Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
EAD
Pedagogia
LUDICIDADE E EDUCAÇÃO

“O jogo, conseqüentemente, é o
lugar
onde
o homem é mais
completo. Sendo assim, podemos
reconhecer a grandeza propriamente
humana de uma civilização, que
compreende, é claro, sua relação
com o belo, pelos tipos de jogos que
ela aprecia e pratica”.

Colas Duflo
 Jogar e compreender: o
jogo e suas implicações na
aprendizagem escolar

Numa breve definição podemos dizer que a
palavra jogo refere-se àquele tipo de
movimento que pode terminar em vitória
ou derrota. É uma atividade livre,
permeada essencialmente pela busca do
prazer.

No espaço de intervenção pedagógica,
o ato de jogar adquire uma importância
extraordinária,
proporcionando
ao
sujeito envolvido aprofundar seu
processo de aprendizagem ou resgatar
possíveis fraturas.

Como um recurso de investigação o jogo é
constantemente abarcado pelas técnicas
expressivas, fundamentado nos princípios
de associação livre (Freud, in: Affonso,
1998). Fica, assim, o sujeito livre para dar
dimensão às suas expressões nas mais
diferentes formas (Anzieu, in: Affonso,
1998, p.25).

Sem dúvida a intervenção pedagógica
quando trabalhada na perspectiva dos
jogos, é auxiliada por uma importante
ferramenta de elaboração dramática que
reúne corpo, organismo, inteligência e
desejo. É neste campo que poderemos
perceber conflitos, ansiedades, defesas,
medos e baixa tolerância à frustração.
Segundo Lino de Macedo (1998),
“ para uma criança, a vida é ainda mais frágil e
complexa que para um adulto. Assim sendo
o esforço adaptativo se resume a uma
necessidade vital que a criança tem, e lhe é
solicitada pela sociedade, que consiste em
aprender para poder sobreviver. Durante esse
processo, a criança utiliza jogos e
brincadeiras, não importando a estrutura de
ambos. Estes são uma espécie de folga no
esforço adaptativo.”


Assim, podemos entender que a construção de
um saber se passa num momento de folga, ou
seja, em um tempo e um espaço adequado para
pensar. O uso de uma atividade lúdica, do jogo
mais especificamente, sugere que o problema
colocado diante do sujeito da intervenção
pedagógica, oportunize hipóteses que serão
levantadas diante das reações provocadas pelo
diálogo entre criança e o professor. (Macedo, in:
Affonso, 1998, p. 29)

Piaget propõe grandes categorias de organização
lúdicas sucessivamente construídas e elaboradas.
Segundo Macedo (2006), “a novidade da
proposta de Piaget é valorizar algumas das
características dos jogos (...), ordenando-as em
uma perspectiva estruturalista e genética.
Estruturalista, porque, diferente do modo usual
de classificação dos jogos (por seus conteúdos,
objetivos,...), Piaget propõe quatro formas de
classificação dos jogos e os aspectos importantes
de cada uma delas.

Genética, porque o que estrutura as
categorias
expressa
estágios
de
desenvolvimento do jogo nas crianças,
culminando com o modo pelo qual ele será
predominante nos adultos (lúdico, simbólico,
regrado e construtivo), ao menos para
aqueles que, quando crianças, não foram
prejudicados por doença ou por falta de
oportunidades para exercícios lúdicos”.(p.20)

Piaget (1971), em A formação do símbolo na
criança: imagem, jogo e sonho, imagem e
representação, considera que os jogos podem
ser estruturados partindo de três formas de
assimilação: exercício, símbolo e regra.
O jogo de exercício


“Se o ato de inteligência culmina num equilíbrio
entre assimilação e a acomodação, enquanto
que a imitação prolonga a última por si mesma,
poder-se-á dizer, inversamente,que o jogo é
essencialmente assimilação, ou assimilação
predominando sobre a acomodação”.
Piaget, in Macedo,2006, p.21

A primeira estrutura – o exercício funcional é o
que organiza a primeira grande classe de jogos.
Segundo Macedo (2006), por intermédio dele,
em seus dois primeiros anos de vida, a criança
pode repetir os esquemas de ação em
constituição, em atividades que lhe requisitem
levantar, pegar, olhar desmontar, esconder e
descobrir pelo próprio prazer de fazê-lo, isto é
pelo prazer funcional, sem outra finalidade,
somente pelo prazer de fazer de novo. (p.21)

Macedo distingue uma criança que repete, isto
é, usa o esquema de ação como instrumento
para um outro fim, como quando usa a
mamadeira para se alimentar e, em outra
situação, quando utiliza o mesmo esquema
sem outra função que não sua própria
repetição, como no momento em que suga
pelo prazer de sugar.

