Reportagem Especial: Fechamento de Mina: Aspectos Legais (Marcelo Gomes de Souza) O fenômeno mundial da proteção ao meio ambiente vem exigindo uma nova abordagem para a questão do fechamento de mina (internacionalmente designado decommissioning, mine closure ou cierre de mina), a qual vem se materializando gradativamente no ordenamento jurídico nacional, a partir do advento da Constituição Federal de 1988. O art. 225, § 2º da Constituição impõe àquele que explorar recursos minerais a responsabilidade de recuperar os danos ambientais causados pela atividade de mineração, consistente na obrigação de "recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma de lei." Embora esta responsabilidade seja objetiva (independente da vontade do agente), é necessário haver o nexo de causalidade entre a atividade de mineração e o dano ambiental, para constituir-se a obrigação do minerador de efetuar a aludida recuperação. O vocábulo recuperar utilizado no 225, § 2º da Constituição imputa ao minerador uma obrigação de fazer, que somente pode ser interpretada como a de reabilitar o meio ambiente degradado pela atividade mineral, pois a lei não pode exigir o impossível, como o retorno da área à situação anterior às operações de lavra. A responsabilidade objetiva do minerador é, pois, a da recuperação do meio ambiente degradado em conseqüência do exercício de atividade legítima e regularmente autorizada; essa recuperação deve ser realizada com a finalidade de reabilitar a área degradada em decorrência das operações de lavra efetuadas. O aludido dispositivo constitucional estabelece que, terminada a fase de lavra, a recuperação da área degradada pela mineração deverá ocorrer conforme a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei, aprovada quando do licenciamento ambiental da atividade. A matéria está regulamentada pelo Decreto nº 97.632, de 10.04.1989, eis que não existe a lei infra-constitucional específica disciplinando a recuperação de áreas degradadas pela mineração. Deste ordenamento legal destacam-se os seguintes dispositivos: "Art. 1º - Os empreendimentos que se destinam à exploração de recursos minerais deverão, quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental - EIA e do Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, submeter à aprovação do órgão ambiental competente, plano de recuperação de área degrada. (...) Art. 3º - A recuperação deverá ter por objetivo o retorno do sítio degradado a uma forma de utilização, de acordo com um plano preestabelecido para o uso do solo, visando a obtenção de uma estabilidade do meio ambiente". Como se vê do art. 3º, a recuperação da área degradada pela atividade de mineração objetiva estabelecer uma nova forma de utilização da área minerada, conforme um plano preestabelecido para o uso do solo, com vistas a alcançar a sua estabilidade ambiental, que configura a solução técnica exigida pelo órgão público competente. A peculiaridade da questão do fechamento de uma mina decorre do processo de mudança de uso de área que, até então, era essencialmente de extração mineral, sendo fundamental, portanto, que sejam observadas as imposições legais que derivam deste fato, relativas ao fechamento da mina propriamente dita, necessidade de licenciamento da nova forma de uso, à possibilidade de um novo aproveitamento mineral da jazida desativada e à responsabilidade do minerador pelo cumprimento da obrigação de executar o plano de recuperação de área degrada aprovado pelo órgão ambiental competente, o que examinaremos a seguir. Vale lembrar que ao outorgar ao minerador a licença ambiental para o exercício das atividades de lavra e beneficiamento, o órgão ambiental competente aprova o plano de recuperação de área degrada, que lhe foi submetido, previamente, por meio do Estudo de Impacto Ambiental - EIA e Relatório de Impacto Ambiental - RIMA. Ressalte-se que a licença ambiental é ato administrativo vinculado, que produz efeitos específicos e individuais para o seu titular, sendo de caráter definitivo quanto a seus aspectos formais. Portanto, a licença de operação da mina outorgada pelo órgão ambiental gera direitos e obrigações ao minerador, dada a característica de ato definitivo e vinculado com que se apresenta. Portanto, o minerador tem a obrigação de implantar o plano de recuperação de área degrada pela atividade de mineração aprovado pelo órgão ambiental competente, que contempla o uso futuro da área de influência da mina, após o fechamento da mesma. Registre-se, ainda, que será necessário licenciar a nova forma de uso do solo, apenas no caso em que a solução aprovada para a recuperação da área degradada pela mineração se enquadrar entre aquelas atividades de que se exige o licenciamento ambiental, nos termos da legislação em vigor. Com efeito, não há como licenciar o fechamento de uma mina, eis que o licenciamento ambiental é o procedimento administrativo, exigido pela legislação, para a localização, instalação, operação ou ampliação de atividades utilizadoras de recursos ambientais ou causadoras de degradação ambiental, e visa controlar as que comportem risco para o meio ambiente. Na 5ª Conferência dos Ministérios de Minas das Américas (CAMMA), realizada em Vancouver, Canadá, nos dias 5 e 6 de outubro de 1999, os Ministérios de Minas e Energia das Américas, respeitando as jurisdições de cada País, acordaram que "as etapas de desativação e fechamento dos projetos minerais deve ser considerada desde o início do desenvolvimento do projeto, constituindo o plano de desativação planificado um elemento necessário para que a mineração contribua para o desenvolvimento sustentável, facilitando assim a existência de condições claras e estáveis para alcançar o bem estar econômico, ambiental e social." Embora a legislação Brasileira já tenha estabelecido a sistemática acordada pelos Ministérios de Minas das Américas, como antes demonstrado, muito se tem debatido a respeito da extensão e abrangência do plano de fechamento de mina. O Diretor Geral do Departamento Nacional da Produção Mineral DNPM, editou a Portaria nº 237, de 18.10.2001, alterada pela Portaria nº 12, de 22.01.2002, instituindo as Normas Reguladoras de Mineração (NRM´s), tendo a NRM nº 20 disciplinado os procedimentos administrativos e operacionais em caso de fechamento de mina (cessação definitiva das operações mineiras), suspensão (cessação temporária) e retomada de operações mineiras, estabelecendo, inclusive, que tais hipótese dependem de prévia comunicação e autorização do DNPM, devendo o minerador apresentar requerimento justificativo, devidamente acompanhado dos diversos documentos que formam o Plano de Fechamento ou de Suspensão da Mina. Do Plano de Fechamento de Mina devem constar: a) relatório dos trabalhos efetuados; b) caracterização das reservas remanescentes; c) plano de desmobilização das instalações e equipamentos que compõem a infra-estrutura do empreendimento mineiro indicando o destino a ser dado aos mesmos; d) atualização de todos os levantamentos topográficos da mina; e) planta da mina na qual conste as áreas lavradas recuperadas, áreas impactadas recuperadas e por recuperar, áreas de disposição do solo orgânico, estéril, minérios e rejeitos, sistemas de disposição, vias de acesso e outras obras civis; f) programas de acompanhamento e monitoramento relativos a: I- sistemas de disposição e de contenção; II- taludes em geral; III- comportamento do lençol freático e IV- drenagem das águas; g) plano de controle da poluição do solo, atmosfera e recursos hídricos, com caracterização de parâmetros controladores; h) plano de controle de lançamento de efluentes com caracterização de parâmetros controladores; i) medidas para impedir o acesso à mina de pessoas estranhas e interditar com barreiras os acessos às áreas perigosas; j) definição dos impactos ambientais nas áreas de influência do empreendimento levando em consideração os meios físico, biótico e antrópico; k) aptidão e intenção de uso futuro da área; l) conformação topográfica e paisagística levando em consideração aspectos sobre a estabilidade, controle de erosões e drenagens; m) relatório das condições de saúde ocupacional dos trabalhadores durante a vida útil do empreendimento mineiro e n) cronograma físico e financeiro das atividades propostas. Segundo a NRM nº 20, o Plano de Fechamento de Mina deve estar contemplado no Plano de Aproveitamento Econômico da jazida - PAE, sendo que o DNPM poderá exigir sua apresentação, na hipótese da mina não possuir o plano de fechamento, que será atualizado periodicamente, no que couber, e estar disponível na mina para fiscalização. Verifica-se, então, que o Plano de Fechamento exigido pelo DNPM prevê que as etapas de desativação e fechamento de mina estão sendo consideradas desde o início do desenvolvimento do seu projeto de implantação, permitindo a sua constante atualização e flexibilização, desde que não se modifique a solução previamente aprovada pelo órgão ambiental competente para a recuperação da área degradada pela mineração, prevista no EIA/RIMA, que ensejou a licença ambiental da mina. É recomendável que o órgão ambiental competente também tenha acesso ao Plano de Fechamento de mina apresentado ao DNPM, para ter melhor controle ambiental da área minerada em processo de recuperação, e, se for o caso, exigir a realização de outros trabalhos técnicos que entenda necessários. Entretanto, os trabalhos técnicos adicionais ao Plano de Fechamento exigido pelo órgão ambiental devem se restringir às medidas de controle ambiental a serem implantadas na recuperação da área degradada pela mineração, eis que a solução técnica para a recuperação do meio ambiente degradado pela atividade de lavra e beneficiamento de minério na mina já foi aprovada no seu licenciamento. Destarte, o órgão ambiental tem o poder de polícia para exigir o cumprimento das medidas de controle ambiental das áreas mineradas a serem recuperadas pelo minerador, tendo a fiscalização o dever de exigir a adequação das medidas de controle propostas no Plano de Fechamento de mina aos critérios e padrões ambientais vigentes. Outro aspecto a ser analisado é da possibilidade de futuro aproveitamento mineral da mina fechada. O art. 20, IX da Constituição combinado com o art. 176 estabelece que as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais pertencem à União Federal, enquanto a propriedade do produto da lavra é do concessionário, sendo que somente este pode efetuar a lavra dos recursos minerais, mediante concessão da União, nos termos da lei. O Código de Mineração (Decreto-lei n.