Para além das estatísticas: qualificar o Programa Bolsa Família Resumo: O presente trabalho tem como base uma experiência de acompanhamento das condições de gestão do Programa Bolsa Família nos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Busca atender dois grandes objetivos: de um lado, com base nos dados locais, estabelecer um diálogo com os dados nacionais, considerando suas aproximações em relação à realidade do país, bem como alguns aspectos que merecem ser desvendados para além das estatísticas. De outro, analisar algumas conseqüências da lógica e da escala de atuação do programa, em termos de sua contribuição à consolidação da cidadania. A variedade de instrumentos de coleta de dados e o contato com os municípios nos permitiram observar aspectos variados: as compatibilidades e desajustes entre dados quantitativos e realidades concretas; o enorme esforço das equipes locais no sentido de responder, de um lado, às exigências e determinações regulatórias do Programa; de outro, tentar incorporar as demandas de seus munícipes mais pobres. Palavras-chave: Gestão do PBF, desenvolvimento institucional, cidadania 1 Para além das estatísticas: qualificar o Programa Bolsa Família 1. Introdução: O presente trabalho tem como base uma experiência de acompanhamento das condições de gestão do Programa Bolsa Família (PBF) na quase totalidade dos municípios do Estado do Rio de Janeiro1. Nas visitas realizadas a cada município, as equipes locais avaliaram um conjunto de questões relativas ao Programa, apresentadas na forma de um questionário, que comportou respostas abertas e outras previamente codificadas2. Ainda compondo o processo de avaliação e qualificação da gestão, foram realizados dois encontros inter-municipais em cada uma das 8 regiões geográficas do Estado e um encontro estadual para devolução dos dados observados durante as visitas e encontros regionais3. Especificamente o segundo encontro nos municípios, que assumiu o formato de oficina de trabalho, permitiu realizar um diagnóstico coletivo das realidades vivenciadas localmente, assim como identificar possíveis alternativas de superação das dificuldades detectadas. Esse momento foi importante uma vez que, por um lado, possibilitou a socialização dos dados e informações sistematizados pela equipe de pesquisadores; e por outro lado permitiu que os participantes representantes dos municípios de cada uma das regiões, pudessem ter uma visão mais abrangente dos desafios e alternativas identificadas pelas diferentes equipes locais. Desta forma, a variedade de instrumentos de coleta de dados e o contato com a os municípios nos permitiram observar aspectos variados: as compatibilidades e desajustes entre dados quantitativos e realidades concretas dos municípios, o enorme esforço das equipes locais no sentido de “dar conta” das exigências e determinações regulatórias do Programa, de um lado, e de tentar responder às demandas de inclusão de seus munícipes mais pobres, de outro. O PBF, como programa nacional, se estruturou para atender, de forma homogênea, a todo o território do país, com procedimentos e regras comuns a serem seguidas por (e em) todas as localidades, tendo como epicentros o MDS, como regulador, e a Caixa Econômica Federal (CEF), como operador financeiro. A CEF, sem dúvida, monopolizou os diferentes serviços ligados à concessão, manutenção, pagamento e cessação dos benefícios, tanto em relação aos municípios como às famílias beneficiárias4. O sistema de operação do programa foi informatizado, o que significou implementar, em “todos os recantos do país”, não só a existência e uso do computador nos trabalhos da assistência social, como a introdução de providências de ordem material (telefonia, acesso à rede, internet), na esfera dos recursos humanos (contratações; treinamento de pessoal) e na 2 articulação intersetorial (principalmente, educação, saúde, assistência social e, em menor escala, as áreas de trabalho e renda) da ação municipal. É importante indicar que, embora a informatização seja condição necessária à operação do PBF, a realidade de alguns municípios indica que a gestão do Programa opera com restrições graves quanto à aquisição de equipamentos para fins exclusivos, quanto ao acesso à internet, capacitação de pessoal e demais requisitos necessários. Todo esse processo significou mudanças significativas nos mecanismos de gestão municipal na área da Assistência com a entrada de enorme volume de informações