Universidade
Católica de Brasília
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
DIREITO
A JUSTIÇA RESTAURATIVA APLICADA À RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS ENVOLVENDO ADOLESCENTES INFRATORES
Autor: Rosane Aráujo Falcão
Orientadora: Arinda Fernandes
BRASÍLIA-DF
2009
ROSANE ARAÚJO FALCÃO
A JUSTIÇA RESTAURATIVA APLICADA À RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
ENVOLVENDO ADOLESCENTES INFRATORES
Projeto de Monografia a ser apresentada ao
curso de graduação em Direito da
Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para obtenção do Título de
Bacharel em Direito.
Orientadora: Arinda Fernandes
Brasília
2009
Trabalho de autoria de Rosane Araújo Falcão, intitulada A JUSTIÇA RESTAURATIVA
APLICADA À RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENVOLVENDO ADOLESCENTES
INFRATORES, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
______________________________________
Prof. Dra. Arinda Fernandes
Orientadora
______________________________________
Prof. Dr. Arnaldo Godoy
Examinador
______________________________________
Prof. Dr. João Rezende
Examinador
Brasília
2009
Ao meu Deus e criador, pois sem ti eu nada
seria e não estaria aqui para escrever uma
história.
À minha família, por todo amor e torcida.
Vocês me trazem muitas alegrias, amo a todos!
Aos amigos, pela paciência e auxílio.
Aos meus professores, ao longo desses anos e
em especial à professora Arinda.
RESUMO
Referência: FALCÃO, Rosane Araújo. A Justiça Restaurativa na resolução de conflitos
envolvendo adolescentes infratores. 2009, 68 folhas. Monografia do Curso de Direito da
Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009.
Abordagem concernente à aplicação da Justiça Restaurativa em casos de atos infracionais
cometidos por adolescentes em acordo com as perspectivas do Estatuto da Criança e do
Adolescente, bem como com a Constituição Federal e a possibilidade de resultados positivos
no tocante à ressocialização desses adolescentes e afastamento de futuras práticas delituosas.
Palavras-chave: Justiça. Justiça Restaurativa. Adolescentes Infratores.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................
2 O MODELO ATUAL DA JUSTIÇA CRIMINAL E A NECESSIDADE DE UM
MODELO ALTERNATIVO DE JUSTIÇA ..........................................................................
2.1 UM SISTEMA MULTI-PORTAS DE JUSTIÇA ..............................................................
3 JUSTIÇA RESTAURATIVA ..............................................................................................
3.1 O PAPEL DO MEDIADOR NOS CÍRCULOS RESTAURATIVOS................................
3.3MODELO RESTAURATIVO- UMA RETOMADA ÀS PRÁTICAS ANCESTRAIS .....
3.4 JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL ......................................................................
3.4.1 Práticas restaurativas em São Paulo ............................................................................
3.4.1.1 São Caetano do Sul .......................................................................................................
3.4.1.2 Heliópolis e Guarulhos .................................................................................................
3.4.2.1 Práticas restaurativas no Distrito Federal ...............................................................
3.4.3.1 Práticas restaurativas em Porto Alegre ...................................................................
3.4.4.1 Práticas restaurativas em Belo Horizonte ...............................................................
3.4.5.1 Práticas restaurativas em Recife ..............................................................................
3.5 A LEGISLACAO BRASILEIRA E A JUSTIÇA RESTAURATIVA..............................
3.5.1 Lei dos Juizados Especiais (Lei no. 9.099/95) .............................................................
3.5.2 Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei no. 2.848/1940) ...............................................
3.5.3 Lei Maria da Penha (Lei no. 11.340/06) ......................................................................
3.5.4 Portaria Conjunta no. 15/2004 .....................................................................................
3.5.5 Projeto de Lei no. 7.006/2006 ........................................................................................
3.5.6 Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no. 8.069/1990) .......................................
3.5.7 Projeto de Lei no. 1.627/2007 ........................................................................................
4 AS
ETAPAS
HISTÓRICAS
DO
TRATAMENTO
DOS ADOLESCENTES
INFRATORES ........................................................................................................................
4.1 EVOLUÇÃO DO DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE NO BRASIL ..........
4.1.1 O Código de Menores de 1927 ......................................................................................
4.1.2 O Código Penal Brasileiro ............................................................................................
4.1.3 Código de Menores de 1979 ..........................................................................................
4.1.4 A Constituição Federal de 1988 ...................................................................................
4.1.5 O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no. 8069/90) ......................................
5 ADOLESCÊNCIA E O ATO INFRACIONAL ...........................................................
6 A JUSTIÇA RESTAURATIVA E O ADOLESCENTE INFRATOR ........................
6.1 QUANDO E COMO APLICAR AOS CONFLITOS COM ADOLESCENTES ........
6.1.2 A utilização do instituto da remissão e o processo restaurativo ..........................
6.1.2.1 Remissões concedidas pelo Ministério Público ......................................................
6.1.2.1 Remissões concedidas pelo Juiz da Infância e Juventude ......................................
6.2 JUSTIÇA RESTAURATIVA UM MODELO HUMANIZADO E MULTIDISCIPLINAR
.............................................................................................................................................
6.3 OS PRINCÍPIOS E VALORES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA EM ATENÇÃO À
CONDIÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR .............................................................
6.3 UM CAMINHO PARA RESPONSABILIZAÇÃO ....................................................
CONCLUSÃO ..................................................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................
7
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho monográfico traz uma abordagem acerca de um novo modelo de justiça,
a Justiça Restaurativa, com o enfoque na sua aplicação como meio de solucionar conflitos que
envolvam adolescentes infratores penais.
Por se tratar de tema recente no mundo jurídico, a aplicação da Justiça Restaurativa
como modelo alternativo de promoção de justiça, causa debates e curiosidade entre
estudiosos, operadores do direito e à comunidade em geral. Pois, considerando os problemas
sociais de violência que impactam sobremaneira o Sistema de Justiça e a insatisfação das
partes envolvidas em conflitos penais com o desfeche dos processos conduzidos pelo Estado a
Justiça Restaurativa surge como uma janela num túnel escuro, por trazer uma proposta
inovadora e cheia de esperança, que empodera as partes diretamente envolvidas com os
crimes ou infrações penais, de forma que possam entre si, conduzir um processo de
responsabilização e reparação mais eficazes. Foi por isso que o tema chamou minha atenção e
instigou-me
a
melhor
conhecê-lo.
Considerando
sua
proposta
renovadora,
em
complementação ao sistema convencional, decidi investigá-lo, focando sua aplicação aos
adolescentes infratores.
Considerar-se-á capitularmente o surgimento da Justiça Restaurativa, demandada pela
ineficiência do modelo de Justiça convencional, seus aspectos, características e lugar na
história da humanidade. Buscarei averiguar como ocorre o desenvolvimento do projeto de
Justiça Restaurativa no Brasil, buscando embasamento legislativo em acordo com a
Constituição Federal e outros diplomas legais, inclusive com o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90), que dêem margem para a realização das práticas restaurativas
com os adolescentes infratores. A intenção também é fazer um levantamento sobre a
legislação brasileira a respeito da situação da criança e do adolescente infrator, pesquisa que
remonta a visão e o tratamento que a sociedade brasileira dispensando a respeito dos seus
jovens.
Como o trabalho tem o foco no adolescente, caberá também uma análise dessa fase
conflituosa da vida, que envolve novas e grandes descobertas, mas também dúvidas e
incertezas, além disso, será tratado seu envolvimento com os chamados atos infracionais.
O intuito final, contudo, é averiguar se com a Justiça Restaurativa é possível alcançar
bons resultados nos processos de resolução dos conflitos infracionais envolvendo
adolescentes, e se tais práticas restaurativas coadunam com os princípios constitucionais e do
Estatuto da Criança e do Adolescente em defesa da proteção integral dos adolescentes.
8
2 O MODELO ATUAL DA JUSTIÇA CRIMINAL E A NECESSIDADE DE UM
MODELO ALTERNATIVO DE JUSTIÇA
O escritor Kelsen1 comparava a justiça ao anseio humano eterno por felicidade, mas
dizia que como cada indivíduo tem seu próprio entendimento do que seja felicidade, a justiça
só poderia ser garantida por uma ordem social se considerada num sentido objetivo-coletivo e
jamais subjetivo-individual. Dessa forma, o conceito de felicidade que é subjetivo deveria
sofrer transformações, para então abarcar uma categoria social. E assim tem sido feito, os
indivíduos confiam a satisfação de seus interesses particulares nas mãos de um “governo pela
maioria, se necessário contra a minoria dos sujeitos governados.” Dessa forma, a justiça que
garantia a felicidade individual de todos os indivíduos, passa a ser uma ordem social que
protege os interesses reconhecidos pela maioria como dignos de guarida.
A partir de então, dentro de uma sociedade, os indivíduos que de alguma forma
envolvem-se em uma situação de conflito de relevância jurídica, submetem-se ao aparato da
justiça proporcionado por essa ordem social, para que através de um processo legal com a
aplicação da justiça, a situação de harmonia volte a reinar e mesmo que a justiça aplicada não
agrade a todos, ela deve alcançar a satisfação do maior contingente de pessoas.
Na esfera dos conflitos criminais, reina majoritariamente no Sistema de Justiça a
aplicação do modelo de justiça retributiva2 como resposta monolítica às infrações. Esta dá
ênfase à questão do respeito ao dever positivado, visto que a infração é uma violação da lei
penal. Assim sendo, a não obediência ao direito penal vigente, acarreta um processo que
poderá incidir na aplicação de uma pena, medida de segurança ou multa, de forma
proporcional ao mal causado.
Na justiça retributiva, o Estado defende o interesse público e a ordem social com seu
foco na culpa do infrator. Mais precisamente, nos efeitos que a ministração da pena causa ao
infrator e na sociedade em geral. Em suma, a justiça retributiva objetiva o impedimento de
práticas delituosas e utiliza-se de dois parâmetros para concretizar esse fim, um é a
intimidação e o outro é a punição.
A pretensão punitiva do Estado espera que com a sanção imposta ao infrator, os outros
indivíduos da sociedade se sintam coagidos psicologicamente, de forma a desestimulá-los ou
1
KELSEN, Hans. O que é justiça?: A Justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência; tradução Luís Carlos
Borges – 3ª. ed. – São Paul: Martins Fontes, 2001.
2
A justiça retributiva é baseada na corrente doutrinária das teorias mistas (retributiva e utilitária), referentes à
natureza e aos fins da pena. A lógica retributiva é baseada no princípio de que todo ato ofensivo ou violento deve
ser retribuído com uma punição correspondente à intensidade da ofensa /violência.
9
afastá-los de qualquer intento criminal. Já, quanto ao delinqüente da lei, a pena servirá para
amedrontá-lo a não reincidir na prática. Dessa forma é possível a garantia da paz social,
através da obediência à lei penal.
A punição criminal, materializada na pena3 e nas medidas de segurança4 é um mal
tanto para o indivíduo, que a ela é submetido, quanto para a sociedade, que se vê privada de
um indivíduo que lhe pertence (Mirabete apud. Jeremias Benthan, p. 244 e 245).
O que vemos é que as práticas punitivas cumprem através do tempo e nas mais
variadas culturas uma espécie de vingança pública, exercida pelo Estado em nome da
sociedade, fundamentada na crença de que o sofrimento pode servir como estratégia
pedagógica para a adequação de comportamentos. Tal “sofrimento” trata-se primordialmente
da pena privativa de liberdade, tão duramente criticadas pela sua ineficácia em produzir os
resultados objetivados, que seria a redução da violência e dos índices de reincidência, além de
produzir efeitos colaterais indesejados como a estigmatização e exclusão social do infrator, a
violação dos seus direitos humanos e comumente a prática de comportamentos cada vez mais
violentos, após um período de encarceramento.
Vivemos um tempo em que se acredita que severas penas são a única solução para o
estado atual de insegurança. Mas ao nos depararmos com um sistema prisional inchado e
falido, que não proporciona condições para integração social 5ou ressocialização do indivíduo
infrator, vemos que o objetivo da justiça retributiva não tem sido alcançado e ainda sofremos
com as mazelas da violência.
Segundo considerações de Renato Campos De Vitto6, não há ainda como se
comprovar que a pena privativa de liberdade seja eficaz.
Não há dados seguros a sustentar a conclusão que o encarceramento implica redução
das taxas de criminalidade ou reincidência, ao contrário, o caráter dissuasório da
pena privativa de liberdade perde força quando se ultrapassa uma determinada taxa
de encarceramento, em razão da banalização da medida.
O quadro geral do sistema prisional brasileiro apresenta dados progressivos no que
concerne à demanda de novas vagas e a construção de novos estabelecimentos prisionais. A
população carcerária brasileira, conforme estatísticas conta com mais de 400.000 indivíduos,
cumprindo pena em pouco mais de 1.000 estabelecimentos prisionais. Uma das grandes
3
Pena é a sanção penal aflitiva imposta pelo Estado, através da ação penal, ao autor de uma infração(penal),
como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico e cujo fim é evitar novos
delitos.
4
Sanção penal que se assenta no fator periculosidade para sua aplicação.
5
Conforme o artigo 1º. da Lei de Execução Penal n.7.210/84 - A execução penal tem por objetivo efetivar as
disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado, bem como, não é efetiva em prevenir ou inibir práticas criminosas.
6
Slakmon, C, R, De Vitto, e R. Gomes Pinto, org, 2005. Justiça Restaurativa (Brasília- DF; Ministério da Justiça
e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, p. 41)
10
problemáticas do sistema prisional atual é como garantir o suprimento da demanda carcerária,
não só para construção de novos presídios, mas na disponibilidade e treinamento de pessoal à
prestação do serviço de administração inter muros. Como esta é uma conta muito onerosa ao
Estado e que demanda muita energia, acaba que a finalidade honrosa da pena é deixada de
lado, que seria buscar a reinserção social do infrator, mediante educação, profissionalização e
oportunidade de trabalho digno, não só como fim de que este indenize os danos causados e
ressarcir o Estado do custo de sua manutenção atrás das grades, mas principalmente no intuito
de gerar condições a esse indivíduo, quando egresso, de se ressocializar. Isso sem se falar na
desumanização da pena prisional, nos maus tratos que infringem os direitos humanos e nos
faz concluir que direitos básicos e garantias não são alcançados pela pena.
Dessa triste situação, o que principalmente levaremos em conta por sua relação estreita
com a proposta deste trabalho, é o fato de que a população adulta encarcerada e muitos
daqueles que estão do lado de fora, cometendo práticas delituosas, começaram a caminhada
nessa vida tortuosa ainda em tenra idade. Não é dos dias atuais, ser esse um alerta para que a
sociedade se mobilize para o enfrentamento do quadro de violência que arregimenta nossos
jovens. O melhor seria, se o trabalho de combate envolvendo as várias camadas da sociedade
fosse iniciado de forma consistente e se possível, antes mesmo que os primeiros sinais que
apresentassem que uma criança ou adolescente pudessem vir a serem infratores no futuro.
Paulo Afonso Garrido de Paula7 diz que a ação delitiva é causadora de um desvalor
social que ofende a paz pretendida pela civilidade. Infelizmente, esse tipo de ação também é
cometido por aqueles que contam com menos de 18 anos. Ou seja, aqueles indivíduos que por
sua situação de desenvolvimento devem contar com a tutela familiar e social, são em muitas
vezes os autores de ofensas penais contra aqueles que seriam seus protetores.
Objetivamente essa ofensa pode partir de qualquer pessoa, inclusive de alguém de
pouca idade. Assim, o ato infracional, legalmente definido como a conduta descrita
como crime ou contravenção penal e atribuível à pessoa menor de 18 anos de idade,
também importa desvalor social, de modo que na defesa da cidadania a coibição da
criminalidade infanto-juvenil assume o caráter de providência indeclinável.8
E em busca de uma resposta à essa violência no meio infanto-juvenil, Garrido de Paula
considera que esta “brota” da ausência de um Estado Social9 e coloca o Estado do Desvalor
7
DE PAULA, Paulo Afonso Garrido. “Ato Infracional e Natureza do Sistema de Responsabilização” In. Justiça,
Adolescente e Ato Infracional: Educação e Responsabilização. São Paulo: Ilanud. 2006, p.25.
8
Ibidem.
9
Estado Social, ou Estado de Providência, pode ser definido como um modelo de Estado que tem por objetivo
garantir condições mínimas de alimentação, saúde, habitação, educação, que devem ser assegurados a todos os
cidadãos não como benesse estatal, mas como direito político inerente ao ser-cidadão. BOBBIO, Norberto,
Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. Dicionário de Política, vol. I/II, 5 ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, p. 416, 2004.
11
Social como um dos resultados e fonte principal dessa transgressão. Ou seja, em se tratando
principalmente dos menos favorecidos, o Estado não tem prestado uma assistência adequada,
de forma que estes adolescentes e até mesmo crianças possam ser afastados futuramente do
mundo da criminalidade que assola cada vez mais nossa sociedade. Como forma de combate
aos atos infracionais, Garrido de Paula pondera que se depende de um conjunto de políticas
que reduzam a potencialidade de causa e ataquem com maior eficácia seus efeitos.
Reduzir a potencialidade de causa consiste no desenvolvimento de ações junto às
comunidades, principalmente as desprovidas de recursos materiais, que é de onde vêm a
massa de crianças, adolescentes e adultos em conflito com a lei. Para tanto, são necessárias
políticas públicas, o empenho dessas comunidades e dos autores da infração, bem como da
escola e do Judiciário.
É dura a crítica ao modelo de justiça retributiva, cujo foco é o infrator e a aplicação da
pena em si, não prestando o devido suporte às vítimas do crime ou à sociedade no
enfrentamento da crescente criminalidade. Tal retributividade, é tão exacerbada que altera até
o sentido das medidas socioeducativas aplicadas aos menores infratores. Muitos as vêem
como brandas, porque na verdade não entendem seu caráter educativo, e acabam por colocálas no mesmo rol das penas infringidas aos adultos. E fazendo assim, comparando as medidas
socioeducativas como se pertencessem à mesma classe das penas, hão sempre de achá-las
condescendentes e incentivadoras dos atos infracionais. Isso, porque no íntimo anseiam por
medidas de segregação mais longas ao menor infrator e cada vez mais cedo.
Em entrevista, o promotor Marcelo Gonçalves Saliba10, ao responder se há vontade
política de mudar o sistema penal, disse que:
“Não vislumbro vontade política para implantar um sistema penal diferente do atual,
nem mesmo vejo propostas legislativas neste sentido. As propostas atuais navegam
num rumo de maior criminalização e maior punição, seguindo linhas traçadas por
programas de Lei e Ordem ou Tolerância Zero. Parcela significativa da população
acredita ser este o único meio para o controle das relações sociais e eliminação da
criminalidade, e as novas leis penais apaziguam os ânimos da mídia e das classes
populares sedentas por uma forte resposta estatal.”
