XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA AGRICULTURA FAMILIAR DO PROJETO JAÍBA-MG
COMO DESAFIO PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL
THIAGO CARVALHO ALVES DE ARAUJO; MARILUZA DIAS GODRIM;
VANDERLEY SOARES SOUZA.
EMATER-MG, JAIBA, MG, BRASIL.
[email protected]
APRESENTAÇÃO ORAL
AGRICULTURA FAMILIAR
A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA AGRICULTURA FAMILIAR DO
PROJETO JAÍBA-MG COMO DESAFIO PARA O
DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL
Grupo de Pesquisa: Agricultura Familiar
RESUMO
Este trabalho analisa as causas da baixa participação dos agricultores familiares do
Projeto Jaíba nas organizações sociais e seus impactos nas dimensões econômica, social,
política e cultural, que travam o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar da
região. Identifica as motivações que levaram à constituição das associações e os processos
que as conduziram ao sucesso ou ao fracasso. Avalia, também como se dá a relação entre
coesão social, capital social e o envolvimento participativo em organizações associativas de
agricultores familiares, utilizando técnicas baseadas na metodologia participativa de
abordagem, durante o trabalho cotidiano de extensão rural e reuniões problematizadoras. A
pesquisa enfatizou a necessidade de uma transformação da dimensão educativa e propõe duas
frentes de trabalho: uma na educação formal e outra na informal, respectivamente,
representadas pela escola e pela extensão rural, ambas com enfoque no resgate e valorização
do saber popular, ensino contextualizado e com ações baseadas nos princípios da autonomia,
democracia e solidariedade.
Palavras-chaves: Organização social, agricultura familiar, capital social, participação,
educação rural.
ABSTRACT
This work analyzes the causes of low the participation of the familiar agriculturists of the
Jaíba Project in the social organizations and its impacts in the dimensions economic, social,
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
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cultural politics and, that stop the sustainable development of the familiar agriculture of the
region. It identifies the motivations that had led to the constitution of the associations and the
processes that had lead them to the success or the failure. It evaluates, also as one gives the
relation between social cohesion, social capital and the participative envolvement in
associative organizations of familiar agriculturists, using techniques based on the participativa
methodology of boarding, during the daily work of agricultural extension and trouble
meetings. The research emphasized the necessity of a transformation of the educative
dimension and considers two fronts of work: one in the formal education and another one in
the informal one, respectively, represented for the school and the agricultural extension, both
with approach in the rescue and valuation of popular knowing, contextualized education and
with actions based on the principles of the autonomy, democracy and solidarity.
Palavras-chaves: Organização social, agricultura familiar, capital social, participação,
educação rural.
1. INTRODUÇÃO
O Projeto Jaíba constitui hoje o maior projeto público de irrigação em área contínua da
América Latina, um empreendimento conjunto entre a União e Governo de Minas Gerais.
Programas de irrigação como o em questão, têm por objetivo aumentar a produção de
alimentos e matérias-primas para as indústrias, reduzir os efeitos das adversidades climáticas
e aumentar as oportunidades de emprego e renda. Trata-se, portanto, de um conjunto técnicoeconômico. No entanto sua concepção e implantação não levaram em consideração aspectos
culturais, sociais e políticos, gerando graves problemas, dentre os quais destacam-se a questão
da desorganização social e da baixa participação dos agricultores em iniciativas que
necessitem de gestão social. Isso influencia direta e negativamente a comercialização e o
acesso ao crédito, na dimensão econômica; o empoderamento, na política; e a construção de
uma identidade, no campo sócio-cultural.
A sustentabilidade, conceito fundamental para o novo paradigma de desenvolvimento, é
uma noção integradora, rica e de grande poder orientador, indispensável para fomentar condições
de autogestão comunitária, entendida como capacidade dos atores sociais para tomar decisões a
respeito dos diversos aspectos que atingem suas próprias vidas.
O objetivo deste trabalho é analisar as causas da baixa participação dos agricultores
familiares do Projeto Jaíba nas organizações sociais e os impactos que essa problemática
trazem para as dimensões econômica, social, política e cultural, que travam o
desenvolvimento sustentável da agricultura familiar do Projeto Jaíba e sugerir alternativas que
possam conduzi-la rumo à autonomia e ao empoderamento.
2. METODOLOGIA
Para a realização da pesquisa, o referencial teórico foi alinhado com os princípios da
Agroecologia e do Desenvolvimento Rural Sustentável, dois dos pilares da Política Nacional
de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). Para tanto, foram trabalhados conceitos
fundamentais como organização social, participação, coesão social, associativismo.
A metodologia empregada durante a realização deste estudo se orienta pela pesquisa
qualitativa, com o emprego das seguintes técnicas: levantamento e análise de fontes primárias
e secundárias, reuniões problematizadoras e entrevistas semi-estruturadas com membros de
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duas associações de produtores rurais que representam realidades bem distintas em termos de
sucesso em experiências de gestão e participação social.