a serem absorvidas (Leis, Portarias e Regulamentações, etc. ); uma poderosa lógica de “eficiência técnica”, de quantificação de dados e atividades; de limites de tempo em processos cuja seqüência e resultado final eram (em grande parte) desconhecidos pelos próprios operadores locais e, mais obviamente, pelas famílias atendidas. Além disso, as divisões político-administrativas das gestões municipais, responsáveis pelo oferecimento dos diferentes serviços públicos, notadamente aqueles mais diretamente ligados às condicionalidades do Programa (educação, saúde, assistência social) se viram tencionadas não só em relação à necessidade de enfrentar as “barreiras e loteamentos” político-administrativos que, de um modo geral, as caracterizam, como foram pressionadas em relação aos serviços públicos básicos que deveriam colocar a disposição da população. Por outro lado, o PBF, pela extensão do atendimento, pela visibilidade obtida como o mais importante programa social da atual conjuntura de governo, criou, desde sua implantação, cálculos e indicadores de seleção de municípios, de determinação de suas necessidades de recursos e equipamentos para operação, além de um amplo e rigoroso sistema de quantificação estatística de dados nas suas mais diversas dimensões (recursos transferidos, uso dos recursos por parte dos comitês gestores, número de famílias cadastradas e atendidas etc.) bem como uma preocupação constante com a avaliação dos impactos de sua atuação no país, em geral, e em suas regiões de concentração de população mais vulnerável, em particular. Vários os estudos foram realizados no sentido de mensurar tais impactos, tanto diretamente pelo próprio MDS ( ou com seu apoio financeiro)5 como por outros órgão oficiais e organizações privadas A título de exemplo e como insumos para avaliação do PBF, podemos citar o estudo publicado pelo IBGE em 2006, com ano base 2005, intitulado: “Pesquisa de Informações Básicas Municipais: Perfil dos Municípios Brasileiros”. Outra contribuição para avaliação do Programa foi representada pela “Pesquisa sobre Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família”, realizada pela Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (SENARC/MDS) em fins de 2006, e recentemente publicada no site do Ministério (www.mds.gov.br). Essa pesquisa voltava-se para a análise das condições de gestão do Programa, com ênfase na apreciação dos usos relativos ao IGD 6. 3 Considerando que a implementação do PBF, que completa 5 anos, atingiu determinados patamares de atendimento está a exigir aperfeiçoamentos sobretudo em termos de uma dinâmica de gestão técnico-política, o presente estudo pretende contribuir com a análise de uma amostra expressiva de municípios que revelam limites e potencialidades do Programa. 2. A contribuição deste estudo para a avaliação do PBF O presente trabalho está voltado para a análise das condições de gestão do PBF nos municípios do Rio de Janeiro e tem dois grandes objetivos. De um lado, com base nos dados relativos aos diversos municípios fluminenses, busca estabelecer um diálogo com os dados nacionais, considerando suas aproximações (e distanciamentos) em relação à realidade do país, bem como alguns aspectos que merecem ser desvendados para além das estatísticas. De outro, busca analisar algumas conseqüências da lógica e da escala de atuação do Programa, em termos de contribuição para a extensão das bases para da cidadania, neste país. a) Número (e qualificação) de pessoas envolvidas na gestão do PBF Um dos aspectos mais importantes na execução de qualquer Programa, principalmente na área social, se refere ao número e qualificação profissional dos agentes sociais que, de alguma forma, fazem a intermediação entre o Programa e a população a ser atendida. Com base nos dados do MDS/SENARC em: “57,7% dos municípios respondentes, entre 2 a 4 pessoas estão envolvidas na gestão do PBF e do CadÚnico. Parece haver uma coerência entre o número de pessoas que atuam na gestão do PBF e do CadÚnico e o porte dos municípios. De fato, para 63% dos municípios de grande porte, a gestão do PBF e do CadÚnico é realizada por mais de 8 pessoas, enquanto para 66% dos de pequeno porte, por 2 a 4 pessoas. Entre os municípios de médio porte, 76% apontaram ter de 2 a 7 pessoas trabalhando no Programa e no cadastramento de famílias” (MDS/SENAR, 2007: 9) Para podermos analisar a adequação entre o número de pessoas envolvidas na gestão do PBF, um dado que se