A justiça criminal atual, bem como o tratamento aplicado aos infratores juvenis, não
tem tido a eficácia esperada ou soluções suficientes que promovam a redução do quadro de
violência que se instaurou. Por isso, a sociedade acaba por requerer uma “maior
criminalização e maior punição” aos causadores dessa situação, sejam eles adultos ou não.
10
SALIBA, Marcelo Gonçalves, O Sistema prisional continua a representar o interesse de classes
dominantes,2009, Disponível em: http://www.jurua.com.br/entrevistas3.asp?id=79. Acesso em: 8 de agosto de
2009.
12
Pois assim acreditam, que os problemas da criminalidade e das infrações serão eliminados,
mas será assim?
Vemos clamores de ambos os lados, dos que acreditam na eficácia de um trabalho
envolvendo toda sociedade e os que estão à margem dela, para através de práticas pacifistas e
restaurativas equacionarem o caos da violência atacando suas causas, tratando de uma melhor
forma seus efeitos e, do outro lado, temos o clamor da maioria da população desacreditada do
papel ressocializante da pena e das medidas socioeducativas, que impulsionada pela forte
mídia e grande parte da opinião pública, está sedenta por vingança pública urgente contra o
estado de insegurança atual.
O que se questiona é se seriam as políticas, tais quais a Tolerância Zero, um
antídoto para todo o mal da violência? Quem sabe ainda, se a “segregação perpétua” dos
infratores da lei penal, galgando quem sabe, para uma “pena capital em massa”, a resposta
mais condizente para esta problemática? Com certeza a resposta é indubitavelmente negativa,
pois para a aplicação de políticas tão drásticas contra a violência e criminalidade crescente, há
de se ferir algum direito da sociedade como um todo e ainda sim, não serão capazes de dar
uma sensação de justiça maior do que o sistema retributivo já alcançou até hoje.
2.1 UM SISTEMA MULTI-PORTAS DE JUSTIÇA
De acordo com Reale11, a justiça é uma idéia sempre enquadrada em uma visão geral
do universo e da vida, sujeita às mutações históricas, o que nos leva a estudá-la na concepção
do processo histórico-cultural. É por esse dinamismo que a justiça está pautada em um
processo constante de mudança, que idealmente deve estar atento às novas necessidades
sociais e mais ainda, às necessidades que ainda não foram supridas na ministração do modelo
de justiça já existente.
Ante ao caos causado por tanta violência e a incapacidade do sistema atual de justiça
em geri-los e resolvê-los, tornou-se necessário que debates fossem suscitados em busca um
sistema flexível de justiça criminal, mais democrático e que convertesse o sistema monolítico
atual, para um multi-portas, que considere a variedade de transgressões e de sujeitos
envolvidos. Ou seja, é necessário que se releve que as transgressões penais não são iguais e
que também as partes envolvidas num determinado caso podem se adequar respondendo
11
REALE, Miguel Problemática da Justiça – Texto básico da conferência de abertura do XVIII Seminário Roma
– Brasília, 2001. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/numero14/artigo11.pdf.> Acesso em: 03 de
maio de 2009.
13
positiva e eficazmente dependendo do tipo de processo que seja utilizado para a resolução do
conflito.
Outra questão relevante é a que o procurador de justiça Afonso Armando Konzen faz:
No lugar de o Estado chamar unicamente a si a responsabilidade de dizer o
resultado, não seria melhor um sistema em que os direta e indiretamente
interessados também pudessem envolver-se com a busca da solução?12
É daí então, que a Justiça Restaurativa emerge como uma dessas portas para a solução
de conflitos, constituindo um novo paradigma, que complementa e pode vir a reformular o
modelo de justiça convencional, intervindo de outra maneira no conflito, a fim de pacificar as
relações sociais.
A Justiça Restaurativa não foi projetada para eliminar a função estatal ou, tampouco
para substituí-la. A inafastabilidade da atividade jurisdicional é princípio
fundamental num Estado Democrático de Direito e somente com sua coexistência as
garantias contra o poder punitivo serão mantidas. Justiça Restaurativa não há de
significar uma “alternativa ao Direito”, mas uma forma alternativa do Direito
realizar justiça.”13
A Organização das Nações Unidas – ONU, a par das necessidades do poder judiciário
recomenda desde a década passada, o desenvolvimento de sistemas alternativos de resolução
de conflitos. O Conselho Econômico e Social das Nações Unidas - ECOSOC, em sua
Resolução no. 26, de 28 de julho de 199914, recomendou que os Estados considerassem no
contexto de seus sistemas de Justiça, o desenvolvimento de procedimentos alternativos ao
processo judicial tradicional e a formulação de políticas de mediação e de Justiça
Restaurativa. Essas medidas visam o desenvolvimento de uma cultura favorável a sistemas
alternativos de resolução de conflitos nas autoridades judiciais, sociais e outras responsáveis
pelo cumprimento da lei e pelo atendimento e promoção dos direitos do cidadão.
A aplicação da Justiça Restaurativa como um desses mecanismos alternativos de
resolução de conflitos, proporciona a expectativa de que o Judiciário passe por um
desafogamento processual, além disso, existe a esperança que aconteça a promoção de um
maior acesso à justiça.
Segundo Mauro Capeletti o acesso à justiça pode ser encarado como um requisito
fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir o direito de
todos e Carlos Eduardo de Vasconcelos pontuando as matérias que atualmente são englobadas
pelo movimento em prol do efetivo acesso à justiça, cita entre outras, a adoção de medidas
12
KONZEN, Afonso Armando – Justiça Restaurativa e a cultura da não-violência, 2007, Disponível em
http://www.mp.rs.gov.br/atuacaomp/not_artigos/id15014.htm, Acesso em 10/10/2009.
13
SILVA, Eliezer G.; SALIBA, Marcelo G. Justiça Restaurativa, Sistema Penal, Direito e Democracia –
Intercessões Ético-Discursivas: Anais do XVII Congresso Nacional do COMPEDI, Brasília, 2008.
14
Esta Resolução foi intitulada de “ Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e Justiça
Restaurativa na Justiça Criminal.”
14
alternativas reparadoras no campo penal, com fundamento nos conceitos da Justiça
Restaurativa.15
A Justiça Restaurativa também surge como uma resposta mais eficiente às pretensões
judiciais das vítimas, dos infratores e da comunidade envolvidas ao crime. Isso porque apóia
no princípio de uma redefinição de crime.
O crime não é mais concebido como uma violação contra o Estado ou como uma
transgressão a uma norma jurídica, mas como um evento causador de prejuízos e
conseqüências. Uma tendência relativamente recente no decorrer da Justiça
Restaurativa propõe reconstruir a noção de crime, especificando que o crime é mais
que uma transgressão para uma norma jurídica. (JACCOUD, 2006, p. 170)16.
Jaccoud, diz ainda que o crime define-se por duas dimensões que não se anulam, mas
somam-se. A saber, o crime é por vezes uma transgressão a um código legal, mas antes disso,
é um ato que acarreta conseqüências nas vida de diversas pessoas, principalmente na vítima e
infrator e tais conseqüências devem ser de tratadas e reparadas. E nesse ponto, a Justiça
Criminal atual também falha, por enfatizar a primeira dimensão do “crime” sem relevar tanto
a outra face que é a mais humana, referente a dores, traumas, etc.
15
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de, Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas -São Paulo: Método,
2008, p. 43 e 44.
16
Slakmon, C., R. De Vitto, e R. Gomes Pinto, org., 2005. Justiça Restaurativa (Brasília – DF: Ministério da
Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD).
15
3 JUSTIÇA RESTAURATIVA
Aproveitando-nos da conceituação de Justiça Restaurativa dada por dois importantes
estudiosos no assunto, temos que: “... a justiça restaurativa é um processo colaborativo que
envolve aqueles afetados mais diretamente por um crime, chamados de ‘partes interessadas
principais’, para determinar qual a melhor forma de reparar o dano causado pela
transgressão”.17
Diferente dos procedimentos comuns em um processo judicial, na Justiça Restaurativa
valoriza-se a escuta dos principais envolvidos no conflito, dando-lhes a oportunidade de gerir
os conflitos criminais nos quais foram participantes, em busca de uma maior reparação. Pois
conforme Renato Sócrates relata, a denominação Justiça Restaurativa é atribuída a Albert
Eglash. Em 1977, este sustentou em um artigo intitulado Beyond Restitution: Creative
Restitution, que havia três respostas ao crime, a saber, a retributiva, baseada na punição; a
distributiva, focada na reeducação; e a restaurativa, cujo fundamento seria a reparação.18
Trata-se de um processo comunitário, além de jurídico, que se refere a procedimentos
específicos, no qual, a palavra “justiça" remete a um valor e não a uma instituição. É um
encontro entre as pessoas diretamente envolvidas em uma situação de violência ou conflito,
seus familiares, seus amigos e a comunidade.19
O novo modelo de justiça é voltado para as relações prejudicadas por situações de
violência. Valoriza a autonomia e o diálogo, criando oportunidades para que as pessoas
envolvidas no conflito (infrator e vítima do fato, familiares e comunidade) possam conversar
e entender a causa real do conflito, a fim de restaurar a harmonia e o equilíbrio entre todos.
Segundo Neemias Moretti20, os diálogos entre os participantes dos círculos ou câmaras
restaurativos são longos e raramente se chega a uma conclusão, contudo proporciona aos
participantes escutar os diversos pontos de vista sobre um mesmo ato causador de desarmonia
social, o que é muito válido.
A Justiça Restaurativa promove a responsabilidade social, pois chama os indivíduos
de uma comunidade para que assumam o papel de dialogar para pacificar seus próprios
conflitos e em conseqüência quebrar um círculo de violência.
17
(McCOLD, Paul & WACHEL,Ted, Em Busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça Restaurativa, 2003 Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia, 10-15 Agosto de 2003, Rio de Janeiro).
18
A construção da Justiça Restaurativa no Brasil - O impacto no sistema de Justiça criminal Renato Sócrates
Gomes Pinto, acesso em 27/07/2009 disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9878, 2006
19
Conceito de Justiça Restaurativa do Manual de Práticas Restaurativas - Justiça Restaurativa. Projeto Justiça
para o Século 21.
20
PRUDENTE, Neemias Moretti – Justiça Restaurativa em Debate, 2007 , Disponível em:
http://www.ibjr.justicarestaurativa.nom.br/pdfs/des02052008/Justi%E7a_emdebate.pdf, Acesso em 30/09/2009.
16
O principal objetivo do procedimento restaurativo é o de conectar tanto vítima,
infrator, familiares e demais pessoas afetadas ou interessadas, com o desenvolvimento de
ações construtivas que beneficiem a todos. Sua abordagem tem o foco nas necessidades
determinantes e emergentes do conflito, de forma a aproximar e co-responsabilizar todos os
participantes, com um plano de ações que visa restaurar laços sociais, compensar danos e
gerar compromissos futuros mais harmônicos.
Focar as necessidades que emergiram de um conflito é o ponto de partida do trabalho
desenvolvido por McCold e Wachtel21: “O postulado fundamental da Justiça Restaurativa é
que o crime causa danos às pessoas e relacionamentos e que a justiça exige que o dano seja
reduzido ao mínimo possível”. Dessa premissa os autores dizem que resultam as seguintes
questões-chave:
1º. Quem foi prejudicado?
2º. Quais as suas necessidades?
3º. Como atender a essas necessidades?
Na proposta de uma teoria para a Justiça Restaurativa, McCold e Wachtel (2003, ob.
cit.) consideram 3 estruturas conceituais correlatas:
1) A Janela da Disciplina
A abordagem restaurativa, com alto controle e alto apoio, confronta e desaprova as
transgressões enquanto afirmando o valor intrínseco do transgressor. A essência da
Justiça Restaurativa é a resolução de problemas de forma colaborativa. Práticas
restaurativas proporcionam, àqueles que foram prejudicados por um incidente, a
oportunidade de reunião para expressar seus sentimentos, descrever como foram
afetados e desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que aconteça de
novo. A abordagem restaurativa é reintegradora e permite que o transgressor repare
danos e não seja mais visto como tal. (McCold & Wachtel, 2003)
2) O Papel das Partes Interessadas
A segunda estrutura de nossa teoria de Justiça Restaurativa, o papel das partes
interessadas, relaciona o dano causado pela transgressão às necessidades específicas
de cada parte interessada resultantes da mesma, e às respostas restaurativas
necessárias ao atendimento destas necessidades. Essa estrutura causal distingue os
interesses das partes interessadas principais—aqueles mais afetados pela
transgressão—dos afetados indiretamente. (McCold & Wachtel, 2003).
3) Tipologia das Práticas Restaurativas
“A Justiça Restaurativa é um processo que envolve as partes interessadas principais
na decisão de como reparar o dano causado por uma transgressão. As três partes
interessadas principais na Justiça Restaurativa são as vítimas, os transgressores e
suas comunidades de assistência, cujas necessidades são, respectivamente: obter a
reparação, assumir a responsabilidade e conseguir a reconciliação. O grau de
envolvimento das três numa troca emocional e decisões significativas determinará o
grau em que qualquer forma de disciplina social poderá ser chamada
apropriadamente de ‘restaurativa’. (McCold & Wachtel, 2003)
21
McCOLD, Paul & WACHEL,Ted. Em Busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça Restaurativa, 2003 –
Disponível em: http://www.iirp.org/library/paradigm_port.html. Acesso em: 20 de maio de 2009.
17
Por se tratar de um paradigma emergente, a Justiça Restaurativa ainda não tem um
conceito sedimentado, apesar de, como já foi dito anteriormente, serem cada vez mais
recorrentes as discussões e estudo acerca do tema. André Goma de Azevedo relata que: “Não
há consenso quanto à conceituação da Justiça Restaurativa. Algumas definições baseiam-se
em procedimentalizações dos encontros entre a vítima, o ofensor e alguns representantes da
comunidade”
22
. O termo Justiça Restaurativa também não é único, pois há quem prefira
denominar o novo modelo como justiça transformadora ou transformativa, justiça relacional,
justiça restaurativa comunal, justiça recuperativa ou justiça participativa23. E quando se
aborda os objetivos principais da Justiça Restaurativa, vemos que eles ainda não são
concretos. Como pontua De Vitto24, tudo ficará mais claro em relação à Justiça Restaurativa
quando:
O ideal ressocializador deixará de ser um mito e um lema vazio de conteúdo quando,
depois do oportuno debate científico, seja alcançado um elementar consenso em
torno de três questões básicas: quais objetivos concretos podem ser perseguidos em
relação a cada grupo ou subgrupo de infratores, quais os meios e técnicas de
intervenção são válidos idôneos e eficazes em cada caso e quais os limites não
devem ser superados jamais em qualquer tipo de intervenção.
As explicações para as indefinições existentes, além de embasarem-se na tenra idade
da retomada do modelo, que ainda está em construção, mas também, pode se traduzir no fato
de que a Justiça Restaurativa tem se espalhado por todo mundo, e tem se moldado à
organização e características de cada nação.
Ao tratarmos dos valores da Justiça Restaurativa, tem-se de forma geral que é a
participação, o respeito, a honestidade, a humildade, a interconexão, a responsabilidade, o
empedramento e a esperança, os valores distinguem a Justiça Restaurativa de outras
abordagens tradicionais de justiça que se traduzem na prática do Círculo Restaurativo.25
Sustenta-se que a voluntariedade é importantíssima no processo da Justiça
Restaurativa, é como uma das condições primordiais a essa cooperação e participação nos
círculos restaurativos, uma vez que ninguém é obrigado a participar, mas conscientizado que
este processo ao final poderá gerar condições para uma restauração de danos e reconstrução
dos relacionamentos e sentimentos.
22
Slakmon, C., R. De Vitto, e R. Gomes Pinto, org., 2005. Justiça Restaurativa (Brasília – DF: Ministério da
Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD), p.140.
23
JACCOUD, 2005 ob. cit, p. 163.
24
DE VITTO, 2005 apud Molina, 1996 ob. cit., p. 51.
25
É um encontro entre pessoas diretamente envolvidas em uma situação de violência ou conflito, seus familiares,
seus amigos e a comunidade. Este encontro, orientado por um coordenador, segue um roteiro pré-determinado,
proporcionando um espaço seguro e protegido onde as pessoas podem abordar o problema e construir soluções
para o futuro. O procedimento como um todo se divide em três etapas: o pré-círculo (preparação para o encontro
com os participantes); o círculo (realização do encontro propriamente dito) e o pós-círculo (acompanhamento). O
Círculo não se destina a apontar culpados ou vítimas, nem a buscar o perdão e a reconciliação, mas a percepção
de que nossas ações nos afetam e afetam aos outros, e que somos responsáveis por seus efeitos.
18
O modelo restaurativo baseia-se em valores, procedimentos e resultados
definidos, mas pressupõe a concordância de ambas as partes (réu e vítima),
concordância essa que pode ser revogada unilateralmente, sendo que os
acordos devem ser razoáveis e as obrigações propostas devem atender ao
princípio da proporcionalidade. A aceitação do programa não deve, em
nenhuma hipótese, ser usada como indício ou prova no processo penal, seja o
original seja em um outro.26 (SÓCRATES, Renato, 2005 p. 22).
O processo restaurativo é também reservado, acontecendo em um ambiente tranquilo e
seguro que gere confiança às partes para se abrirem, expondo seu ponto de vista sobre o
ocorrido e propondo-se ao final um acordo que deverá ser cumprido. Como exposto acima,
por Renato Sócrates, não constitui indício ou prova no processo penal comum, a simples
aceitação ao programa. Bem como, em caso de desistência do processo restaurativo ou do não
cumprimento do acordo, os participantes estão resguardados de que não será considerado no
processo comum o que se passou nas câmaras ou círculos.
3.1 O PAPEL DO MEDIADOR NOS CÍRCULOS RESTAURATIVOS
A condução do processo pelo mediador, facilitador ou coordenador intenciona
oportunizar que o diálogo siga de forma espontânea, por isso é necessária uma maior
sensibilidade desse profissional, que não está ali para julgar ou constranger os participantes,
principalmente nos casos envolvendo participantes muito heterogêneos, seja financeiramente,
intelectualmente ou em consideração a faixa etária.