3. CARACTERIZAÇÃO DO PROJETO JAÍBA
O Projeto Jaíba é um empreendimento rural de agricultura irrigada com meta para
atingir 100.000 hectares, situado às margens direita do Rio São Francisco e esquerda do Rio
Verde Grande, abrangendo terras situadas no Norte de Minas Gerais, pertencentes aos atuais
municípios de Jaíba e Matias Cardoso.
Para entender as origens do Projeto Jaíba, faz-se necessária uma contextualização
histórica do período em que foi ele concebido.
O Estado nacional implementou durante os anos 1970-89 políticas
desenvolvimentistas, características do modelo autoritário de planejamento, de base técnica,
centralizadoras e verticais, direcionadas para o crescimento da economia.
Rodrigues (2001) analisa em seu trabalho, a contribuição desse projeto de irrigação no
processo de desenvolvimento da região em que está inserido. Segundo a autora, a agricultura
brasileira caracterizou-se, durante a década de 1970-79, por intensas transformações na base
técnica de seu processo produtivo, as quais se tornaram genericamente conhecidas como parte
essencial da consolidação do processo de modernização agrícola nacional – a “Revolução
Verde” brasileira, que apesar de ter proporcionado fortes ganhos de produtividade, não se
preocupou com o esgotamento dos recursos naturais e impactos sócio-ambientais, que
persistem até os dias de hoje.
A opção por esse modelo de agricultura – avaliada como potencialmente indutora não
só do processo de modernização da produção, mas também do desenvolvimento econômico
de regiões menos favorecidas e distantes dos centros político-administrativos – orientou a
preocupação governamental para o planejamento regional naquele período histórico, marcado
pelos inúmeros planos, programas e projetos que contaram com a coordenação das agências
públicas de desenvolvimento regional.
Em meados de 70, por exemplo, foram criadas as superintendências e companhias
regionais de desenvolvimento (SUDENE1, SUDAM2, CODEVASF3). A viabilização técnicoeconômica do Projeto Jaíba, que já havia sido idealizado na década anterior, decorre do II
Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que criou o Programa Polonordeste, para o
desenvolvimento da região Nordeste do país e o Planoroeste, para o desenvolvimento do
Noroeste e Norte de Minas Gerais. (RODRIGUES, 2001).
A elaboração do Projeto Jaíba resultou dessa diretriz de política econômica. A partir
de 1972, os Governos Federal e Estadual passaram a atuar em conjunto com vistas ao seu
estabelecimento efetivo no estado de Minas Gerais. Nesse mesmo ano, a RURALMINAS4
contratou a elaboração do Projeto Executivo de Irrigação de Mocambinho, prevendo irrigação
inicial de 1.680 hectares. (PLENA, 1997).
As primeiras frentes de assentamento para a prática da agricultura irrigada datam de
1988, em Mocambinho (Área D). Esta área se caracteriza por estar mais próxima do
manancial hídrico e pelo fato de priorizar o assentamento dos habitantes nativos da região.
1
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste.
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia.
3
Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.
4
Fundação Rural Mineira, empresa vinculada à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que oferece
serviços e tecnologia de engenharia e mecanização agrícola e desenvolvimento rural.
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Anteriormente, as famílias cultivavam suas lavouras no sequeiro, utilizando-se da vazante do
Rio São Francisco.
Os assentamentos seguintes foram os das áreas F (1990); C3 (1992), B (1996), C2
(destinada à produção empresarial, concluída em 1996) e A (iniciada em 1997, ainda com
áreas a serem ocupadas por novos assentados).
As famílias foram assentadas pela CODEVASF. Primeiramente foi realizado um
cadastro no qual puderam se inscrever pessoas de todo o país, com experiência na agricultura.
Posteriormente, essas famílias passaram por entrevistas, apresentaram documentos para
comprovar as informações prestadas do cadastro e, de acordo com alguns critérios sócioeconômicos estabelecidos por aquela empresa, as famílias eram assentadas conforme as
frentes de assentamento iam sendo implantadas. Suas origens são as mais diversas, tanto no
que se refere a território, como em atividades profissionais. Mas na sua grande maioria, são
oriundas do norte de Minas e eram agricultores, proprietários e trabalhadores rurais.5
Segundo o IBGE (2006), estima-se a população do município de Jaíba em 34.233
habitantes. Quando considerada apenas a população do Projeto Jaíba, lembrando que ali se
inclui também uma parte da população rural de Matias Cardoso, estima-se em 20.000
habitantes. (DISTRITO DE IRRIGAÇÃO DE JAÍBA, 2006). De acordo com o IBGE, a
região apresenta altas taxas de crescimento populacional e tem atraído investimentos públicos
e privados, devido à implantação da Etapa II, destinada à agricultura empresarial.
A Figura 1 apresenta uma classificação dos lotes destinados à agricultura familiar
conforme sua condição de sucesso em termos de produção. Os dados indicam que a maioria
(54,1%) dos lotes encontram-se nas condições de bem-sucedidos ou em posição intermediária.