revela fundamental, para além da quantidade na sua relação com o porte do município, diz respeito à composição da equipe e sua formação profissional. O perfil dos profissionais do Estado do Rio de Janeiro, extraído a partir dos encontros de capacitação, das visitas de apoio técnico e da análise dos questionários revelou uma maior presença de profissionais vinculados ao apoio operacional7, em detrimento de profissionais de nível superior. Conforme descrito abaixo: 4 As equipes do PBF na Secretaria de Educação são compostas predominantemente pelo apoio operacional (60%). Em quase 26% dos municípios a equipe foi constituída por apoio operacional e o gestor (apenas 8% dos municípios contam com apoio de técnicos em educação.) Assim, são poucos os casos onde as equipes do PBF foram compostas por apoio operacional, técnicos e gestor (7%), quase a mesma proporção de Municípios onde se confunde o gestor/ coordenador com a equipe (6%). Quando analisamos as equipes do PBF na área da saúde, a realidade não muda muito, mantendo-se o predomínio das equipes constituídas exclusivamente pelo apoio operacional (42%). Em 19% dos municípios a equipe técnica está composta por apoio operacional e técnicos. Quando se trata de equipes constituídas por apoio operacional e gestores, o percentual cai para 12%. Da mesma forma que na área da educação, são poucas as equipes que contam com apoio operacional, técnicos e gestores (3%). No caso da assistência social, também destaca-se a situação em que as equipes técnicas estão constituídas exclusivamente pelo apoio operacional (33%). Entretanto, em 24% dos municípios, a equipe conta também com a participação dos técnicos (24%). Já com relação às equipes integradas por apoio operacional, técnicos e gestor o percentual é de 6%. Foi percebido que em 20% dos municípios, a equipe do PBF na área de educação é constituída pelos gestores e o apoio operacional. Se por um lado é fundamental a presença de um número expressivo de profissionais do apoio operacional, em função do aparato tecnológico inerente à gestão do programa, por outro cabe problematizar em que medida é possível, de fato, realizar um acompanhamento de todas as famílias inseridas no PBF, para além das dimensões formais. No trabalho de avaliação foi possível identificar que quase a metade dos municípios do estado do Rio de Janeiro tem uma comissão intersetorial do PBF formalmente constituída8, entretanto a existência de essa instância não implica necessariamente em uma ação integrada de planejamento, coordenação das ações do programa, monitoramento, avaliação, acompanhamento do PBF nem mesmo do controle das condicionalidades. Geralmente, a idéia de intersetorialidade fica reduzida a uma articulação pessoal para dar respostas pontuais a situações particulares e específicas. Em muitos municípios essa articulação passa a ser uma tarefa assumida de forma individual pelos profissionais que se encontram “na ponta” da gestão, como por exemplo, os assistentes sociais. Mesmo não havendo consenso acerca da importância de esta instância estar formalmente constituída, a maior parte dos municípios afirma reconhecer que sua existência, com definição clara de competências e responsabilidades, pode ser um caminho para aprimorar a gestão do PBF nos municípios por meio de estratégias conjuntas das diferentes áreas envolvidas permitindo ao mesmo tempo romper com a histórica 5 fragmentação das políticas sociais e fortalecer o comando único da Política de Assistência Social. b) Dificuldades das equipes técnicas para implementação do PBF A pesquisa do MDS/SENARC identificou em ordem as três dificuldades mais apontadas pelos municípios respondentes como: “‘insuficiência de recursos humanos’, ‘outras’ e ‘dificuldades na operação dos sistemas computacionais’. Note-se que essa configuração se mantém tanto para os municípios de pequeno, quanto para os de médio porte. Entre os municípios de grande porte, a opção ‘dificuldades na operação dos sistemas computacionais’ ocupa o quarto lugar, sendo o item ‘espaço físico insuficiente’ a terceira escolha mais importante”. (MDS/SENARC, 2007:12) Os dados do estado do Rio de Janeiro mostram-se similares aos da pesquisa nacional, estando assim discriminados: Gráfico 1: Dificuldades para implementação do PBF (em valores percentuais) O expressivo número relacionado à falta de capacitação, se associado à forte identificação quanto às dificuldades dos sistemas operacionais, permite pelo menos duas