Os jogos de exercício são construídos nos
dois primeiros anos de vida e também se
manifestam ao longo da vida adulta. Por
exemplo, ouvir uma determinada música
muitas vezes pelo simples prazer de ouvir,
realizar
palavras
cruzadas,
olhar
um
equipamento novo por horas a fio. Assim,
caracterizamos o jogo de exercício a partir do
fazer pelo fazer, instalando-se, desta forma, o
prazer funcional que possibilitará ao sujeito
poder realizar uma atividade sem valor
instrumental. Nesta fase, a criança herda o
prazer funcional, o que poderá no futuro
significar a sua atividade de trabalho como uma
fonte de prazer, não um sacrifício.



Nos jogos de exercício, a forma de assimilação é
funcional ou repetitiva, ou seja, caracteriza-se pelo prazer
da função, o que demanda a formação de hábitos nas
crianças no primeiro ano de vida, bem como na
qualidade
de
seus
esquemas
sensório-motores
(esquemas de ação) como conseqüência das repetições.
Esses esquemas são primordiais e serão as bases
para futuras categorias e operações mentais.
A assimilação funcional ou o prazer de algo que se
tornou parte de um sistema e que por isso pede a
repetição, caracteriza o aspecto lúdico dos esquemas de
ação.
Por exemplo, aprender a ler significa ter a leitura como
parte, inevitável, do sistema de interação; a criança que
ao sair com os pais e encontra-se em processo de
alfabetização, lê todas as placas e painéis.
O Jogo simbólico

“O jogo da imaginação constitui uma
transposição simbólica que sujeita as coisas
à atividade do indivíduo, sem regras nem
limitações. Logo, é assimilação quase pura,
quer dizer, pensamento orientado pela
preocupação
dominante
da
satisfação
individual. Simples expansão de tendências,
assimila livremente todas as coisas e todas
as coisas ao eu. ”
Piaget, in Macedo, 2006, p.23

O símbolo é o que organiza a segunda grande
categoria de jogos. Os jogos simbólicos, que se
instalam a partir dos dois anos de idade e se
identificam por um artifício, isto é, pela
possibilidade de substituir o real pelo que é
descoberto ou inventado (a possibilidade que o
sujeito possui de reportar-se a pessoas, situações
e objetos por meio de símbolos, gestos, jogos de
simulação).

Os jogos simbólicos caracterizam-se pelas
brincadeiras de faz-de-conta, pelos desenhos e
histórias infantis, por simulações ou fingimentos.
Assim, o real, enquanto conteúdo, subordina-se à
dimensão imaginária ou simbólica de seus
construtores. (Macedo, 2006, p.22) A criança

altera a realidade de acordo com sua própria
vontade. Com isso, revive momentos bons e ruins
através da imaginação.
Aqui a criança pode herdar, numa perspectiva
cognitiva, a possibilidade de experimentar papéis,
dramatizar, recriar situações com a clara intenção
de melhor compreendê-las.

Para Piaget, os jogos simbólicos caracterizam-se
pela assimilação deformante.
Deformante
porque nessa situação a realidade é assimilada
da forma que o sujeito deseja. Assim, a criança
abre a possibilidade de compreender as
brincadeiras,
afetiva
ou
cognitivamente,
fantasiando, isto é, acomodando a seu modo os
temas presentes nestas fantasias, favorecendo
com isso, sua adaptação a um mundo complexo,
no caso a escola, os novos hábitos, a
alimentação, bem como exercitando a submissão
às regras de funcionamento de sua casa ou de
sua escola.

Agir como mãe, em brincadeiras de bonecas,
significa repetir por analogia o que sua mãe
tantas vezes fez com ela em seu primeiro ano de
vida. É aplicar como conteúdo nesse momento,
as formas dos esquemas de ação que assimilou
em seus jogos de exercício.
O Jogo de regras


Com a socialização da criança, o jogo adota regras
ou adapta cada vez mais a imaginação simbólica
aos dados da realidade, sob a forma de
construções ainda espontâneas, mas imitando o
real; sob essas duas formas, o símbolo de
assimilação individual cede assim o passo quer à
regar coletiva, quer ao símbolo representativo ou
objetivo, quer aos dois mundos”.
Piaget, in Macedo, 2006, p.23


No jogo de regras, que estrutura a terceira grande
categoria de jogos, aparece a inserção do mudo
social e cultural. As regras representam o limite, o
pode-não-pode que regula a convivência entre as
pessoas. Por meio dessa estrutura de jogo, o
sujeito pode construir, inventar normas para suas
brincadeiras, descobrindo e conhecendo a si
mesmo e ao outro.
Através dos jogos, do sentido das regras e como
as mesmas são inventadas ou retomadas e, em
que condições, Piaget observou aquilo que as
crianças organizavam entre si, isto é, uma moral
de autonomia em que a cooperação e respeito
mútuo são fundamentais.