De acordo com o Manual de Mediação Judicial o mediador é:
...o terceiro neutro, que deve ter conhecimento técnico necessário par o bom
desenvolvimento do processo; sua função é a de restabelecer a comunicação entre as
partes, conduzindo as negociações, ou seja, “instruindo as partes quanto a maneira
mais conveniente a portarem-se perante o curso do processo a fim de obterem a sua
efetiva concretização”. O mediador deve garantir às partes que a discussão
proporcione um acordo fiel ao direito da comunidade em que vivem, moral e justo.27
O envolvimento das partes nos círculos é imprescindível para chegada a bons
resultados, e o papel do mediador é importante no programa para que as partes possam
realmente entender o que vai acontecer ali e sentirem-se seguras para começar o dialogo. Há
de se considerar que um mau profissional na posição de mediador pode atrapalhar ou invés de
auxiliar as partes no alcance de objetivos positivos.
O mediador tem papel reconhecido como auxiliar da Justiça, conforme artigo 7º. da
Lei 9.099/95 e deve facilitar o entendimento entre os participantes em busca de soluções para
o conflito, conduzindo de maneira técnica os processos.
26
Ob. cit.
AZEVEDO, André Gomma (org.).2009. Manual de Mediação Judicial (Brasília/DF: Ministério da Justiça e
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD), p. 190.
27
19
Ainda não há uma lei que discipline a atuação deste profissional, contudo acredita-se
que um procedimento como o da Justiça Restaurativa, além de confiar a efetividade de seus
processos focando as necessidades das partes em conflito e nos valores sociais ligados ao
debate, não pode descartar que a eficácia de suas práticas está relacionada também na
qualidade da formação de seus mediadores.
3.1 O PAPEL DO MEDIADOR NOS CÍRCULOS RESTAURATIVOS
Segundo Myléne Jaccoud, existem vestígios de práticas restauradoras, prevendo
medidas de restituição em códigos antigos, como no Hammurabi e Lipit-Ishtar, Código
Sumeriano e o Eshunna, dando a entender a antiguidade do modelo de resolução de conflitos
através da negociação. Entre povos colonizados da África, da Nova-Zelândia, Austrália,
América do Norte e do Sul e sociedades pré-estatais da Europa também adotavam práticas
parecidas. Ou seja, a evolução da Justiça Restaurativa tem suas raízes do modelo restaurativo
aplicado nas sociedades comunais (pré-estatais européias e coletividades nativas), que para
defender seu modelo de organização social e coesão do grupo, aplicavam mecanismos aos
conflitos para que não ocorresse a desestabilização social. Dupont-Bouchât28 expõe que a
partir da centralização de poderes e o surgimento dos Estados, abandona-se a justiça
negociada e gradativamente acontece o afastamento da vítima no processo criminal e com a
quase extinção das formas de reintegração social nas práticas de justiça habitual.
A partir da década de 70, o movimento da Justiça Restaurativa voltou à tona, mas tem
comunidades que desde épocas remotas mantém em suas tradições práticas que envolvem a
todos, em busca da solução dos conflitos que irremediavelmente sempre vem a acontecer.
A justiça restaurativa aparece em inúmeras tradições e remonta às origens da
civilização. Ela se chama restaurativa porque, nesses contextos históricos,
representou uma forma de restaurar a integridade da comunidade depois de
um ato traumático que lesa a confiança, o bem-estar e a ordem social. Por
exemplo, no Havaí, quando ocorre um crime, os mais velhos reúnem em um
círculo a vítima, o ofensor, suas respectivas famílias e amigos, dando início a
um processo chamado ho o-pono-pono. O mesmo acontece na tradição dos
maori da Nova Zelândia e entre comunidades dos nativos do norte do
Canadá.29
Em 1990, houve um a ruptura entre os modelos de justiça retributivo e o restaurador,
marcado pela publicação do livro Changing Lenses: A New Focus for Crimes and Justice de
Howard Zehr30.
28
Jaccoud, 2005 apud Dupont-Bouchât, 1999.
DISKIN, Lia - Vamos Ubuntar? Um convite para cultivar a paz – Brasília: UNESCO, Fundação Vale,
Fundação Palas Athena, 2008, p. 77.
30
Howard Zehr é professor de Sociologia e Justiça Restaurativa no curso de graduação em Transformação de
Conflitos da Eastern Mennonite University, em Harrisonburg, Virgínia – EUA e co-diretor do Center for Justice
and Peacebuilding, é reconhecido mundialmente como um dos pioneiros da Justiça Restaurativa
29
20
Segundo Zehr, o crime é uma violação nas relações entre o infrator, a vítima
e a comunidade, cumprindo, por isso, à Justiça identificar as necessidades e
obrigações oriundas dessa violação e do trauma causado e que deve ser
restaurado. Incumbe, assim, à Justiça oportunizar e encorajar as pessoas
envolvidas a dialogarem e a chegarem a um acordo, como sujeitos centrais do
processo, sendo ela, a Justiça, avaliada segundo sua capacidade de fazer com
que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas, as
necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura,
ou seja, um resultado individual e socialmente terapêutico seja alcançado.
(SÓCRATES, Renato, 2005, p. 21) 31
No ano de 1993 Lode Walgrave apresentou um modelo que mostra que a justiça é
marcada por três tipos principais de direito (Direito Penal, Reabilitador e Restaurador), e a
partir de então, esse modelo serve como referência para definir a Justiça Restaurativa,
separando-a de maneira clara das práticas comumente usada no nosso sistema penal.
O direito restaurador adota os erros causados pela infração como posição de
referência ou ponto de partida, enquanto o direito penal se apóia na infração, e o
reabilitador sobre o indivíduo delinqüente. O direito reparador tem como objetivo
anular os erros obrigando as pessoas responsáveis pelos danos a reparar os prejuízos
causados; o direito penal visa restabelecer um equilíbrio moral causado por um mal;
a aproximação reabilitadora procura adaptar o ofensor através de um tratamento. Só
o direito restaurador concede às vítimas um lugar central, o direito punitivo e o
reabilitador lhes oferecem apenas um lugar secundário. Os critérios utilizados para
avaliar o alcance dos objetivos atribuídos a cada tipo de direito são muito diferentes.
O penal está centrado na noção de “justa” pena (princípio de proporcionalidade), o
reabilitador sobre a adaptação do indivíduo delinqüente, enquanto que o direito
restaurativo encontra seus objetivos a partir da satisfação vivenciada pelos principais
envolvidos pela infração. O contexto social no qual o direito penal evolui é um
contexto no qual o estado é opressor; o direito reabilitador é marcado por um
contexto onde o Estado é uma providência estatal; o direito reparador se expressa
através de um contexto onde o Estado responsabiliza os principais envolvidos.
(JACCOUD, 2005, p. 167-168) 32.
Desde a década de 90 as práticas restaurativas tem se tornado uma tendência mundial e
os debates não param. Tudo isso, em decorrência da esperança que o novo modelo traz para
resolução de conflitos, com “novas lentes”, diferentes do sistema penal vigente. Foi nessa
mesma época que o governo neozelandês decidiu tornar a aplicação da Justiça Restaurativa o
modelo oficial de resolução de conflitos infracionais cometidos por crianças e adolescentes,
foi um incentivo a mais para o crescimento das discussões acerca do tema.
A Nova Zelândia para atender às necessidades de sua população aborígene, que muito
criticava a aplicação da justiça convencional baseada na tradição britânica, aos atos
infracionais de seus filhos, adotou um novo modelo, que conta com a participação da família
na decisão dos conflitos penais envolvendo crianças e adolescentes. Para tanto as decisões dos
familiares passaram a ser consideradas nas decisões oficiais.
Por lá, o procedimento infracional só é aplicado se não houver outro meio alternativo
de solucionar o caso, resguardado o interesse público em contrário. Também não devem ser
31
32
Ob. cit.
Ob.cit.
21
instaurados os procedimentos infracionais para prover qualquer tipo de assistência ou serviços
voltados ao bem-estar do adolescente, além disso, toda medida prevista para lidar com
adolescentes deve ter por objetivo fortalecer a família e seu grupo familiar, promovendo
habilidades neste grupo para que possa desenvolver seus próprios meios de lidar com as
ofensas praticadas por seus adolescentes e toda medida deve levar em consideração os
interesses das vítimas. Assim, quando há reconhecimento de responsabilidade pelo
adolescente, este e a vítima, com a presença dos respectivos grupos familiares ou pessoas que
lhes dêem suporte, tentam solucionar os conflitos gerados com a infração do menor.
Foi também, a partir desta experiência que a Organização das Nações Unidas – ONU,
através da Resolução 12/2002, citando sua Resolução anterior no. 26/1999, incentivou os
Estados membros a apoiarem o desenvolvimento e implementação de pesquisa, capacitação e
atividades para implementação de projetos de Justiça Restaurativa. Isto se deu em razão da
percepção de que a abordagem da Justiça Restaurativa propicia uma oportunidade para as
vítimas obterem reparação, se sentirem mais seguras e aptas a superar o problema, garantindo
aos adolescentes, oportunidade para compreenderem as causas e as conseqüências de seu
comportamento, assumindo responsabilidade de forma efetiva e que a comunidade possa
compreender as causas subjacentes dos atos infracionais, visando promover o bem-estar desse
adolescente e prevenir a criminalidade.
Nessa mesma Resolução, a ONU tratou de temas como a Terminologia acerca da
Justiça Restaurativa, a utilização de programas de Justiça Restaurativa, sua operação e seu
desenvolvimento contínuo.
Hoje em dia, as experiências, a práticas da Justiça Restaurativa e modelos similares
acontecem em países como África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá,
Escócia, Estados Unidos, Finlândia, França, Noruega, Nova Zelândia, e outros.
3.3 MODELO RESTAURATIVO- UMA RETOMADA ÀS PRÁTICAS ANCESTRAIS
O novo paradigma restaurativo sofre contra resistências. Muitos operadores do direito
desacreditam de sua eficácia e pregam que ele causa um desvio ao devido processo legal e
que sua aplicação representaria um retrocesso à vingança privada33.
33
A vingança privada é uma das fases da vingança penal. Na denominada fase da vingança privada, cometido
um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção a
ofensa, atingindo não só o ofensor, como todo o seu grupo. A inexistência de um limite (falta de
proporcionalidade) no revide à agressão, bem como a vingança de sangue foi um dos períodos em que a
vingança privada constituiu-se a mais freqüente forma de punição, adotada pelos povos primitivos. A vingança
22
Na verdade os defensores da Justiça Restaurativa como Zehr, argumentam que o
fundamento aqui, é retornar às certas práticas comunitárias ancestrais, principalmente
indígenas e aborígenes, de cunho mediatório e com características restaurativas.
Vasconcelos ao tratar da evolução do conflito em sua obra Mediação de Conflitos e
Práticas Restaurativas34, expõe que noventa por cento da história da humanidade foi
vivenciada por nossos ancestrais, cujas relações humanas eram sem muita complexidade e
fortemente horizontalizadas, sendo que seus conflitos eram mediados pela comunidade,
através de lideranças comunitárias. Em pesquisas recentes, o antropólogo e mediador William
Ury, demonstra que eram raros os atos de violência entre os povos antigos e que na verdade a
guerra, que seria o ápice da violência é algo dos novos tempos. 35
A verdade antropológica é que as guerras têm suas raízes nos primórdios da
civilização, quando os seres humanos estavam deixando de ser nômades e
começaram a cultivar e a criar animais. Isso levou à concentração de população e à
competição por terra e por comida. Em seguida, vieram as tensões populacionais e
as guerras. De lá para cá, passaram-se 10.000 anos, o equivalente a apenas 1% de
nossa existência. A guerra como um fenômeno social organizado, portanto, é muito
recente.36
Como se vê, a medida que as relações foram se modernizando, também foram se
tornando mais frias, violentas e os mecanismos de resolução dos conflitos foram se
verticalizando. Com a Justiça Restaurativa nota-se uma retomada a um modelo com mediação
comunitária, com vistas a proporcionar que pessoas tão diferentes como uma vítima e seu
algoz, se enxerguem como participantes de um mesmo organismo comunitário.
3.4 JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL
Conforme Joshua Wachtel, em meados dos anos 90, Dominic Barter37 desenvolveu um
trabalho em uma favela no Rio de Janeiro, incluindo membros de gangues. Sua intenção era
ajudá-los na aplicação de práticas não violentas no cotidiano. Ele dizia: “I saw violence as a
monologue” e “All the state and gang responses to violence were more of the same. I wanted
to create a dialogue.”
privado constituía uma reação natural e instintiva, por isso, foi apenas uma realidade sociológica, não uma
instituição jurídica.
34
VASCONCELOS, Carlos Eduardo, 2008, p. 22.
35
William Ury é especialista em técnicas de negociação e passou as últimas duas décadas mediando conflitos na
Indonésia, Venezuela, África do Sul, Iugoslávia e Oriente Médio.
36
Entrevista William Ury, Revista Veja, 2006, no. 1971. – O inferno somos nós - Disponível em
http://veja.abril.com.br/300806/entrevista.html, Acesso em 22/09/2009.
37
WACHTEL, Joshua, 2009 - Toward Peace and Justice in Brazil: Dominic Barter and Restourative Circles –
Disponível em http://www.realjustice.org/library/brazil.html, Acesso em 04/09/2009.
23
Em 2005, o então ministro da justiça, após assistir a primeira apresentação no Brasil,
sobre as práticas restaurativas, contratou Barter para ajudar nos projetos pilotos em São Paulo
e Porto Alegre.
Com isso, deu-se o marco inicial das praticas restaurativas no Brasil, por intermédio
da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça que elaborou o projeto
Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro. Com o apoio do
Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento – PNUD surgiram 3 projetos-piloto,
quais sejam: O projeto da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Caetano do
Sul, na 3ª. Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre no Rio Grande
do Sul e no Juizado Especial Criminal do Núcleo Bandeirante em Brasília-DF.
Cada um destes projetos-piloto, implementados com base nos princípios da Justiça
Restaurativa, ganharam contornos distintos, fazendo uso de Práticas Restaurativas
nem sempre idênticas, em face das peculiaridades de cada Juízo, bem como da
localidade que estava sendo implementado e, ainda, da circunstância de se tratar de
“pilotos”, que buscam na experimentação, a construção do modelo regional e/ou
nacional de Justiça Restaurativa mais adequado para as realidades brasileiras.38
Como se pode notar na fala de Mazda Ednir, o fato desses projetos serem diferentes
entre si, pois além de localizados em regiões distintas, também tratam de relações de conflito
em âmbitos diversos, sejam eles na escola, na comunidade ou já no judiciário, o que requer
práticas restaurativas que respeitem as peculiaridades inerentes a cada um, o que será de
grande valia na a criação de um modelo adequado ao nosso país.
No Brasil, a Justiça Restaurativa está sendo aplicada como um recurso centrado na
vítima que visa reparar o dano, de forma que o acesso se torne mais transparente e
democrático, criando um espaço onde o envolvimento dos afetados e dos membros de sua
comunidade no processo venha promover a paz e a tolerância e que haja a transformação do
papel governamental e da comunidade.
Além do trabalho dos projetos-pilotos, temos o desenvolvimento de práticas
restaurativas também em Recife e Belo Horizonte e nas cidades paulistas de Guarulhos,
Jundiaí, Heliópolis.
Os projetos de trabalho para o alcance dessas perspectivas ocorrem, como já foi dito,
em escolas, no Judiciário e na comunidade, utilizando para tanto conferências (câmaras
restaurativas ou círculos) e a mediação.
3.4.1 Práticas restaurativas em São Paulo
38
Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania/ Madza Ednir, organizadora. - São
Paulo : CECIP, 2007)
24
3.4.1.1 São Caetano do Sul
A Justiça Restaurativa e sua prática desenvolvida no Juizado da Infância e da
Juventude de São Caetano do Sul/SP iniciou por meio de uma parceria entre o Sistema de
Justiça e o de Educação, denominado “Justiça e Educação: parceria para cidadania. Por lá, os
círculos restaurativos podem ser aplicados em qualquer estágio do processo convencional e
sua atuação envolve ações preventivas a todas as fases do processo de apuração dos atos
infracionais e de execução de medidas socioeducativas.
Assim, quando esse tipo de conflito criminal chega à Justiça, através de uma audiência
de oitiva informal, com participação do juiz, promotor, advogado e assistente social, verificase se há reconhecimento de responsabilidade e disposição por parte do menor, da vitima e
seus familiares de participarem dos círculos restaurativos, se assim for, o processo
convencional é suspenso para tomada de decisão sobre a melhor maneira de reparação dos
danos e atendimento das necessidades de todos os afetados, sobretudo da vítima. Em se
tratando dos casos mais graves, sobretudo aqueles em que não há relações contínuas de
convivência, a resolução dos conflitos é realizada no fórum e com participação de técnicos
especialmente capacitados.
Em suporte a esta iniciativa, todo um conjunto de iniciativas para articulação da rede
de atendimento secundária, uma Rede de Apoio, em torno da escola vem sendo realizado,
sempre com um viés de promoção de um maior envolvimento da própria comunidade.
Na vertente do projeto restaurativo desenvolvido nas comunidades, foram criados
espaços comunitários para a resolução de conflitos, evitando-se sua caracterização como
infracionais e seu envolvimento com o Sistema de Justiça. Baseado nas diretrizes das Nações
Unidas, o projeto procurou expressar a criação de políticas e medidas progressistas de
prevenção de conflitos de vizinhança, violência doméstica, brigas de adolescentes, conflitos
entre pais e filhos, etc.
O projeto restaurativo na comunidade foi chamado de “Restaurando justiça na família
e na vizinhança”. Nesse intuito, o projeto visa identificar a raiz do problema de forma a
permitir a aplicação de ações preventivas. O projeto acontece em parceria com a polícia, a
guarda civil municipal, a Ordem dos advogados do Brasil e a Secretaria Municipal de Saúde,
que identifica os casos de vítimas de violência atendidas em hospitais e as encaminha para
participação nos círculos restaurativos e ao programa de visitas domiciliares
Em São Caetano do Sul, ao se tratar dos problemas da delinqüência dos adolescentes
dentro de sua própria comunidade, tem-se o objetivo de evitar a estigmatização do menor,
buscando entender que o comportamento dos jovens que não se ajustam a valores e normas
25
gerais da sociedade, são com freqüência, parte de seu processo de amadurecimento, por isso a
importância de promover essas ações comunitárias.
O grande desafio é a reinserção desses adolescentes, principalmente no ambiente
escolar, para isso foram capacitados educadores e pessoas da comunidade para atuarem como
mediadores ou facilitadores dos círculos restaurativos pautados pelo diálogo, respeito,
autonomia e horizontalidade. Essa parte do projeto visa, evitar suspensões ou transferências
compulsórias e faz com que a comunidade se mobilize para ajudar o adolescente no
enfrentamento das dificuldades vividas. E é aqui, que se pode notar uma terceira vertente do
projeto de Justiça Restaurativa de São Caetano do Sul, o chamado Preventivo-Escolas, que
conta com a participação de pais, alunos, professores e auxiliares de educação nos círculos
restaurativos.