leituras, com possibilidade de serem conjugadas. Como já citado anteriormente, as visitas de apoio técnico contaram com um número maior de profissionais que desenvolvem funções de apoio operacional, por isto a expressiva demanda por capacitação pode ser entendida como necessária para este fim. Por outro, se cruzarmos a demanda por capacitação com o dado da alta rotatividade das equipes, esta capacitação pode ser entendida de forma mais 6 ampla, uma vez que a mobilidade das equipes coloca a necessidade de uma capacitação permanente para poder qualificar os novos integrantes. c) Dificuldades quanto à infra-estrutura Durante a realização das visitas de apoio técnico, as equipes locais ressaltaram que, face à utilização do IGD, houve investimentos da administração local para a melhoria da gestão do programa (aquisição de equipamentos e material de informática, etc). No entanto, quando se avaliou a infra-estrutura necessária para a implementação do PBF, 65 (72%) dos municípios visitados consideram que a infra-estrutura e os recursos disponíveis encontramse aquém das necessidades. Os itens que mais se destacaram foram: veículo para realização de visitas de acompanhamento dos usuários, equipamentos de informática, espaço físico adequado para realização das atividades relativas ao PBF, material de consumo, acesso à internet e telefone. Estes dados, se cotejados aos da pesquisa MDS/SENARC, revelam que no item anterior, o “espaço físico insuficiente” já figurava como a terceira escolha mais importante. No que se refere ao acesso à internet, podemos problematizar o indicado nas duas pesquisas de referência para este trabalho: “A pesquisa mostrou que 88,9% dos municípios contam com acesso à internet no órgão responsável pela política de assistência social” (IBGE, 2006: 53) “O acesso à internet parece um assunto superado, pelo menos entre os municípios que participaram da pesquisa. Todavia, como a operação das ações ligadas ao cadastramento e à gestão de benefícios depende de sistemas computacionais ligados à internet, fica em aberto a questão da qualidade do acesso disponível.” (MDS/SENARC, 2007: 32) Indicamos, anteriormente, que embora a informatização seja condição necessária à gestão do Programa, sua viabilidade nem sempre é garantida de modo exclusivo. A qualidade do acesso, indicada no relatório do MDS/SENARC como “em aberto”, tem um impacto diferencial bastante expressivo. Se o acesso é precário, o acompanhamento das informações no sistema e os ajustes necessários podem ser severamente prejudicados, incidindo no nível da gestão, mas também na ponta, podendo afetar as famílias cadastradas. d) Cumprimento das condicionalidades 7 Nos encontros também foi possível refletir acerca da idéia de condicionalidade, expressa no conjunto de legislações e normativas que regulamentam este programa de transferência de renda. Nesse sentido, guiados pela própria legislação, houve um amplo debate com relação às contrapartidas exigidas às famílias beneficiadas, uma vez que, segundo o MDS, “o cumprimento das condicionalidades de saúde e de educação, na forma concebida pelo Programa, mais do que um dever, é um direito que deve ser exercido pelas famílias, [assim sendo o poder público tem o compromisso de] proporcionarlhes acesso efetivo às políticas sociais básicas nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social” (MDS, 2007). Essa afirmação teve forte impacto em uma parte significativa dos participantes, uma vez que as condicionalidades, em muitos casos, eram entendidas como obrigações e compromissos das famílias e seu não cumprimento como causa de punição e coerção, que pode levar a restringir o acesso dos sujeitos ao benefício. Essa forma, certamente restrita, de entender as condicionalidades não foi unânime uma vez que também houve a preocupação em compreender e refletir acerca das variáveis e elementos que podem estar influenciando para que as famílias não cumpram com as contrapartidas9. Quando perguntados acerca das condições dos serviços de saúde para o cumprimento das condicionalidades apresentadas pelo PBF, os técnicos e profissionais de 41 municípios (45%) consideram que a oferta de serviços é suficiente, contra 48 municípios (53%) que a considera insuficiente. Gráfico 2: Principais deficiências na Saúde (em valores absolutos) Dentre as principais limitações identificadas pelas equipes e gestores contatados, destacam-se: a falta de profissionais para desenvolver as ações vinculadas