Cabo Verde:
Nação Crioula Caldeada
num Bilinguismo em Construção
Manuel Veiga, Ph.D.
Coordenador do Mestrado de Crioulística e Língua Caboverdiana
Director da Cátedra Amílcar Cabral na Uni-CV
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Tópicos
 A Hora Zero da Crioulidade(Séc. XV e XVI);
 Os primeiros Contornos de uma singularidade em
Construção (séc. XVII e XVIII);
 O discurso de negação da crioulidade (desde o séc. XIX);
 O Discurso de afirmação da crioulidade (contributo das gerações
nativista, claridosa e pós- independência)
 Amor à nossa Singularidade, Respeito pelas Conquistas da
Humanidade;
 Projecção da Língua Caboverdiana para o Futuro.
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1. A HORA ZERO
 Antes de 1460, as dez ilhas que compõem o Arquipélago
caboverdiano dormiam num sono profundo, sem sociedadade
organizada, sem história edificada, sem cultura plasmada.
 Retratando a hora inicial das ilhas, o poeta Jorge Barbosa, no
poema Panorama, diz: « Destroços de que continente,/ de que cataclismos,/ de
que sismos,/ de que mistérios?// Ilhas perdidas no meio do mar,/ esquecidas/ num canto do
mundo/ que as ondas embalam,/ maltratam/ abraçam (...) Praias / onde naufragaram/ navios/
aonde aportaram/ caravelas,/ marinheiros queimados,/ corsários, escravos, aventureiros,/
condenados,/ fidalgos, negreiros,/ donatários das ilhas,/ Capitães-Mores...»
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 A cosmogonia das ilhas surgiu de uma erupção volcânica que
cuspiu das suas entranhas dez ilhas, sendo nove habitadas. E a
cosmologia dessas ilhas começa, presumivelmente, com
alguns fugitivos ou náufragos da Costa ocidental africana e,
depois, com a aventura dos descobrimentos portugueses, a
partir da segunda metade do século XV.
 Com efeito, as naus dos Navegadores Vasco da Gama e
António da Noli chegaram em 1460 e encontraram as ilhas
desertas, segundo a versão oficial da nossa história.
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 É ainda o poeta Jorge Barbosa que, no seu poema Prelúdio,
afirma: « Quando o descobridor chegou à primeira ilha/ nem homens nus/ nem mulheres
nuas/ espreitando/ inocentes e medrosos/ detrás da vegetação... Quando o descobridor
chegou/ e saltou da proa do escaler varado na praia/ enterrando/ o pé direito na areia
molhada/ e se perseguinou/ receoso ainda e surpreso/ pensando n’El-Rei/ nessa hora então/
nessa hora inicial/ começou a cumprir-se/ este destino ainda de todos nós».
 E se as ilhas estavam desertas ou quase desertas, era preciso
povoá-las. A operação começa dois anos depois, isto é em
1462.Vieram alguns reinóis do sul de Portugal, dos Açores e
da Madeira. Estes eram em número insignificante, segundo o
historiador António Carreira.
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 O Infante Fernando que comandava a operação, a partir de
Sagres, em Portugal, ordenou que as ilhas fossem habitadas
com escravos trazidos do Continente africano. Foi assim que
começou uma das maiores tragédias humanas que a história
regista.
 É ainda J. Barbosa que em Relato na Nau, escreve: «Era
antigamente/ a primeira nau de escravos/ no rumo do Arquipélago/rápida navegando/ sob o
impulso dos alísios./ (...) E abateu sobre a nau/ a maior tempestade do equinócio. Desmantelada/
o convés varado pela força da procela/ o navio flutuou três dias/ e três noites à deriva/ enquanto o
capitão veterano/ dos mares e oceanos/ amarrado ao leme seguia/ insone e atento e defendia/ a
nau das avalanches/ e dos abismos súbitos das ondas.// (...) De olhos rígidos/ metálicos/
abertos/ foram com urgência/ lançados ao mar/ os corpus nus putrefactos/ com lastros dos pés/
para o mergulho em vertical.// Não houve orações/ nem foram lidos/ versículos tristemente/ na
Bíblia de bordo.// Talvez nem houvesse nenhum temente/ e breve sinal da Cruz.»
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 Nem todos os escravos morreram na longa e penosa travessia.
Alguns chegaram não tanto para o povoamento, mas
sobretudo para um projecto que visava escolher os melhores
para alimentar o tráfico negreiro. Assim, dos que chegavam
com vida, uma pequena parte era destinada ao serviço
doméstico, em casa dos patrões, e a outra parte, bem maior,
era submetida ao regime de ladinização (aprendizagem dos
rudimentos da língua e da religião), uma espécie de
qualificação do contingente para os mercados da escravatura,
nas Américas e na Europa.