Por outro lado, colocam-se aquelas famílias que enfrentam piores situações: 26,6% de lotes
sem sucesso, 6,6% de lotes abandonados e 12,7% sem culturas implantadas. (BATISTA et al,
2007)
12,7%
23,8%
Bem s ucedidos
6,6%
Interm ediários
Sem s uces s o
Abandonados
26,6%
Sem cultura im plantada
30,3%
FIGURA 1 Condição de sucesso dos lotes da Agricultura Familiar do Projeto Jaíba
Os critérios utilizados para essa classificação, discutidos entre técnicos da
CODEVASF e da EMATER-MG, foram os seguintes:
5
SOARES (1999), traz detalhadamente, em seu estudo, os critérios de assentamento e das origens das famílias
assentadas no Projeto Jaíba.
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Bem-sucedidos: Famílias que produzem na maior parte do lote, o ano inteiro, com
recursos próprios, mesmo que financiados, desde que estejam em adimplência com os
agentes financeiros e concessionárias de fornecimento de energia elétrica e água.
Posição intermediária: Famílias que produzem com dificuldades de manter suas lavouras
o ano inteiro, admitindo-se sazonalidade de produção e/ou arrendamento para empresários
e/ou que estão em inadimplência com agentes financeiros.
Sem sucesso: Famílias cujas contas encontram-se totalmente em atraso, tanto com agentes
financeiros, quanto junto às concessionárias de energia elétrica e água. Só produzem no
período das chuvas e os membros trabalham, na maior parte do ano como diaristas.
Abandonados: Lotes onde não há produção em nenhum período do ano e não há ninguém
morando.
Sem cultura implantada: Situação em que há pessoas morando, apenas para não
caracterizar abandono de lote, sem produzir nada nos últimos 24 meses. Essa categoria
tem aumentado nos últimos tempos, desde que a CODEVASF ameaçou retomar os lotes
abandonados.
4. ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS
AGRICULTORES FAMILIARES DO PROJETO JAÍBA
4.1 – Organização social – conceito e princípios
As comunidades tendem a se organizar com o objetivo de resolver suas necessidades
e, desta maneira, melhorar suas condições de vida. A possibilidade de se organizar se
manifesta no momento em que se apresentam necessidades ou aspirações que não foram
satisfeitas e que não têm uma solução a curto ou médio prazo a partir da simples ação
individual.
A organização surge como produto da união dos esforços individuais na perspectiva
de encontrar, de maneira conjunta, a solução para os problemas detectados e/ou promover
interesses específicos comuns ao grupo. As organizações buscam respostas coletivas e
solidárias aos problemas que se apresentam. Quanto mais agudos são os problemas ou mais
desafiantes os propósitos comuns, mais urgente se faz a necessidade de alcançar maiores
níveis de organização. (GONZALEZ, 1995).
Trata-se de um instrumento de importância vital para que a participação seja uma
realidade. Se a sociedade não conta com redes de organização, é muito difícil amadurecer
processos democráticos mediante os quais os canais e mecanismos de participação adquirem
vida. Isto significa que a organização é o pilar fundamental da participação, já que através
dela é estimulada e fortalecida a intervenção cidadã.
A organização social das comunidades, muitas vezes, se faz como resultado da
ausência do Estado na solução dos problemas da comunidade, especialmente em matéria de
necessidades básicas (habitação, serviços públicos, educação, saúde, meio ambiente, etc.).
Nessa mesma linha, de acordo com Jara (1998: 173), “inúmeros estudos de avaliação
demonstraram que se as comunidades não se sentirem envolvidas nas iniciativas e ações de
desenvolvimento, particularmente na dimensão social, as perspectivas de permanência a
médio e longo prazo expressam-se limitadas”. Isso demonstra, com clareza, que as práticas
participativas levam a processos que articulam e incluem os diversos atores sociais; as
comunidades apropriam-se dos resultados do esforço conjunto.
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O princípio da participação social é determinante no processo de conquistas materiais.
A promoção de ações coletivas leva a fortalecer processos democráticos em nível local,
regional e nacional.Neste aspecto, interessa que a comunidade tenha condições de usufruir
dos bens e serviços materiais conquistados pela organização.
4.2. Panorama do associativismo no Projeto Jaíba
Apesar das suas potencialidades, de toda a infra-estrutura produtiva, dos avanços
sociais e econômicos do Projeto Jaíba desde a sua concepção, sérias dificuldades ainda são
enfrentadas. Os maiores problemas vivenciados pela agricultura familiar estão relacionados às
questões da desorganização social e da baixa participação, que influenciam direta e
negativamente a comercialização e o acesso ao crédito.
A principal forma de organização dos agricultores familiares na região estudada são as
associações de produtores rurais.
Para Turra (2002: 8), “associação é um sistema de organização inserido na sociedade e
com ela interage e estabelece relações de trocas sociais, políticas, legais, tecnológicas,
econômicas, etc, influindo e sofrendo influências”.
Segundo Moraes (2004: 2) “as associações comunitárias rurais são sociedades formais
criadas com objetivo de integrar esforços e ações dos agricultores e seus familiares em
benefício da melhoria do processo produtivo e da própria comunidade a qual pertence”.