Ao jogar, o sujeito estabelece limites, regula o
comportamento. Sem regra não há trabalho e
sem trabalho não há regras. As regras são
necessárias para que haja solidariedade e
compartilhamento.
Na perspectiva do jogo de regras, é a vida social,
a subordinação às leis da cultura e da sociedade
que o sujeito joga para subordinar ou
transformar, para aceitar ou negar. Aqui, são
usadas as estruturas dos jogos anteriores. É a
repetição como forma de intercâmbio e a
convenção como pacto.



O original é que no jogo de regras o caráter é
coletivo, isto é, só se pode jogar em função da
jogada do outro.
É um jogo de significados porque para ganhar
o jogador tem de competir, compreender melhor,
antecipar, ser mais rápido, coordenar situações,
observar condutas, ter estratégias.
Aqui o desafio é superar a si mesmo e ao
outro.
O jogo de construção


Por último, segundo Macedo (2006), Piaget
acrescenta uma quarta categoria denominada
jogos de construção, que, na verdade, se
situa entre os jogos simbólicos e os jogos
de regras.
Nos jogos de construção, que caracterizamse por uma atividade lúdica e simbólica em
que o desafio aceito ou auto-imposto pelo
jogador é realizar, por exemplo, uma montagem
ou arranjo de peças segundo certa referência,
modelo ou intenção ( Macedo, 2006, p.24),
surge a possibilidade de reconstruir o real.

Quando
jogamos
nesta
perspectiva,
oportunizamos a permissão para criar, para a livre
construção. Aqui o que regula ação do sujeito, é
construir algo na direção do que foi planejado ou
querido, é fazer progressos intencionais na
direção daquilo que se pretende alcançar ( mover
peças que desarmem o adversário, transportar
seguindo certas regras,etc.)

Aqui o sujeito trabalha a imaginação criativa, a
vivência antecipada do real, por meio do desenho,
do faz-de-conta, do ser grande ou do ser
pequeno.
A IMPORTÂNCIA DO JOGO
NO TRABALHO
EDUCACIONAL

Na educação, o jogo pode significar para o sujeito
uma experiência de real importância: a de entrar
no mundo do conhecimento, de construir
respostas por meio de um trabalho que
integre o lúdico, o simbólico e o operatório,
muitas vezes sem dar-se conta. É um espaço
e um tempo para pensar, é um ócio digno.

Esta intervenção aponta para o sujeito que
conhecer é um jogo de investigação, onde
se ganha e se perde, sofre, chora,
comemora, ri, ama, se tem uma segunda
chance. É o processo natural para inserção
no mundo do trabalho. Assim, a
aprendizagem é tratada de forma mais
digna, filosófica e espiritual. Destacamos
abaixo
algumas
possibilidades
de
intervenção pedagógica, no uso dos jogos.
Jogos de exercício e jogos
simbólicos


Ainda que em outro nível também estas estruturas
(de exercício e simbólica) estão presentes no jogo
de regras e de construção, quando, por exemplo,
o sujeito faz uma boa jogada e procura repetí-la
pelo simples prazer funcional, ou na presença da
fantasia e da imaginação.
É a base para o jogo dramático, para o jogo
corporal.
Jogos de Regra

Aqui é muito difícil uma jogada ser igual a
anterior, tendo em vista as relações sociais
desencadeadas nos indivíduos. As relações
espaciais entre peças e tabuleiros estão presentes
em todos os momentos do jogo. Essa presença,
no caso do tabuleiro, se expressa por seus limites
(espaço demarcado), que simulam ruas de uma
cidade ou campo de semeadura; e no caso das
peças, se expressa por suas posições e
deslocamentos.(Macedo, 2006)