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 Para aumentar o interesse dos colonos portugueses por Cabo
Verde e pelo tráfico negreiro, o Infante D. Fernando, a
quem o rei Afonso V, seu irmão, tinha doado as Ilhas,
conseguiu que o mesmo outorgasse, através de uma carta
regia, vários privilégios aos moradores e armadores, em
termos de direitos sobre os escravos, de mercadorias de
troca, de isenção fiscal, de atribuição de vastos domínios para
a exploração no Continente (Carreira, 1972,p. 22 e segs.).
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 Com esses privilégios, acrescidos da grande corrupção dos
beneficiados, estes, rapidamente, começaram a adquirir
enormes riquezas, em detrimento dos interesses da coroa.
Por isso, seis anos depois, isto é em 1472, o Rei outorga uma
nova Carta Régia limitando os privilégios anteriormente
atribuídos. De acordo com esta nova Carta, os armadores só
podiam iniciar a operação a partir de Cabo Verde e com
mercadorias produzidas localmente (novidades da terra).
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 A Carta régia de 1472 pode ser considerada como
documento impulsionador das condições que viriam
desembocar no nascimento da Nação Caboverdiana.
 Trata-se de uma medida económica que sem que o legislador
tivesse tomado consciência viria a transformar-se numa
condição fundamental para o surgimento do Povo e da Nação
Caboverdiana.
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 Com efeito, se a compra de escravos tinha que ser feita com
produtos da terra ( e não com os que provinham de Portugal
– fazenda, trigo, vinho, azeite...), a filosofia de comércio
negreiro tinha que mudar. Os escravos não podiam ser
destinados apenas à exportação, mas tinham que ser
utilizados para cultivar a terra, em Cabo Verde, para a criação
de gado e para a criação do artesanato de onde provinham «as
novidades da terra» para alimentar o comércio na Costa
africana.
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 Ora, se uma parte dos escravos tinha que produzir «as
novidades da terra», esses mesmos escravos só o podiam
fazer ocupando a terra e trabalhando juntos. E estando
juntos, eles se organizam, se comunicam, rezam, criam
hábitos e costumes, cantam, dançam, se divertem,
reproduzem, enfim, se estruturam em sociedade com
alguma organização e criam cultura. É essa organização,
é essa cultura que começaram a configurar o povo das
ilhas e a nação caboverdiana desde a segunda metade do
século XV.
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2. Os Primeiros contornos
da singularidade caboverdiana
 Nós somos mestiços. Assumidamente. De sangue, de cultura,
de visão prospectiva. Segundo o ensaísta Gabriel Mariano
(199, p.54),
«não deixa de ser significativo que uma civilização de brancos, criada por brancos, tenha
sido apropriada por negros, vindo a desabrochar em nossos dias numa cultura mestiça,
onde brancos, negros e mulatos se realizam pelas mesmas vias; participando com igual
sinceridade nas efemérides locais; sentindo-se igualmente responsáveis pelos destinos da
sua comunidade». Continuando, o mesmo autor afirma que « o
processo de formação social do caboverdiano operou-se mais por uma africanização do
europeu do que por uma europeização do africano» (p. cit. p. 69).
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 Se em 1462 o negro e o branco se encontraram no
laboratório da ilha de Santiago, primeiro, e das outras ilhas,
depois, os primeiros sinais de uma singularidade visível
aconteceriam sobretudo a partir do século XVI. E a língua é
o primeiro testemunho mais eloquente dessa singularidade
em construção. Esta mesma singularidade é patente em todas
as manifestações da identidade caboverdiana como: o
imaginário islenho, as tradições orais, os hábitos e costumes,
a música,
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a dança, a relação com o transcendente e a respectiva
religiosidade, o ciclo e os rituais da morte, a culinária, o
artesanato, a arte de construir abrigo e de cultivar a terra, o
associativismo de diversa índole (reconhecido como djuntamô), etc., etc.
Por eu ser antes linguista do que antropólogo, a minha
análise sobre os primeiros contornos da singularidade
caboverdiana vai incidir sobre o crioulo caboverdiano.
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 A mestiçagem caboverdiana (em construção) não foi, não é e
nem será uma dádiva. Ela foi e é fruto de uma
transculturação, de uma síntese que perdura e vai perdurar.
 Nessa transculturação, de início, perfilaram o mundo lusitano
e o mundo africano, mas hoje, a transculturação é entre a
crioulidade caboverdiana e a diversidade mundial,
particularmente através da emigração. E o resultado é uma
sístese e não um amontoado.