O projeto de Justiça Restaurativa no Brasil, no âmbito escolar, começou a ser
desenvolvido em 12 escolas de São Caetano do Sul em 2006. O novo mecanismo busca a
solução pacífica dos conflitos que acabam gerando agressão física ou emocional, substituindo
as punições tradicionais de advertência, castigo ou expulsão pelo diálogo, reflexão e análise
das conseqüências.
“Não se trata de passar a mão na cabeça de quem provocou um dano e nem de
impunidade”. Nivaldo Leal dos Santos, coordenador do programa e gerente de Educação e
Cidadania da Fundação para Desenvolvimento da Educação (FDE). Os bons frutos das
práticas restaurativas são inegáveis, uma vez que “o sistema restaurativo tem-se revelado mais
eficaz para lidar com os conflitos e violências, principalmente com o público jovem, por
trabalhar as causas e as conseqüências.39
Em atendimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente, políticas públicas universais
devem ser criadas para proteger os direitos dos menores e para isso toda uma rede de
atendimento ou apoio deve estar articulada. É por isso que como foi exposto acima, o
Judiciário se une à escola e à comunidade na tentativa de prevenir ou pacificar conflitos
envolvendo menores infratores.
Como se vê, a aplicação da Justiça Restaurativa implica numa transformação
institucional no âmbito da justiça e também da escola, em prol de uma maior participação dos
próprios adolescentes na resolução dos conflitos.
39
Solução pacífica de conflitos de alunos em escolas estaduais ganha prêmio: Diário Oficial Poder Executivo Seção I , de 24 de dezembro de 2008, São Paulo, p 118.
26
O projeto de São Caetano do Sul tornou-se referência no Estado de São Paulo. Em três
anos de projeto, mais de mil pessoas foram atendidas, com índices de acordo de 88% e,
destes, 96% foram cumpridos.
3.4.1.2 Heliópolis e Guarulhos
O projeto de Justiça Restaurativa de Heliópolis e Guarulhos é uma parceria entre a
Fundação para o Desenvolvimento da Educação - FDE e as Varas Especiais da Infância e da
Juventude da Capital (Região de Heliópolis) e a Vara da Infância e da Juventude de
Guarulhos. Tal projeto foi pautado em 3 eixos. O eixo central do projeto é a aprendizagem de
procedimentos restaurativos, o segundo eixo é o apoio às mudanças nas escolas, comunidade
e no Fórum. O último e terceiro eixo é o fortalecimento da Rede de Atendimento para onde os
participantes dos Procedimentos Restaurativos serão encaminhados.
É diante de um quadro de violência instalada, que não poupa nem o ambiente escolar e
como ineficiente é a resposta a essa violência, por não se considerar de onde ela vem, para
então tratar a problemática em sua causa como meio de prevenção, é que a escola precisa
tomar uma atitude para o cultivo da cultura da paz.
A constatação de que os problemas que estão ligados à violência na sociedade e nas
escolas têm um forte componente social e cultural, vêm gerando a mobilização de
segmentos do Poder Público e dos agentes sociais, produzindo novas idéias e
práticas para não apenas eliminar a violência quando ela ocorre, mas,
principalmente, preveni- la.40
3.4.2.1 Práticas restaurativas no Distrito Federal
No Distrito Federal, a experiência da Justiça Restaurativa acontece na cidade satélite
do Núcleo Bandeirante, mais precisamente no Juizado Especial Criminal.
Acontece uma triagem ainda na delegacia daqueles casos em que se poderão ser
aplicada as práticas restaurativas. Em audiência preâmbular promotor e o juiz propõe a
participação das partes envolvidas nos círculos restaurativos, que aconteceram em outro lugar
e dia, sem a presença do magistrado ou do promotor. Se houver o aceite das partes, o processo
é suspenso e é aguardado o relatório do trabalho. No caso se houver acordo, dentro dos limites
legais este será homologado e consequentemente, arquiva-se o processo.
3.4.3.1 Práticas restaurativas em Porto Alegre
Desde 2002 começaram a serem testadas práticas restaurativas em Porto Alegre e a
partir de 2005 teve início o projeto “Justiça para o Século 21” com sua aplicação sistemática.
40
MADZA, Ednir, Organizadora - Justiça e educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a
cidadania. - São Paulo : CECIP, 2007, p. 10
27
O projeto conta com apoio voluntário de coordenadores e comunidade e da UNESCO Programa Criança Esperança, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD e Secretaria da
Reforma do Judiciário. O seu objetivo de contribuir com outras políticas públicas para
pacificação de violências envolvendo crianças e adolescentes, com a aplicação da Justiça
Restaurativa que propõe humanizar e qualificar os serviços prestados pelo sistema de justiça e
pela Rede de Atendimento da Infância e da Juventude.
O projeto está sediado na 3ª. Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto
Alegre e através da sua Central de Práticas Restaurativas - CPR/JIJ é promovida a aplicação
de práticas restaurativas nos processos judiciais relativos a atos infracionais praticados por
menores de 18 anos.
Os procedimentos restaurativos do projeto de Porto Alegre são realizados respeitando
os princípios da Justiça Restaurativa de voluntariedade na participação, horizontalidade,
admissão da autoria do cometimento do ato infracional pelo adolescente e na não
revitimização.
Os procedimentos dividem-se em três partes: pré-círculo (preparação do encontro);
círculo (realização do encontro subdividido em três etapas: compreensão mútua, autoresponsabilização e acordo) e pós-círculo (acompanhamento do acordo). O procedimento é
conduzido por um coordenador e tudo só acontece se o adolescente, a vítima e seus
responsáveis concordarem em participar.
O acontecimento das práticas em Porto Alegre pode ser antes da aceitação da
representação pelo magistrado ou quando a sentença estiver sendo executada, ou seja, quando
o adolescente estiver cumprindo a medida socioeducativa. O aval de qual seria o melhor
momento para a participação desse jovem nos círculos é dado pela equipe multidisciplinar
que o acompanha.
Nesses poucos anos de práticas restaurativas no 3º. Juizado de Porto Alegre, mais de
2.583 pessoas foram atendidas.
3.4.4.1 Práticas restaurativas em Belo Horizonte
Em Belo Horizonte foi idealizado um projeto chamado de Projeto Mediar no âmbito
da Polícia Civil. A aplicação é na 5ª. Delegacia Distrital, abrangendo uma área com 14
bairros. O processo restaurativo é desenvolvido nos casos de pequenos conflitos e infrações
penais, que tenham prejudicado o relacionamento entre as partes. Na busca pela redução e
monitoramento desses conflitos, tal mediação policial envolve profissionais liberais e é
28
possível a participação da comunidade. A mediação é informal, mas os acordos são
legitimados com a assinatura das partes e outros participantes. O foco do projeto é promover a
reparação do dano e as partes envolvidas, podem a qualquer momento desistir ou até mesmo,
concatenar a prática restaurativa com o processo legal.
3.4.5.1 Práticas restaurativas em Recife
É de maneira informal que no 1º. Juizado Especial Criminal de Recife está se
desenvolvendo a Justiça Restaurativa, através de uma equipe composta por seis mediadores
utilizam-se de técnicas de mediação com abordagem restaurativa. Há uma parceria com as
delegacias que averiguam os casos verificam a possibilidade da aplicação da prática
encaminhando as partes para o núcleo. O projeto também é acompanhado e avaliado por uma
equipe interdisciplinar.
3.5 A LEGISLACAO BRASILEIRA E A JUSTIÇA RESTAURATIVA
A consideração e o tratamento dado pelo texto legislativo é imprescindível para
aplicação das práticas restaurativas. De acordo com Pedro Scuro Neto41, um programa efetivo
de Justiça Restaurativa requer que sejam estabelecidos, “por via legislativa, padrões e
diretrizes legais para a implementação dos programas restaurativos, bem como para a
qualificação, treinamento, avaliação e credenciamento de mediadores, administração dos
programas, níveis de competência e padrões éticos, salvaguardas e garantias individuais”.
O aparato legislativo no Brasil quanto à Justiça Restaurativa é mínimo, ainda não há
dispositivos voltados para práticas totalmente restaurativas, com isso, para sua implementação
tem-se valido da Lei dos Juizados Especiais no. 9099/95, do Código Penal, da Lei no.
11340/06, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Contudo, podemos contar com a previsão
no preâmbulo da Constituição Federal de que na instituição do nosso Estado Democrático
destinado entre outras coisas a assegurar o valor supremo da justiça, a nossa sociedade está
comprometida também com a solução pacífica das suas controvérsias. Assim sendo, tem se
subsídios na legislação maior que para a implementação de práticas restaurativas, que
valorizam a resolução dos conflitos de forma pacífica.
3.5.1 Lei dos Juizados Especiais (Lei no. 9.099/95)
41
(2005, Damásio de Jesus apud Pedro Scuro Neto, 200..) JESUS, Damásio de. Justiça Restaurativa no Brasil.
Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 16.11.2005
29
A Lei dos Juizados Especiais que rege os crimes e contravenções penais com pena não
superior a 2 anos ou multa, no texto de seus artigos 72 a 76, da vazão à utilização do processo
restaurativo, senão vejamos:
Art. 72 – Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o
autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus
advogados, o juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da
aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.
Art. 76 – Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública
incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá
propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas a ser
especificada na proposta.
3.5.2 Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei no. 2.848/1940)
O Código Penal, instituído pelo Decreto-Lei no. 2.848/1940 trata nos artigos 45 a 48
das penas alternativas, trazendo também uma brecha para a aplicação da Justiça Restaurativa:
Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na
forma deste e dos arts. 46, 47 e 48.
§ 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus
dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância
fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos
e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual
condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
§ 2o No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação
pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza.
§ 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a
legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá
como teto - o que for maior - o montante do prejuízo causado ou do provento obtido
pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime.
Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às
condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.
§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na
atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.
§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais,
hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas
comunitários ou estatais.
§ 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do
condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de
condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
§ 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a
pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena
privativa de liberdade fixada.
Art. 47 - As penas de interdição temporária de direitos são:
I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de
mandato eletivo;
II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de
habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;
III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo.
IV - proibição de freqüentar determinados lugares.
Art. 48 - A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos
sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro
estabelecimento adequado.
Parágrafo único - Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado
cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.
30
Os artigos 16, 33 § 4.º, art. 65, III, “b”, art. 78, § 2.º também do Código Penal,
referentes à reparação de dano, conduzem à aplicação de práticas restaurativas.
Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa,
reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa,
por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
Art. 33, § 4o O condenado por crime contra a administração pública terá a
progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano
que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos
legais.
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III - ter o agente:
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime,
evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o
dano;
Art. 78, § 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade
de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente
favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes
condições, aplicadas cumulativamente:
a) proibição de freqüentar determinados lugares;
b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;
c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar
e justificar suas atividades.
A partir do momento em que as partes venham a participar voluntariamente dos
círculos restaurativos e tracem conjuntamente um acordo com vistas à reparação do dano, as
previsões legais dos artigos citados acima, podem ser aplicadas concomitantemente à critério
do magistrado que homologará o acordo e assim a Justiça Restaurativa estará sendo aplicada.
O sentido trazido pelos princípios e objetivos da Justiça Restaurativa com relação ao dano,
não se limitam à devolução do bem furtado, por exemplo, mas mais que isso, significa a busca
pela pacificação do conflito que surgiu da retirada do bem da posse da vítima. A Justiça
Restaurativa é feita através do diálogo, da exposição do ponto de vista e dos sentimentos dos
participantes com relação ao fato e, sobretudo, na oportunidade destes em conjunto, proporem
a melhor e possível solução para minimizar os danos causados, que às vezes, mais do que
material é na alma.
3.5.3 Lei Maria da Penha (Lei no. 11.340/06)
No trabalho monográfico de Laiana Brasílico Lima42, busca-se verificar a
possibilidade da aplicação da Justiça Restaurativa na Lei Maria da Penha no. 11.340/06 com
embasamento em seu artigo 31: Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais
42
LIMA, Laiana Brasilino - Monografia: A aplicação da Justiça Restaurativa na Lei Maria da Penha (Lei n.
11.340/06, 2008, p. 57)
31
aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante
a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.
Segundo Laiana, ao prever a indicação de atendimento multidisciplinar, a Lei Maria da
Penha, também abre espaço para adoção de práticas restaurativas nos conflitos entre casais,
mesmo que explicitamente não se fale desse novo paradigma de justiça.
3.5.4 Portaria Conjunta no. 15/2004
Em se tratando 2004, o Presidente, o Vice-Presidente e o Corregedor do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios elaboraram um ato administrativo que criou uma
comissão para estudar a adaptabilidade da Justiça Restaurativa à justiça do Distrito Federal e
desenvolvimento de ações para implantação do projeto no Juizado Especial do Núcleo
Bandeirantes, que corresponde a um dos 3 projetos-piloto. Esse ato administrativo foi a
Portaria Conjunta no. 15 de 21/04/2004, um dos raros dispositivos na nossa legislação que
trata diretamente do paradigma da Justiça Restaurativa.
3.5.5 Projeto de Lei no. 7.006/2006
O Deputado Geraldo Thadeu é autor do projeto que propõe alterações no Código
Penal, no Decreto-Lei 3689/41 e na Lei dos Juizados Especiais no. 9099/95 para facultar o
uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de Justiça Criminal de forma
complementar, nos casos de crimes e contravenções penais. O projeto explica em seu artigo
9º. que os procedimentos restaurativos deverão observar os princípio da voluntariedade, da
dignidade da pessoa humana, da imparcialidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da
cooperação,
da
informalidade,
da
confidencialidade,
da
interdisciplinariedade,
da
responsabilidade, do mútuo respeito e da boa-fé. Se aprovado o projeto de lei proporcionará
as seguintes mudanças:
Alterações no Código Penal:
Art. 11 - É acrescentado ao artigo 107, do Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de
1940, o inciso X, com a seguinte redação:
X – pelo cumprimento efetivo de acordo restaurativo.
Art. 12 – É acrescentado ao artigo 117, do Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro
de 1940, o inciso VII, com a seguinte redação:
VII – pela homologação do acordo restaurativo até o seu efetivo cumprimento.
Alterações do Decreto-lei n. 3689/41:
Art. 13 - É acrescentado ao artigo 10, do Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de
1941, o parágrafo quarto, com a seguinte redação:
§ 4º - A autoridade policial poderá sugerir, no relatório do inquérito, o
encaminhamento das partes ao procedimento restaurativo.
Art. 14 - São acrescentados ao artigo 24, do Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de
1941, os parágrafos terceiro e quarto, com a seguinte redação:
32
§ 3º - Poderá o juiz, com a anuência do Ministério Público, encaminhar os autos de
inquérito policial a núcleos de justiça restaurativa, quando vitima e infrator
manifestarem, voluntariamente, a intenção de se submeterem ao procedimento
restaurativo.
§ 4º – Poderá o Ministério Público deixar de propor ação penal enquanto estiver em
curso procedimento restaurativo.
Art. 15 - Fica introduzido o artigo 93 A no Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de
1941, com a seguinte redação:
Art. 93 A - O curso da ação penal poderá ser também suspenso quando
recomendável o uso de práticas restaurativas.
Art. 16 - Fica introduzido o Capítulo VIII, com os artigos 556, 557, 558, 559, 560,
561 e 562, no Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, com a seguinte
redação:
CAPÍTULO VIII
DOPROCESSO
RESTAURATIVO
Art. 556 - Nos casos em que a personalidade e os antecedentes do agente, bem como
as circunstâncias e conseqüências do crime ou da contravenção penal,
recomendarem o uso de práticas restaurativas, poderá o juiz, com a anuência do
Ministério Público, encaminhar os autos a núcleos de justiça restaurativa, para
propiciar às partes a faculdade de optarem, voluntariamente, pelo procedimento
restaurativo.
Art. 557 – Os núcleos de justiça restaurativa serão integrados por facilitadores,
incumbindo-Ihes avaliar os casos, informar as partes de forma clara e precisa sobre o
procedimento e utilizar as técnicas de mediação que forem necessárias para a
resolução do conflito.
Art. 558 - O procedimento restaurativo consiste no encontro entre a vítima e o autor
do fato e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados,
que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo
crime ou contravenção, com auxílio de facilitadores.
Art. 559 - Havendo acordo e deliberação sobre um plano restaurativo, incumbe aos
facilitadores, juntamente com os participantes, reduzi-lo a termo, fazendo dele
constar as responsabilidades assumidas e os programas restaurativos, tais como
reparação, restituição e prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as
necessidades individuais e coletivas das partes, especialmente a reintegração da
vítima e do autor do fato.
Art. 560 – Enquanto não for homologado pelo juiz o acordo restaurativo, as partes
poderão desistir do processo restaurativo. Em caso de desistência ou
descumprimento do acordo, o juiz julgará insubsistente o procedimento restaurativo
e o acordo dele resultante, retornando o processo ao seu curso original, na forma da
lei processual.
Art. 561 - O facilitador poderá determinar a imediata suspensão do procedimento
restaurativo quando verificada a impossibilidade de prosseguimento.
Art. 562 -O acordo restaurativo deverá necessariamente servir de base para a decisão
judicial final.
Parágrafo Único – Poderá o Juiz deixar de homologar acordo restaurativo firmado
sem a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ou que
deixe de atender às necessidades individuais ou coletivas dos envolvidos.
Art. 17 - Fica alterado o artigo 62 , da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que
passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 62 - O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, buscando-se, sempre que possível,
a conciliação, a transação e o uso de práticas restaurativas.
Alterações na Lei 9099/95:
Art. 18 – É acrescentado o parágrafo segundo ao artigo 69, da Lei 9.099, de 26 de
setembro de 1995, com a seguinte redação:
33
§ 2º – A autoridade policial poderá sugerir, no termo circunstanciado, o
encaminhamento dos autos para procedimento restaurativo.
Art. 19 – É acrescentado o parágrafo sétimo ao artigo 76, da Lei 9.099, de 26 de
setembro de 1995, com o seguinte teor:
§ 7º – Em qualquer fase do procedimento de que trata esta Lei o Ministério Público
poderá oficiar pelo encaminhamento das partes ao núcleo de justiça restaurativa.
3.5.6 Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no. 8.069/1990)
Segundo entendimento de Brancher citado por Scuro43, “o Estatuto da Criança e do
Adolescente ... contém dispositivos que tornam perfeitamente compatível o ordenamento
jurídico brasileiro, na área da Justiça Penal Juvenil, com a recepção do modelo da Justiça
Restaurativa.”