Nos últimos dez anos, o número de associações rurais cresceu consideravelmente no
Jaíba, totalizando hoje um número relativamente alto de 39 associações e uma cooperativa de
produtores. Entretanto, a maior parte dessas organizações encontram dificuldades para se
organizarem e se manterem ativas e regularizadas juntos aos órgãos públicos de administração
e fiscalização fazendária (Receita Federal, INSS e FGTS): das 39 entidades associativas, 23
estão ativas (com reuniões periódicas da Assembléia Geral) e apenas 13 estão completamente
regularizadas, segundo informações da EMATER-MG (2006), empresa pública que presta
assistência técnica a elas. Além disso, o número de sócios por associação normalmente é
muito pequeno, em média de 19 associados e 49% possuem até 15 membros6.
Dentre as dificuldades enfrentadas pelas associações do Projeto Jaíba está a
manutenção da regularidade junto aos órgãos do governo, conforme dados apresentados na
Figura 2, que mostra um número grande de associações com esse tipo de problema, o que as
impossibilita de se beneficiarem das várias políticas públicas.
6
Esses dados não consideram as associações de agricultura empresarial ou mesmo mistas, nem a Associação
Cultural e Ambiental do Projeto Jaíba que, como o próprio nome indica, possui um foco diferente dos objetivos
das associações de produtores rurais. Embora aceite agricultores como associados, a maioria é formada de
pessoas ligadas a atividades urbanas.
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Regular em todos
33%
Regular em 2 órgãos
41%
Regular em apenas
um
5%
Irregular em todos
21%
FIGURA 2 Situação de Regularidade das Associações junto ao INSS, FGTS e Receita
Federal (em %)
Todavia, são comuns relatos de reuniões de assembléia geral que são canceladas
devido ao grande número de ausências. De acordo com as observações do trabalho de campo,
percebe-se nas associações de produtores rurais do Projeto Jaíba uma relação direta entre o
número de associados e a regularidade das reuniões da Assembléia Geral das associações.
Quanto maior o número de associados, maior a regularidade das reuniões.
Entretanto, apenas isso não caracteriza que, para uma associação ter participação ativa,
ela tenha que admitir o maior número de sócios possível. É preciso antes, que haja qualidade
na participação e produtividade nas reuniões. As chances de ter um maior número de sócios
“participativos” numa associação grande são maiores que numa pequena7.
Muitas ações podem ser enumeradas como intervenções na tentativa fortalecer as
organizações sociais no Projeto Jaíba, tais como palestras, cursos e seminários sobre
associativismo, gestão social, empreendedorismo e formação de lideranças; financiamentos no
sistema de aval solidário; estímulo à implantação de lavouras comunitárias. Além disso, as
associações de produtores rurais também se beneficiam de políticas públicas assistenciais do
governo, como por exemplo, Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR), Compra
Antecipada da Agricultura Familiar da CONAB8.
O cenário atual, conforme o apresentado, demonstra que essas ações pouco surtiram
efeitos. Raramente formam-se grupos de produção e comercialização conjunta. A participação
no CMDRS é irrisória. Os mutirões vêm perdendo espaço na cultura local. Exceto na colheita
do feijão, quando há uma mobilização de vizinhos que plantam e colhem na mesma época, é
difícil presenciar essa forma de organização e os produtores são obrigados a pagar diaristas.
Outra característica que marca o aspecto social dos produtores em geral é a
dependência do assistencialismo, inclusive entre os membros das associações, como pôde ser
identificado na pesquisa de campo. Isso dificulta sobremaneira as entidades associativas
alcançarem a emancipação e a auto-promoção de modo que seja rompido o cordão umbilical
que as mantêm presas às instituições que atuam no Projeto Jaíba: Prefeitura, políticos,
assistência técnica, CODEVASF e agentes financeiros.
Portanto, é consenso entre os atores envolvidos – os próprios agricultores, dirigentes e
técnicos de ATER9 – que a desorganização social é o maior problema enfrentado pelos
7
Considera-se, para efeitos desta pesquisa, uma associação grande aquela constituída por mais de 20 sócios.
Companhia Nacional de Abastecimento.
9
Sigla utilizada para designar os serviços de assistência técnica e extensão rural.
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agricultores familiares do Projeto Jaíba para o fortalecimento do associativismo, trazendo
como conseqüências, dificuldades de comercialização conjunta da produção, aumento dos
custos de produção e restrição no acesso ao crédito.
Um exemplo dessa desorganização social se reflete na cadeia produtiva da agricultura
familiar do Jaíba, que resulta no aumento dos custos de produção e baixa rentabilidade no
mercado. Em ambas etapas – aquisição de insumos e venda das suas colheitas – os produtores
rurais fazem exatamente o contrário do que lhes seria conveniente fazer, porque compram os
insumos no varejo, com alto valor agregado e do último elo de intermediação. Depois, ao
comercializarem os seus excedentes, ocorre um giro de 180 graus e o fazem no atacado, sem
valor agregado e ao primeiro elo da cadeia de intermediação. Essas distorções podem ser
elimináveis através da capacitação e da organização dos agricultores com foco no
empreendedorismo. (LACKI, 1996).
Mesmo tendo consciência desse panorama e de que a união e o fortalecimento das
organizações associativas trariam bons frutos e abririam as portas para o mercado, os
produtores encontram inúmeras desculpas e obstáculos e acabam desanimando, optando por
trabalharem individualmente.