 A nossa crioulidade é também resultado da aculturação, mas a
transculturação é muito mais significativa. A língua
portuguesa, em Cabo Verde, é um produduto aculturado, mas
o crioulo é resultado da transculturação.
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 Retomando a questão linguística, os contornos da
singularidade islenha começaram a desenhar-se desde meados
do século XVI. Diz o historiador António Carreira que a cem
anos do achamento das ilhas havia já em Cabo Verde
(entenda-se ilhas de Santiago e Fogo, as primeiras habitadas)
um proto-crioulo, isto é um instrumento de comunicação
com uma estrutura fonética, morfológica e sintáctica ainda
pouco diversificada e pouco autónoma, mas que já servia
como instrumento de comunicação.
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 Como se explica que do confronto de
mundos tão diferentes - como era o mundo
branco e o mundo negro - tivesse sido
possível a emergência, em tão pouco
tempo, de um instrumento de
comunicação que não era nem a do branco,
nem a do negro, mas um produto mestiço
em construção, fruto da cumplicidade dos
dois mundos em presença?
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 De acordo com a lógica e os constrangimentos do
tráfico negreiro, a língua portuguesa deveria pura e
simplesmente sobrepor-se como único instrumento
de comunicação, como aconteceu em alguns espaços
de regime escravocrático, o Brasil, por exemplo.
 Em Cabo Verde, foi diferente. Sem que o português
desaparecesse, surgiu uma língua mestiça com uma
estrutura autónoma e com uma vivacidade, em
termos de informalidade comunicativa, que
ultrapassa a do português
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 Como explicar este fenómeno? É que, como diz o escritor
Gabriel Mariano, em Cabo Verde, culturalmente, o negro
africanizou o europeu e ambos tiveram que fazer grandes
cedências para que a transculturação linguística, mas também
a aculturação, a síntese genética e antropológica,
acontecessem.
 As razões são várias: o número de brancos era extremamente
limitado quando comparado com o dos negros (Carreira, 1972);
um número considerável de brancos era analfabeto e o seu
interesse era mais económico do que cultural;
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 Os poucos brancos existentes, com a pirataria implantada e
com a mudança da rota de escravos, ficam cada vez mais
pobres e eram obrigados a conceder alforrias aos cativos para
não morrerem de fome. E isto porque a partir da primeira
década do século XVII os armadores partiam directamente
do continente para os mercados de escravos na Europa e nas
Américas, secundarizando a Cidade Velha como placa
giratória do comércio negreiro.
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 Uma outra fragilidade do branco consistia no facto dele viajar
sem a companhia da família, por razões de ordem climática e,
naturalmente, sentia a necessidade de aproximar-se da
escrava negra e, sem dar-se conta, esta ia limando não só as
arestas da prepotência do patrão, mas também ia fazendo a
ponte entre os dois universos culturais.
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 O negro nem sempre foi um elemento submisso e dócil.
Muitas vezes organizava rebelião, fugia para os lugares mais
inacessíveis e, na calada da noite, vinha roubar nas
propriedades do branco. A expressão «badiu», como o
habitante da ilha de Santiago é reconhecido, deriva da palavra
«vadio» e esta era a designação dada aos escravos fujões que,
recusando a autoridade e a opressão do branco, fugiam para
os montes e, pela calada da noite, vinham roubar o seu
próprio patrão. Esta situação enfraquecia a autoridade do
branco e o tornava mais dialogante.
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 Se o branco, pelos condicionalismos atrás descritos era
forçado a ser tolerante, o negro, pela sua própria condição de
escravo, na maior parte das vezes tinha que ser não só
tolerante, mas também submisso. Com efeito, o patrão, pela
Carta régia de 1466, tinha todos os direitos sobre o escravo.
E para enfraquecer a capacidade de reivindição dos cativos, o
patrão nunca juntava os escravos da mesma etnia no mesmo
local. Com esta separação a comunicação linguística era
praticamente nula
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 Os escravos não percebiam nem a língua do branco, nem
a língua do companheiro de destino. Ora, de acordo com
o linguista Noam Chomsky, em situações limites de
comunicação como aquelas em que viveu o escravo em
Cabo Verde, a faculdade inata de comunicação se
desenvolve consideravelmente. E esta é uma das razões
por que em tão pouco tempo se formou o crioulo de
Cabo Verde.
 Nessa formação, há a cumplicidade tanto do branco
como a do negro e daí a síntese, daí a transculturação.
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 Linguisticamente falando, a sintaxe e a morfologia do crioulo
são negras, enquanto o léxico é, na sua maioria, português.
 De acordo com o linguista alemão Jürgen Lang - docente no
mestrado de Crioulística e Língua Caboverdiana em Cabo
Verde – a maior parte do material linguístico caboverdiano é
português, porém a esse material os caboverdianos
insuflaram uma alma nova de tal forma que um português
que nunca viveu em Cabo Verde não fala e nem compreende
o crioulo caboverdiano.