ao PBF principalmente considerando os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal em relação às contratações; deficiências no transporte público municipal o que dificulta o 8 acesso aos serviços por parte dos usuários; carência de equipamentos nos postos de saúde; falta de veículo próprio para a realização das visitas de acompanhamento dos usuários; quantidade insuficiente de postos de saúde para atender a demanda da localidade e o reduzido horário de atendimento. Como se observa nas alegações apresentadas, todas as limitações afetam direta ou indiretamente as famílias beneficiárias, no que diz respeito à gestão integral do Programa e sua dimensão mais imediata: a manutenção da bolsa. Notamos uma importante diferença nas respostas, quando se avaliam os serviços na área de educação. A análise desta resposta revela que quase 70% dos municípios consideram que a oferta de serviços educacionais é suficiente, contra pouco mais de 30% dos municípios que a considera como insuficiente para o cumprimento das condicionalidades estabelecidas pelo PBF. Gráfico 3: Principais deficiências na Educação As principais deficiências identificadas na área de educação relacionam-se a: limitações relativas ao transporte público e localização das escolas - elementos que dificultam o acesso por parte da população às instituições de ensino, assim como, a quantidade de escolas, considerada insuficiente para atender às demandas locais. e) Acompanhamento das famílias pelos CRAS O PBF tem prevista uma ancoragem no âmbito da Assistência, através dos Centros Referencia (CRAS), grande parte dos quais com implantação quase concomitante à implantação do Programa. Assim, a implantação da Política Nacional/ SUAS se justapôs ao PBF com toda uma série de conseqüências. Considerando os dados da MDS/SENARC: 9 “O acompanhamento familiar dos beneficiários do PBF é desenvolvido no âmbito do Cras em cerca de 55% dos municípios respondentes. No entanto, há uma grande diferença na estratégia de acompanhamento familiar de acordo com o porte dos municípios. Nos de grande porte, mais de 91% afirmaram que utilizam o Cras para essa atividade, enquanto nos de pequeno porte, esse percentual é de aproximadamente 49%. Entre os de médio porte, 65% dos municípios realizam o acompanhamento familiar no Cras. Ou seja, a utilização do Cras é inversamente proporcional ao tamanho do município. Vale a pena ressaltar, no entanto, que nem todos os municípios brasileiros possuem Cras. (MDS/SENARC, 2007:20) O fato de o PBF ser (ou não) desenvolvido nos Cras é um dado que nos parece relevante em termos da concepção do Programa e do acompanhamento das famílias beneficiárias. Os Cras são unidades de referência, localizadas estrategicamente em áreas de maior vulnerabilidade. Esta base territorial pode favorecer, aos Centros, uma maior proximidade com as famílias e suas redes de relação comunitária e institucional. Os gráficos abaixo indicam o padrão de acompanhamento às famílias pelos CRAS nos municípios pesquisados. Gráficos 4a, 4b e 4c: Acompanhamento das famílias pelos CRAS (em valores absolutos) Com relação às três situações elencadas nos gráficos acima, referentes ao acompanhamento das famílias, por parte dos profissionais e técnicos dos CRAS, quais sejam: inseridas no PBF, não incluídas no PBF e/ou desligadas do programa, os municípios 10 majoritariamente (entre 79 e 83%) responderam que realizam o acompanhamento. Este número segue os dados apresentados na Tabela 30 (IBGE, p.155) no que se refere ao tipo de serviço realizado na assistência social no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, qual seja: atendimento sócio familiar - 86 municípios; atendimento psicossocial - 85 municípios e atendimento socioeducativo - 80 municípios. Um número tão expressivo de respostas positivas nos suscita algumas questões: faz-se necessário um detalhamento sobre o como vem se dando este acompanhamento, pois identificou-se que a infra-estrutura e o número de profissionais não foram considerados suficientes para a realização do trabalho. Na mesma direção, a maioria absoluta dos técnicos destacou as dificuldades quanto à realização de um trabalho intersetorial. Importa destacar que, em muitos municípios, o PBF ainda encontra-se inserido na política de assistência de forma bastante marginal, fato que contribui para reproduzir as clássicas distorções existentes na área da assistência social: superposição de ações, pouca eficiência no uso