6. O português na África. Os crioulos africanos
1. Do descobrimento à independência
1.1.
Descobrimento e colonização
a) Processo de expansão portuguesa:
 Inicia-se em 1415 com a toma de Ceuta
 Na segunda metade do século XV descobrem-se o que depois seriam
as colónias portuguesas na África: Guiné – Bissau, Cabo Verde, São
Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique.
 No século XVI Portugal já tinha colónias e praças en toda a costa
africana e no Brasil.
 Termina com a Revolução dos Cravos e a independência das últimas
colónias.
b) Prioridades das colónias. Já que Portugal era um país muito pequeno para
se ocupar de todos os territórios que possuía estabelece uma ordem de
prioridades:
 Primeiro estava Ásia, chamada Índia pelo portugueses da época.
 Em segundo lugar o Brasil.
 Em terceiro lugar África.
c) Século XVII: a Índia é tomada por holandeses e ingleses e Portugal vê
reduzidos os seus territórios em Ásia, pelo que volve a sua mirada para
América.
d) Século XVIII: interesse pelo Brasil.
e) Século XIX:
 Independência do Brasil (1822), pelo que Portugal fixará a sua atenção
na África. É neste momento quando começa a colonização na África.
 O imperialismo europeu apodera-se da África e para chegar a um
acordo no reparto dos territórios celebra-se em 1885 a Conferência de
Berlim1.
 Portugal intenta penetrar em Angola perseguindo o ideal de unir
Angola e Moçambique (o mapa cor – de – rosa) mas isto ia contra os
interesses da primeira potência do momento, Inglaterra, que pretendia
unir O Cairo e Cidade do Cabo. Os ingleses exigem-lhe a Portugal que
não ocupassem os territórios que eles pretendiam sob ameaça de guerra
(ultimato inglês) e Portugal cede2.
f) Em 1930 começa a autêntica colonização que se desenvolverá até a
independência das colónias. Assim, com o Acto Colonial as colónias passam
a chamar-se províncias ultramarinas. Portugal toma as seguintes medidas
na África:
 Cria-se uma rede de ensino secundário em português que difunde os
valores do fascismo.
 Faz-se um grande esforço repovoador (entre 1930 e 1950 vão 50.000
colonos para Moçambique; entre 1950 e 1975 20.000 mais e muitos
mais para Angola, a colónia mais importante de Portugal na África).
1
Acorda-se que os direitos dos países europeus sobre os territórios africanos seriam-lhes reconhecidos
aos que tenham um domínio efectivo do território, não aos que tiveram chegado antes. Assim, todos os
países intentam aumentar a sua presença na África.
2
Isto provoca em Portugal um grande descontento popular que favorecera a aparição da república em
1910. Depois da monarquia haveria anos de instabilidade, pelo que em 1926 o exército assume o poder
e Salazar, professor da Universidade de Coimbra, ganha prestigio pela sua política laboral (era Ministro
das Finanças) até se tornar o homem mais forte do estado em 1932 (mais info).
1
6. O português na África. Os crioulos africanos
1.2.
Independência das colónias
Em 1961 começa a guerra de guerrilhas em Luanda e os movimentos
independentistas estendem-se a todas as colónias continentais. Só se reconhece que a
guerrinha derrotou ao exército português em Guiné – Bissau, o que lhe causou a
Portugal um grande desgaste económico e humano.
Isto e a oposição ao regime de Salazar (já falecido, representado então
por Marcelo Caetano) fez que em 1974 se produzisse a Revolução dos Cravos e ao
ano seguinte se lhes concede-se a independência às colónias africanas.
O processo de independência desenvolveu-se da seguinte forma em cada
um dos países africanos:
Guiné – Bissau
Data de chegada
dos portugueses
Começo do
processo de
independência
Data da
independência
Organizações
que levaram a
cabo a
independência
Líderes
independentista
s
São Tomé e
Príncipe
Cabo Verde
1446
1457, mas a sua
colonização
efectiva começa em
1962
1973, as guerrilhas
já controlavam
algumas zonas
1973
1974
1974
PAIGC (Partido
Africano de
Independência
Guiné e Cabo)3
Amílcar Cabral,
asassinado pela
PIPE antes de
conseguir a
independência
PAIGC (Partido
Africano de
Independência
Guiné e Cabo)
Angola
Moçambique
1470
Diogo Cao chega
em 1483
Vasco da Gama
chega em 1498
1975
1975
1975
MPLA (Movimento
Popular de
Libertação de
Angola): movimento
vencedor e de
inspiração marxista
FRELIMO (Frente
para a Libertação
de Moçambique)
UNITA (Unidade
Total de Angola):
inspiração
estadounidense
RENAMO
(Resistência
Nacional
Moçambicana)
FNLA (Frente
Nacional para a
Libertação de
Angola): situado ao
norte e pronto
fastado do
movimento
independentista
Entre as duas
organizações
produz-se uma
guerra civil que
termina em 1990/
1991
MLSTP
(Movimento de
Libertação São
Tomé e Príncipe)
Agostinho Neto
(MPLA), poeta e
primeiro presidente
Amílcar Cabral
Jonás Savimbi
(UNITA)
Samora Machel
(FRELIMO),
primeiro presidente
Holden Roberto
(FNLA)
Desde 1991 todos estes países renunciam ao marxismo e convocam
eleições livres, de modo que os partidos antes marxistas se tornam social –
democratas.
