Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 Artigos / articles O sistema de cotas raciais para o ingresso no ensino superior tem caráter discriminatório? The system of racial quotas for admission to higher education have a discriminatory character? Ana Vitória Vieria Gonçalves1 Raimundo Martins Neiva Filho2 RESUMO A desigualdade socioeconômica no Brasil é um dos principais fatores de exclusão social. Um outro fator é a discriminação racial que acirra, ainda mais, as desigualdades. No Brasil, a educação superior sempre privilegiou apenas um segmento étnico. O acesso do negro ao ensino superior seja por discriminação, preconceito ou fatores econômicos é restringido, sendo a sua representatividade ínfima em comparação à sua representação no total da população brasileira. Como forma de corrigir esse disparate que vem sendo adotado, no Brasil, as políticas de ações afirmativas, que têm por objetivo corrigir as desigualdades de oportunidades. No âmbito das políticas de ações afirmativas, a Universidade de Brasília (UnB) se utilizou da implantação de um sistema de cotas para negros a fim de garantir o acesso dos estudantes negros à educação superior. O presente estudo objetiva analisar se o sistema de cotas contribui para diminuir as desigualdades sociais. Para tanto, foi realizada pesquisa junto a alunos cotistas e não-cotistas da UnB, traçando o perfil socioeconômico e também o ponto de vista desses alunos sobre o sistema de cotas. Buscou-se, ainda, identificar as ações que garantam a permanência dos alunos negros na Universidade. Como resultado, o estudo indicou que o sistema de cotas é um indicativo para a redução das desigualdades sociais ao permitir o acesso de negros ao ensino superior. Palavras-chaves: Ação afirmativa; desigualdade social; sistemas de cotas; universidade pública. ABSTRACT Socio-economic inequality in Brazil is a major factor in social exclusion. Another factor is the racial discrimination that exacerbates even more inequalities. In Brazil, higher education has always favored one ethnic segment. The black access to higher education either by discrimination, prejudice or economic factors is restricted, and its representation tiny compared to their representation in the total population. As a way to fix this nonsense that has been adopted in Brazil, the affirmative action policies, which aim to redress inequalities of opportunity. In the context of affirmative action policies, the University of Brasilia (UNB) we used the implementation of a system of quotas for blacks in order to ensure the access of black students to higher education. This study aims to examine whether the quota system helps to redece social inequalities. For this purpose, a survey was conducted with students and non-shareholders shareholders of UNB, tracing the socioeconomic profile and also the views of these students on the quota system. We tried to also identify actions to ensure the permanence of black students at the University. As a result, the study indicated that the quota system is an indication for the reduction of social inequalities by providing access to higher education of blacks. Keywords: Affirmative action, social inequality, quota systems, public university. ____________________________ 1. Bacharel em Direito pela FAESF. 2. Especialista em Direito Processual Civil pela IESF Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 15-20 15 Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 1. INTRODUÇÃO O repúdio ao racismo nas relações internacionais foi expressamente estabelecido no artigo 4°, inciso VIII da Constituição Federal (CF): “A república federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] repúdio ao terrorismo e ao racismo [...].” A Magna Carta dispõe ainda que entre os objetivos fundamentais desta pátria, está o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Contudo, embora a lei vede qualquer tipo de discriminação e consagre como um dos objetivos da República a redução das desigualdades, ocorre que a igualdade formal não é o bastante para o alcance do espírito da lei. Experiências semelhantes se desenvolveram em vários países da Europa, na Índia, Malásia, Austrália, Canadá, Nigéria, África do Sul, Argentina, Cuba, dentre outras nações. Deste modo, é válido analisar alguns aspectos como: saber se a instituição de cotas para negros em caráter nacional resolveu o problema de acesso ao ensino superior e também se tal dispositivo de inclusão garantirá a colocação destes futuros profissionais no mercado de trabalho, ou foi criado apenas como manobra para que as autoridades se esquivassem do problema central que são as condições precárias, tanto físicas como estruturais e humanas, do ensino fundamental e médio. Compreender essas questões ajudará a enxergar, dentro da visão social e jurídica, a importância da formulação de novos meios para o funcionamento do sistema de cotas. Posteriormente são investigadas as evoluções dos movimentos em prol da diversidade racial, mostrando