De forma mais explicita, a aplicação das práticas restaurativas pode ser perfeitamente
possível utilizando-se o que preceitua os artigos 126, 127, 181 e 186 que tratam do instituto
da remissão, mecanismo de exclusão, suspensão ou extinção do processo referente à aplicação
de medidas socioeducativas a adolescentes.
3.5.7 Projeto de Lei no. 1.627/2007
Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei no. 1.627 de 2007, de autoria da Deputada
Rita Camata, que dispõe sobre os sistemas de atendimento socioeducativo, regulamenta a
execução das medidas destinadas ao adolescente, em razão de ato infracional. É previsto em
seu artigo 35, parágrafo II e III que a execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelo
principio da excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas,
favorecendo-se meio de autocomposição de conflitos e ainda ostenta a prioridade às práticas
ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível atendam às necessidades das
vítimas.
Art. 35 A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes
princípios:
I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o
conferido ao adulto;
II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas,
favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;
III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível
atendam às necessidades das vítimas;
IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida;
V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que
dispõe o art. 122 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do
Adolescente;
VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias
pessoais do adolescente;
43
BRANCHER, Leoberto Brancher - Justiça, Responsabilidade e coesão social – Reflexões sobre a
implementação da Justiça Restaurativa, 2009, Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1249, Acesso em 12/10/2009.
34
VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da
medida;
VIII - não-discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero,
nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política sexual, ou associação ou
pertencimento a qualquer minoria ou status; e
IX - Fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo
socioeducativo.
No Relatório do referido Projeto de Lei, a Deputada convoca a participação e interação
dos diversos atores sociais afetados direta ou indiretamente pelo ato infracional, uma vez que
é o que o artigo 35 proposto para nova lei impõe uma maior responsabilização no tratamento
ao adolescente infrator.
35
4 AS ETAPAS
INFRATORES
HISTÓRICAS
DO
TRATAMENTO
DOS ADOLESCENTES
Segundo Emilio García Méndez44, a responsabilidade penal dos menores de idade
transitou em três grandes etapas. A primeira, até 1919, tem o caráter penal indiferenciado,
pois era aplicado aos menores quase o mesmo tratamento que ao adulto. Entre 7 a 18 anos,
respondia-se a uma pena penal atribuída aos adultos, reduzida em um terço. A segunda etapa é
a de caráter tutelar, originou-se nos Estados Unidos no final do século XIX, com o
Movimento dos Reformadores, como resposta à indignação da situação carcerária da época e
ante o alojamento em conjunto de adultos e menores de idade. Os países da Europa foram
influenciados pela experiência americana e até 1920, já haviam criado legislação
especializada aos menores infratores. Logo em seguida, a especialização do direito e a
administração da justiça aplicada aos menores chegam à América Latina.
La separación de adultos y menores fue la bandera victoriosa de los
Reformadores norteamericanos, en menor medida de sus seguidores europeos
y hasta hace muy poco, mucho más una expresión de deseos de sus
emuladores latinoamericanos. En este último caso -donde todavia hoy la
colocación de menores de edad en las cárceles de adultos persiste como un
problema no poco importante en muchos países de la región- sólo el
desentenderse de las consecuencias reales de las decisiones de la
administración de justicia, así como el predominio de los eufemismos,
permitieron “resolver” esta situación manteniendo “limpia” la conciencia.
(MÉNDEZ, 2006, p. 10)
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em 1989, foi caracterizada pela
separação, participação e responsabilidade. A separação tem a ver com a distinção do plano
normativo dos problemas de natureza social dos conflitos com a lei penal. O conceito de
participação trazido pela Convenção, expresso em seu artigo 12, garante à criança,
considerando sua idade e maturidade, a participação em processo judicial ou administrativo:
1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular
seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre
todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em
consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança.
2. Com tal propósito, se proporcionará à criança, em particular, a
oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que
afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou
órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais da legislação
nacional.
44
DE PAULA, Paulo Afonso Garrido. “Ato Infracional e Natureza do Sistema de Responsabilização” In. Justiça,
Adolescente e Ato Infracional: Educação e Responsabilização. São Paulo: ILANUD. 2006. 590 p.
36
Emilio diz que pelo caráter progressivo do conceito de participação é exigível o
desenvolvimento de um conceito de responsabilidade também:
... el concepto de responsabilidad, que a partir de determinado momento de
madurez se convierte no sólo en responsabilidad social sino además y
progresivamente en una responsabilidad de tipo específicamente penal, tal
como lo establecen los arts. 37 y 40 de la CIDN. (Méndez, 2006, p.10)
A etapa atual é a da responsabilidade penal dos adolescentes, que na América Latina,
foi inaugurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente brasileiro, que inova, pelo menos na
letra da lei, com a idéia desse conceito de responsabilidade penal e rompe com os modelos
passados, o tutelar e o indiferenciado.
...el ECA contutuye una respusta adecuada, eficiente y concordante com los
más altos stándares internacionales de respeto a los derechos humanos. El ECA
satisface ele doble legítimo requisito de asegurar simultáneamente la seguridade
coletiva de la sociedade com El respeto riguroso de las garantias de los indivíduos
sim distinción de edad. La necesidade de leys reguladoras de las medidas sócioeducativas, el área más obscura de la administración de la justicia juvenil, no se
justifica ni legitima por imperfecciones técnicas del ECA y si em cambio y sobre
todo, para contrarrestar la sobrevivência de una cultura de la “protección”
subjetivista y discrecional. El debate, ojalá com todo el mundo del derecho y no solo
com los especialistas, continua abierto. (Méndez, 2006, p. 22 e 23).
Méndez diz que se considerando as legislações passadas (Código de Menores de 1927
e de 1979) o Estatuto da Criança e do Adolescente traz inovações e adequações
principalmente por enfatizar que estes são portadores de direitos e não mais só objetos da
ação estatal contra as mazelas da pobreza e da insegurança social, o que é imprescindível para
que os especialistas brasileiros no assunto possam continuar nessa discussão que arregimenta
todo o mundo, de maneira mais tranqüila, pois pelo menos nossa legislação já apresenta um
avanço na defesa e proteção infanto-juvenil, mais condizente com a realidade.
4.1 EVOLUÇÃO DO DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE NO BRASIL
No Brasil imperial, a visão da sociedade colonial e escravagista era que o trabalho era
destinado àqueles que não tinham valor na escala social, ou seja, os pobres negros e índios.
Contudo, apesar de bastante árdua, a desconstrução do desvalor do trabalho, a desmistificação
de que se tratava de algo ruim e pejorativo, teve que rapidamente acontecer, para se adaptar
ao capitalismo que chegava. O advento do capitalismo e a necessidade da manutenção
constante de uma mão-de-obra subordinada, interferiu nas concepções e valores de toda a
sociedade. O trabalho passou a ser pregado pelo mundo, como algo positivo e enobrecedor e
em contrapartida a vadiagem e ociosidade, principalmente dos jovens, passam a ser vista
como uma ilegalidade.
37
A partir do século XIX a questão da violência juvenil começa a preocupar todas as
nações e o Brasil, uma vez que o desenvolvimento das indústrias e a urbanização convocam
todos ao trabalho, inclusive as donas-de-casa, que são obrigadas a deixar seus filhos em casa,
o que para os estudiosos concorreu para a degradação dos valores de crianças e adolescentes e
consequentemente sua iniciada pela criminalidade .
No Brasil, com relação ao tratamento destinado aos “menores infratores”, houveram
dois momentos dominados por doutrinas distintas, primeiro a Doutrina Penal do Menor e
depois a Doutrina da Situação Irregular.
A Doutrina Penal do Menor destinava aos “menores” um tratamento altamente
influenciado pelo direito penal, é tanto que os códigos penais de 1830 e 1890 previam as
medidas especiais para os infratores que não houvessem alcançado a maioridade. Tal doutrina
influenciou a legislação e o tratamento dos infratores infanto-juvenil até 1979.
Segundo exposto por Érika Piedade45, com o advento da Republica, nasce uma
preocupação para com o “reordenamento político-social e com a infância”. Os especialistas da
época pregavam a necessidade da criação de uma legislação específica para crianças e
adolescentes.
O início do século XX no Brasil foi marcado pelo surgimento de instituições estatais
com intuito de abrigar aqueles menores carentes que viviam nas ruas e internar em
reformatórios os que estavam em conflito com a lei. E em 1924 foi instalado no Rio de
Janeiro o primeiro Juizado de Menores, o primeiro também na América Latina.
Nessa época a criminalidade infanto-juvenil já demonstrava aumento nas estatísticas e
colocava os “menores pivetes” como responsáveis por parte da insegurança social.
A ciência já pregava a humanização da Justiça e medidas para se compreender a
criminalidade infanto-juvenil. Ademais, considerava que o tratamento dos “menores” não
deveria ser competência da justiça criminal.
As medidas propugnadas nos Congressos do início do século defendiam em essência
que o tratamento da criminalidade juvenil deveria dar-se à margem da justiça
criminal, abrindo caminho para as políticas não-criminais intervencionistas (Rizzini,
1987: 82).
Com isso a infância passa a ser tratada de duas maneiras: em defesa do menor
abandonado e a defesa da sociedade contra o menor delinqüente. O Estado passa a intervir
45
SANTOS, E.P. .da S. (Des)construindo a ‘menoridade’: uma análise crítica sobre o papel da psicologia da
Psicologia na produção da categoria “menor”. IN: GONÇALVES, H. S.; BRANDÃO, E. P. Psicologia jurídica
no Brasil. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2004: p. 205- 248.
38
nos núcleos familiares de classes sociais baixas invocando mais ainda o valor do trabalho.
Com a formação da mão-de-obra juvenil, intencionava-se resolver a demanda de
trabalhadores da economia e solucionar o problema da ociosidade e vagabundagem.
O valor do trabalho era um dos mais importantes deflagradores da corrente de ações
voltadas para os menores e suas famílias, com o intuito de adestrá-los e transformálos em trabalhadores produtivos. Os muitos ex-escravos e seus descendentes que
resistiam ao ingresso nas linhas de produção industriais e fabris, e preferiam viver às
custas do trabalho temporário e informal ou da prática de pequenos delitos (Santos,
2000: 219).
O alojamento dos “menores” em abrigos ou reformatórios era visto como solução à
problemática da delinqüência que ameaçava a ordem pública e como solução para o abandono
e a pobreza dos que estavam soltos nas ruas, sem qualquer figura familiar “... o recolhimento
era feito nas Casas de Detenção e de Correção, misturando menores, loucos e criminosos; era de
interesse público e social manter a exclusão, mas era necessário "humanizá-la" e higienizá-la.”
4.1.1 O Código de Menores de 1927
O primeiro Código de Menores Brasileiro data de 1927, conhecido como o Código
Mello Matos, alicerçado nos conceitos de menor abandonado e menor delinquente. Sua
destinação era apenas para aquelas crianças e adolescentes que estavam em situação irregular.
Artigo 1º. - O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver
menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas
de assistencia e protecção contidas neste Codigo." (grafia original) Código de
Menores - Decreto N. 17.943 A – de 12 de outubro de 1927
De 1930 a 1945, tendo como pano de fundo o Estado Novo de Getúlio Vargas, foi o
período de políticas sociais paternalistas e assistencialistas. O ano de 1941, marca a criação do
Serviço de Assistência ao Menor – SAM, órgão do Ministério da Justiça, que cuidava da
internação para fins de correção e educação, construindo-se a classe do “menor”,
caracterizada pela classe daqueles de infância e adolescência vividos na pobreza e
considerados perigosos, distintos da infância e adolescência dos que tinham melhor condição
de vida. Em poucos anos de funcionamento, o SAM era considerado pela opinião pública
como repressivo e desumanizante.
Na mesma época foram criadas a Legião Brasileira de Assistência - LBA, em prol da
infância e da adolescência, a Casa do Pequeno Jornaleiro, Casa do Pequeno Lavrador, Casa
do Pequeno Trabalhador e Casa das Meninas, todos com trabalhos voltados ao amparo
daqueles em conflito com a lei ou que viviam na pobreza e orfandade. Tanto o Código, quanto
as práticas dessa rede de assistência foram criticadas, por causa dos parâmetros de exclusão e
repressão que se impunham aos menores em situação de risco.
39
Devido às criticas e com o passar dos anos, altera-se o tratamento dado a esses jovens,
aplicando-se a internação em último caso, tentando-se reinvestir suas famílias de autoridade,
primando-se por sua permanência no seio familiar.
O Código dos Menores de 1927 também previa que o menor de 18 anos não poderia
ser recolhido à prisão comum. Os menores de 14 anos fossem abandonados ou infratores eram
recolhidos em casa de educação ou preservação, ou ficaria sob a guarda de pessoa idônea até
os 21 anos ou ficariam com os pais ou tutor dependendo de sua periculosidade.
4.1.2 O Código Penal Brasileiro
Com o advento do Código Penal em 1940, a inimputabilidade foi fixada até a idade 18
anos, o adolescente não poderia ser submetido a processo criminal até essa idade e uma
legislação especial preveria o procedimento para tratar do menor. O legislador, já levava em
consideração que estava tratando com um indivíduo com uma personalidade em
desenvolvimento.
Com o Golpe Militar, em nome da “segurança”, um conjunto de medidas contra
condutas anti-sociais. Por exemplo, os grupos de menores circulando pelas ruas ensejavam
medidas tais como seu recolhimento à Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor –
FUNABEM, criada em 1964, cuja missão, pelo menos na teoria, era substituir a repressão e a
internação por educação. No mesmo período, foram construídas as FEBEMs, ramificações da
FUNABEM, que eram grandes prédios localizados em diversos estados e municípios, que
serviam à execução das medidas privativas de liberdade. Considerava-se que as famílias
dessas crianças e adolescentes infratores eram incapazes de atender suas necessidades e que
internados nas FEBEMs, eles estariam mais protegidos.
O Decreto-Lei 1004/69, considerava a responsabilidade relativa dos maiores de 16
anos, que respondiam por penas reservadas aos imputáveis, mas com redução de 1/3 a
metade, se considerada a capacidade do adolescente em compreender o ato ilícito. Porém,
devido às inúmeras críticas, a Lei 6.016 de 1973, modificou o artigo do Código de 1969 e
alterou a idade dos inimputáveis novamente para o limite de 18 anos.
4.1.3 Código de Menores de 1979
Em 1979 entrou em vigor o segundo Código de Menores do Brasil conhecido também
como Código Alyrio Cavalliere, e com ele inaugurou-se também a Doutrina da Situação
Irregular, abrangendo a situação dos abandonados e da delinqüência, tal como uma revisão do
antigo Código, utilizando-se da mesma arbitrariedade, assistencialismo e repressão. O Código
40
de 1979 não se ocupou dos direitos das crianças e dos adolescentes e os ainda consideravam
como objetos de controles sociais.
Houve muita censura ao Código, desde sua promulgação e principalmente em meados
da década de 80 com a abertura democrática. Nessa época não existia direito ao contraditório
nos processos das crianças e adolescentes, ferindo-se a ampla defesa. Os movimentos sociais
requeriam a reforma constitucional e aliançaram-se formando o Fórum dos Direitos das
Crianças, onde as opiniões se dividiam entre os minoristas e o estatutistas. Os primeiros
defendiam a manutenção do Código e da Doutrina da Situação Irregular, já o segundo grupo
lutava por amplos direitos às crianças e aos adolescentes.
Dentre as características da Doutrina da Situação Irregular vivenciada no Brasil, João
Batista Costa Saraiva46 elenca as principais como:
1. As crianças e os adolescentes são considerados “incapazes”, objetos de proteção,
da tutela do Estado e não sujeitos de direitos;
2. Estabelece-se uma nítida distinção ente crianças e os adolescentes das classes
ricas e os que se encontram em situação considerada “irregular”, “em perigo moral
ou material”;
3. Aparece a idéia de proteção da lei aos menores, vistos como “incapazes”, sendo
que no mais das vezes esta proteção viola direitos;
4. O menor é considerado incapaz, por isso sua opinião é irrelevante;
5. O juiz de menores deve ocupar-se não só das questões jurisdicionais, mas também
de questões relacionadas à falta de políticas públicas. Há uma centralização do
atendimento;
6. Não se distinguem entre infratores e pessoas necessitadas de proteção, surgindo a
categoria de “menor abandonado e delinqüente juvenil”.
7. As crianças e os adolescentes são privados de sua liberdade no sistema da
FEBEM, por tempo indeterminado, sem nenhuma garantia processual .
A Situação Irregular propunha um direito sobre crianças e adolescentes, como estes
sendo objeto de proteção e não como sujeitos de direito. Por isso, durante sua influência, por
exemplo, não cabia cobrar do Estado políticas sociais como a construção de escolas, pois não
havia previsão legal no Código de Menor de 1979.
4.1.4 A Constituição Federal de 1988
A Carta Magna promulgada em 1988, após as manifestações em defesa da criança e do
adolescente, inseriu no seu texto, no seu artigo 227, a consideração da criança e do
adolescente como cidadãos e sujeitos de direitos sociais, políticos e jurídicos e rompeu de vez
com a Doutrina da Situação Irregular, inaugurando a Doutrina da Proteção Integral pautada
além da nova condição de sujeitos de direito, o reconhecimento da infância como fase
primordial ao desenvolvimento e a prioridade absoluta às crianças e adolescentes.
46
41
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do
adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo
os seguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência
materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os
portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social
do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a
eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
§ 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de
uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir
acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto
no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional,
igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo
dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida
privativa da liberdade;
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e
subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou
adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao
adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.
§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança
e do adolescente.
§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá
casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação. (Constituição Federal, 1988).
§ 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em
consideração o disposto no art. 204.
Munir Cury47 diz que a Doutrina da Proteção Integral, é um conjunto de direitos que
obriga a todos na sociedade de por um lado não desrespeitar os direitos previstos na
Constituição e no ECA e mais ainda, agir em prol dessa parcela da população, que está em
pleno desenvolvimento e necessita de que os adultos busquem fazer cada vez mais, algo
positivo para eles.
No artigo 228 da CF, tratou-se do limite etário da inimputabilidade do adolescente,
permanecendo os mesmos parâmetros do Código anterior: “Art. 228. São penalmente
47
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Comentários Jurídicos e Sociais. 7. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005.
42
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”
(Constituição Federal. 1988).
Segundo Gizella Werneck48, que com a promulgação da Constituição de 1988, foram
lançadas as bases do Estatuto da Criança e do Adolescente que contou para sua redação com
entidades da sociedade civil, como a Pastoral da Criança, grupos de juristas e técnicos de
órgãos governamentais, como funcionários da FUNABEM.