3
Guiné – Bissau e Cabo Verde organizam o movimento de independência conjuntamente, formando
um estado comum em 1975. Em 1981 separaram-se dando lugar aos dois estados actuais.
2
6. O português na África. Os crioulos africanos
2. Dados de extensão e população
País
Guiné – Bissau
Cabo Verde
São Tomé e Príncipe
Angola
Moçambique
Extensão
36.125 km²
4.003 km²
914 km²
1.246.700 km²
799.380 km²
População
1.000.000 h
350.000 h
125.000 h
15.000.000 h
15.500.000 h
3. O contacto linguístico luso – africano
No século XV produzem-se os primeiros contactos do homem europeu
com o africano. Os portugueses levavam línguas4 que lhes foram úteis até
Mauritânia, já que a partir de ali falavam-se outras línguas e, para surpresa dos
portugueses, não se acabava o mundo.
Foi em Cabinda onde possivelmente se produziram os primeiros
contactos com os falantes destas línguas africanas que os portugueses não
compreendiam. Seguramente os primeiros contactos foram miméticos e, para
solucionar este problema, os portugueses:
a) Deixaram voluntários forçosos na África para que aprendessem as línguas
autóctones.
b) Levaram africanos a Portugal, criando escolas para africanos (até houve
algum professor africano).
4. Crioulos africanos de origem portuguesa
Crioulos da Alta Guiné
1 Cabo Verde
2 Casamansa (Senegal)
3 Guiné-Bissau
Crioulos do Golfo da Guiné
4 Príncipe
5 S. Tomé (Santomense e Angolar)
6 Ano Bom
Tirado de http://www.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/geografia/mapa03.html
4
Intérpretes que saviam latim, grego antigo e árabe.
3
6. O português na África. Os crioulos africanos
Até o século XIX não há colonização e tampouco imposição da língua,
mentes isto não sucede não podemos falar da existência de crioulos.
4.1.
Que é um crioulo e como se origina?
Um crioulo considera-se a evolução dum pidgin ou língua de
comunicação mínima entre falantes de várias línguas, geralmente para relações de
comerciais (pidgin de bussines). Um pidgin está pouco gramaticaliçado e não é
língua primeira nem natural de nenhum grupo humano.
Quando um pidgin se assenta num grupo humano e se volve a sua única
forma de comunicação converte-se num crioulo e adquire uma nova complexidade
depois dum processo de:
a) Relexificação (geralmente com o léxico da língua dominante).
b) Regramaticalização (geralmente da língua autóctone).
Há várias teorías sobre a origem dos crioulos:
a) Doutrina baby – talk: o europeu simplifica a sua língua para ser entendido e
ensina-la.
b) Teoria poligenética: cada crioulo tem a sua própria origem e história.
c) Teoria monogenética: todos os crioulos do mundo têm a sua origem num
pidgin ou proto – crioulo formado nas costas da África na segunda metade do
século XV. Este pidgin, estendido pelos escravos, seria relexificado com
elementos ingleses, espanhóis... A teoria monogenética explica que, por
exemplo, nas Antilhas se fale um crioulo com elementos portugueses sem que
estes chegaram nunca a estas ilhas (esta é uma teoria sugestiva).
4.2.
Situação linguística das antigas colónias portuguesas
português
+
crioulo (s)
Cabo Verde
São Tomé e Príncipe5
Guiné - Bissau
Angola
português
+
Moçambique
línguas autóctones Guiné - Bissau
Por causa da política linguística levada a cabo por Portugal em África a
língua portuguesa não é única em nenhum lugar do continente, mentes que no
Brasil é quase a única língua. Isto é assim porque a colonização fez-se muito tarde
(segunda metade do século XIX).
