachuva”, pois prevê tudo e tudo permite, inclusive “impressão de cartões para páscoa” (fl. 340) e “confecções de convites, adesivos, cartões em 4 cores e envelopes” (fl. 341) para a TERRACAP, serviços que poderiam até ser úteis, mas que nada tinham de urgentes. Como não poderia deixar de ser, o TCDF teve por ilegal o ato de dispensa da licitação, como será explicado em seguida. 7 POSTERIOR EXPLICAÇÃO DO GDF E APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DF Conforme se disse no item 4.1 (supra), os consideranda do decreto constituem seus únicos fundamentos e, portanto, somente eles podem dizer se o ato está ou não em conformidade com o Direito. Como também já se demonstrou, os “considerandos” não eram mais que fundamentos anódinos, vazios, sem qualquer consistência para justificar o ato. Ainda assim, posteriormente, o GDF teve oportunidade de explicar em detalhes os motivos da rescisão, o que ocorreu no âmbito do e. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 171 O tema foi objeto do processo no 404/1999, cuja cópia integral encontrase anexa à presente petição inicial, às fls. 510/1162. Por amor ao debate, vejamos o que o GDF disse sobre o assunto. Em 12.3.1999, a 2a Inspetoria de Controle Externo do TCDF, pelos Analistas E.V.P. e J.V. T.S., diante da “ausência... dos elementos especificados no inciso XII, do artigo 78, da Lei no 8.666/93”, solicitou esclarecimentos ao Exmo Sr. Secretário de Comunicação Social, W. L. M. (cf. nota de inspeção no 03 – fls. 1077/8). Em resposta, na data de 22.3.99, Sua Exa, o Secretário, redigiu ofício consistente em uma única lauda (fl. 1102), em que explicou o seguinte: Os motivos de alta relevância e interesse público tinham por base os processos nos 994/96, 995/96 e 999/96, e a decisão no 5954/97, todos do TCDF, que considerou ilegal a prorrogação dos contratos então em vigor, e recomendou à SCS (Administração anterior) a realização urgente de licitação, o que não foi feito. Que o prejuízo ao erário “decorreria” da não renegociação dos contratos de publicidade, no momento de sua prorrogação, em desacordo com o Decreto no 2.262/97, que regulamentou a Lei no 4.680/65, o que também não aconteceu. A justificativa foi rechaçada pelo parecer dos analistas acima mencionados (fls. 1129/1148), que foi encampado pelo MPjTCDF (fls. 1153/62) e, em parte, pela Corte de Contas. Vejamos. De fato, o TCDF havia condenado as prorrogações dos contratos de publicidade levadas a efeito na Administração anterior (decisões no 15.379, 9994, 995, 996; proc. nos 4419/95, 4.160/96, 4.161/96, 4.162/96). Mas o mesmo TCDF, posteriormente, mudou tal entendimento e recomendou a manutenção desses contratos até a conclusão do certame 172 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. licitatório. É o que se resolveu no processo no 5.954, cuja decisão foi lavrada em 15.9.1997 – bem antes, portanto, da expedição do Decreto 20.005/99 –, nestes termos: “... e) recomendar à Secretaria de Comunicação Social que adote, com urgência, providências com vistas à realização de novo certame, mantendo-se o contrato em vigor até conclusão do processo licitatório, atuando, doravante, na forma da Lei no 408/ 93, como órgão de controle, supervisão e coordenação dos procedimentos licitatórios (art. 2o, III, “a”)... (grifo nosso). De acordo com o Exmo Conselheiro JORGE CAETANO, “Com isso, esta Casa mudou a orientação a partir daquela data, proporcionando, de certa forma, respaldo às três últimas prorrogações do prazo de vigência do contrato” (fl. 710). Acrescente-se que o art. 57, II, da Lei no 8.666/93 – razão de decidir dos precedentes –, havia sido alterado pela Medida Provisória no 1500/96, que se converteu na Lei Federal no 9.648/98. Pela nova redação, os contratos de prestação de serviços continuados podem ser prorrogados por até 60 meses, desde que comprovada a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração. Quanto à não renegociação dos contratos pela Secretaria de Comunicação Social do Governo anterior, o argumento também não se sustenta, porquanto o TCDF aceitou as alegações do ex-Secretário (fls. 680 e 821/5) tanto quanto a prorrogação dos contratos (como se disse há pouco). Em data posterior, 22.10.99, em uma etapa mais avançada do procedimento no TCDF, o Exmo Secretário de Comunicação Social, W. L. M., encaminhou novas explicações, desta vez para o Exmo Conselheiro JORGE CAETANO, consistente em 28 laudas (fls. 826/853). Apesar do maior apuro, a nova prestação de contas do Exmo Sr. Secretário tampouco convenceu e não demonstrou o verdadeiro compromisso com o interesse público quando da rescisão dos contratos. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 173 Como conseqüência, em sessão de 4.10.2001, o e. TCDF julgou as explicações improcedentes, condenou a dispensa de licitação e aplicou penalidade de multa a tal autoridade. A decisão ficou da seguinte maneira ementada (fl. 690): “O Tribunal, por maioria, de acordo com o voto do Relator, tendo em conta a instrução, em parte, e o parecer do Ministério Público, decidiu: I – tomar conhecimento: a) das razões de justificativa apresentadas pelo sr. W. L. M. para, no mérito, rejeitá-las, por serem insubsistentes os fundamentos apresentados sobre a dispensa de licitação na contratação da agência G. S/A; (...) III – aplicar, com base no inciso IV do art. 57 da Lei Complementar no 01/94 e no inciso I do art. 182 do Regimento Interno do Tribunal, com a redação dada pela Emenda Regimental no 3/99, multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao Secretário de Comunicação Social, Sr. W.L.M., a ser recolhida no prazo de 30 (trinta) dias, por descumprimento do art. 24, inciso IV, da Lei no 8.666/93, na contratação da agência G. S. A para prestação de serviço de publicidade e propaganda. Confira-se trecho do voto do relator (fl. 680, em remissão a fl. 711): “A contratação da agência G. S/A, com dispensa de licitação, com base no inciso IV do artigo 24 da Lei no 8.666/93, é que guarda sérios problemas de legalidade. A dispensa de procedimento licitatório, com respaldo no inciso IV do artigo 24 da Lei no 8.666/93, deve observar a existência concomitante de quatro premissas básicas: situação emergencial ou calamitosa, urgência no atendimento, risco e ser, a contratação direta, o meio adequado para afastar o risco. A emergência não ficou caracterizada, uma vez que derivou de um ato da administração. Sobre calamidade não há o que falar. Quanto à urgência no atendimento, poderia ser, quando muito, substituída por conveniência de se ofertar informações úteis à comunidade naquele momento. Também, nada foi anotado capaz de demonstrar o risco alegado, assim como nenhuma justificativa evidencia ser a contratação direta o meio mais adequado de se afastar o risco iminente, sobretudo porque este não teve demonstrada a sua existência. Em conseqüência, a simultaneidade no atendimento desses requisitos ficou prejudicada”. 174 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 8 DOS PREJUÍZOS ECONÔMICOS O valor do contrato foi de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), acrescidos de mais R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), após alteração contratual (cf. item 11, supra), o que perfez o total de R$ 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil reais). As notas de fls. 131/137 dão parte que foram empenhados reforços no valor de R$ 6.435.000,00 (seis milhões, quatrocentos e trinta e cinco reais), da seguinte forma: a) b) c) d) e) f) g) h) 23.3.1999 15.4.1999 3.5.1999 4.5.1999 13.5.1999 27.5.1999 2.7.1999 2.8.1999 – R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); – R$ 700.000,00 (setecentos mil reais); – R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais); – R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); – R$ 340.000,00 (trezentos e quarenta mil reais); – R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); – R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); – R$ 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil reais); Como o saldo remanescente do ano de 1999 anulou a mísera quantia de R$ 5.584,43 (fl. 143), pode-se afirmar que, em poucos meses do ano de 1999, foram gastos, no mínimo, R$ 6.429.415,57 (seis milhões, quatrocentos e vinte e nove mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e sete centavos) em serviços de publicidade. Só para se ter uma idéia, o prédio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios em Taguatinga, que tem confortáveis – mas não luxuosas – instalações, em uma área de 4150 m2, teve o custo final de R$1.860.000,00 (em 1994). O prédio da Promotoria da Infância e Juventude, de 5000 m2, está orçado em R$ 3.270.000,00. Os gastos publicitários, por mais fabulosos que possam ser, estariam dentro da mais absoluta discricionariedade administrativa caso tivessem sido feitos legalmente. Mas isso não ocorreu, pois os gastos tiveram origem na antijurídica dispensa da licitação. Logo, qualquer centavo pago em uma dispensa ilegal de licitação é também ilegal. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 175 Ao Ministério Público não cabe questionar gastos governamentais, mas lhe é dado fiscalizar a forma como estes são feitos. Portanto, qualquer despesa feita ilegalmente refoge à discricionariedade administrativa e se submete à tutela jurisdicional. (* * *) No que respeita à diferença de gastos entre os contratos rescindidos e o contrato com a G., os peritos do TCDF fizeram cálculos acurados nesse sentido (ao contrário do Decreto 20.005, diga-se de passagem). Para tanto, levaram em consideração a natureza dos trabalhos de publicidade, a ser dividida em interna (formulação de idéias, planos, leiaute de material a ser difundido ou veiculado, logotipos, chavões etc.) e externa (utilização de serviços como subcontratação de equipe de filmagem para produção de comercial). Os custos internos de produção são apurados com base na Tabela Referencial de Produção de Sindicatos das Agências de Propaganda do Distrito Federal. Na realização dos trabalhos externos, remunera-se de acordo com os montantes gastos e comprovados (cf. fl. 1135). Partindo de tais premissas, os peritos elaboraram o seguinte gráfico (fl. 1136): PréRecisão PósRecisão Agência Custo Interno Custo Externo Alô Comunicação 5% 15% 20% 2,10 (19,05) Atual Pro- 40% paganda 15% 20% 1,75 (2,86) P&N Propaganda 50% 15% 20% 1,65 3,03 Markplan 30% Marketing 15% 20% 1,85 (8,11) G. 10% 20% 1,70 0,00 40% Veiculação Custo Total Variação % E chegaram a estas conclusões (fls. 136/7): 176 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. “30. Em análise individual, o custo total da G. S/A foi 3,03% superior (grifo original) ao correspondente à P&N Propaganda, próximo ao da Atual Propaganda (2,86% menor) e inferior aos da Makplan Marketing (8,11%) e da Alô Comunicação (19,05%). 31. Há que se considerar, todavia, que os preços ofertados pela G. S/A basearam-se em condições diferentes daquelas vigentes para as demais agências relacionadas na tabela I. À G. foi proposta a totalidade de contas publicitárias distritais, enquanto que cada uma das outras empresas contaram, para elaboração de seus preços, com apenas um grupo de contas. 32. Dessa forma, é natural que uma empresa comercial (G. S/A) produza melhores condições ao cliente (Administração), reduzindo preços, em função de maior volume de contas, e, conseqüentemente, expectativa maior de lucros. 33. Não se pode inferir, portanto, que os preços praticados pela Makplan Marketing e Alô Comunicação estão superfaturados em relação aos da G. S/A, à falta de uniformidade das condições motivadoras das propostas. 34. Por outro lado, configura-se antieconômica a contratação da agência G. S/A em substituição à P&N Propaganda e Negócios (antiga Propeg – Brasil Propaganda, por conter condições e preços 3,03% maiores. Há ainda o agravante de que aquela agência foi contratada sem licitação, enquanto que a relação desta agência com a Administração derivou da Concorrência 01/95, que englobou contas publicitárias das Adminstrações Direta e Indireta distritais, fl. 123/130”. No entanto, o Conselheiro JORGE CAETANO, que foi seguido pela maioria de seus pares, acolheu tais contas apenas em parte. Avaliou que ficou caracterizada antieconomicidade somente em relação à empresa P&N Propaganda e Negócios, mas, “vista em seu conjunto, a nova contratação foi mais econômica” (fl. 714). Essa divergência leva a uma de duas possibilidades. Ou os Peritos estão corretos em suas contas, e a rescisão dos contratos e subseqüente contratação da G. foram desvantajosas para a Administração em seu aspecto econômico; ou, na ponta do lápis, a rescisão foi economicamente mais proveitosa, pelo que o Decreto atendeu ao interesse público secundário. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 177 Tudo conduz ao entendimento quanto ao acerto da primeira hipótese. A segunda hipótese implicaria, antes de mais nada, abstrair-se de que os fins não justificam os meios, ou seja, de que a utilidade econômica pode compensar uma ilicitude jurídica, o que não é possível se houver um mínimo de respeito ao ordenamento. Nada melhor que transcrever estas palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: “Com efeito, o princípio da legalidade não visou simplesmente à mera estruturação formal de um aparelho burocrático tendo em vista balizar, de fora, mediante lei, sua composição orgânica e seus esquemas de atuação. O que se pretendeu e se pretende, a toda evidência, foi e é, sobretudo, estabelecer em prol de todos os membros do corpo social uma proteção e uma garantia” (grifos originais, ob.cit., p. 62). A defesa do interesse público secundário só tem cabimento quando não se choca com a do primário, porque aquele é meramente instrumental, ao passo que este é o interesse público propriamente dito. É MIGUEL REALE quem novamente vem nos socorrer, desta vez em sua FILOSOFIA DO DIREITO: “Há uma tensão constante entre os valores do indivíduo e os valores da sociedade, donde a necessidade permanente de composição entre esses grupos de fatores, de maneira que venha a ser reconhecido o que cabe ao todo e o que cabe ao indivíduo em uma ordenação progressiva capaz de harmonizar as duas forças. (...) O indivíduo deve ceder ao todo, até e enquanto não seja ferido o valor da pessoa, ou seja, a plenitude do homem enquanto homem. Toda vez que se quiser ultrapassar a esfera da “personalidade” haverá arbítrio” (Saraiva, 16a ed., p. 278/9). Por exemplo, a muitos pode parecer atraente o pagamento ínfimo de desapropriações ou de vencimentos de servidores públicos; ou a tributação desmesurada de alguns; ou a esquiva a responsabilidade extracontratual ou a 178 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. pagamento de precatórios. Mas o dever do Estado não é enriquecer a qualquer título, e sim favorecer o bem-estar da sociedade e dos membros da sociedade, sempre dentro do ordenamento jurídico. Segundo RENATO ALESSI, “Os interesses a que se aludiu são todos interesses secundários e que a pessoa governamental tem apenas segundo os termos em que o teria qualquer pessoa. Não são interesses públicos. Não respondem à razão última de existir própria das pessoas governamentais em geral” (grifos originais, apud Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. cit., p. 65). O pior é que, no caso concreto, o interesse sequer é secundário, e sim “terciário”, vale dizer, pessoal e político. Ainda que a suposta vantagem econômica pudesse preponderar sobre os valores jurídicos, tudo não teria passado de mera coincidência. De fato. Quando a Administração rescindiu os ajustes – o que ocorreu, repita-se, com a publicação do Decreto, em 15.1.1999 –, não sabia se a contratação subseqüente seria mais cara ou mais barata, porquanto não havia sido feito qualquer cálculo ou orçamento nesse sentido. Se havia, a Administração deveria tê-lo exposto às claras, mas a fundamentação do Decreto é totalmente alheia a isso. Fazê-lo não seria nenhum favor, e sim dar cumprimento ao disposto na Lei n 8.666/93, art. 26, parágrafo único, III, que determina que o “o processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo será instruído, no que couber, com os seguintes elementos: justificativa do preço”. Onde, no Decreto, está a justificativa do preço? Não há qualquer preço, muito menos sua justificativa. Não há sequer processo de dispensa, como já se disse. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 179 O Decreto não fez uma revisão dos preços anteriores; não trouxe novos números; não explicou objetivamente que a rescisão era vantajosa, nem que uma nova contratação era mais interessante. Isso, sim, seria uma fundamentação decente, digna de respeito e inatacável em sua discricionariedade. Mas nada há nesse sentido, a não ser fórmulas vazias e explicações posteriores inconsistentes, conforme tanto já se falou. O que existe em termos de justificativa de preço é a escolha da G. como a empresa que apresentou orçamento mais barato entre outras duas, consoante se explicou no item 5 desta petição inicial. Tal escolha, porém, além de ter sido feita grotescamente em momento posterior à rescisão dos contratos, não ocorreu no bojo de um verdadeiro processo administrativo de dispensa de licitação, e sim de um arremedo, uma forma improvisada, inventada e, desnecessário dizer, ilegal. Ad