º 227, de 28.02.67) regula o aproveitamento dos recursos minerais, que são formados pelas massas individualizadas de substâncias minerais ou fósseis, que serão consideradas jazidas toda vez que tenham valor econômico, e serão aproveitadas por meio de autorização de pesquisa mineral e concessão de lavra outorgadas pela União Federal. Objetivando incrementar o aproveitamento dos recursos minerais, o Código de Mineração prevê que, após encerradas as operações de lavra, a jazida remanescente poderá ser objeto de pedido de nova autorização de pesquisa ou concessão de lavra, com base no direito de prioridade assegurado à quem requerer área considerada livre ou colocada em disponibilidade pelo DNPM, nos termos dos arts. 11, 18 e 65. Na condição de titular da concessão de lavra para o aproveitamento da mina, o minerador tem a obrigação de não interromper suas atividades de lavra por mais de 06 meses, nem suspendê-las sem a prévia comunicação ao DNPM, sob pena de caducidade do título (CM, arts. 47, XIV, 49 e 65). O minerador poderá comunicar o exaurimento da jazida para a substância mineral objetivada ou renunciar ao seu título minerário (art. 58, CM): no entanto, estas alternativas não impedem novo aproveitamento mineral na área. Portanto, ainda não existe em nossa legislação dispositivo para se evitar seja requerida área com vista a novo aproveitamento mineral da mina a ser fechada. Para assegurar o seu fechamento efetivo é necessário criar-se o mecanismo legal que permita ao DNPM não considerar livre a respectiva área, para fins de requerimentos de autorização de pesquisa e concessão de lavra, pois as Normas Reguladoras da Mineração não tem o poder de derrogaras normas do Código de Mineração. Por derradeiro, resta analisar responsabilidade do minerador pelo cumprimento da obrigação de executar o plano de recuperação de área degrada aprovado pelo órgão ambiental competente. O art. 225, § 3º da Constituição Federal dispõe que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, estabelecendo três esferas distintas de responsabilidade jurídica: a penal, a administrativa e a civil. O art. 19 da Lei n.º 7.805/89 responsabiliza o minerador legalmente autorizado pela reparação dos danos causados ao meio ambiente, sem distinguir a sua natureza (civil, administrativa ou penal), in verbis: "Art. 19 - O titular da autorização de pesquisa, de permissão de lavra garimpeira, de concessão de lavra, de licenciamento ou de manifesto de mina responde pelos danos causados ao meio ambiente." Portanto, a não recuperação do dano ambiental causado pela atividade de mineração pode acarretar sanções de natureza penal e administrativa, sem desonerar o minerador da obrigação de recuperar o meio ambiente degradado pela atividade (responsabilidade civil). A Administração Pública tem o poder de polícia para controlar as atividades que causam impactos ambientais, por meio do controle direto das fontes geradoras de poluição ou utilizadoras de recursos naturais. As penalidades administrativas típicas são as de cunho pecuniário (multa) ou ligadas ao regime autorizativo para o exercício de atividades (embargo, interdição ou suspensão). A responsabilidade penal é sempre de caráter subjetivo, pois pressupõe a aferição da vontade do autor para a pratica do ato delituoso definido como crime, enquadrando-a nos parâmetros do dolo (consciência e vontade livre de realizar a conduta delituosa) ou da culpa (violação do dever de cuidado, atenção e diligência com que todos devem pautar-se na vida em sociedade). As penalidades criminais são aplicadas exclusivamente pelo Judiciário. Registre-se que o art. 55, § único da Lei n° 9.605/98 define como crime e infração administrativa, sujeita à penalidade de multa, o fato de deixar de recuperar a área minerada nos termos da determinação do órgão ambiental competente. Assim, a responsabilidade civil daquele que explorar recursos minerais advém do nexo causal entre a atividade de mineração legalmente autorizada e o dano ambiental causado por ela; a responsabilidade administrativa decorre da execução da atividade de mineração em desacordo com as medidas de controle ambiental e condicionantes da licença ambiental; e a responsabilidade penal depende da aferição da vontade do infrator em praticar (com dolo ou culpa) as infrações penais tipificadas em lei. São esses os principais aspectos legais que atualmente envolvem o fechamento de mina no País. Porém, a legislação atual sobre o tema tem sido objeto de muita discussão, visando a sua evolução, porque a questão ainda demanda outras soluções de natureza multidiciplinar, já que o fechamento de uma mina pressupõe ampla negociação entre o minerador e o Poder Público, com o envolvimento da sociedade, especialmente com a comunidade direta ou indiretamente atingida pelo empreendimento mineiro, a qual deve ser implementada com base nos fundamentos e conhecimentos técnicos científicos e nos conceitos de desenvolvimento sustentável. Fonte: site do IBRAM - Instituto Brasileiro de Mineração