qual o objetivo das cotas, e as experiências da aplicação deste sistema no Brasil, apontando as experiências de algumas universidades estaduais e federais que adotaram tal sistema para ingresso nos seus vestibulares, fazendo considerações sobre os posicionamentos favoráveis e os desfavoráveis sobre este instituto de inclusão social, pontuando os avanços e possíveis retrocessos quando da adoção dessas medidas. Tentando avançar no desenvolvimento das políticas afirmativas, são apontadas as vantagens de adoção deste instrumento, observando porém a necessidade de adequação destes métodos à realidade brasileira, de modo a não criar novas barreiras e formas de discriminação. Por fim, faz-se uma abordagem dos posicionamentos favoráveis e desfavoráveis a respeito da adoção das ações afirmativas, in casu o sistema de Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 15-20 cotas raciais, como forma de entender as conseqüências de sua aplicação para a população brasileira. 2. ASPECTOS GERAIS DAS DENOMINADAS AÇÕES AFIRMATIVAS A expressão originou-se nos Estados Unidos, país em que desde os anos sessenta são desenvolvidas essas políticas. Na época, os norteamericanos vivenciavam um momento conturbado, marcado por reivindicações democráticas e movimentos civis cujo mote era a igualdade de oportunidades para todos. Foi dentro deste contexto que nasceu a idéia de uma ação afirmativa, exigindo do Estado uma postura ativa visando a melhoria de oportunidades para a população negra desfavorecida. Todavia, essas ações não ficaram restritas aos americanos. Experiências semelhantes se desenvolveram em vários países da Europa, na Índia, Malásia, Austrália, dentre outros. Entretanto, ainda que não estivessem restritas aos Estados Unidos, foi a partir desse país que o assunto ganhou relevo no mundo, através da implantação de políticas instituídas para assegurar, principalmente aos negros, uma maior representatividade na sociedade americana, focada nas áreas de educação e emprego. 2.1 Espécies de ações afirmativas As ações afirmativas pode se apresentar de vários modos, sendo que o sistema de cotas é o mais conhecido no âmbito da educação e emprego. Este sistema consiste na reserva de determinado número de vagas ou parcela mínima à ser preenchida por determinado grupo. Também podem se exteriorizar através da concessão de bolsas de estudos ou financiamento estudantil, pela implantação de políticas de entrada no mercado de trabalho proporcionando capacitação profissional ou pela promoção de trabalhadores, considerando-se não apenas as qualidades pessoais, como também a cor. Conforme Silva (2005), ações afirmativas não se limitam apenas ao sistema das cotas, podendo ser revestidas de várias maneiras, como por meio de sistema de bônus, de incentivos fiscais e de metas. As metas se dão em relação ao lapso temporal, ou seja, estipula-se, dentro de algum tempo, lança-se o alcança de determinado objetivo, como por exemplo, a redução das desigualdades socioeconômicas, raciais, etc. 16 Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 No sistema dos incentivos fiscais o governo proporcionaria uma carga tributária menos elevada em relação às pessoas físicas ou jurídicas que reservassem determinado número de colaboradores para certo grupo populacional. vantagens entre os indivíduos, o que por si só mitigará os efeitos da discriminação outrora praticada. 2.2 Natureza das ações afirmativas Para a estipulação de projetos e ações com vistas a proporcionar maior igualdade matéria, faz-se necessário estabelecer a quem serão destinadas tais ações. No caso em comento, os beneficiários são os negros. Para a fixação dos beneficiários das cotas, são tidas por base as características imutáveis inerentes a um indivíduo a influir na definição de oportunidades de ingresso no mercado laboral, ascensão na carreira profissional, acesso ao ensino superior e desempenho educacional, enfim, fatores que influem significativamente na vida pessoal. Entretanto, não basta integrar determinado grupo para que alguém seja beneficiário dos programas. Outros critérios iniciais de mérito devem ser satisfeitos para que alguém seja qualificado como favorecido de acordo com o caso particular em cada país e momento histórico (SILVA, 2005). Igualmente, a identificação de um indivíduo como membro de uma minoria não é tão simples, pois necessário se faz a adoção de critérios para essa identificação. O critério da auto-declaração tornou-se comum a adoção do critério subjetivo, ou seja, da autodeclaração para a identificação dos indivíduos beneficiários das políticas, principalmente após o desbanque dos métodos científicos na determinação dos critérios raciais. A origem biológica como fator determinante, é fator considerado para a implantação do projeto de cotas no caso brasileiro é o da autodeterminação. Entretanto, alguns asseveram que há outros fatores a serem considerados como critérios para a determinação dos beneficiários das cotas raciais, para determinar