dos recursos financeiros, desorganização das intervenções, perdendo de vista que se trata de um programa de transferência de renda e enquanto tal faz parte, segundo a legislação vigente, do conjunto de programas de assistência social. Outro aspecto ainda referido à intercessão Política de Assistência/PBF/CRAS diz respeito à alegação – feita pelos técnicos – do aumento da demanda direcionada às secretarias municipais, responsáveis pela política de assistência social com a expansão do PBF e com o processo de migração dos beneficiários de programas de transferência de renda, anteriores à unificação como PETI, Cheque Cidadão. Nesse sentido, considerando a insuficiência de profissionais e técnicos com vínculos estáveis, o trabalho de acompanhamento das famílias pelos CRAS não pode ser realizado com qualidade, tal como almejado pelas equipes locais, ficando restrito à realização de reuniões com as famílias. Deste modo, apreender as formas de acompanhamento (para além do cumprimento das condicionalidades) que vêm sendo implementadas pelos municípios, apresenta-se como uma tarefa de avaliação fundamental, requerendo, para tal, um estudo mais detalhado, que permita maior conhecimento sobre os fluxos locais. f) Demanda de assessoria em relação aos sistemas operacionais Pelo desenho assumido pelo PBF para sua operacionalização, os sistemas informacionais constituíram-se em condição absolutamente fundamentais e sua operação nos municípios e sub áreas ( educação, saúde, assistência), a “grande obsessão” de gestores e funcionários. De acordo com os dados da pesquisa MDS/SENARC: 11 “As dificuldades enfrentadas pelos municípios na gestão do PBF e do CadÚnico são outro aspecto a ser destacado. Preocupa principalmente o percentual significativo que aponta para a dificuldade em operar os sistemas computacionais, pois toda a gestão do PBF e do CadÚnico é realizada com o apoio de ferramentas informatizadas” (MDS/SENARC, 2007: 33) Os dados do estado do Rio indicam as mesmas dificuldades, como pode ser observado no gráfico abaixo: Gráfico 5: Modalidade de assessoria continuada solicitada ao Governo Estadual em relação aos sistemas operacionais (em valores absolutos) As informações obtidas sobre a necessidade de assessoria continuada em relação aos sistemas operacionais indicam que o sistema do CadÚnico constitui um ponto de estrangulamento para os técnicos e operadores vinculados ao PBF. Essa necessidade tem uma alta incidência na Região Noroeste, a mais afastada da capital, com mais características rurais. O SIBEC foi identificado como problemático na Região das Baixadas Litorâneas e o uso do SISVAN na Região Serrana. Estas informações confirmam análises anteriores sobre a importância de maior domínio dos sistemas de gestão do programa. Deste modo, seu uso bem empregado facultaria a geração de dados consolidados para a realização de diagnósticos municipais e regionais, fundamentais para o oferecimento de subsídios das políticas públicas. Ao mesmo tempo, cabe melhor detalhamento posterior sobre o fato de as dúvidas incidirem não só quanto ao uso dos sistemas, mas sobre dificuldades que os próprios sistemas apresentem. 3. Pensando o desenvolvimento institucional do PBF O estudo realizado junto aos municípios do Estado do Rio de Janeiro permitiu-nos estabelecer um diálogo crítico entre os dados da realidade nacional e estadual, assim como também com as informações referentes às realidades municipais e regionais. Essas 12 reflexões contribuíram para as experiências e os desafios postos para as equipes locais, assim como permitiram problematizar a responsabilidade dos municípios com a implementação do PBF, no sentido da perspectiva da defesa dos direitos de cidadania. Por um lado, é possível afirmar a importância de haver uma preocupação em pensar políticas sociais de âmbito nacional, orientadas por procedimentos e regras comuns, que tenham como ponto de partida o diagnóstico sócio-econômico da realidade concreta e que estejam acompanhadas de sistemas nacionais de gestão das informações, de monitoramento e avaliação, preocupações, de certo modo, recentes no Brasil. Por outro lado, também é verdadeira a afirmação de que essas propostas inovadoras, que se encontram na base, (como exemplo do PBF), convivem com práticas e estratégias não- novas, que acompanham de longa data, as intervenções públicas no social. São práticas orientadas por uma lógica tradicional de identificação das necessidades, de intervenção