Na matemática, a possibilidade da criança
construir relações quantitativas ou lógicas,
desenvolver seu raciocínio e utilizá-lo a seu favor,
questionar o como e o porquê dos erros e dos
acertos.
Nas ciências, a construção de um sistema de
pesquisa, a observação, o trabalho de hipótese
(uma manifestação própria do jogo de regras), a
testagem, o medir riscos, o produzir conhecimento.
Na linguagem, a estrutura de códigos que o
próprio jogo apresenta é tal qual a estrutura léxica
(repertório) da língua. A interpretação, as decisões,
a defesa, o ataque, o blefe, a ordem lógica das
jogadas. É produzir um texto, dar sentido aos
diferentes momentos de uma partida ou
aprendizagem. Produzindo a sintaxe (estrutura),
estará o sujeito ordenando logicamente as
jogadas.
Jogo de Construção:


Ao contrário das regras a ênfase é dada ao
processo. É a vivência cultural e familiar de papéis,
em que por meio de brincadeiras e representações,
conteúdos importantes para o sujeito podem ser
reconstruídos. É o processo e o resultado ao qual
se chegou. Exercício e simbólico estão juntos nesse
processo.
Na construção de textos, o professor junto com o
sujeito cria uma história que depois, de forma
desafiadora,
deverá ser narrada, interpretada,
reconstruída.

Já na matemática o trabalho com a superação de
dificuldades que surgem no contexto do jogo
sem
limitações
ou
regras.
Trazer
problematizações.

Nas relações afetivas a possibilidade de
conversar, de elaborar, envolver-se com o outro a
partir de um contexto mais livre, solto.

A possibilidade infinita da criação plástica.
OS JOGOS E SUAS
ESTRUTURAS

JOGO

ESTRUTURA

VARETA

EXERCÍCIO

TIRA A TAÇA

FAMÍLIA
LEGO

SIMBÓLICO

REGRAS





CARA A CARA
COMBATE
YAM
DAMA







Jogo onde as combinações são infinitas;
Construção de relações de organização espaciais
topológicas, euclidianas e projetivas;
Construção de jogadas que evitem contradições;
Construção de estratégias;
Limites;
Estratégia matemática;
Lógica da ação (movimentos imediatos) e da
antecipação (movimentos futuros em relação a sua
jogada e de seu adversário);








Espaço unidimensional e bidimensional;
Possibilidade de perder-ganhar, competir, admirar o
adversário e aprender com suas jogadas;
Respeito;
Aprender com o outro;
Controle motor;
Atenção, concentração;
Sublimação e instrumentação da agressão (próprio
de um jogo de competição);
Preparação para o pensamento hipotético-dedutivo.
DOMINÓ








Permite uma exploração muito grande
(contar, empilhar, par, ímpar...);
Memória;
Classificação;
Seriação;
Antecipação;
Lógica;
Argumentação com conceitos operatórios e
hipotéticos;
Correspondência termo a termo.
SENHA:
Interpretação;
 Classificação;
 Construção e verificação de hipóteses;
 Habilidade e percepção de cores;
 Lógica.

BATALHA NAVAL







Coordenação viso-motora;
Organização espacial;
Lateralidade;
Classificação por atributos;
Estratégia;
Lógica;
Antecipação em relação ao seu jogo e de seu
adversário.
CARA A CARA
Construção de esquemas classificatórios
por um ou mais atributos;
 Criação de hipóteses: combinar e
confirmar;
 A não pertinência;
 Lógica combinatória;
 Memória.

LIG 4 OU JOGO DA
VELHA
Organização espacial;
 O trabalho com ângulos diferenciados;
 A lógica e as hipóteses;
 Antecipação de seu jogo e do jogo do
oponente.

GENERAL OU YAM
Percepção de dados simples e
complexos;
 Operações aritméticas;
 Hipóteses;
 Opções.

Referências






Aberastury, Arminda. A criança e seus jogos.
Petrópolis: Vozes, 1972.
Affonso, Rosa M. L. Ludodiagnóstico: a teoria de
Jean Piaget em entrevistas lúdicas para o diagnóstico
infantil.São Paulo: Cabral Editora Universitária,1998.
Duflo, Colas. O jogo de Pascal a Schiller. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
Macedo, Lino. 4 cores, senha e dominó. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 1998.
Macedo, Lino; Machado, Nilson; Arantes, Valéria.
Jogo e projeto: pontos e contrapontos. São Paulo:
Sumus Editorial, 2006.
Piaget,Jean. A formação do símbolo na criança:
imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio
de Janeiro: Zahar, 1971.
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o jogo e suas implicações na aprendizagem