A pesar disto os movimentos independentistas usaram sempre o
português como a língua da unidade e, depois da independência foi língua oficial
em todos os países (PALOPs), considerando os crioulos e línguas autóctones como
línguas nacionais. As rações para escolher o português como língua oficial foram:
a) Rações pragmáticas: o português era mais ou menos conhecido pelas nações
do espaço africano. Ademais os actuais estados africanos são consequência
da colonização europeia já que não existem fronteiras étnicas ou linguísticas,
de modo que se em Angola fosse oficial uma das línguas autóctones (sem
gramaticalizar) não haveria inteligibilidade entre todos os seus habitantes, mas
todos conhecem o português. O português também era a língua da
administração e do ensino (usou-se em a luta contra o analfabetismo depois
da independência) e estava muito mais interiorizado e africanizado que
outras línguas europeias.
5
Neste país convivem o crioulo são – tomense ( em São Tomé), o principense e o angolar ( Príncipe).
4
6. O português na África. Os crioulos africanos
b) A maioria dos líderes independentistas eram universitários formados em
Lisboa e em português (Casa dos estudantes do Império), ainda que não
todos, como é o caso dos líderes de Moçambique.
c) A língua portuguesa permitiu que os movimentos independentistas
estivessem coordenados entre eles.
d) A língua portuguesa era uma língua internacional e de cultura. De facto,
nestes países dá-se uma importante literatura em português6, especialmente
em Angola e Moçambique.
4.3.
O crioulo cabo – verdiano
Actualmente a Crioulística é um dos ramos mais estudados da
Linguística Geral (interesse pelo contacto entre línguas) e é o crioulo de Cabo
Verde o que mais interesse esperta no mundo (há ums 200 crioulos). É um crioulo
com literatura própria e os esforços levados a cabo na sua defensa são muito
parecidos aos que se fazem na defensa do galego, embora a origem do problema seja
diferente (Galiza foi colonizada pelos castelhanos, mas os cabo – verdianos têm o
português como língua oficial porque assim o desejam).
No crioulo cabo – verdiano predomina o léxico europeu e a gramática
africana, ademais é o que mais se parece ao português seguido pelo são – tomense.
O angolar, por exemplo, é quase ininteligível para um português já que quase não
possui léxico português.
O sociolinguista cabo – verdiano e Ministro de educação MANUEL
VEIGA defende um bilinguismo harmónico baseado considerando o crioulo e o
português do seguinte modo:
Português  espaço aberto
Crioulo  espaço identitário
4.3.1.
Origens
Cabo Verde era um arquipélago despovoado ao que chegaram escravos
africanos, comerciantes genoveses e alguns colonos portugueses que precisaram
dum código mínimo para entenderem-se. Assim foi como nasceu o pidgin que se
volveria proto – crioulo e depois crioulo.
Século XV
Século XVI
Século XVII
Século XVIII
Século XIX
Pidgin
Protocrioulo
Crioulo
Crioulo já usado pelos portugueses residentes nas ilhas
Aumenta a presença de portugueses e também um sentimento despeitoso respeito
do crioulo, do que se diz que carece de F, L e R ( fe, lei e rei)
A pesar desta atitude negativa a respeito do crioulo no século XIX
aparecem os primeiros estudos de Crioulística de autores como FRANCISCO
ADOLFO COELHO.
No século XX publicam-se estudos sobre o crioulo de autores cabo –
verdianos, especialmente depois da independência (1975) como é o caso de
MANUEL VEIGA ou ANTÓNIO CARREIRA.
6
Destacam o angolano Pepetela (pseudónimo em quimbundo, o seu nome é Artur Carlos Maurício
Pestana dos Santos) que defende o português na sua obra Mayombe. O mesmo Amílcar Cabral diz: “o
português é o único útil que os tugas nos deixaram” (os guerrilheiros chamam-lhes tugas aos
portugueses).
5
6. O português na África. Os crioulos africanos
Houve e há problemas ortográficos e para soluciona-los há diferentes
propostas:
a) Escrita etimológica, baseada na do português.
b) Escrita fonética.
c) ALUPEC (Alfabeto Unificado Para a Escrita do Cabo – verdiano), uma
proposta mista.
4.3.2.
Variedades
Cabo Verte está composto por nove ilhas, as do norte são as de
Barlavento (São Antão, São Vicente, São Nicolau, Sal e Boavista) e as do sul as de
Sotavento (Brava, Fogo, Santiago e Maio). Na ilha de Santiago acha-se a capital,
Praia (200.000 habitantes), e ademais nesta ilha está a metade da população das ilhas.