social e de não preocupação com o monitoramento e avaliação. Essa lógica tradicional orientou historicamente a gestão das políticas sociais no Brasil. A estratégia predominante de intervenção no social foi a de atender as necessidades sociais de forma fragmentada, através de ações sociais direcionadas para o atendimento de necessidades específicas de grupos populacionais particulares. Entretanto, o PBF, na sua definição, busca romper com a fragmentação e segmentação das políticas sociais e apresenta, dentre as suas metas: combater a pobreza no país e contribuir com o aperfeiçoamento da rede de proteção social, reforçando o exercício dos direitos sociais básicos como saúde e educação, por meio do cumprimento das condicionalidades. O trabalho de avaliação realizado permitiu-nos dimensionar o enorme esforço que vem sendo realizado pelas equipes locais para enfrentar os desafios postos pelo PBF, desde a sua criação, uma vez que sua gestão implica em inúmeras inovações operacionais, organizacionais, influindo na gestão como um todo. Mesmo tratando-se de um programa federal apoiado na participação de todos os entes federados e que tem como epicentro o MDS-SENARC, são os municípios, e suas equipes, as principais instâncias responsáveis pela gestão descentralizada do Programa junto às famílias. Sendo assim, queremos enfatizar alguns aspectos que indicam potencialidades para o desenvolvimento institucional do Programa: • A amplitude e importância assumida pelo PBF no contexto nacional e nos diferentes municípios é algo consensualmente assumido ao nível das instancias governamentais; 13 • A experiência de gestão acumulada nestes 5 anos de funcionamento do programa, implicou numa série de experiências que se deram de forma generalizada e com diferentes níveis de aprendizagens, nas diversas esferas da administração pública; • O esforço que foi (e vem sendo) empreendido pelos atores situados nas instancias municipais (e seus equipamentos públicos) mais próximos da população é bastante relevante, e em geral, tem pouca visibilidade inclusive porque freqüentemente, não é traduzido em estatísticas; No entanto, reconhece-se que as estatísticas e as bases informacionais facilitam o fluxo de informações e o controle de um programa deste porte. Todos esses aspectos nos levam a enfatizar certos atributos do Programa que mereceriam ser revistos de forma a que o PBF amplie sua efetividade na perspectiva dos direitos e da cidadania dos setores mais desprotegidos da população deste país. Neste sentido, parece-nos importante repensar a atual formatação do Programa pela qual o Governo Federal é visto como o controlador geral do processo no qual ele regula, decide, julga, concede, adverte, suspende e cancela os benefícios e beneficiários. Esta concentração de ações e decisões gera obviamente um repasse “em cascata” das responsabilidades em relação ao Programa e outros fenômenos importantes. Um primeiro é que cada setor ou esfera responde por “sua ação”, nada (ou muito pouco) sabendo sobre o que virá depois. Um segundo, relaciona-se a uma certa desresponsabilização das esferas nacionais e mesmo estaduais em relação ao destinos das famílias. A situação das famílias (os tempos de espera no processamento de sua inclusão; os desgastes de “tempo e passagem” na busca de informações ou na correção de situações consideradas “injustas”, etc.) são dimensões apenas apreendidos pelos técnicos situados na ponta do processo, que se sentem impotentes na solução de processos e encaminhamentos por eles próprios operados. Esse tipo de “alienação” dos técnicos (e dos próprios Cras) em relação a seu próprio trabalho é, do nosso ponto de vista, desmotivador e generaliza uma atitude tecnocrática e de pouca interatividade entre os operadores do sistema e a população. Um maior conhecimento e informação acerca do PBF e seus mecanismos de operação por parte das diferentes esferas (nelas incluídas “as pontas” da Caixa Econômica Federal) são fatores fundamentais de aproximação do Programa à realidade da população. O acompanhamento das famílias para além da fiscalização do cumprimento das condicionalidades e manutenção dos critérios de elegilibidade é efetivamente um dos “nós góticos” do programa. A superação do caráter fiscalizatório que mantém uma tradição de suspeita e vigilância em relação aos pobres é efetivamente algo que deve objeto das próximas etapas do PBF. 14 Finalmente, considerando estas ponderações, três propostas