que é efetivamente afro-descendente no Brasil. Da consideração meramente de laços sanguíneos, sem ser levado conta a aparência física, surge a idéia de que, numa sociedade livre, onde inexistem castas sociais, ninguém é aceito ou discriminado pelo que o seu antepassado remoto foi ou pela sua origem. As castas sociais ainda persistem em vigorar em países em desenvolvimento como a Índia. Porém, tal sistema é marca registrada de populações significativamente rígidas, carregadas de idéias atreladas ao passado e com uma carga de religiosidade fortemente predominante no seio da sociedade. Primeiro visa corrigir as injustiças do passado, proporcionar um ressarcimento dos prejuízos causados à determinado grupo, enquanto o segundo visa a melhorar a distribuição de oportunidades. Assim, com o caráter reparatório tem-se que a discriminação surge como forma de proporcionar uma justiça compensatória a fim de reparar os grupos que sofreram discriminação. Dessa maneira, os grupos seriam ressarcidos pela mazelas que se viram obrigados a enfrentar. A justiça compensatória objetiva restabelecer a igualdade que foi desequilibrada devido as pressões exercidas pelo grupo dominante. Segundo tal fundamento, as ações afirmativas seriam o modo de correção de erros sociais ou mesmo estatais cometidos no passado. A discriminação passada a grupos específicos de indivíduos – não necessariamente raciais ou étnicos, mas também outros que por alguma motivação histórica e social, de natureza discriminatória, foram preteridos na titularização ou no gozo de direito reconhecidos ou de bens da vida (por exemplo, as mulheres ou os idosos) – seria causa de inegáveis ônus sociais deixados às gerações seguintes, ou seja, de um dano ao grupo social, que demanda reparação. A ação afirmativa seria o instrumento de restauração de um equilíbrio antes rompido e cuja ruptura acarretou por conseqüência uma injustiça na distribuição das vantagens e benesses da sociedade. Já o caráter distributivo traz que, para a redução das desigualdades seria necessária a distribuição de direitos e políticas entre a coletividade, com base em critérios equânimes. Esse caráter se embasa no reconhecimento do direito de indivíduos ou grupos a reivindicarem vantagens, bens ou benefícios aos quais teriam acesso se houvesse justiça social no meio social em que vivem, ou seja, se houvesse adequada distribuição ou seja, igualitária - dos bens, vantagens e ônus da vida em sociedade. Assim, as ações afirmativas teriam relação, principalmente, com a redistribuição de ônus e vantagens, dos bens, enfim, entre os membros da sociedade. Sua finalidade, portanto, não seria reparar danos passados decorrentes de discriminação por meio de ações compensatórias dos mesmos, mas promover a distribuição equânime dos bens, direitos e Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 15-20 3. AÇÕES DESTINADAS À POPULAÇÃO AFRO-DESCENDENTE 17 Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 O objetivo da utilização das cotas é proporcionar aos beneficiários possibilidades reais de competir efetivamente por serviços educacionais e por posições no mercado laboral, através do combate à discriminação existente em determinados locais da sociedade, a redução das desigualdades sociais e a busca da integração dos diferentes grupos sociais através da valorização da diversidade cultural. Neste sentido, leciona Silva (2005, p. 72): O objetivo principal que giram em torno da implementação de políticas afirmativas está, sem dúvida, em garantir a consecução do princípio da igualdade de oportunidades entre determinados grupos ou indivíduos excluídos socialmente. Essa igualdade de chances, na forma de inclusão social, viria a propiciar o combate às distorções econômicas e sócias verificadas ao longo do tempo e relacionadas, por exemplo, ao direito à educação, ao emprego e ao salário. O sistema de cotas visa então criar a igualdade de oportunidades entre determinados grupos excluídos socialmente para proporcionar o combate à disparidades econômicas e sociais perpetradas ao longo da história do homem. Traduz-se, portanto na adoção de normas jurídicas que prevêem um tratamento distinto para determinados grupos a fim de lhes proporcionar uma igualdade material em relação aos outros membros da sociedade. 