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 Hoje fala-se tanto de globalização. A mestiçagem
caboverdiana é um exemplo acabado de globalização e de
diálogo intercultural, um diálogo que começou por ser uma
confrontação e que acabou realizando uma rica síntese. Esta
síntese é um processo inacabável. Ontem, ela se processava
entre o branco e o negro, nas condições atrás referidas. Hoje,
ela ramifica e se diversifica entre Cabo Verde e o mundo, pela
ponte da emigração, das tecnologias de comunicação, do
conhecimento académico, do diálogo entre as culturas, da
leveza da arte e das diversas outras formas de mobilidade
social. A nossa crioulidade é o que restou, pois, de positivo da
escravatura e do colonialismo.
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3. O Discurso da negação
do crioulo caboverdiano
 Até ao século XIX, a formação do crioulo caboverdiano se
processou sem grandes sobressaltos, para além dos que eram
congénitos ao regime escravocrata. Mesmo nessa situação,
não houve, ao que sabemos, nenhuma tentativa organizada e
deliberada para sufocar o crioulo nascente. Os próprios
brancos se compraziam em aprender e falar crioulo, o que
levou um escritor anónimo a alertar o rei de Portugal, em
1784 dizendo que «Até mesmo os brancos são pouco civilizados, de sorte
que são bem raros os que sabem a língua portuguesa com perfeição, e só vão
seguindo o estilo da terra, que é uma corruptela tão rústica que se não pode
escrever» (Carreira, 1985:27).
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 Estamos no último quartel do século XVIII. A tentativa
deliberada de sufocar o crioulo caboverdiano começa
sobretudo no século XIX, estranhamente após a criação do
primeiro liceu em 1860 e o surgimento do Seminário Liceu
de S.Nicolau em 1866.
 Nessa altura, «os zelosos compatriotas», no dizer de Pedro
Cardoso, começaram a ver no crioulo um atentado contra a
unidade do Império português e que urgia impedir o
desenvolvimento e alastramento.
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 Várias vozes surgiram condenando o crioulo:
 «a língua que usam é um ridículo crioulo» (Pusich, princípio do séc. XIX);
 «… idioma o mais perverso, corrupto e imperfeito, sem gramática e que não
se pode escrever …» ( Chelmich e Varnhagen, 1841);
 «… gíria ridícula, composto monstruoso de antigo português e das línguas
da Guiné que aquele povo (o caboverdiano) tanto preza e mesmo os
branco se comprazem a imitar» (Lopes de Lima, 1841);
 Eles «animam este uso aprendendo o crioulo logo que chegam da Europa,
usando-o no trato doméstico e educando os seus filhos a falarem-no, quase
com exclusão do português» Continuando « … o crioulo não favorece a
ideia unitária do Império» ( Ferreira, 1973:130-131).
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 « O dialecto que fala os habitantes de S.Nicolau e que se chama crioulo, é uma
miscelânea de português antigo, de castelhano e francês, sem regras algumas de
gramática, nem se podem aplicar, o que torna a sua aprendizagem mais difícil
aos europeus, os quais não conseguindo bem falá-lo, ainda assim, em breve e
com facilidade o compreendem facilmente» ( Adolfo Coelho, 1886)
 « A língua deste gentio toda pela costa é uma: carece de três letras – scilicet ,
não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não
têm Fé, nem Lei, nem rei, e desta maneira vivem sem justiça e
desordenadamente» ( Gandalvo, s/d).
 Este discurso de negação ainda hoje existe. Já não se diz que o crioulo
quebra a unidade do império português, mas sim a unidade da Nação.
É curioso que o estatuto social do crioulo tem sido sempre superior ao
político, razão por que em Cabo Verde «a vida decorre sempre em
crioulo» e mesmo os brancos se acostumam facilmente ao «estilo da
terra».
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 Temos ainda que convir que a negação da crioulidade,
estranhamente, tem contribuído para a sua própria
promoção. Com efeito, numa altura em que se dizia que ele
devia ser proibido porque contribuía para quebrar a unidade
do império, tanto os negros, os mestiços como os próprios
brancos o privilegiavam na sua comunicação; o mesmo
deixou ainda de ser considerado como «estilo da terra» para
passar a ter o estatuto de dialecto. Até os anos 70 do século
XX era este o estatuto de que gozava. Com a Independência
de Cabo Verde, em 1975, as críticas não acabaram, mas o
estatuto evolui para língua nacional e materna.