podem ser aqui indicadas: a) Levantamento e acolhimento de indicadores de acompanhamento estabelecidos “de baixo para cima” ou seja, a partir dos municípios incorporando as prioridades de cada contexto, suas situações de vulnerabilidade e potenciais de superação dos grupos envolvidos; b) Incentivo a que as instâncias de controle social assumam mais nitidamente um caráter de ouvidoria qualificada (para o acolhimento das situações afeitas ao PBF e suas famílias) e uma postura mais propositiva acerca das prioridades relativas aos serviços públicos do município; c) Incentivo à incorporação e participação dos beneficiários na gestão do Programa (ou dos Conselhos Gestores municipais). A participação dos beneficiários romperia com o caráter individualizado e individualizante da transferência de renda para “famílias pobres” transformando o PBF num efetivo Programa de construção de sujeitos coletivos envolvidos com a Política, com as formas de atendimento de suas demandas e, em um plano mais amplo, de questionamento das lógicas que as geram. Notas 1 A consultoria teve por objetivo desenvolver, em todos os municípios do Estado, ações complementares de acompanhamento da gestão do Programa, a saber: capacitação e apoio técnico de gestores e técnicos locais, construção de indicadores de monitoramento e avaliação a serem implementados pelos municípios e pelo Estado, organização de um encontro estadual. Foram visitados e participaram das oficinas de capacitação, 91 dos 92 municípios fluminenses. 2 A dinâmica das visitas frequentemente se desenvolveu através de uma reunião pela manhã com gestores municipais, coordenadores do Programa e técnicos das três secretarias envolvidas com a gestão do Programa. Nesta reunião eram obtidos os dados para o preenchimento do questionário, complementados na parte da tarde com um encontro somente com a equipe técnica. É importante sinalizar que em vários municípios esta visita propiciou, pela primeira vez, o encontro destes interlocutores. 3 Os encontros de capacitação aconteceram de modo descentralizado, em 16 diferentes municípios. Cada encontro teve 6 horas de duração, sendo que as turmas foram compostas por representantes municipais ligados ao Programa Bolsa Família nas áreas da saúde, educação, assistência social e instâncias de controle; Os primeiros encontros-realizados entre set./nov 2007- contaram com 346 participantes e os segundo, realizados entre dez/fev. 2008, contaram com 365 participantes. No Encontro Estadual, estiveram presentes 386 participantes, entre gestores e técnicos das diferentes áreas que compõem o Programa. 4 No caso das relações entre as famílias e a CEF, as articulações são complexas (e nem sempre claras) para as famílias. Isto porque a CEF é, para elas, o local de “recebimento do cartão”, mesmo que posteriormente, a bolsa possa ser sacada em lojas lotéricas. Escapa-lhes as demais articulações entre essa agência financeira e a gestão nacional e local do Programa bem como sua presença e interferência em (quase) todas as etapas do processo desde o registro das famílias (a própria formatação do CadUnico) seu processamento, arquivamento eventual cruzamento com outros dados sociais até sua suspensão, cancelamento e/ou reinstalação. 5 A este respeito estão disponíveis um conjunto de Estudos e Pesquisas no site do MDS/ Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI): http://www.mds.gov.br/institucional/secretarias/secretaria-de-avaliacao-e-gestao-da-informacaosagi/arquivo-sagi/pesquisas 15 6 O IGD é “um indicador sintético, criado por meio da Portaria GM/MDS nº 148, de 2006, com o objetivo de apoiar financeiramente os municípios do Programa Bolsa Família (PBF), com base na qualidade da gestão do Programa. O índice é composto pela média aritmética do Indicador do CadÚnico e do Indicador de condicionalidades”. (www.mds.gov.br) 7 Foram considerados como apoio operacional: os operadores master, técnicos do CadÚnico, digitadores da freqüência escolar, técnicos em informática, dentre outros técnicos e profissionais especializados 8 Do total das unidades subnacionais contatadas e que souberam responder à pergunta, 41 deles afirmaram, na época, que não existia uma comissão intersetorial formalmente constituída no município; já 49 deles afirmaram o contrário 9 Essas causas identificadas possuem características muitos diferenciadas: questões culturais, econômicas, educacionais, disponibilidade e acesso de uma rede de serviços públicos etc.