4.1.5 O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no. 8069/90)
Em 1990, surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no. 8069/90), conforme
Kayayan49, representante da UNICEF no Brasil, traz um novo modelo com enfoque na
Doutrina da Proteção Integral, substituindo o modelo anterior da Situação Irregular. O novo
enfoque é o defendido pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente desde 1989 e a legislação brasileira adequou-se a essa nova visão de promoção e
em defesa aos direitos infanto-juvenil. Com relação ao Judiciário, Kayayan afirma que “hoje
já podemos apontar juízes, promotores e advogados capazes de enfrentar o problema da
delinquência juvenil com severidade e justiça sem, no entanto, abrir mão das garantias
próprias do estado democrático de direito.” Isso porque, o ECA alterou sobremaneira as
possibilidade de intervenção arbitrária do Estado sobre as crianças e adolescentes.
Segundo Érika Piedade, uma das mudanças significativas trazidas pelo ECA foi a
desconstrução da nomenclatura “menor infrator” destinada aos de classe social menos
favorável e aquela do “adolescente infrator” que seria aquele jovem de classe social mais alta
que cometeu um delito. Pois até então, acontecia uma criminalização dos jovens pobres e uma
patologização dos comportamentos de delinqüência dos jovens ricos. O senso comum e a
mídia perduram em fazer tais distinções, mas os teóricos, pelo menos na letra da lei,
substituíram-nas pelas expressões “criança” e “adolescente” que são politicamente mais
corretas.
Érika Piedade, pontua como outros traços marcantes do ECA a conclamação de outros
setores sociais e não só dos Juizados de Menores para se envolverem na problemática da
inserção social das crianças e adolescentes, participantes como a família, a sociedade e o
Estado. A criação de uma política de atendimento e a criação de um novo paradigma social
ante ao cometimento dos atos infracionais, com base na Doutrina da Proteção Integral que
48
LORENZI, Graziela Werneck, Uma breve história dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil, 2007,
Disponível em: http://www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/70d9fa8f-1d6c-4d8dbb69-37d17278024b/Default.aspx, Acesso em: 15/10/2009.
49
KAYAYAN, Agop – O Brasil Pode – Disponível em: http://www.eca.org.br/eca.htm, Acesso em: 04/10/2009.
43
busca ressocializar através da educação e não da punição. Considerando a aplicação da
medida de internação como excepcional e breve, respeitando a criança e o adolescente como
um ser em desenvolvimento.
O ECA apesar de concatenado com as legislações mais modernas não tem conseguido
realizar no mundo real sua proposta original. Érika apud Bazílio argumenta que um dos
motivos para isso, seria a fato de que o período da promulgação da Lei no. 8.069/90 foi
marcado por uma exacerbada crítica aos movimentos dos direitos humanos e de uma
crescente onda de insegurança manipulada pela mídia e parte da opinião pública, que
consideram os movimentos que invocam a paz social e os direitos humanos como defensores
da impunidade infanto-juvenil. Outra questão é que os fundos de apoio, citados no Estatuto,
oriundos de doações ou de recursos vindos do orçamento dos entes da União estão vazios,
pois houve alteração na política de financiamento público e do orçamento social, inclusive
com relação à implementação das ações previstas no ECA, por conta da alterações no cenário
político brasileiro com o neoliberalismo. Por último, questiona-se o “amadorismo no
gerenciamento da coisa pública”, pois nem sempre o encarregado da gestão da política de
atendimento às crianças e adolescentes, tem competência e conhecimento para tanto.
Nosso Estatuto é formado de duas partes fundamentais, a chamada Parte Geral,
concernente aos direitos das crianças e dos adolescentes e a segunda parte que dentre outros
títulos tem um referente à política de atendimento que não tem saído do papel da lei, pois
como se vê na fala dos autores no parágrafo acima, há um misto de interferência da mídia,
com a falta de recursos públicos e por último, a incompetência no lidar, no bem administrar
este mesmo recurso público. Dentre estes três apontamentos, cabe ressaltar o poder de
persuasão da mídia e de determinados movimentos sociais e políticos, que incutem que a
insegurança a respeito da delinqüência infantil advém da forma “impune” como o atual
Estatuto trata dos infratores.
Na verdade, a opinião pública não se imbuiu do sentimento de responsabilização
quanto a essa situação tal qual convida a Constituição e o Estatuto a todos os cidadãos
brasileiros.
Para a sociedade em geral parece ser mais justo a aplicação de medidas mais severas
aos adolescentes infratores, diga-se, sua segregação definitiva ou castigos intermináveis, em
lugar de medidas de proteção ou socioeducativas, mesmo porque para a criação e sustentação
de um sistema pedagógico para os autores de atos infracionais, prescinde medidas políticas
para o alicerceamento de uma rede de apoio estruturada e que envolva a todos, porém parece
não haver boa vontade para tanto.
44
Conforme Antonio Carlos Gomes da Costa em seu texto O Desafio da Implementação
do Estatuto da Criança e do Adolescente, citado por Graziella Werneck, três são os passos
para sua efetiva concretização:
1.
Mudanças no panorama legal: os municípios e estados precisam se adaptar à
nova realidade legal. Muitos deles ainda não contam, em suas leis municipais, com
os conselhos e fundos para a infância.
2.
Ordenamento e reordenamento institucional: colocar em prática as novas
institucionalidades trazidas pelo ECA: conselhos dos direitos, conselhos tutelares,
fundos, instituições que executam as medidas sócio-educativas e articulação das
redes locais de proteção integral.
3.
Melhoria nas formas de atenção direita: É preciso aqui “mudar a maneira de
ver, entender e agir” dos profissionais que trabalham diretamente com as crianças e
adolescentes”. Estes profissionais são historicamente marcados pelas práticas
assistencialistas, corretivas e muitas vezes repressoras, presentes por longo tempo na
historia das práticas sociais do Brasil.
Dentre os três passos necessários, talvez o mais importante seja o terceiro que trata
de uma mudança de ponto de vista por parte daqueles que trabalham diretamente com as
crianças e adolescentes, uma vez que se não houver uma mudança de foco, as conquistas
legislativas trazidas pelo ECA dificilmente virão para o campo da prática, o que significa uma
estagnação e a mesmice de sempre.
45
5 ADOLESCÊNCIA E O ATO INFRACIONAL
Primeiramente, a adolescência, segundo definição do dicionário Aurélio é a idade
compreendida entre a puberdade e a idade adulta, sendo que a puberdade é o momento na vida
de meninas e meninos em que as glândulas reprodutoras estão em pleno desenvolvimento o
que causa alterações físicas, mas mais do que pilosidade, mudança de voz, a chegada da
menstruação, a adolescência chega e traz consigo modificações psicológicas e sociais.
Já o ato infracional, com base no artigo 103 do Estatuto da criança e do adolescente é
toda conduta descrita como crime ou contravenção penal praticada por criança (até doze anos
incompletos) ou adolescente (dos doze aos dezoito anos incompletos). O procedimento para a
apuração do ato infracional cometido por um adolescente se inicia numa Delegacia, ante à
autoridade policial e de preferência que seja em uma especializada no atendimento de crianças
e adolescentes. Após encaminha-se o adolescente à presença do representante do Ministério
Público e por fim à autoridade judiciária. Ademais, o processo terá tramite no Juizado da
Infância e Juventude do local onde se ocorreram os fatos.
Os atos infracionais que podem ser cometidos pelos adolescentes podem ser divididos
em delitos praticados: contra a pessoa (homicídio, lesões corporais, ameaça, maus tratos,
seqüestro, contra a honra e violação de domicílio); contra o patrimônio (furto, roubo,
extorsão, receptação, dano e estelionato); contra os costumes (estupro e atentado violento ao
pudor); contra a paz pública (bando ou quadrilha); contra a fé pública (falsificação de
documento particular e falsificação ideológica); contra a Administração Pública (desacato e
evasão por meio de violência contra a pessoa); Lei de Tóxicos (tráfico e/ou uso de
entorpecentes); porte de armas; contravenções penais (porte de arma branca, vias de fato,
direção perigosa) e Lei Ambiental (pesca com explosivo).
Considera-se que os motivos que levam uma adolescente a entrar no mundo da
criminalidade são diversos tais como a negligência familiar, social e omissão das políticas
públicas. Muitas vezes, a violência juvenil representa um sintoma da desconsideração e o
descumprimento aos direitos conferidos pelo Estatuto e pela Constituição Federal, que acaba
por refletir nas escolhas erradas desses adolescentes. Outras vezes é pra chamar a atenção dos
outros para seus próprios conflitos internos que o adolescente se envolve na criminalidade.
Também, pelo fato de ser um ser em busca de sua identidade, nessa fase de buscas, o
adolescente acaba muitas vezes, por confusões na maneira de agir. Pois, já está crescido para
agir como uma criança, no entanto, jovem demasiadamente para ser chamado de adulto. É
realmente uma fase de turbulências mil.
46
Para o Juiz Alexandre Morais da Rosa50, ao discorrer sobre os adolescentes expõe que
nessa fase conflituosa da vida, a maneira como os estes se relacionam com seu entorno,
depende muito da maneira como ele foi estruturado. “... a adolescência é o momento do
reencontro sempre traumático com o real do sexo, do desligamento dos pais, do conflito de
gerações...”. Sabe-se que nessa fase, o indivíduo pode passar por dificuldades como o baixo
rendimento escolar, distúrbios de comportamento, drogas, ansiedade, conflitos familiares, até
o cometimento de delitos, etc.
Um ponto a ser considerado também, refere-se à inserção do adolescente na sociedade
capitalista atual, onde impera a falta de limites para alcance de padrões de satisfação plena e
felicidade eterna. Nesse contexto, muitos atos infracionais podem ser cometidos ante a
pretensão de existir, de ser notado, de formar uma identidade nessa sociedade.
Pode ser o sintoma de que ali, no ato, o sujeito procurar resistir ou se fazer ver. A
questão se agrava, de fato, no Brasil, porque, à extragrande maioria, as condições
mínimas de subsistência não existem e, o agir, muito mais tranqüilo para os
adolescentes, é fomentado pelo laço social frágil, cada vez mais horizontalizado, no
qual o Estado, que ainda exercia alguma função paterna, resta aniquilado pelo
levante neoliberal.
Para o enfrentamento do envolvimento dos adolescentes com a criminalidade, o juiz
Alexandre diz que se deve acreditar em novas formas de engajamento ao laço social e deve-se
“buscar entender este possível movimento agressivo como o sintoma de que algo não vai
bem...”.
Assim é que a (dita) agressividade não significa sempre a dita ‘delinqüência’, mas
um momento da vida do sujeito. Sujeito este adolescente, protagonista de um
momento de passagem, sem ritos sociais de apoio, lançado aos seus próprios mitos,
na eterna tentação de existir, se constituir como sujeito, numa sociedade complexa.
Kozen51, membro do Ministério Público do Rio Grande do Sul, assevera que o fato dos
adolescentes serem pessoas diferentes dos adultos e diferentes também entre si, então a
“máxima do respeito à condição humana pelo respeito à diferença não se justifica mais,
portanto, pela declaração de incapacidades, mas pelo reconhecimento de capacidades
diferenciadas.” Assim, o adolescente tem que ser compreendido em sua alteridade52, pois se
não estaremos negando sua condição de pessoa em desenvolvimento.
50
ROSA, Alexandre Morais da, Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Práticas e Possibilidades, 2008,
Disponível em: http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA&sub_ativo=
RESUMO&artigo=353, Acesso em 01/10/2009.
51
KONZEN, Armando Afonso, Justiça Restaurativa e Alteridade – Limites e frestas para os Porquês da Justiça
Juvenil, Disponível em: http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA&sub_ativo=RESUMO
&artigo=351, Acesso em 01/10/2009.
52
Caráter ou qualidade do que é outro (Dicionário Aurélio).
47
O respeito a sua condição humana do adolescente infrator, também justifica a
existência de um sistema de responsabilidade53, que por mais que seja diferente da
responsabilidade penal do adulto, deve valorizar a capacidade do adolescente de responder
por seus atos. “A premissa está em que o adolescente tem qualidades pessoais para
compreender, assumir e atribuir sentidos. Possui determinação volitiva e capacidade de se
comprometer, por exemplo, com a reparação ou com a mitigação do dano.”
O juiz Alexandre critica a postura da Justiça Juvenil, alegando que o adolescente que
ali chega é acolhido na condição de vítima e exclui-se sua responsabilidade. Diz ainda, que a
Justiça ao não considerar o adolescente como sujeito de seu futuro e não lhe imputando
responsabilidade pelo acontecido, acaba por aprovar o excesso cometido. Ou seja, para
Alexandre a pura aplicação das medidas socioeducativas não incutem a esses adolescentes a
realidade do mal causado por sua transgressão.
Resta, pois, no limite do possível eticamente, contra o senso comum social, respeitar
o sujeito e com ele, se houver demanda, construir um caminho, sempre impondo sua
responsabilidade pelo ato e o relembrando, ou mesmo advertindo, de que existe algo
de impossível, algo que se não pode gozar. Nem nós, nem eles.
Afonso Konzen, também questiona, se a justiça juvenil poderia mudar suas práticas
ante ao ato infracional, como por exemplo, com a utilização da resolução pacífica do conflito,
mas responde em seguida, que para isso acontecer, torna-se necessário para que se
desconstrua o entendimento que as medidas previstas ao adolescente infrator na verdade tem
um cunho penal e não socioeducativas como se pretende. Critica ainda, que o jogo de palavras
“ato infracional no lugar de crime, medida socioeducativa no lugar de pena, estabelecimento
educacional em vez de estabelecimento penal, internação no lugar de reclusão”, não muda “o
sentido de realidade para os destinatários”. Ou seja, para ele a Justiça Juvenil trata o
adolescente infrator com a mesma retributividade com que trata um adulto e afirma que não
há teoria pedagógica que se sustente na prática da restrição de liberdade.
53
Konzen diz que a palavra responsabilidade há de ser entendida como existência de condições subjetivas para
responder.
48
6 A JUSTIÇA RESTAURATIVA E O ADOLESCENTE INFRATOR
Considerando o que já pontuamos anteriormente, quanto ao que é a Justiça
Restaurativa e também a respeito do adolescente infrator, podemos dizer que os objetivos
restaurativos se enquadram às necessidades para tentativa de ressocialização do segundo, sem
que com isso se desobedeça ou venha a ferir ao disposto no Estatuto. Ao contrário, o sentido
pedagógico que permeia os alicerces do ECA e o caráter de responsabilização que este tenta
imbuir não só nesses adolescentes, mas também na sociedade e mais especificamente nas
comunidades próximas andam em paralelo com a proposta do novo paradigma.
6.1 QUANDO E COMO APLICAR AOS CONFLITOS COM ADOLESCENTES
O adolescente infrator tem seu ingresso no Judiciário de duas maneiras, através do
flagrante delito ou por ordem expressa do Juiz da Vara da Infância e Juventude. Quem em
primeiro lugar escuta este adolescente é o representante do Ministério Público, o promotor da
infância e juventude que atua como um curador público em defesa dos interesses e direitos
desse jovem. Pode em seguida, o adolescente ser conduzido diretamente ao magistrado para
audiência ou anteriormente a esta, participar de entrevista com uma equipe técnica composta
por psicólogos, assistente social e Comissário da Infância e Juventude.
Da sentença do magistrado advêm as medidas socioeducativas previstas no artigo 112
do ECA (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade,
liberdade assistida, semiliberdade, internação, além de qualquer medida de proteção previstas
no artigo 101, como o
encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade, orientação, apoio e acompanhamento temporários,matrícula e freqüência
obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental, inclusão em programa
comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente, requisição de
tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial,
inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras
e toxicômanos, abrigo em entidade, colocação em família substituta), evitando-se o máximo
possível, impor a aplicação de medidas restritivas de liberdade, pois as medidas buscam um
fim pedagógico e é fato comprovado que a colocação do adolescente nessas instituições não
contribui em aprendizado algum.
O processo restaurativo pode ser aplicado em qualquer momento a partir do ingresso
desse adolescente ao Judiciário. Ou seja, pode ser antes que o processo comum se formalize,
por decisão do promotor e do magistrado, mediante a verificação de que as práticas
49
restaurativas possam se adequar ao caso e com a anuência das partes. Pode ocorrer também,
quando das audiências, se houver interesse e disponibilidade das partes. Contudo, cabe
ressaltar que os círculos serão realizados sem a participação do juiz ou promotor, somente
com as partes interessadas e mediador.
A outra fase, em que pode se desenvolver o processo restaurativo é no pós sentença,
durante o período de cumprimento da medida socioeducativa. Enfim, as possibilidades de
quando se aplicar a Justiça Restaurativa no âmbito juvenil pode ser em qualquer momento,
dependendo apenas da sensibilidade do magistrado e do promotor em entender ser plausível
sua aplicação, ante uma predisposição dos envolvidos (vítima, adolescente infrator).
Já tem ocorrido também o que se chama de encontros restaurativos, sem a participação
direta da vítima, mas com cooperação das pessoas mais próximas a ela e que também
sofreram as consequências do ato infracional, ou seja, as vítimas indiretas. Em Porto Alegre,
tais encontros foram desenvolvidos, no intuito de ajustar o atendimento aos adolescentes que
estejam cumprindo pena privativa de liberdade na FASE (antiga FEBEM) ou outro tipo de
medida na Fundação de Assistência Social e Cidadania. Podendo desses encontros,
dependendo do resultado e com anuência do magistrado, ser realizados os círculos
restaurativos propriamente ditos.
Uma ocasião diversa do âmbito Judiciário também há de ser citada: a implementação
de práticas restaurativas nas Delegacias da Criança e do Adolescente. Apesar de ainda não ter
sido testada no Brasil, mas que já faz parte da realidade de outros países, a utilização dos
círculos restaurativos pode ser desenvolvida no ambiente policial, evitando-se novas
demandas para a Justiça e eliminando muitas vezes, a escalada da violência, caracterizada por
pequenos conflitos que são trazidos à autoridade policial, mas que não sendo trabalhados
desencadeiam um dano maior ao final. Como por exemplo, os desentendimentos constantes
de vizinhos, que levados à Delegacia não são tratados efetivamente e vêem a gerar um
homicídio após novos confrontos.
No projeto-piloto de Porto Alegre, apresentado anteriormente, os trabalhos da Justiça
Restaurativa acontecem justamente com os adolescentes infratores e o momento para
encaminhamento às praticas restaurativas pode ser durante o processo de conhecimento, na
audiência inicial de apresentação, na audiência de instrução e também no processo de
execução.