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 Hoje, 37 anos depois da Independência, o português é língua
do poder, mas a língua que efectivamente reina é o crioulo. É
essa força do crioulo a razão por que em 1999 e em 2010 o
Parlamento caboverdiano analisou a proposta da sua
oficialização em paridade com o português. Tanto na primeira
como na segunda tentativa a proposta foi chumbada, mas os
defensores desta causa estão cada vez mais confiantes e tudo
leva a crer que a terceira tentativa vai ser a vez da
oficialização. Até porque o crioulo já ocupa espaços da
oficialidade no ensino, na arte, administração, na
comunicação social... O que falta é o reconhecimento
jurídico-constitucional.
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4. Discurso de afirmação do Crioulo
 Se é no século XIX que começou o discurso da negação do
crioulo caboverdiano, como atrás ficou demonstrado, é
também a partir desse século que o discurso de afirmação
começou a ser mais visível.
 A primeira tomada de posição mais consistente foi a de
António de Paula Brito que, em 1888, publicou
«Apontamento para a Gramática do Crioulo que se Fala em
Santiago de Cabo Verde».
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 O filólogo Francisco Adolfo Coelho, no prefácio desta obra,
categoricamente, diz: «O trabalho do sr. A. de Paula Brito …
[sendo] o
primeiro sobre o assunto, merece publicidade, porque contém muitos dados novos,
sobretudo porque tem por objecto o estudo especial do dialecto de Santiago, que o autor
fala desde a infância» (Coelho, 1888, p. 333).
 Outra tomada de posição significativa é a do Cónego António
Manuel da Costa Teixeira que em 1903 publicou uma cartilha
bilingue português-crioulo.
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 Por entre os defensores da afirmação do crioulo caboverdiano
temos também o professor e escritor Pedro Monteiro
Cardoso. O mesmo publicou em 1932 o seu livro Folclore
Caboverdiano. E defendeu por várias vezes a causa do crioulo
no jornal O Manduco. É o mesmo ainda que em 1933,
numa conferência pronunciada no teatro Virgínia Vitorino da
Praia, declarou. « … Todos aprendemos a língua estrangeira tendo por instrumento
a língua materna; saibam os professores de instrução primária servir-se do crioulo como
veículo para mais rápido e profícuo ensino das matérias do programa a cumprir,
principalmente do português».
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 Continuando, o professor da ilha do Fogo afirma: « … Em toda a
parte estudam-se e cultivam-se os dialectos regionais; só em CaboVerde é que aparecem uns
ilustres pedagogos a denunciar o crioulo como trambolho, e se a mais não se atrevem é porque
se podem levantar as pedras das calçadas».
 Outro paladino do crioulo é o poeta Eugénio Tavares. Em
1932 publicou Morna – Cantigas Crioulas. Insurgindo-se
contra os que na época diziam que o crioulo não tinha regras
nem gramática, o poeta da ilha da Brava escreveu em 1924,
no jornal O Manduco: «Desde que não seja possível negar que o Caboverdiano pensa; e que dispõe de palavras para dizer o seu pensamento; e que usa
de regras para a arrumação dessas palavras; e que, finalmente, tais palavras
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e regras constituem o resultado de uma colaboração de elementos associados na
colonização – fica admitida a utilidade do estudo dessas palavras e regras, como
elementos para o estudo da colonização. E se não me ilude a minha incompetência, esse
estudo é que constitui a gramática».
 Napoleão Fernandes é outra voz que advogou a causa do
crioulo através de uma obra iniciada em 1920, tendo levado
mais de vinte anos a escrever, a qual só veio a ser publicada
postumamente, em 1991, com o título de Léxico do Dialecto
Crioulo do Arquipélago de CaboVerde.
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 Em 1923, Elsie Parsons, de nacionalidade americana,
publica Folklore from the CapeVerde Island.
 A afirmação do crioulo prossegue na revista Claridade,
fundada em 1936, com a publicação de poemas e letras
do folclore caboverdiano.
 Em 1957, Baltasar Lopes publica O Dialecto Crioulo de
CaboVerde e mais tarde, em 1961, Dulce Almada dá à
estampa Contribuição do Dialecto Falado no seu Arquipélago,
ambas as obras de cunho gramatical.
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 A partir de 1960, uma plêiade de escritores e compositores,
como Kaberdiano Dambará, Ovídio Martins, Luís Romano,
Sérgio Fruzoni ... começou a escrever poemas e livros de
poemas em crioulo, inscrevendo-se claramente na linha da
defesa da nossa língua materna.
 Porém, é depois da Independência, ocorrida em 1975, que a
defesa da língua materna ganha maior fôlego. Em todos os
programas do Governo são inscritas acções de afirmação e
valorização do crioulo.