4. AS COTAS RACIAIS NO BRASIL 4.1 Aspectos positivos e negativos na implantação do sistema de cotas A finalidade do reconhecimento do direito à igualdade, na verdade, era acabar com a ordem estamental, com as diferenças impostas pelo nascimento, pois no pensamento liberal, a determinação da igualdade obrigava o juiz e o administrador a não fazer distinção onde a lei não a fizesse, ou seja, não se poderia criar distinções na aplicação da lei, naquilo que esta não distinguisse. O legislador podia criar ou manter desigualdades relativas àquele grupo de direitos e características inerentes ao ser humano enquanto indivíduo - sem que estas implicassem em violação efetiva da igualdade. É sabido que a discussão sobre política de ações afirmativas, sobretudo as cotas raciais, desperta importantes embates nos campos político e intelectual brasileiro. Assunto polêmico é tema de discursos de igual propriedade. Há posições enunciativas que dizem que o sistema de cotas raciais Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 15-20 causará um racialização da população brasileira, aprofundando ainda mais o racismo existente no país. Em contrapartida, outras afirmam que essa política visa exatamente o contrário, ou seja, tem como objetivos principais, a diminuição da desigualdade existente entre a população negra e branca e o fim do racismo. Assim, segundo Muganga (2001-2003, p. 02), faz-se necessária a inserção dessa população de excluídos nas cadeiras universitárias: É justamente na busca de ferramentas e de instrumentos apropriados para acelerar o processo de mudança desse quadro injusto em que se encontra a população negra que se coloca a proposta de cotas, apenas como um instrumento ou caminho entre tantos a serem incrementados. Com a implantação das cotas raciais, os brancos pobres acabariam sendo largamente prejudicados, tendo em vista que, embora hipossuficientes, não gozariam de nenhum benefício em relação à população afro-descendente. Tal fato acabaria por gerar uma discriminação reserva, preterindo o branco na igualdade de condições. Todavia, há quem assevere que as cotas raciais seriam uma maneira de ressarcir as perdas sofridas pela população negra ao longo da evolução humana, considerando que a implantação conduziria a um futuro próspero a esta população que tanto sofreu e ainda sofre preconceito, ainda que de forma velada. Igualmente, trariam efeitos imediatos, proporcionando uma convivência diária na diversidade racial de acordo com o que expõe Silva (2005, p. 235). A disseminação das políticas raciais no país viria ao encontro do almejado texto constitucional, proporcionando a tão apregoada igualdade (SILVA, 2006, p. 215). A adoção das cotas raciais varia de uma universidade para outra, de acordo com sua organização interna. Os conselhos universitários e as reitorias analisam as demandas sociais das regiões em que estão inseridas e, a partir daí, decidem o tipo de política de inclusão a ser adotado. é possível afirmar que as cotas raciais, como uma modalidade de ação afirmativa, já são uma realidade no ensino superior brasileiro. A década de 2000 no Brasil tem sido marcada, até a presente data, por intensas lutas acadêmicas e mudanças significativas no que diz respeito à discussão sobre a inclusão dos negros no ensino superior público. As reivindicações históricas dos Movimentos Sociais Negros visando a aumentar a baixíssima quantidade de afro-brasileiros no ensino público de terceiro grau têm obtido algumas 18 Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 respostas positivas nesta década, mesmo sob fortes pressões em sentido contrário, especialmente pressões da grande imprensa e de parte significativa da intelectualidade brasileira (SANTOS, 2007). Os posicionamentos favoráveis ressaltam que as ações afirmativas redefinem a concepção de mérito para as universidades, tornando-as mais inclusivas, visto que a avaliação de candidatos passa a levar em conta a capacidade de superar dificuldades e obstáculos que encontraram na vida, como ter que trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Isto teria exigido desses candidatos um esforço maior que aquele dispensado por outros que experimentaram condições mais favoráveis, como poder se dedicar somente aos estudos. De acordo com essa corrente, a adoção das cotas para pessoas negras em universidades, portanto, não fere o princípio de igualdade estabelecido pela Constituição brasileira – ao contrário, busca assegurála – e está absolutamente dentro dos modelos propostos pela “construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, inciso I da CF/88). Por fim, outra prerrogativa é a autonomia universitária, também assegurada pela Constituição. Isso dá à instituição a liberdade de adotar regras próprias nas áreas administrativas e acadêmicas, como, por exemplo, a adoção do sistema de cotas, que permite, a partir de resoluções da própria universidade, concretizar ações de democratização do acesso aos seus cursos. 