Segundo o Juiz Leoberto, “Porto Alegre tem quatro juízes da infância, cada qual com
sua percepção, disponibilidade e motivações próprias quanto à validade e utilização das
50
práticas restaurativas. A maior parte dos encaminhamentos tem ocorrido nos processos de
conhecimento, provindos da audiência inicial de apresentação.”
Proposta durante a audiência inicial, o magistrado suspende-a e faz o encaminhamento
do jovem aos círculos restaurativos e conforme o juiz Leoberto Brancher o Acordo dali
surgido poderá subsidiar ou ajustar a aplicação da medida para “sob a competência do juízo
do processo de execução, serem melhor especificados os compromissos a serem abrangidos
no cumprimento da medida”.
Em sendo, na audiência de instrução que acontece semanas após o delito, o magistrado
terá um subsídio maior, que é o fato de seu contato com a vítima não ser logo em seguida à
violência, dando um tempo maior para a vítima estar emocionalmente menos abalada, o que
será um momento mais oportuno para seu convite ao processo restaurativo.
Nos processos de execução também acontece o encaminhamento de adolescentes para
atendimento nesses círculos. A maioria é de adolescentes cumprindo medidas privativas de
liberdade e a escolha dependerá da identificação de características que propiciem o
procedimento, no momento da audiência de revisão medida, de seis em seis meses.
Também, no 3º. Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, alguns poucos casos
são encaminhados diretamente pelo representante do MP, o que poderá implicar ao final, na
exclusão do processo, através do instituto da remissão.
6.1.2 A utilização do instituto da remissão e o processo restaurativo
O instituto da remissão é para os estudiosos da Justiça Restaurativa um meio para a
aplicação de suas práticas, entretanto tem que haver a participação do adolescente, seus
familiares e da vítima, bem como de outros membros da comunidade, todos em busca de uma
reparação do dano à vítima e responsabilização do adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê duas modalidades de utilização do
instituto da remissão, conforme preceitua em seus artigos 126 e 127. Uma modalidade é
atribuída ao Ministério Público e a outra é competência do magistrado.
Trazendo um sentido mais amplo do significado para o instituto da remissão, o Juiz da
Infância e Juventude João Batista Costa Saraiva54, diz que no texto das Regras Mínimas ou
Regras de Beijing que influenciaram nosso Estatuto, foi traduzido para o português da versão
em espanhol do documento. A versão em espanhol fala em instituto da “remisión”, porém o
54
SARAIVA, João Batista Costa – Reflexões sobre o Instituto da Remissão e o Estatuto da Criança e do
Adolescente , Disponível em:
http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/DOUTRINA/REFLEX%D5ES+SOBRE+O+INSTITUTO+DE+REMISS%C3
O+E+O+ESTATUTO+DA+CRIAN%C7A+E+DO+ADOLESCENTE.HTM, Acesso em 24/09/2009.
51
texto em inglês do documento, fala em instituto da “diversion” que em português seria
traduzido como “encaminhamento diferente do original”, um significado além do simples
perdão. Apesar das Regras de Beijing na versão portuguesa ter o sentido de perdão, não ficou
prejudicada a possibilidade da aplicação das práticas restaurativas em conjunto com instituto
da remissão, que no fim das contas não deixa de ser um encaminhamento diferente para o
tratamento do conflito.
O que se pretende verificar é como o instituto da remissão em sua compatibilidade
com as práticas restaurativas vem sendo aplicado, seja na modalidade concedida pelo
Ministério Público, através de seu promotor ou através da decisão de um magistrado e neste
último caso com a cominação de uma medida, se necessário.
6.1.2.1 Remissões concedidas pelo Ministério Público
O parquet pode abdicar de seu direito-dever de fazer representação do adolescente
infrator e conceder-lhe a remissão, provocando com isso a exclusão do procedimento. Já no
caso da remissão concedida pelo magistrado, acontece a suspensão ou extinção do
procedimento que já teve inicio, tendo este a discricionariedade de aplicar conjuntamente uma
medida socioeducativa ao infrator, com exceção da internação e da medida de semiliberdade.
Controvérsias a parte, se seria o Ministério Público também competente para aplicar a
remissão juntamente com a medida socioeducativa, a jurisprudência majoritária entende que
este é defeso e que conforme a Súmula no. 108 do Supremo Tribunal de Justiça: “A aplicação
de medidas sócio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência
exclusiva do juiz.”
O instituto da remissão do ECA está relacionado ao item 11 das Regras Mínimas de
Beijing, adotado pelas Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores, disposto
na Resolução no. 40/33 de 29 de novembro de 1985:
11. Recurso a meios extrajudiciais
11.1. Sempre que possível tentar-se-á tratar o caso dos delinquentes juvenis evitando
o recurso a um processo judicial perante a autoridade competente referida na regra
14.1. infra.
11.2. A polícia, o Ministério Público e os outros organismos que se ocupem de casos
de delinquência juvenil poderão lidar com eles discricionariamente, evitando o
recurso ao formalismo processual penal estabelecido, antes fazendo-se em critérios
fixados para esse efeito nos seus sistemas jurídicos e nas presentes regras.
Contudo, a remissão aplicada pelo Ministério público em substituição a um processo
judicial requer tratamento alternativo, de acordo com o item 11.4 das Regras de Beijing é
recomendável serviços comunitários e outros tipos também, em especial, os que prevêem a
restituição de bens às vítimas ou que permitem evitar que os adolescentes entrem no futuro,
em conflito com a lei, através da vigilância e orientação temporárias. São as circunstâncias
52
especiais de cada caso que justificam o recurso a meios extrajudiciais, mesmo quando foram
cometidas infrações mais graves.
Em ocorrendo a remissão excludente do procedimento judicial, concedida pelo
Ministério Público, podemos considerar que a utilização do procedimento restaurativo seja
totalmente sustentável em sua substituição ao processo que poderia se formar, pois tratará do
caso no âmbito da comunidade afetada, com fins de reparar o dano, de forma optativa ao
adolescente e seus familiares e responsáveis, sujeitando a remessa do caso a um programa
alternativo, enfim, atendendo-se às recomendações da Regras de Beijing no item 11.
6.1.2.1 Remissões concedidas pelo Juiz da Infância e Juventude
Segundo o Juiz Leoberto Brancher de 70 a 80% dos atendimentos das infrações
juvenis são de atos infracionais considerados leves, como furtos, posse de droga, lesão
corporal e danos ou médios como porte de arma e roubo sem violência, o que possibilita o
magistrado, dependendo da situação, propor o processo restaurativo e a remissão que
suspenderá ou excluirá o processo no Judiciário.
A concessão da remissão pelo juiz, atrelada a participação das partes interessadas num
processo restaurativo, ocorre em qualquer momento durante o processo comum, diferente da
concessão da remissão pelo Ministério Público que tem que ser proposta antes da formação do
processo judicial.
Com o envolvimento espontâneo das partes nas práticas restaurativas, tem-se que o
Acordo produzido nos círculos será levado à homologação judicial, quando o magistrado terá
a prerrogativa de recusar-se ou retificar a homologação deste. Nesse momento também, pode
o juiz achando conveniente incluir à remissão e ao Acordo restaurativo, o cumprimento de
outras medidas socioeducativas ou protetivas exceto as privativas de liberdade.
A homologação do Acordo dá-lhe força de sentença formando o título executório para
aparelhar a execução das medidas que tenham sido incluídas para cumprimento. Em se
tratando da remissão suspensiva, caso o Acordo não venha ser cumprido pelo adolescente, o
processo judicial pode ser retomado, propondo-se a troca da medida mais adequada para
quem sabe, até a privativa de liberdade.
Se o descumprimento partir dos pais desse
adolescente, pode haver a aplicação de multas tal qual previsto no ECA.
6.2 JUSTIÇA RESTAURATIVA UM MODELO HUMANIZADO E MULTIDISCIPLINAR
Antes de tudo, a Justiça Restaurativa humaniza a resolução do conflito criminal e seu
maior ganho está justamente no fato de que a vítima e ofensor podem aproveitar o momento e
buscar se enxergarem como iguais, como homens e mulheres com suas dificuldades, conflitos
53
e também erros, mas que podem apesar disso alcançar uma superação e a cura, que
irremediavelmente traz o respeito mútuo e a solidariezação.
É fato também, que a vítima participante desse tipo de processo, pode bem aproveitálo e ser beneficiada com os encontros e com o cumprimento do Acordo, senão vejamos o
depoimento de um participante do processo restaurativo.
“Eu saí de lá, de certo ponto, emocionado, me tocou muito, por experiência própria.
A gente vê uma pessoa que comete um ato delinqüente perante a lei, encarado como
vagabundo, que não presta, não sei o quê, uma série de exemplos. E, a partir
daquele momento, eu vi uma outra pessoa, um jovem que talvez passava por uma
dificuldade, que cometeu, mas que estava arrependido e que teve a humildade de
escutar, de falar, de expor a sua situação, que é muito constrangedora. Eu senti o
Círculo Restaurativo (TODESCHINI e outros apud OLIVEIRA, 2007) 55.
A humildade por parte do adolescente infrator, primeiramente em participar dos
círculos, uma vez que lhe é explicado que ele vai discutir com as pessoas ofendidas e com
seus próprios familiares acerca de seus atos, já é um grande passo a ser considerado. Requer
que se tenha humildade, para reconhecer a culpa ante os que conhecemos, imagine ante aos
que agredimos através de um ato infracional.
As perspectivas básicas da Justiça Restaurativa é a reparação do dano, que consiste em
ter o foco nas conseqüências da infração, nas necessidades das vítimas e nas formas de
compensação das perdas; o envolvimento das partes interessadas, com o intuito de reunir as
pessoas afetadas pela infração (ofensor, vítima, familiares, amigos, outras pessoas de seu
relacionamento e membros da comunidade); e, a transformação das pessoas, comunidade e
governo, na intenção de repensar os papéis e as responsabilidades das pessoas envolvidas, dos
serviços e das autoridades diante dos conflitos, da violência e da criminalidade.
Sabe-se, que se bem estruturado e com instrumentalizadores capacitados, as perspectivas
de reparação do dano e o envolvimento das partes interessadas se faz de maneira mais eficaz.
Segundo o Procurador Renato Sócrates, se não forem obedecidos os quesitos de muito bem
informar os participantes de todo o processo, além do respeito à vontade da vítima e do infrator
em estarem ali, a experiência ao invés de positiva pode ser drástica e causar danos maiores.
A terceira perspectiva da Justiça Restaurativa concernente à transformação da comunidade
e principalmente do governo é imprescindível para que os bons frutos da prática restaurativa
gerem sementes férteis e que consigam resgatar entre outros, os adolescentes da marginalização
contínua, evitando que estes virem na fase adulta, mais um número nos estabelecimentos,
55
TODESCHINI, Tânia Benedetto e outros. Central de Práticas Restaurativas do Juizado Regional da
Infância e da juventude de Porto Alegre - CPR-JIJ: aplicação da Justiça Restaurativa em processos judiciais da
Justiça Restaurativa em processos judiciais. Disponível na Internet
ehttp://200.169.22.139/justica21orgbr/webcontrol/upl/bib_285.pdf?PHPSESSID=876b6aad87c1eba32d15f05b51
2d3325m:. Acesso em 20 de maio de 2009.
54
perpetuando o estado de violência em que vivemos, sem contudo, buscar-se a resolução efetiva do
conflito.
Sabemos que a prevenção sempre é a melhor saída, por isso as práticas restaurativas nas
escolas, proporciona uma solução para as hostilidades entre os alunos e destes com os professores
e os demais profissionais e servidores que ali trabalham, é uma forma de se conter a violência,
enquanto os adolescentes ainda estão sob a tutela de alguém. Como vimos anteriormente, o
projeto restaurativo já é aplicado em alguns estabelecimentos de ensino e é uma experiência
preventiva. Abaixo, segue o depoimento das Diretorias de Ensino de Guarulhos e Heliópolis em
São Paulo, que aplicam a Justiça Restaurativa56.
A Justiça Restaurativa se faz importante nas escolas da Diretoria de Ensino da
Região de Guarulhos-Norte, por uma questão de princípio. Ela reconhece que os
conflitos fazem parte integrante da vida social, estimula as pessoas a assumirem
responsabilidades e a desenvolverem a prática da não-violência. (Pelas Professoras
Marivana S. Mascarenhas e
Teresa de Souza Izidoro, Assistentes Técnico Pedagógicas-ATPs da Diretoria de
Ensino da Região Guarulhos-Norte p. 105)
A prática dos Círculos Restaurativos leva a uma reflexão tanto do agressor como do
agredido, reparando os envolvidos a lidar com suas emoções e procurando meios
mais saudáveis para resolver “problemas”, que até então pareciam tão complicados.
Refletir antes de agir,conhecer a extensão de suas ações e possíveis prejuízos que
podem causar no outro e em si mesmo, faz com que o jovem amadureça
emocionalmente e prepare– se para lidar com os inevitáveis conflitos em sua vida
cotidiana, dentro e fora do ambiente escolar, exercitando sua cidadania e aprendendo
o convívio com o diferente. (Pela Professora Maria Isabel Faria, Dirigente da
Diretoria de Ensino da Região Centro- Sul Heliópolis p. 105).
Desenvolvendo-se as práticas restaurativas nos estabelecimentos educacionais, podese do problema da violência em um dos seus nascedouros. E ainda, aqueles adolescentes
infratores que já passaram por um processo restaurativo, ante a obrigatoriedade de retornarem
aos estudos, poderão continuar sendo acompanhados por profissionais especializados no
mesmo processo.
A de se apontar também, que os projetos comunitários com práticas restaurativos é
outra vertente da Justiça Restaurativa e tais projetos tem a possibilidade de acompanhar de
perto os núcleos familiares, principalmente desses adolescentes, inserindo-os em grupos de
trabalhos restaurativos, como reuniões familiares, que possam fortalecer os laços entre estes
indivíduos, ajudando-os na solução de seus conflitos em outros cenários da vida, capacitandoos para o enfrentamento das situações conflituosas externas.
Em suma, há de haver um esforço conjunto alicerçado pelo Estado, para que o
Judiciário, a escola, o sistema de saúde e a comunidade venham promover as práticas
restaurativas. A Justiça Restaurativa é um modelo de justiça novo, porém promissor que se
56
Justiça e educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania/ Madza Ednir, organizadora. São Paulo : CECIP, 2007.
55
estruturado para ser aplicado às políticas sociais de educação e segurança, estendendo aos
comunitários, tem condições de nos trazer um sentimento de esperança, de que os
adolescentes infratores podem ser beneficiados a ponto de serem resgatados da criminalidade.
A proposta da Justiça Restauradora é profunda e positiva, mas é necessário todo um sistema
de políticas de apoio pós-círculo. Pois como De Vitto assevera:
Há que se reservar, ainda, especial atenção para as ações adotadas após a prática
restaurativa, posto que o monitoramento do acordo e avaliação do seu cumprimento
constituem etapas relevantíssimas na consecução dos objetivos do modelo. (De
Vitto, 2005).
A realização da Justiça Restaurativa vai além da atmosfera do Judiciário e quanto a
isso, Renato Sócrates fala da condição a qual os operadores de direito tem que se adequar
dando oportunidade às pessoas envolvidas no conflito e suas comunidades de se juntarem em
prol de se alcançar justiça conforme sua conceituação e valores íntimos quanto ao que seja
mais justo e eficaz, que harmonize a convivência.
Além de abrir o mosteiro do Direito à interdisciplinaridade, e mais do que isso, à
transdisplinaridade, o operador jurídico, tanto nos papéis de autoridade (delegado,
promotor, juiz) ou como advogado (inclusive eventualmente atuando como
mediador ou facilitador), terá que conciliar, ao trabalhar com justiça restaurativa, a
tradicional perspectiva dogmático-jurídica, que traz de sua formação de bacharel em
Direito, com uma nova atitude, aberta ao pluralismo jurídico, reconhecendo a
legitimidade do senso jurídico comum das pessoas direta ou indiretamente
envolvidas no conflito criminal e que participarão do diálogo e da construção da
solução restaurativa, que trazem dos costumes do cotidiano da vida na comunidade –
o direito achado na rua.
6.3 OS PRINCÍPIOS E VALORES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA EM ATENÇÃO À
CONDIÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR
Na Justiça Restaurativa existe a consideração de princípios e valores diversos daqueles
exaltados na Justiça comum, pois as características no proceder desse novo paradigma
também são diversas, a despeito disso, Kozen diz que:
O proceder segundo o ritual circularidade da Justiça Restaurativa tem como
característica fundamental em relação ao proceder pela retributividade o desejo da
instalação do ambiente em que os sujeitos em conflito são merecedores de um
direito, o de exercer a palavra. Não a palavra na estrutura legal do interrogatório,
nem na ordem do responda-o-que-perguntado dos depoimentos, formas de
submissão típicas das relações de poder. Mas uma palavra posta na circularidade dos
falantes. Antes do resultado, importa a forma de proceder.
E esse proceder diferenciado, começa quando, diante de determinado caso, é
identificada a possibilidade de bons resultados com as práticas restaurativas, em prol da
restauração do dano e da responsabilização do infrator.
56
No livro Manual de Mediação Judicial, um dos princípios considerados para o
processo de mediação é o empoderamento57, um poder dado às partes (vitima, menor infrator
e comunidade) envolvendo-as em um processo de diálogo profundo, com o fim de se
posicionar acerca do acontecido. É por isso, que estudiosos dizem que o profissional
mediador não pode tomar posturas paternalistas na condução dos círculos envolvendo
adolescentes e é imprescindível que isso não aconteça e que ele se mantenha imparcial, pois
os participantes principais devem tomar posse desse poder, para que autocomponham seus
conflitos. É tanto, que se espera uma maior habilidade das partes em comunicar-se após um
processo como este. Ou seja, quando um mediador proporciona uma adequada
autocomposição, as partes, inclusive o adolescente, pode vir a aprender a solucionar
futuramente seus próprios conflitos em contextos diversos.
A Carta de Araçatuba, escrita pelos integrantes do I Simpósio Brasileiro de Justiça e
Restaurativa, realizado em 2005, trouxe 16 princípios das práticas da Justiça Restaurativa que
se quer intencionava realizar no Brasil, abaixo segue disposto o princípio e a consideração
quanto o processo restaurativo com o adolescente:
1. plena informação sobre as práticas restaurativas anteriormente à participação e os
procedimentos em que se envolverão os participantes; ´
Por se tratar de um paradigma novo, este tem que ser transparente às partes. A equipe
de atendimento, o Judiciário, o mediador devem esclarecer minuciosamente o que é o
processo e como se dará a prática restaurativa. Em se tratando dos adolescentes, há de se
requerer dos profissionais envolvidos no processo restaurativo, um trato diferenciado.