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 O primeiro Colóquio Internacional sobre a Problemática
da Língua e do Ensino do Crioulo acontece em 1979. É
desse fórum que surgiu a 2ª proposta de alfabeto para a
escrita do crioulo, tendo em conta que a primeira
proposta surgiu com A. de Paula Brito, em 1888.
 Escritores como Donaldo Macedo, Manuel Veiga, Tomé
Varela da Silva, Kaká Barboza, Henrique Lopes Mateus,
Eutrópio Lima da Cruz, Eduardo Cardoso, Horácio
Santos, Francico Fragoso…, na década de 80 e 90 do
século XX, divulgaram obras nos domínios da ficção, do
ensaio, do teatro e da poesia.
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 Ainda na década de 90 do século XX começaram a surgir
várias teses académicas de mestrado e doutoramento sobre o
crioulo de Cabo Verde de Marlyse Baptista, Nicolas Quint,
Manuel Veiga, Fernanda Pratas... Foram defendidas ainda
algumas dissertações de licenciatura no Instituto superior de
Educação.
 Foi ainda em 1998 que o Governo aprovou, a título
experimentar, o ALUPEC (Alfabeto Unificado para a Escrita
do Caboverdiano).
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 A partir de 2000 várias dissertações de mestrado e teses de
doutoramento sobre a problemática do crioulo caboverdiano,
foram defendidas em Universidades estrangeiras. É nessa
década que foram dadas à estampa vários trabalhos de autores
caboverdianos, como o José Luís Tavares, o Armindo Martins,
entre tantos outros. É nessa década ainda que o linguista
alemão Jürgen Lang publicou o Dicionário do Crioulo de
Santiago (2002), com 8.000 entradas,e Manuel Veiga, em
2011/2012, publicou também o Dicionário Bilingue
Caboverdiano–Português, com 16.000 entradas.
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 É ainda em 2005 que o Governo aprovou as Linhas
Estratégicas para a Afirmação da Língua Caboverdiana. E
cinco anos mais tarde, em 2010, o Governo institui o
ALUPEC como alfabeto caboverdiano.
 Seguidamente, em Novembro de 2010, a Universidade
de Cabo Verde cria o Mestrado em Crioulística e Língua
Caboverdiana.
 Se em Cabo Verde o ensino do crioulo, de forma não
sistemática, começou desde os anos 80 do século XX, há
experiências de ensino do crioulo nos EUA desde os
anos de 1970.
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 Essa experiência não se restringe apenas a Cabo Verde e aos EUA.
Também na Holanda e em Portugal há ou houve experiências do
ensino junto da nossa emigração.
 Apesar de todo esse caminho andado, ainda não se atingiu a
paridade desejada entre o português e o crioulo caboverdiano.
Com efeito, o primeiro continua sendo língua das situações
formais de comunicação e o segundo das situações informais.
Entretanto, hoje, o crioulo marca presença cada vez mais
significativa no ensino, na administração pública, na comunicação
social, no Parlamento ...
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 Aliás é essa dinâmica que levou o Parlamento, desde 1999, a
consagrar na Constituição da República (artº9. 2 e 3) que «O
Estado promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana,
em paridade com a língua portuguesa» (2); que «Todos os cidadão têm o dever de
conhecer as línguas oficiais e o direito de usá-las» (3).
 Não há dúvidas que o bilinguismo caboverdiano é um
projecto em construção. Ainda temos muito caminho para
andar, mas o rumo é irreversível e cada dia os passos são mais
significativos. Apesar de tudo, o crioulo precisa de conquistar
mais espaços de formalidade e o português mais espaços da
informalidade.
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5: Amor à nossa singularidade
Respeito pelas Riquezas da Humanidade
 A Nação caboverdiana pela história, pela vivência e pelo
projecto de vida foi, é e será sempre crioula. Uma
crioulidade que é ontológica, antropológica,
linguística... No começo, essa crioulidade nasceu do
confronto/reencontro entre o mundo lusitano e o
mundo africano. Hoje e sempre essa mesma crioulidade
é e será fruto de uma síntese crítica entre Cabo Verde e o
mundo, através dos caminhos da mobilidade social, da
intercomunicação, da emigração, do turismo, da ciência
e da cultura.
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 Assim como a humanidade não deve ter fronteiras, o mesmo se
pode dizer em relação à nossa crioulidade. Cabo Verde nasceu da
mestiçagem étnica e transcultural. Cabo Verde quer continuar a
afirmar-se na mestiçagem transétnica e transcultural. A
mestiçagem é o nosso destino, mas também o nosso projecto de
vida, sem racismo, sem etnocentrismo, sem diglossia, sem
glotofagia. A nossa crioulidade forja-se num diálogo crítico,
aberto, respeitador, tolerante. Nesse diálogo, amamos a nossa
singularidade e respeitamos, com espírito crítico, as riquezas do
mundo global.