argumentandum, mesmo admitindo-se que o acerto das conclusões está com o Conselheiro JORGE CAETANO, e não com os Peritos, ou seja, que a manutenção de um dos contratos era desvantajosa, mas não a dos demais, é de se notar que foram todos rescindidos, sem exceção. Na melhor das hipóteses, a rescisão foi temerária, pois faltou com o cuidado de discernir entre os ajustes bons e os ruins para que os primeiros fossem mantidos e os últimos, somente estes, extintos. Estar-se-ia, assim, diante de culpa da Administração, elemento subjetivo do tipo do art. 10 da Lei no 9.429/92. Não de culpa leve, mas sim grave, gravíssima até, diante do descaso com os milhões de reais que estavam em jogo. Essa é a hipótese mais branda para a conduta das autoridades demandadas. Mas não é a mais pura verdade. A pura verdade é que a rescisão acarretou, sim, prejuízos econômicos à Administração Pública, como já se demonstrou e mais se falará em seguida. 10 OUTRAS CONSEQÜÊNCIAS DA DISPENSA DE LICITAÇÃO Se avançarmos um pouco mais na análise das conseqüências da contratação sem licitação, notaremos que posteriores ajustes feitos entre diversos 180 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. órgãos do GDF - IDHAB, TERRACAP, CEB e CAESB, entre outros – com a empresa G. S/A, foram, também eles, da mesma forma e pelos mesmos motivos, condenados pelo TCDF, por ilegais e antieconômicos, porque todos partiram dos mesmos princípios e seguiram a mesma sorte. Antes de se entrar em detalhes, cabe uma explicação prévia: de acordo com o Decreto Distrital no 13.095, de 27.3.1991, a Secretaria de Comunicação Social concentra as licitações que versam sobre a publicidade de todo o GDF, seja a da Administração Direta, seja a da Indireta. Assim, à época, todos os órgãos do GDF deviam necessariamente celebrar contratos publicitários com a G. S/A, porquanto a Secretaria de Comunicação Social havia escolhido tal empresa como sua parceira “urgente”. Melhor explicando, os órgãos públicos não tinham obrigação de celebrar contrato de publicidade, mas, se desejassem fazê-lo, não havia outra opção a não ser com a G. S/A (cf. ofícios de fls. 14, 182, 426, entre muitos outros). Feitos esses esclarecimentos, vejamos, então, os contratos, cujas redações foram idênticas ao “contrato-mãe”, firmado entre a SCS e a G. 10.1 TERRACAP Em 17.2.1999, a COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA (TERRACAP) celebrou contrato com a G. S/A, em dispensa de licitação, por 180 dias. O valor foi de R$ 835.000,00 (oitocentos e trinta e cinco mil reais) – fls. 192/8. Em 4.10.2001, o e. Tribunal de Contas do DF, aprovando parecer pericial (fls. 269/279) e do Ministério Público (fls. 285/289), nos termos do voto do Conselheiro Relator, JORGE CAETANO (fls. 398/408), condenou a dispensa de licitação, julgou improcedentes as explicações dadas pelos diretores A.G., J.G. P.N., I. O. e R. L. E. (feitas em conjunto - fl. 356/361), e aplicou multa de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada um (fl. 412). Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 181 Cópia integral do processo (no 683) consta dos autos, fls. 166/412. 10.2 IDHAB Em 26.2.2002, o INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO HABITACIONAL DO DISTRITO FEDERAL (IDHAB) celebrou contrato com a G. S/A, em dispensa de licitação, por 180 dias. O valor era de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) – fls. 416/419. Notas de empenho às fls. 428/429. Embora o valor tenha sido bem mais modesto, os procedimentos foram igualmente irregulares. Em 4.10.2001, o e. Tribunal de Contas do DF, aprovando o parecer pericial (fls. 434/441 e 484/492) e o do Ministério Público (fls. 446/450 e 495/496), nos termos do voto do Conselheiro Relator (fls. 498/506), condenou a dispensa de licitação pelo IDHAB, julgou improcedentes as explicações dadas pelos diretores P.C.C. (fls. 458/465), J.C. C.M. (fls. 475/481) e R. S. L. (fls. 482/3), e aplicou multa de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada um deles (fl. 509). Cópia integral do processo (no 1586) consta dos autos, fl. 415/509. 