Durante as reuniões problematizadoras, algumas palavras foram bastante citadas para
definir a desorganização social entre as famílias de produtores rurais do Projeto: desunião,
falta de confiança, desinteresse, desânimo (para trabalhar junto), preguiça, brigas, falta de
compromisso, individualismo.
Algumas situações muito freqüentes contribuem constantemente para o
enfraquecimento do espírito associativista. Certas políticas públicas exigem a obrigatoriedade
do beneficiário pertencer a uma entidade associativa (programas da CONAB, PCPR, Compra
Direta da Agricultura Familiar e outros). Outras preconizam a necessidade de formação de
grupo de produtores para conseguir algum financiamento. As formações desses agrupamentos
são feitas às pressas, para não deixar passar as oportunidades. Como resultado: após atingir
seus objetivos, as configurações grupais são desfeitas e os compromissos firmados nos
projetos ou propostas de participação não são cumpridos.
O depoimento abaixo, do presidente de uma associação bem sucedida, aborda essa
questão:
“Tem muita associação aí que foi criada da noite pro dia, pra não perder o dinheiro do
governo pra comprar trator. Os técnicos marcavam reunião, vinham com uns papéis, o
povo assinava e já tava criada a associação. Depois que negócio saía, ninguém mais
queria saber de reunir, só quer usufruir dos benefícios, dá muita briga. Tem umas aí
que nem trator tem mais (...), o povo só quer saber dos seus interesses particulares,
não pensa no interesse geral da comunidade, isso é que atrapalha.” (AMR, 32 anos).
Essa opinião reflete um aspecto muito comum das experiências organizativas da
agricultura, onde historicamente se constata a imposição de um modelo de associativismo
fortemente ligado ao crédito rural e/ou aos programas especiais de desenvolvimento rural por
parte dos poderes públicos local ou estadual, de cunho assistencialista. Se por um lado este
modelo de associativismo permitiu a realização de atividades produtivas fundamentais para
diversas famílias assentadas, por outro, salvo situações muito específicas, mostrou-se
inadequado na construção de espaços organizacionais solidários e participativos com alguma
expressão no desenvolvimento rural, na medida em que gerou uma dependência viciosa de
agentes externos.
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No Brasil, o que se verifica na maioria dos casos, é que a dependência do
assistencialismo tem fundamentado a atuação desta forma de organização (MORAES, 2004).
O Projeto Jaíba não foge à regra. É fácil identificar uma relação clientelística de mão dupla
entre as associações e o poder público local. Além disso, elas apresentam uma centralização
em suas tomadas de decisões, o que restringe a participação e gestão democrática dos sócios.
4.3. Participar ou não participar? “O que eu ganho com isso?”
A indagação que inspirou o presente sub-tópico foi levantada durante uma reunião
problematizadora, na associação que representa as mais desorganizadas.
Numa coletividade realmente não é fácil chegar a uma decisão, dada a diversidade de
pensamentos. Na realidade, muitas desculpas são justificativas do comodismo, já que
“participação supõe compromisso, envolvimento, presença em ações por vezes arriscadas e
até temerárias” (DEMO, 1996: 19-20).
Uma situação freqüente, que ilustra essa questão, é a distribuição de insumos do
Programa Minas Sem Fome, executada pela EMATER-MG através de repasse às associações.
Neste caso não é pré-requisito o beneficiário pertencer a uma Associação. Os benefícios são
repartidos a critério dela. Algumas entregam os insumos somente para sócios, outras para toda
a comunidade, o que gera um debate sobre os efeitos benéficos ou não, em termos de
resultados, sobre essas diferentes estratégias. As que restringem aos sócios, acreditam que tal
estratégia privilegia quem já é associado, na expectativa de incentivar os outros a se
associarem. As outras pensam que se o benefício for concedido a todos, sem exceção, isso
servirá de propaganda positiva, melhorando a imagem da associação e também atraindo novos
sócios. Entretanto, os adeptos da primeira estratégia argumentam que tal atitude estimula
exatamente o contrário, ou seja, os não associados continuarem adotando uma postura
passiva, dependente do assistencialismo, sem necessidade de se engajar numa entidade
associativa.
Nas associações estudadas observa-se que aquela mais exitosa em termos de
participação – Associação “A” – distribui os benefícios apenas aos associados, enquanto a
mais desorganizada – Associação “B” –, além de não distribuir para todos os seus associados
de maneira igualitária, ainda dá abertura para não-sócios, o que caracteriza um sério problema
de favorecimento clientelístico e falta de transparência.
De acordo com as observações realizadas no campo, acredita-se que atitudes como
essas, de relações clientelísticas e centralizadoras, favorecem a falta de transparência,
comprometem o princípio da democracia e conduzem fatalmente à desunião. No caso da
distribuição de benefícios, quaisquer que sejam, a não sócios, provoca o comodismo. Essa
postura de comodismo e passividade, por sua vez, é fruto de um processo histórico na região,
através do qual a criação de espaços de participação social era promovida por agentes
externos, à revelia dos atores sociais. Isso é um ato que está na contramão de como deve ser a
participação: conquistada. (DEMO, 1996). Quando estes espaços são criados na intenção de
se conseguir recursos e subvenções, os atores envolvidos pensam e agem esperando resultados
em curto prazo. Esse imediatismo é um forte entrave à democracia, na medida em que impede
o amadurecimento do cidadão em sua capacidade de discutir, refletir e planejar. Segundo
Demo (1996: 19), “todos os processos participativos profundos tendem a ser lentos” e quem
realmente deseja alcançar seus objetivos não pode se esconder atrás das dificuldades. São elas
que nos faz crescer e amadurecer.