4.2 Posicionamentos favoráveis e desfavoráveis sobre o caráter discriminatório do sistema de cotas para ingresso no ensino superior Embora no Brasil o percentual geral de acesso ao ensino superior seja muito baixo – o que sinaliza que o problema educacional é muito mais abrangente do que a questão estritamente racial – há que se reconhecer que a disparidade no percentual de alunos que cursavam em 2000 algum curso de nível superior indica a existência de efetiva desvantagem entre as raças consideradas. O que não significa, contudo, que a mera criação de cotas para negros em nível universitário seja solução para o problema, por duas razões que se deve destacar. Seja por meio do ENEM, seja por meio do vestibular, ou de outros modos de avaliação do aluno, o que se aprecia no processo seletivo é o conhecimento e a capacidade de raciocínio do candidato à vaga na universidade. Não há entrevistas ou outros exames em que o avaliador possa, subjetivamente, discriminar o Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 15-20 candidato, em razão de sua raça, ainda que sob argumento outro. Assim, a causa de um menor acesso ao ensino superior de integrantes da raça negra não está na discriminação racial no processo seletivo para ingresso em curso de nível superior – para cuja prática não há espaço no sistema de avaliação para ingresso atualmente em uso – mas em outras questões histórico-sociais e educacionais pertinentes a questão racial no país. O desenvolvimento de políticas de cotas, em especial as relativas ao ensino superior, que atingem o resultado da desigualdade e não sua causa, é, até certo ponto, inócuo, pois não emancipa verdadeiramente o indivíduo, que permanece dependente de ações governamentais para sua inserção social. O desenvolvimento de políticas de cotas, em especial as relativas ao ensino superior, que atingem o resultado da desigualdade e não sua causa, é, até certo ponto, inócuo, pois não emancipa verdadeiramente o indivíduo, que permanece dependente de ações governamentais para sua inserção social. As ações afirmativas, para que possam efetivamente gerar os resultados pretendidos com sua implementação, não podem se restringir à criação de cotas nos variados setores de atividades desenvolvidas em sociedade. Antes, devem ser realizadas conjuntamente com programas e projetos que atinjam as causas da desigualdade, para que possam efetivamente levar à igualdade de oportunidades entre os indivíduos. É na perquirição destas causas e de possíveis soluções para estes problemas que se pretende dar prosseguimento ao presente estudo. Assim, condutas que visem eliminar estas diferenças impondo um padrão único a se seguir, ou ainda que discriminem um indivíduo no grupo a que pertence em função desta diferença, violam não só o direito à própria diferença, mas também e, principalmente, o direito à igualdade, de que é dotado em relação aos demais indivíduos do grupo, pelo fato de pertencer à Humanidade. Torna-se relevante ter em vista dois outros princípios orientadores da verificação de respeito à igualdade numa determinada lei – ou em sua aplicação – quais sejam, o da dignidade humana e o da razoabilidade. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendo que o sistema de cotas raciais para o ingresso no ensino superior como sendo de caráter discriminatório, pois consagra a raça como critério discriminatório, pois consagra a raça como critério 19 Revista Jurídica Justa Pena ISSN 2179-9199 primeiro para a aquisição de direitos colocando em segundo plano a inteligência do indivíduo. Partindo-se da premissa de que o ordenamento constitucional brasileiro acolheu o princípio da igualdade material, cumpre destacar que não se trata de exigir tratamento igualitário pela lei a todos os indivíduos, mas de identificar as desigualdades e tratar de modo desigual os desiguais, não para aprofundar a desigualdade, mas para combatê-la, chegando-se a um ponto de equilíbrio entre os indivíduos nas relações privadas, e promover a efetiva igualdade no contexto das relações sociais, assegurando-se a todos o mesmo grau de acesso aos bens da vida, ou fruição dos direitos. Utilizando-se tal critério, que representa uma maneira que se enquadra perfeitamente no espírito das políticas compensatórias, possivelmente poderão ser atingidos os objetivos almejados pelas políticas das cotas, todavia, sem gerar os problemas que poderiam vir a trazer as ações baseadas na cor, para a população brasileira, proporcionando maior oportunidade de acesso à universidade a alunos que talvez tivessem mais dificuldade num certame nos moldes tradicionais, contribuindo para uma possível superação de sua atual condição. Dessa maneira, tem-se que não se pode combater o “racismo à brasileira” a partir a oficialização de identidade racial, pois assim, estaríamos segregando parcela da população para atribuí-las legalmente uma valoração racial, ou seja, conforme a cor. REFERÊNCIAS BRASIL. Código Civil Brasileiro. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Jones Figueiredo Alves e Mário Luiz Delgado. São Paulo: Método, 2003. Código Penal Brasileiro. Organização dos textos, notas remissivos e índices por Luiz Flávio Gomes. 6 ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2004. SILVA, Sidney Pessoa Madruga da. Discriminação Positiva: Ações Afirmativas na Realidade Brasileira. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. SILVÉRIO, Valter Roberto; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Ações afirmativas sim. Disponível em: http://www.adusp.org.br/revista/33/r33a04.pdf. Acesso em: 16 junho. 2008. TURRA, CLEUSA E VENTURI, GUSTAVO Racismo Cordial. SÃO PAULO: ÁTICA. Revista Jurídica Justa Pena Vol. 1, N. 1 (2012): 15-20 (1995), 20