10.3 CEB Também foi celebrado contrato entre a COMPANHIA ENERGÉTICA DE BRASÍLIA (CEB) e G. S/A, em dispensa de licitação, por 180 dias. O valor era de R$ 1.277.500,00 (um milhão, duzentos e setenta e sete mil e quinhentos reais). Pelos motivos já apontados, em 13.11.2001, o e. Tribunal de Contas do DF condenou a dispensa de licitação, julgou improcedentes as explicações dadas por diretores R.V. B.T. C. e B.G., e aplicou multa de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada um deles (Proc. 579/99, decisão no 3625, fls. 1183/4). 10.4 CAESB Em 23.2.1999, foi celebrado contrato entre a COMPANHIA DE ÁGUAS E ESGOTOS DE BRASÍLIA (CEB) e G. S/A, em dispensa de licitação, 182 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. por 180 dias, no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) – fls. 35/42. Pelos motivos já apontados, em 23.11.2002, o e. Tribunal de Contas do DF condenou a dispensa de licitação, julgou improcedentes as explicações dadas por diretores F. R.F.L. e H. L. A.F., e aplicou multa de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada um deles (Proc. 595/99, decisão no 3546, fls. 1185/6). 11 PRORROGAÇÃO DO CONTRATO Posteriormente, em 8 de junho de 1999, o contrato celebrado entre a SCS e a empresa G. foi alterado, aumentando-se em 25% seu valor originário, o equivalente a R$ 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil reais), que perfez o total de R$ 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil reais) – fl. 138. Novamente, as razões da prorrogação foram extremamente vagas. Ademais, quase todas as despesas que o GDF considerou urgentes já haviam perdido o objeto, no momento da prorrogação do contrato. Para demonstrar tal afirmação, cumpre relembrar o teor das despesas urgentes do GDF, anotadas no ofício no 40 – GAB/SCS, de 15.1.1999 (fls. 15/ 16): Secretaria de Fazenda e Planejamento Pagamento de impostos e taxas: IPTU e IPVA, com vencimentos previstos para o 1o trimestre de 1999. Secretaria de Educação Campanha de matrículas e de volta às aulas Secretaria de Saúde Campanha de prevenção à AIDS no período do Carnaval e prevenção para doenças contagiosas Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 183 Secretaria de Segurança Pública Campanha de prevenção de acidentes de trânsito durante o período de férias e durante o carnaval. Secretaria de Habitação Campanhas para leilões de terrenos através da TERRACAP Campanhas informativas sobre as invasões de áreas públicas no Distrito Federal Governo em geral Publicações de atos legais como aviso de concorrência pública, para aquisição de equipamentos e materiais para a Secretarias de Saúde e Segurança etc (sic). Como a prorrogação do contrato com a G. foi feita, repita-se, em 8.6.1999, a urgência alegada para quase todas as campanhas publicitárias já havia perdido o objeto, nos termos da justificativa acima. O contrato com a G. S/A só se encerrou, em definitivo, com a ulterior homologação de licitação, que também foi julgada pelo e. TCDF (proc. 823 e 315), mas não é objeto da presente ação. 12 RESPONSABILIDADES Para que a Administração pudesse rescindir as cinco dezenas de contratos com seriedade, consistência e transparência, deveria ter feito uma análise pormenorizada de cada ajuste, um por um, no bojo de um procedimento administrativo. Tal não ocorreu, nem havia como ocorrer, em razão da exigüidade do tempo utilizado – duas semanas –, justamente as duas primeiras semanas do novo Governo. Em seguida, houve dispensa de licitação feita a toque de caixa, e posterior celebração de contratos entre órgãos públicos e a empresa G. Tudo gritantemente irregular. 184 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. Sob a aparência de legalidade, a Administração agiu com desvio de finalidade, para atender a – confessados – interesses políticos, uma aventura de graves conseqüências jurídicas e econômicas. Uma contribuição desastrosa para um modelo de democracia “absurdo ou inconcludente”. Analisemos, agora, a conduta de cada demandado. 12.1 J. D. R. A responsabilidade do Excelentíssimo Senhor Governador do Distrito Federal, J. D.R., consiste no fato de ter exarado o Decreto 20.005/99, que rescindiu contratos administrativos em vigor, ato várias vezes acoimado de ilegal. Em seguida, responsabilizou-se pela dispensa de licitação, também ilegal. Não foi Sua Exa a autoridade que a determinou, mas foi consultado anteriormente por subordinado e a ela não se opôs, ao contrário, aprovou parecer que opinava ser a dispensa “perfeitamente factível”, quando era, na verdade, absolutamente inviável. Assim agindo, incorreu nas penas dos seguintes dispositivos legais da Lei Federal no 8.429/92: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1o desta Lei, e notadamente: II - Permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1o desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII - Frustar a licitude de procedimento licitatório ou dispensá-lo indevidamente; Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qualquer ação Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 185 ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência”. 