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6. Projecção da Língua Cabverdiana para o Futuro
 O trajecto realizado até agora exige que se dê um novo salto.
Fundamentalmente, este salto deve estar ligado à massificação do
ensino da língua caboverdiana e da investigação a ela ligada, à
padronização de algumas variáveis, ao alargamento do espaço da
informalidade e, ainda, à oficialização da língua caboverdiana, em
paridade com o português, nos termos do artigo 9º.2 da
Constituição.
 Toda essa trajectória tem na massificação do ensino e da
investigação a chave de todo o segredo. Isto significa que o futuro
da língua caboverdiana, em grande medida, depende da estratégia
traçada para o seu ensino e para a investigação.
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 Porém, como ensinar a língua caboverdiana no contexto das
variantes e variedades existentes?
 O que eu penso, neste momento, sobre este assunto, está
plasmado na resposta que dei a um jornalista, sobre as seguintes
questões:
 1.“Qual ou quais [...] deve (m) ser a (s) variante (s) que deve (m) ser eleita
(s) como padrão? 2. [Quais] os principais argumentos científicos, históricos,
culturais e políticos para essa escolha. 3. Qual será o futuro possível das
outras variantes menos expressivas em termos de número de falantes? 4.
Quais poderão ser as implicações da padronização de uma, ou de um
número limitado de variantes para a diversidade cultural existente nas
diferentes ilhas?”
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Respondendo, digo:
 1. Em vez de se falar da escolha da variante padrão, penso
ser melhor falar-se de que estratégia para o enriquecimento
linguístico orientado e sistematizado do crioulo caboverdiano.
 Há que ter uma política linguística que dê oportunidade de
desenvolvimento e de afirmação a todas as variantes, e isto dentro
do espírito da valorização da diversidade cultural.
 Para que isto seja possível, é necessário a definição de uma
estratégia que tenha em conta não só a diversidade linguística, mas
também os aspectos práticos, metodológicos e económicos.
51
 Se não é aconselhável a imposição de uma única variante, nem tomar todas as
variantes e colocá-las num mesmo saco, julgo ser possível proceder-se da
seguinte maneira: Ver os eixos linguísticos existentes, em termos de
proximidade gramatical (no sentido estrutural, fonético-fonológico e morfosintáctico; ver esses mesmos eixos em termos de intercompreensão e
aceitabilidade linguísticas.
 Seria desejável a escolha de dois Eixos: O Eixo Norte, a partir de S. Vicente; e
o Eixo Sul, a partir de Santiago.
 A valorização do Eixo Norte seria em confluência com as outras variantes do
Norte do Arquipélago. A oportunidade de enriquecimento linguístico em
confluência dá-se em dois sentidos: no da variante de S. Vicente (a grande
confluência, com vocação supra-regional); e no de cada uma das variantes do
Norte, com imputs de S. Vicente (a pequena confluência, com vocação local).
52
 Na prática, em S. Vicente estuda-se a variante de S. Vicente e faz-se a
ponte possível com as riquezas e as particularidades específicas das
outras variantes do Norte. Em cada uma das outras ilhas do Norte,
estuda-se a respectiva variante e faz-se a ponte possível com as
riquezas e especificidades da variedade de S. Vicente, lá onde é
possível.
 Ao estudante, em S. Vicente, dá-se-lhe a competência na respectiva
variante e os conhecimentos básicos do funcionamento das outras
variantes do Norte. Se se entender que este procedimento é muito
complexo ou muito dispendioso, pode-se optar pela variante que para
os sanvicentinos tem mais potencialidades enriquecedoras, melhores
possibilidades de intercompreensão e maior dimensão em termos de
mercado linguístico (a de Santo Antão, por exemplo).
53
 A sociabilização das diferenças, a partir da competência adquirida,
pode ou não dar-se espontaneamente. No caso afirmativo,
paulatinamente consolidará uma expressão em S. Vicente muito
rica, e com vocação supra-regional, e em cada uma das outras ilhas
do Norte, expressões cada vez mais ricas, mas com vocação apenas
local. E isto não pontualmente, mas num processo que pode durar
vários anos.
 No Eixo Sul, a partir de Santiago, a estratégia se repete, nos
mesmos moldes, possuindo a expressão de Santiago vocação
supra–regional e, mesmo, nacional ( já que esteve na origem de
todas as outras). As restantes variantes, ao Sul, terão uma vocação
local.