Ainda de acordo com Demo (1996), o fato de uma sociedade ser desorganizada se
deve ao processo histórico de opressão e dominação, “que conseguiu domesticar a sociedade a
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seu gosto, podendo chegar ao cúmulo de tornar o assistencialismo uma necessidade vital, (...)
um parasitismo que se torna modo de vida” (DEMO, 1996: 32).
O conformismo como produto histórico da estrutura dominante explica, em grande
parte, a situação de desmobilização dos agricultores familiares do Projeto Jaíba, em termos de
participação.
Enquanto é comum em assentamentos da reforma agrária uma história de luta pela
terra, não há entre os assentados do Projeto Jaíba a experiência anterior em movimentos
sociais. Fizeram a inscrição, foram entrevistados e selecionados de acordo com critérios
técnicos estabelecidos pela CODEVASF, como mostra o estudo de Soares (1999). O fato do
assentamento não ter ocorrido através de agrupamento pelo critério da regionalidade10,
provocou o que Demo (1996: 33) chama de “descaracterização cultural, (...) um expediente
importante para reduzir nos dominados a capacidade de organização, reduzindo-os a
conglomerados humanos”.
Esta é uma especificidade não apenas do Jaíba, mas de assentamentos de reforma
agrária praticados pelo Governo e reassentamentos de populações atingidas por barragens. A
descaracterização cultural provoca a perda de referências e, ao se colocar lado a lado, pessoas
que antes nunca tinham se visto, obrigam-nas a conviverem numa coletividade, formando o
que Pedro Demo classificou de conglomerados humanos. Nessas condições não há o
sentimento de comunidade, pelo menos num curto e médio prazo. Até as pessoas se
conhecerem, enfrentarem juntas as dificuldades, compartilharem um sentimento comum, para
assim adquirirem maior confiança mútua, qualquer tentativa de forçá-los ao associativismo é,
pelo exposto até aqui, no mínimo temerária. Esse é um processo lento e gradativo, como
acontece nas comunidades rurais tradicionais, cujas famílias convivem há varias gerações.
4.4 – Relação entre coesão social, capital social e participação
O conceito de coesão social elaborado por Émile Durkheim pode ser importante para
entender os enfraquecidos laços e redes sociais entre os agricultores do Projeto Jaíba.
Durkheim tratava de saber por que os homens mantinham-se em sociedade, ou seja,
por que os agrupamentos humanos não costumavam desfazer-se facilmente e, ao contrário,
lutavam contra ameaças de desintegração. Ele elaborou o conceito de solidariedade social, no
qual procurou mostrar como ela se constituía e se tornava responsável pela coesão social entre
os homens e de que maneira variava segundo o tipo de organização social, dada a presença
maior ou menor da divisão do trabalho e de uma consciência mais ou menos uniforme entre
os membros de uma sociedade.
A origem dos agricultores do Projeto Jaíba é bastante heterogênea, dada a diversidade
origens, em termos de raízes territoriais e atividade econômica anterior. Em sua maioria, os
agricultores são oriundos de vários municípios do Norte de Minas. Entretanto, em torno de
12% vieram de outras regiões de Minas ou de outros Estados. Quanto à atividade anterior,
embora a maioria (65%) estivesse ligada à agricultura de subsistência em áreas de sequeiro,
encontram-se no Jaíba ex-(comerciantes, donos de bar, mecânicos, funcionários públicos,
eletricistas, pedreiros, marceneiros). Alguns não abandonaram suas antigas profissões e as
conciliam com a atividade agrícola. (SOARES, 1999).
10
O panorama descrito não caracteriza a realidade dos dois últimos grupos de assentados da Gleba A,
recentemente em 2005 (o Grupo dos “212” e dos “246”. No Grupo dos “212” houve uma luta histórica de luta
pela conquista do direito de posse da terra. Em ambos os casos, foi respeitado o critério da regionalidade e
identidade cultural no assentamento. Entretanto, até então ainda não foi possível diagnosticar a existência de uma
relação entre este critério e a organização social dos agrupamentos.
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Antes, os agricultores estavam inseridos em sociedades onde prevalecia uma
solidariedade mecânica, ou seja, havia menor complexidade nas relações sociais e na divisão
do trabalho. Reinava um sentimento de comunidade, dado o caráter de homogeneidade social.
Com o assentamento, o sentimento de comunidade se perdeu e a rede social estava ainda toda
a ser construída. O objetivo maior das pessoas é produzir, cuidar de suas lavouras, agora com
recursos (tecnológicos e financeiros) que antes não dispunham. Com isso, houve um aumento
progressivo da divisão do trabalho, dada a diversidade de culturas e de funções.