12.2 W.L. M. A responsabilidade do Excelentíssimo Senhor Secretário de Comunicação Social, W. L. M., consiste em ter promovido e, ao final, homologado a ilegal dispensa da licitação e contratação de empresa, em acordo lesivo ao patrimônio público; e em ter levado ao conhecimento dos órgãos do GDF tal ato, o que ensejou que vários deles celebrassem contratos igualmente lesivos ao patrimônio público, todos condenados pelo Tribunal de Contas. Assim agindo, incorreu nas penas dos seguintes dispositivos legais da Lei Federal no 8.429/92: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1o desta Lei, e notadamente: II - Permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1o desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII - Frustar a licitude de procedimento licitatório ou dispensá-lo indevidamente; Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência”. Em face do princípio processual da eventualidade, o Ministério Público imputa aos demandados, na conduta prevista no artigo 10, culpa grave, caso V. Exa tenha o remoto entendimento de que não houve dolo. 186 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 12.3 P.C.Á.S. A responsabilidade do Excelentíssimo Senhor P. C. Á. S. consiste em ter lançado o malsinado parecer de fls. 17/19, que considerou “perfeitamente factível” a dispensa de licitação, quando esta era absolutamente inviável, como se demonstrou. O Direito é ciência compreensivo-normativa (REALE), e não matemática. Não existe precisão total e indiscutível. Mesmo nas situações aparentemente singelas, podem surgir controvérsias. Mesmo em questões pacíficas, quase nunca há espaço para o absoluto. Mas a relatividade tem limites. No caso concreto, o parecer extrapolou qualquer noção do razoável, do juridicamente aceitável, pois sugeriu dispensa de licitação em caso que jamais poderia ser sequer cogitada se se agisse com boa-fé e com conhecimentos jurídicos mínimos. O demandado fê-lo para dar uma aparência de legalidade ao ato e com isso “legitimar” os planos de se dispensar a licitação – ainda por cima no afogadilho, em questão de horas –, que era exatamente o que se pretendia. Para tanto, o demandado até mesmo invadiu competência que é da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, pelo disposto no artigo 111, VI, da Lei Orgânica do DF. Ou o demandado agiu com dolo (má-fé) ou, no mínimo, com culpa grave, consistente no trato da questão jurídica, na qualidade de profissional, de modo teratológico. Não foi o ex-Consultor Jurídico a autoridade que determinou a dispensa da licitação, mas concorreu para tanto ao lançar grosseiro parecer que foi acatado pelo Governador, pois assim lhe interessava, e não por ser uma interpretação jurídica decente, o que acabou resultando na infeliz dispensa da licitação. Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 187 Assim agindo, incorreu nas penas dos seguintes dispositivos legais da Lei Federal no 8.429/92: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1o desta Lei, e notadamente: II - Permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1o desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII - Frustar a licitude de procedimento licitatório ou dispensá-lo indevidamente; Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência”. 