54
 Com essa estratégia, cria-se oportunidade para se ter, a nível do
Norte e do Sul, duas expressões linguísticas muito fortes (à volta
de S. Vicente e de Santiago), e expressões mais ricas que as que
hoje existem em cada uma das ilhas do Arquipélago.
 O futuro poderá, eventualmente, dar conta da confluência
Norte/Sul. E isto devido à mobilidade social, através das ligações
aéreas e marítimas, da comunicação social, do ensino, da
investigação e da arte, do matrimónio entre pessoas de ilhas
diferentes e da globalização do mercado nacional. Esta mobilidade,
dizia, poderá ser responsável por essa confluência Norte/Sul. Se
ela se der, será bom e teremos uma expressão linguística muito
rica. Se não se der, não haverá nenhum drama, e teremos duas
expressões linguísticas fortes e expressões mais ricas em cada ilha.
55
 2. Porquê a escolha dos dois Eixos?:
 a) A variedade de S. Vicente é o resultado de uma unificação
56
linguística a partir de Fogo, S. Antão, S. Nicolau e Boavista. b) Em
todo o Norte há uma larga intercompreensão desta variedade e a
sua aceitação é pacífica, depois da respectiva variante local. A
variante de S. Vicente nasceu à volta do Porto Grande, mas ela é,
seguramente, um património das ilhas que estiveram na base do
seu surgimento.
 A unificação linguística que emergiu em S. Vicente e a
intercompreensão e aceitação da variedade emergente, em todo o
Norte do País, são três forças sociolinguísticas muito fortes e que
aconselham que o Eixo Norte, em confluência, tenha S. Vicente
por palco privilegiado.
 A escolha do Eixo Sul, à volta de Santiago, em confluência






57
com as outras variantes do Sul, tem por fundamentos:
A expressão de Santiago constitui a matriz de todas as
variantes.
Do ponto de vista estrutural é a mais autónoma.
Mais de metade dos locutores caboverdianos fala ou convive
diariamente com esta variedade.
Há uma larga intercompreensão a nível do Eixo Sul.
Possui um manancial de tradições culturais.
A sua autonomia redunda-se numa autenticidade e
originalidade muito grandes.
 Por ser uma variedade que não come vogais, em todos os
contextos (no início, no meio e no fim das palavras) faz com
que os compositores, mesmo os do Norte, tenham a
necessidade de a ela recorrerem muito frequentemente, creio
eu que para vincar a acentuação sonora, no final de sílabas, de
um trecho musical.
 É a variante que, até este momento, tem merecido maior
atenção de académicos estrangeiros e, mesmo a nível
nacional, está melhor estudada.
58
 3. A estratégia proposta dá oportunidade a todas a
variantes. Porém, uma coisa é certa: as variantes que mais
vão contribuir para o enriquecimento dos dois eixos e que,
também, vão ter mais possibilidade de enriquecimento
próprio, serão aquelas que forem: objecto de mais estudo
científico e de mais investigação, que tiverem mais
investigadores e mais professores formados; que for suporte
de mais produção cultural e literária; veículo mais usado na
comunicação social; objecto de mais tradução, de mais ensino
no básico e secundário, na respectiva ilha, mas também de
ensino superior no país.
59
 4. A pergunta 4, sobre quais as implicações da
padronização de uma variante, pela estratégia que
apresentamos, deixa de ter razão de ser. A proposta é
de dar oportunidade de desenvolvimento orientado a todas as
variantes, num contexto em que sobressaem duas variedades
supra-regionais. Por isso, a diversidade cultural e linguística
ficam salvaguardadas. Nenhuma variante fica de fora, mas a
importância da mesma e consequente contributo na
padronização das variantes supra-regionais vai depender do
investimento local de que ela for objecto.
60
 Devo dizer que a estratégia proposta não é para ser
materializada a curto prazo. É uma estratégia que começa
com o primeiro passo (fazer o que de facto podemos fazer
em cada momento) e que, progressivamente dará os outros
passos a médio e longo prazos. A sabedoria popular diz que “é
caminhando que se aprende a caminhar”. O que certamente
não é uma boa estratégia é ficar parado à espera que todas as
condições se reúnam.
 Eis, em poucas palavras [a trajectória histórica da língua
caboverdiana, os altos e baixos no seu processo de afirmação
e] a visão estratégica para um desenvolvimento futuro
harmonioso, científico e inclusivo da Língua Caboverdiana.
61
bibliografia
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Escravocrata, Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, p. 22 e segs; p. 287.
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62
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63
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cit. p 29.
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Pedro CARDOSO, 1932 – Folclore Caboverdeano, reeditado em 1983,
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Pero Magalhães GANDALVO, Tratado da Terra do Brasil, p. 49, citação de
Manuel Ferreira, op. cit. p. (?)
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2013
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