Duas terceiras partes dos cabo – verdianos vivem fora das ilhas (Estados Unidos,
Canadá, Galiza...) mas conservam a sua cultura.
Há dois dialectos:
a) O de Barlavento: tem mais elementos portugueses já que são umas ilhas mais
europeias porque foram colonizadas nos século XVII e XVIII. Este crioulo
denomina-se crioulo leve ou levinho, o da cidade.
b) O de Sotavento: tem menos elementos portugueses porque foi colonizada
antes, no século XV. O crioulo das ilhas de Sotavento é o crioulo fundo ou
cerrado, o rural.
A proposta de variedade padrão (que tem apoio político) assenta-se no
crioulo fundo ou cerrado das ilhas de Sotavento.
Apesar de tudo dá-se uma situação diglósica, já que o crioulo é a língua
que se emprega de modo informal e português é a língua dos usos formais. O crioulo
6
6. O português na África. Os crioulos africanos
só se usa no ensino primário e vai-se introduzindo pouco a pouco no secundário e
universitário (busca-se o bilinguismo harmónico e até que seja co-oficial com o
português).
Ainda que se conseguisse a co-oficialidade o crioulo correria o risco de
desaparecer (como sucedeu com os crioulos do Brasil e possivelmente também com
os de Angola) já que tem cada vez mais elementos portugueses (neologismos) e há
falantes das ilhas de Barlavento que não são conscientes de se falam crioulo ou
português.
4.3.3.
-
Características do crioulo cabo – verdiano
Possui a terminação –on (não –ão).
São betacistas, não distinguem entre v e b.
Ninguém não ditonga como em Portugal ([ei]).
Possui o fono africado
igual que em galego e representam-no na
escrita (ch).
Desconhecimento das sibilantes, ainda que isto não é um fenómeno
generalizado.
Não há artigo definido, mas sim o indefinido sem variação de género
(um, uns).
Os substantivos não têm variação de género nem de número, para
indica-los usam determinantes ou macho/ fêmea no caso do género.
O verbo nunca varia, pelo que usam pronomes, prefixos e sufixos. Há
restos léxicos de cinco conjugações atendendo à vogal final:
-a
-e
-i
Kanta
Perde
Sinti
Po
(pôr e compostos)
Jungu
(verbos de origem
africana)
-o
-u
-
4.4.
Acentuação diferente em Barlavento e em Sotavento:
o Barlavento: formas verbais sempre agudas (procedentes
possivelmente do infinitivo português).
o Sotavento: formas verbais sempre graves (da terceira pessoa
do singular).
Português, crioulo e línguas autóctones na Guiné – Bissau
a) Crioulo: guineense, compreendido por todos os guineenses (não ocorre o
mesmo com o português)
b) Línguas autóctones: balanta, fula, mandinga (a mais importante), manjaca,
mancanha...
Na Guiné – Bissau também há presença francesa (está no meio de
antigas colónias francesas) e o Estado Francês investe muito em difundir a sua língua.
7
6. O português na África. Os crioulos africanos
4.5.
Português e crioulos em São Tomé e Príncipe
Há três crioulos: são – tomense, principense e angolar. Este último,
falado na Ilha de São Tomé, é o mais distante do português. Não há, como no caso
de Cabo Verde, um movimento a favor dos crioulos.
5. O estatuto do português nos PALOPs. Características gerais7
O português foi língua oficial durante o processo de independência
de pelas rações que explicamos no ponto 4.2.
A língua portuguesa fiz um percurso de língua colonial a língua
materna, especialmente nos países continentais, já que foi livremente aceitada e
escolhida. Ademais após da independência perde as características negativas de
língua impostas e africaníza-se (bautização).
As rações que levaram a escolher o português como língua oficial são:
a) Não é tribal, religiosa ou étnica, é dizer, não é de ninguém e é de todos, de
modo que ajuda a criar consciência de identidade nacional.
b) Todos os estados africanos têm como um objectivo primordial combater o
analfabetismo e usam para isso o português. Alfredo Margarido disse que em
15 anos fizeram mais pelo português na África que os portugueses em 500.
c) O português começa a ser língua materna dalguns sectores de população.
6. Português e línguas autóctones em Angola: umbundo,
quimbundo, quicongo, cokwe, ngangela...
7. Português e línguas autóctones em Moçambique: tsonga (ronga e
tonga), chona, macua, chissena/sena, suahili/suaili (não há
inteligibilidade entre elas)
8. Marcas tendenciais do português africano (sobretudo angolano e
moçambicano)
7
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8
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