12.4 G. S/A Este demandado é particular co-autor do ato de improbidade administrativa, qual seja: a dispensa ilegal de licitação, na qualidade de beneficiário direto. Não há elementos para se dizer que a empresa tenha induzido ou concorrido para tal prática, mas esta usufruiu diretamente dos recursos públicos dela decorrentes. A empresa não tem obrigação jurídica de fiscalizar os atos de governo; mas, por outro lado, jamais poderia ter celebrado contrato em dispensa de licitação tão grosseiramente ilícita, sob pena de responsabilidade. Jamais poderia ter aceito um único centavo dos cofres públicos, da forma como os fatos se passaram. Fê-lo, no entanto, por livre e espontânea vontade, sem tomar os cuidados mínimos de perquirir acerca da liceidade da dispensa, a 188 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. começar pela análise do processo administrativo – que, repita-se, sequer foi instaurado. Com isso concorreu para a improbidade e para o desperdício de dinheiro público, o que não teria ocorrido se o contrato não tivesse sido firmado. A conduta, portanto, é a acima descrita, acrescentada do artigo 3o da Lei 8.429/92, nestes termos: Art. 3o. As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. 12.5 DISTRITO FEDERAL Quanto ao DISTRITO FEDERAL, o Ministério Público não pretende a condenação. Mas deve este figurar no pólo passivo, como litisconsorte necessário, e poderá abster-se de contestar o pedido ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal, nos termos do artigo 17 § 3o da Lei no 8.429/92, c/c artigo 6o § 3o da Lei no 4.717/65. 13 PEDIDO E CONSIDERAÇÕES FINAIS 13.1 J. D. R., W. L. M. e P. C.Á.S. O pedido da presente ação é, quanto aos três primeiros demandados, para cada um, nos termos do artigo 12, II e III, da Lei de improbidade administrativa: 1) suspensão dos direitos políticos, de cinco a oito anos; 2) perda de qualquer função pública que estiverem exercendo ao tempo da execução da sentença, pelo mesmo período de suspensão dos direitos políticos; 3) ressarcimento integral do dano material, em prol do erário do Distrito Federal, Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 189 de forma solidária, no valor de R$ 6.429.415,57 (seis milhões, quatrocentos e vinte e nove mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e sete centavos); 4) pagamento de multa civil de duas vezes o valor do dano ou até cem vezes o valor da remuneração percebida à época, o que for menor; 5) proibição de contratarem com o Poder Público, receberem benefícios fiscais e creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermediário de pessoa da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. O Ministério Público requer aplicação das penas em conjunto ou alternativamente, salvo os itens 2 e 3, que deverão ser impostas em caráter obrigatório e indeclinável. Ressalte-se que a pretensão do item 3 é imprescritível, nos termos do artigo 37 § 5o, da Constituição da República. 13.2 G. S/A O pedido da presente ação é, quanto ao quarto demandado, nos termos do artigo 12, II e III, da Lei de improbidade administrativa: 1) ressarcimento integral do dano material, em prol do erário do Distrito Federal, de forma solidária, no valor de R$ 6.429.415,57 (seis milhões, quatrocentos e vinte e nove mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e sete centavos); 2) pagamento de multa civil de duas vezes o valor do dano ou até cem vezes o valor da remuneração percebida à época, o que for menor; 3) proibição de contratar com o Poder Público, receber benefícios fiscais e creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermediário de pessoa da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. O Ministério Público requer aplicação das penas em conjunto. Ressaltese que a pretensão do item 1 é imprescritível, nos termos do artigo 37 § 5o, da Constituição da República. O Ministério Público promove a citação dos réus, para contestarem esta ação, se o desejarem, sob pena de revelia, à exceção do Distrito Federal, conforme dito acima. 190 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. Protesta demonstrar o alegado por todos os meios de prova admissíveis em direito, em especial a prova documental já produzida que acompanha esta petição inicial, afora outros documentos cuja juntada se fizer necessária. Dá à causa o valor de R$ 6.429.415,57 (seis milhões, quatrocentos e vinte e nove mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e sete centavos). Espera seja julgado procedente o pedido. Brasília-DF, 17 de maio de 2002. Ivaldo Gonçalves Lemos Júnior Promotor de Justiça do MPDFT Libânio Alves Rodrigues Promotor de Justiça do MPDFT Vetuval Martins Vasconcelos Promotor de Justiça do MPDFT Juliana Ferraz da Rocha Santilli Promotora de Justiça Adjunta do MPDFT Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002. 191