À medida que se acentua essa divisão e as relações intersociais tornam-se mais
complexas, a solidariedade mecânica é reduzida e forma-se uma nova: a solidariedade
orgânica. Institui-se, então, um processo de individualização, com profundas transformações
na coesão social. (DURKHEIM, 1995: 92-93). Essas duas formas de solidariedade evoluem
em razão inversa: enquanto uma progride, a outra se retrai. Nas sociedades primitivas
dominadas pela solidariedade mecânica, a consciência coletiva é maior que a consciência
individual. O senso de “comum-unidade” está enraizado nas consciências individuais. Já nas
sociedades modernas, onde ocorre a diferenciação dos indivíduos, impera a liberdade
individual, ou seja, cada um tem uma maior liberdade e menores restrições quanto ao
comportamento e expressão de idéias, se comparadas às sociedades primitivas. A consciência
individual reina sobre a coletiva, sob uma lógica utilitarista material.
Numa sociedade, entretanto, a transição de um tipo de solidariedade a outro é lento,
gradativo. Em realidades de assentamentos como a do Projeto Jaíba, feita a “toque de caixa”
em termos de seleção e alocação das famílias, etapas foram queimadas, prejudicando, assim, o
processo de entrelaçamento da rede social que possibilita a coesão da sociedade. A rede foi
construída artificialmente, forçadamente. Pessoas saíram de uma realidade onde havia pouca
diferenciação econômica, social e cultural e caíram num espaço bastante heterogêneo.
Alguns exemplos podem ilustrar bem essa questão:
No Projeto Jaíba são cultivadas cerca de 60 lavouras diferentes, ao contrário da
experiência anterior do agricultor familiar, acostumado com culturas anuais de
subsistência de sequeiro. Além da gama de prestação de serviços, isso indica a crescente
divisão do trabalho social.
O modo como as associações foram criadas, tendo os recursos financeiros como fim e não
como meio, o que caracteriza o afloramento da consciência individual em detrimento da
coletividade.
Segundo dados da EMATER-MG/Projeto Jaíba, em 2006 foram registradas apenas quatro
lavouras comunitárias, número inclusive um pouco maior que em anos anteriores, o que
caracteriza a dificuldade de relacionamento profissional em grupos.
Comparativamente à teoria de Durkheim, percebe-se no Jaíba dois tipos de
solidariedade, no sentido comum da palavra. Quando se trata de ajuda a necessitados, troca de
favores (incluindo mutirões), festas, cultos religiosos e velórios, a participação é grande e as
pessoas o fazem sem precisar de incentivos. Disso conclui-se que funciona bem entre essas
famílias, em analogia aos conceitos de Durkheim, uma solidariedade afetivo-fraternal, de
cunho social. Por outro lado, quando o assunto é reunir para discutir reivindicações, reunir
para formar grupos de compra e venda em conjunto, reuniões de planejamento participativo,
enfim, discutir questões políticas e econômicas, a participação é muito baixa. É necessário
grande esforço de sensibilização e incentivo para fazer acontecer ações nesse sentido, ou seja,
a solidariedade político-associativa ainda é imatura.
A explicação para esse fato, segundo os próprios agricultores, são exatamente o
individualismo e a falta de confiança que existem entre eles, quando se trata de compromissos
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financeiros e de tempo, conforme relatos obtidos nas reuniões de diagnóstico participativo
promovidas pela EMATER-MG no final de 2005.
Segundo LAGO et al (2003), para lograrem êxito, as associações devem possuir
objetivos claros, principalmente no que se refere a aspectos econômicos, e demonstrar aos
agricultores que é necessário trabalharem juntos para alcançar esses objetivos.
Esse estudo oferece parâmetros para interpretar, comparativamente, as motivações que
levaram agricultores a se desvincularem das associações das quais eram sócios ou mesmo de
nunca terem interesse em se associarem. Observações cotidianas no trabalho de ATER no
Projeto Jaíba, aliadas às obtidas durante o trabalho de campo, demonstram que a falta de
objetividade nas reuniões e a falta de perspectivas de conseguir recursos financeiros são
fatores preponderantes que tornam a associação uma instituição desinteressante para muitos
agricultores, problema enfrentado até hoje pela Associações “B” e em processo de superação
pela “A”.
Para analisar a questão da baixa confiança mútua entre os assentados do Jaíba, tornase necessário retomar o conceito de capital social para se entender a dificuldade enfrentada
pelos agricultores em fortalecerem seus laços sociais e estabelecer a confiança mútua,
parcerias e redes de trocas.
O conceito de capital social foi desenvolvido sociologicamente por Bordieu, em 1980.
Em sua concepção, trata-se de um conjunto de relações e redes de ajuda mútua que podem ser
mobilizadas efetivamente para beneficiar o indivíduo ou sua classe social. O capital social é
propriedade do indivíduo e de um grupo; é concomitantemente estoque e base de um processo
de acumulação que permite a pessoas inicialmente bem dotadas e situadas de terem mais êxito
na competição social. (BORDIEU apud RATTNER, 2003).