2.autonomia e voluntariedade para participação das práticas restaurativas, em todas as suas
fases;
Sabemos que é própria da idade juvenil a resistência em envolver-se em atividades
com adultos, ainda mais em uma situação como essa, por isso é imprescindível que o
adolescente escolha estar ali e uma vez ali estando, que ele se sinta a vontade de envolver-se
no programa. Em consideração à condição da vítima e à condição do adolescente infrator é
aplicado o princípio da voluntariedade no processo restaurativo, pois não é por força ou
imposição a participação nem da vítima, nem do adolescente, há de ser por vontade única e
exclusiva de cada um.
57
“Empoderamento” é a tradução do temo em inglês empowerment significa a busca pela restauração do sendo
de valor e poder da parte para que esta esteja apta a melhor dirimir futuros conflitos. (AZEVEDO, André Goma
/9org.). 2009. Manual de Mediação Judicial (Brasília/DF:Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento – PNUD, p. 56)
57
O aconselhável é que a vítima seja convidada após que já se tenha a participação do
adolescente confirmada, para que não haja o chamam de revitimização.
3.respeito mútuo entre os participantes do encontro;
O processo restaurativo, independente da faixa etária de seus participantes deve primar
pelo respeito entre os participantes, considerando-o como uma peça chave durante todo o
processo, para que se chegue a um objetivo comum.
4.co-responsabilidade ativa dos participantes;
A participação no processo restaurativo, quando bem conduzido, gera o sentido de
responsabilidade nas partes em conduzir a resolução do conflito, pontuando as regras no
Acordo que será reduzido a termo pelo mediador.
5. atenção à pessoa que sofreu o dano e atendimento de suas necessidades, com consideração
às possibilidades da pessoa que o causou;
Um dos objetivos primordiais da Justiça Restaurativa é a reparação do dano àquele
que foi agredido. O atendimento às suas necessidades vai além da imposição de uma
penalização ao seu agressor. O dano pode ser material, mas muitas vezes atingiu mais fundo
e é de cunho emocional e moral. Conforme o postulado dos estudiosos McCold e Wachtel, a
vítima foi prejudicada e a Justiça Restaurativa busca entender e atender as necessidades
advindas a partir de então.
6.envolvimento da comunidade pautada pelos princípios da solidariedade e cooperação;
O mais importante é a participação do adolescente infrator e da vítima para resolução
do conflito, mas o trabalho de apoio da comunidade é importante para qualidade e eficácia do
processo restaurativo.
7. atenção às diferenças sócio-econômicas e culturais entre os participantes;
Por muitas vezes, as diferenças entre as partes de um conflito infracional, são de
mundos diversos. Não é incomum ver-se um infrator desprovido financeiramente, sem acesso
escolar ou fugido de um e provindo de um lar desestruturado agredir alguém de vida diversa
ou mesmo um adolescente apesar de ter suporte familiar e financeiro se envolver na
criminalidade por motivos banais. Não importa as diferenças entre as partes, o que importa é
que caminhos de vida foram cruzados de forma violenta e não prevista e a Justiça
Restaurativa no desenrolar de seu processo, tem que ter consideração a essas diferenças.
8. atenção às peculiaridades sócio-culturais locais e ao pluralismo cultural;
A Justiça Restaurativa é realizada em muitos lugares no mundo e para sua
implementação, as características culturais têm que ser consideradas, porque isso determinará
a forma de trabalho dos mediadores, do Judiciário, do restante da comunidade e postos de
58
atendimento. O Brasil é um país de proporções continentais e sua diversidade populacional
tem que ser levadas em conta para o sucesso da Justiça Restaurativa.
9.garantia do direito à dignidade dos participantes;
Com a evolução trazida pela Constituição Federal, mesmo o adolescente infrator passa
a ser sujeito de direito e tem resguardado no processo comum e, mais ainda, no processo
restaurativo seu direito à dignidade.
10. promoção de relações equânimes e não hierárquicas;
No processo desenrolado no ambiente judiciário, ante os representantes do Ministério
Público e do magistrado, acabam por inibir e intimidar as partes, ante tanto formalismo. No
processo restaurativo, a intenção é que se crie um ambiente seguro que proporcione aos
participantes um relacionamento horizontalizado, onde as diferenças são deixadas de lado.
11.expressão participativa sob a égide do Estado Democrático de Direito;
Os círculos restaurativos são baseados em diálogo, ali todos têm oportunidade de falar
e com a presença de adolescentes infratores no processo, as coisas não são diferentes,
justamente porque Justiça Restaurativa por proteger o princípio da horizontalidade, garante
que todos se posicionem e participem como iguais e democraticamente, para civilizadamente
se abrirem, trocarem as experiências anteriores e posteriores ao fato delituoso, no intuito de
promover a resolução de forma pacífica e mais eficaz.
12. facilitação por pessoa devidamente capacitada em procedimentos restaurativos;
É imprescindível a adequada capacitação do mediador, seja para bem esclarecer o processo
aos participantes, ou para dar agilidade, dinamismo aos círculos, prezando por outros
princípios aqui expostos, como o respeito.
13. observância do princípio da legalidade quanto ao direito material;
No caso do tratamento dos adolescentes infratores utilizando-se a Justiça Restaurativa,
é o respeito e consideração ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, além da
Constituição Federal que torna possível a obediência a esse princípio. Cabe lembrar, que
legislativamente falando, não há ainda previsão explicita para aplicação da Justiça
Restaurativa.
14. direito ao sigilo e confidencialidade de todas as informações referentes ao processo
restaurativo;
Há de se considerar que o processo restaurativo é profundo e complexo, pois envolve a
exposição de sentimentos como o medo, traumas, erros, enfim de vidas.
importância de correr em segredo, para não expor mais ainda os participantes.
15. integração com a rede de assistência social em todos os níveis da federação;
Por isso, a
59
O trabalho da Justiça Restaurativa prescinde a essa integração, pois o processo
restaurativo não acaba com realização dos círculos, se faz necessário o assessoramente de
toda uma rede de assistência para a segunda parte do processo, que refere-se ao cumprimento
do Acordo, que requer o apoio da escola, de psicólogos, movimentos comunitários, etc.
16. interação com o Sistema de Justiça.
Muitos dos movimentos restaurativos tem o encaminhamento do Judiciário e o Acordo
produzido nos círculos tem a análise e homologação do Judiciário. Mesmo porque é previsto
que se o Acordo restaurativo não for cumprido, o tratamento do ato infracional volta a ser
tratado pelo processo convencional, no Judiciário.
6.3 UM CAMINHO PARA RESPONSABILIZAÇÃO
O juiz Leoberto acredita que a Justiça Restaurativa causa um encantamento que acaba
por corresponder a um sonho anterior ao próprio Estatuto da Criança e do Adolescente de
uma perspectiva pedagógica que promova a ressocialização dos adolescentes infratores. Ou
seja, a prática restaurativa mediante o sentido de responsabilização que pode promover ao
adolescente participante, corresponderá no final, ao aprendizado de um novo caminho que
pode reinseri-lo na sociedade e afastá-lo da criminalidade.
A proposta da Justiça Restaurativa é promover justiça através do que acordar as
principais partes envolvidas no conflito delituoso. Sua aplicação não é prevista só para os
casos que envolvam adultos, mas também naqueles envolvendo adolescentes que cometeram
ato infracional. Os trabalhos com a Justiça Restaurativa no Brasil estão em estágios iniciais e
sua aplicação aos adolescentes infratores é direcionada aos que cometeram atos infracionais
menos graves, porém mediante a experiência em outros países, vê-se que é possível também
sua aplicação em casos mais graves de violência, uma vez que o fator mais importante do que
o grau do mal praticado é a manifestação positiva dos envolvidos em participar do processo,
esse é o real termômetro de que é possível a utilização de um método alternativo na
pacificação do conflito.
Tem se notado que os mais jovens respondem positivamente aos processos
restaurativos, é tanto que muitos já foram atendidos nos projetos desenvolvidos no Brasil e
com alto índice de cumprimento aos acordos.
Para muitos adolescentes participantes dos círculos, essa pode ser a primeira vez que
alguém estará disposto a ouvi-lo e com um interesse ímpar no intuito de entender o porquê de
seu ato de violência e mais, qual seu posicionamento diante das consequências geradas e
quais poderão ser suas perspectivas e ações para reparar o esse dano.
60
Primeiro, ao escutar o ponto de vista da vítima, bem como seus sentimentos e a
respeito do dano lhe gerado, e em segundo, sendo aberto espaço ao infrator, para que possa se
retratar, propondo algumas ações, que no final serão reduzidas a termo, o adolescente tem
uma oportunidade maior de entender o real sentido de uma responsabilização.
A Justiça Restaurativa oportuniza ao adolescente infrator, olhar nos olhos de suas
vítimas e muitas vezes até mesmo, se reconhecer em sua história de vida, sentir um pouco de
sua dor e medo em conseqüência da violência. Enfim, o adolescente através do depoimento e
diálogo com a vítima, tem uma oportunidade nua e crua, de se colocar no lugar dos seu
ofendido e da comunidade e se sentir como parte desse grande organismo. Por se tratar de
indivíduos que ainda estão em formação, acredita-se que os adolescentes têm a capacidade de
aproveitar a experiência com eficácia, o que gera uma esperança maior de sua recuperação. A
participação em um círculo restaurativo, encarando sua vítima, sendo confrontado em seus
atos e cooperando no Acordo em prol de uma reparação, dá condições ao adolescente de
amadurecer e refletir sobre sua situação de vida e sua situação na sociedade.
Para o Juiz Leoberto “só se aprendem os valores que se vivenciam, promover práticas
restaurativas implica promover vivências que proporcionem aos sujeitos a constituição de
registros internos fundados em valores humanos.” Para ele nos círculos restaurativos
proporcionam a aprendizagem de valores como que mobilizam: solidariedade, tolerância,
respeito, acolhimento, empatia, perdão. E isso, vivenciado na infância e juventude é melhor
assimilado e levado para as outras situações de conflito que ainda virão.
Leoberto aponta ainda, a Justiça Restaurativa como parâmetro adequado à avaliação se
o adolescente está apto a ser liberado do cumprimento da medida privativa de liberdade e da
liberdade assistida. Há de se lembrar, que ambas as medidas não tem tempo determinado para
cumprimento, mas a falta de requisitos objetivos de avaliação para a liberação desses jovens
pode ser suprimida pelo indicativo da responsabilização do adolescente por seus atos e
conseqüência.
Com a definição da responsabilização como indicativo de avaliação, pode-se
desenvolver outras abordagens restaurativas dentro do ambiente institucional, além dos
círculos, tal como, quando houver incidentes disciplinares, atividades reflexivas com
participação de vítimas, etc. Primando-se pelo “diálogo, confrontação com os fatos, à busca
do amadurecimento de uma reflexão crítica a respeito da situação infracional.”
Assim, considerando-se os valores e perspectivas da Justiça Restaurativa, pode-se
afirmar que ela é oportuna e favorável na transformação de mentalidade do adolescente
infrator, pois seus procedimentos tem maiores possibilidades para geração de um senso de
61
responsabilização, que como já foi discutido anteriormente, é uma das perspectivas
pedagógicas do ECA.
62
CONCLUSÃO
Considerando tudo o que foi exposto, podemos concluir que a sociedade brasileira tem
clamado por modificações no Sistema de Justiça. De modo, que haja mais acesso à justiça e
um sentido maior de segurança e participação, em suma, o desejo é que os meios utilizados
pelo Judiciário sejam mais justos e efetivos, uma vez que vivemos tempos de medo e
violência, que se espalha no meio das famílias, nas nossas escolas e nas ruas, arregimentando
cada vez mais os mais jovens.
Pela falta de condições do Estado-juiz em deter tanta violência, com um modelo de
processos moroso, que não atende às pretensões de justiça dos demandantes e ainda, baseado
em um sistema penal e socioeducativo que não ressocializa ou responsabiliza adequadamente,
abre-se uma porta ao surgimento de modelos de justiça alternativos, como o Justiça
Restaurativa, que tem perspectivas de reparar o dano, reconstruir relacionamentos e promover
a transformação da comunidade e de outros segmentos políticos e sociais, através de um
processo que complementa e pode aperfeiçoar o Sistema de Justiça atual. Modelo esse,
pautado em práticas humanas antiquíssimas, anteriores ao sistema retributivo atual e que
trabalha a resolução dos conflitos através da tomada de decisões das partes diretamente
interessadas, de uma forma pacífica ou não-violenta.
A Justiça Restaurativa no Brasil não é só um projeto no papel, mas já está em fase
embrionária, maturando-se ante aos esforços das equipes que compõe os três projetos-pilotos
que desenvolvem o trabalho na prática, sendo um em São Caetano do Sul, Núcleo
Bandeirante e Porto Alegre. A boa idéia se espalha e já se tem outras cidades engajadas que
criaram seu postos para também atender às lides com um olhar restaurativo.
Pelo que foi pesquisado, a legislação brasileira ainda não tem diploma com cunho
inteiramente restaurativo e como assevera o autor Pedro Scuro Neto58, é por via legislativa
que a nova matéria deve ser disciplinada. Contudo existem alguns preceitos legais em que se
pode vislumbrar a adequação para aplicação das práticas restaurativas, tais como na Lei no.
9099/95, a Lei Maria da Penha (Lei no. 11.340/06), o Código Penal (Decreto-Lei no.
2.848/40), os Projetos de Lei no. 7.006/06 e no. 1.627/07 e o Estatuo da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90), além de uma Portaria Conjunta de no.15/04, ato administrativo
que tratou da implantação das práticas restaurativas no Distrito Federal, no Juizado Especial
do Núcleo Bandeirante.
58
(2005, Damásio de Jesus apud Pedro Scuro Neto)
63
Em se especificando a aplicação das práticas restaurativas nos conflitos envolvendo o
adolescentes infratores, fez-se primeiramente necessário o levantamento histórico da evolução
legislativa e da concepção social quanto ao adolescente infrator, quando pode-se levantar no
Capítulo 4, através dos estudos do jurista argentino Emílio García Méndez, as etapas da
responsabilidade penal dos adolescentes, quais sejam: a etapa de caráter indiferenciado, a
tutelar e a caracterizada pela separação, participação e responsabilidade, que foi trazida ao
contexto da Justiça Juvenil da América Latina, por sua previsão no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Antes de se tecer os comentários às inovações trazidas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, coube um levantamento na história do Brasil, a respeito da evolução do direito
da infância e juventude no Brasil desde o advento do Capitalismo, que trouxe transformações
profundas nas concepções sociais, como por exemplo, a questão de que diante da demanda de
trabalho nas fábricas e industrias, não se concebia que crianças e adolescentes permanecessem
ociosas ou abandonadas nas ruas. Por outro lado, tem-se que a entrada da mulher mãe e donade-casa no mercado de trabalho emergente, influenciava negativamente na formação das
novas gerações que se viam largadas.
Até 1979, a forma de combate ao abandono e à marginalidade dos mais jovens foi
baseada na Doutrina Penal, aplicando-se medidas de restrição de liberdade análogas às dos
adultos. Colocando os internados em instituições reformatórias que ao invés de proteger,
ajudavam na perpetuação da condição do adolescente na criminalidade. Contudo aos poucos
foi-se partindo para a criação de políticas não-criminais, com intenções de se evitar o mínimo
possível a segregação dos jovens,
mas tudo de forma bem lenta e enquanto isso a
criminalidade infanto-juvenil só aumentava.
Com a entrada em vigor do Código dos Menores em 1979, adotou-se a Doutrina da
Situação Irregular, considerando-se em separado a situação dos “delinquentes” da dos
“abandonados”. Mas continuava-se a desconsiderar qualquer capacidade dos adolescentes
infratores, pois diziam ser eles objetos de proteção, uma proteção que significava na maioria
das vezes, seu afastamento da sociedade, nas famosas FEBEMs, criadas na década de 60.
Foi através da abertura democrática trazida pela Constituição de 1988 e com o
Estatuto que se consolida nova fase na concepção e tratamento aos adolescentes infratores,
pois estes passam a ser sujeitos de direito. O enfoque passa a ser na Doutrina da Proteção
Integral, defendido pelas legislações mais modernas do mundo, que tem o objetivo de
ressocializar através da educação ao invés da punição.
64
Acompanhando a nova tendência de proteção e direitos, a Lei do Estatuto da Criança e
do Adolescente foi promulgada em 1990 e em seu texto demonstra a desconstrução da
nomenclatura “menor” utilizado anteriormente para definir crianças e adolescentes
desamparados e infratores. Bem como, conclama os adolescentes infratores e a sociedade para
se responsabilizar com a questão do cometimento dos atos infracionais, prevendo também a
criação de uma política de atendimento.
Em se tratando o ato infracional, que é a conduta do adolescente descrita como
crime ou contravenção penal, considerou-se capitularmente o que pode influenciá-lo ao
cometimento de tais práticas e chega-se à conclusão que diversos são os motivos e acentua-se
que por ser esta fase, uma das ou a mais conflituosa da vida humana, onde profundas
transformações ocorrem ao mesmo tempo, isso pode vir a dificultar o relacionamento do
adolescente com o meio, na busca da construção de sua própria identidade. E como foi
colocado pelo Procurador Konzen, o adolescente deve ser tratado considerando-se sua
capacidades diferentes inerentes à pessoa em desenvolvimento. Contudo, em consideração ao
respeito a condição humana, o adolescente tem que responder por seus atos, mas claro que de
forma diferente de um adulto.
Por fim conclui-se que a Justiça Restaurativa, em seus princípios, valores e
perspectivas pode ser aplicada ao adolescente infrator, não ferindo a legislação atual brasileira
e os propósitos da política de tratamento desse infrator.
Ante ao estudo, mostrou-se possível a aplicação da Justiça Restaurativa nas mais
diversas fases do processo comum e até mesmo quando este for excluído ou suspenso pela
concessão do instituto da remissão por parte do magistrado, ou mesmo, através da aplicação
também da remissão, mas por parte do Ministério Público, que excluirá o procedimento, antes
da formação do processo comum.
Mais que possível e legal, a aplicação da Justiça Restaurativa aos conflitos envolvendo
os adolescentes infratores, ao concorrer para o envolvimento da vítima, comunidade,
familiares e com o suporte do Judiciário, das Delegacias, escolas e de outras redes de
atendimento, pode gerar resultados positivos, oportuniza uma responsabilização intíma do
adolescente, o que poderá resgatá-lo em definitivo de uma vida marginal.
65
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Rosane Araujo Falcao - Universidade Católica de Brasília