O advento do conceito de capital social, para as ciências sociais, permitiu o
redirecionamento do enfoque dos estudos sobre o desenvolvimento, antes limitado aos
campos econômico e político, para o desenvolvimento alicerçado na participação social e
empoderamento, através do protagonismo dos atores sociais locais.
Coleman (apud RATTNER, 2003) trabalha com o conceito no plano individual,
apontando a capacidade de relacionamento do indivíduo, sua rede de contatos sociais baseada
em expectativas de reciprocidade e comportamento confiáveis que, no conjunto, melhoram a
eficiência individual. No plano coletivo, o capital social ajudaria a manter a coesão social,
pela obediência às normas e leis. A negociação em situação de conflito e a prevalência da
cooperação sobre a competição, tanto nas escolas quanto na vida pública, resultaria em um
estilo de vida baseado na associação espontânea, no comportamento cívico, enfim, numa
sociedade mais aberta e democrática.
Para as iniciativas associativas lograrem êxito, portanto, é fundamental a existência de
laços econômicos, sociais e afetivos, que fortaleçam a identidade, a sensação de pertença a
dado território, e contribuam para empoderar os indivíduos e a coletividade. Isso pôde ser
comprovado no estudo de Sidineia Maria de Souza Abranches (2004), Capital Social e
Desenvolvimento Local: o caso da comunidade Tapera – Riacho dos Machados.
Esse estudo, também realizado no Norte de Minas Gerais, reflete um pouco da
realidade regional do contexto da atual pesquisa. A autora aborda a questão da importância do
capital social na interpretação de processos de desenvolvimento. Oferece também elementos e
relações segundo os quais se pode aferir a existência/inexistência de capital social num dado
território e de que maneira o sujeito coletivo se revela. Seu estudo conclui que o capital social
é um elemento essencial na articulação e promoção do desenvolvimento local, que contribui
para potencializar os resultados econômicos e a organização social. A análise do caso da
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Comunidade Tapera oferece fortes indícios de que o capital social guarda relação direta com o
desempenho econômico.
Segundo Abranches (2004: 6),
“o conceito de Capital Social está baseado em diversos aspectos ligados à
organização social, como redes sociais, confiança mútua, compromisso cívico,
entre outros. Podendo, ser medido a partir da presença de: (i) organizações da
sociedade civil; (ii) pessoas associadas; (iii) participação ativa na tomada de
decisões; (iv) grau de confiança entre os membros da sociedade; (v) cooperação;
(vi) redes horizontais; e (vii) participação política.”
Segundo Assis (2005), existem várias formas de contribuição para a construção e o
fortalecimento do capital social na agricultura familiar:
Apoio à organização dos agricultores;
aproveitamento das energias sociais e idéias após períodos negativos (crises);
participação em redes nacionais e regionais;
parcerias com instituições públicas;
apoio às relações comunitárias;
maior contato com os poderes públicos;
maior contato com as instituições da sociedade civil.
O mesmo autor propõe em seu estudo, que a formação de redes de articulação entre
associações também é uma importante estratégia para a construção e fortalecimento do capital
social no meio rural. (ASSIS, 2005: 98-102). Essas redes atuariam de maneira formal ou não,
autônomas, e poderiam firmar parcerias com instituições públicas, privadas, ONGs,
Universidades, de maneira a encontrar apoio na execução de seus projetos ou mesmo
demandas sociais de urgência.
Ficou diagnosticada na pesquisa de campo e nas observações diárias do trabalho de
ATER, a inexistência de relações entre as entidades organizativas, o que limita a ampliação
do capital social. Em parte, isso se deve à dependência dessas entidades das instituições que
atuam localmente. No Projeto Jaíba, a implementação dessas redes poderia mudar esse
quadro, pois elas ampliariam os horizontes em termos de opções de parcerias e promoveriam
a inserção em espaços de gestão social e representatividade em políticas sociais,
proporcionando assim, a busca de esforços coletivos para o florescimento de idéias
inovadoras para a solução de problemas antigos.
A partir da pesquisa comparativa entre duas associações de diferentes graus de
sucesso, é possível afirmar que um grupo de pessoas bem articuladas tem maiores chances de
obter resultados positivos tanto em pequenas ações internas na sua comunidade, quanto em
grandes projetos coletivos de desenvolvimento. Isso comprova como a coesão social, aqui
entendida como união, solidariedade e confiança mútua do grupo, interfere positivamente para
o sucesso ou fracasso da experiência.
Exemplo do que acaba de ser dito é encontrado na Associação “A”11, citada
anteriormente como aquela que só distribui benefícios materiais aos seus associados. Apesar
dessa condição, ela também atua pelo social, já que nos últimos tempos tem procurado
11
Esta Associação iniciou suas atividades com 33 sócios, passou por um enxugamento, excluindo-se os apáticos,
inadimplentes e “brigões”, caindo para 18. Hoje conta com 25 e almeja atingir o número de 30 associados, que
considera o ideal. Mas só se admite novos sócios após estes estarem aptos no preenchimento dos critérios e
passar aprovação da Assembléia Geral.
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ampliar sua área de atuação para além da discussão dos aspectos econômico-produtivos. Ela
tem incentivado a comunidade a se reunir para festejos, mutirões e campanhas. Na campanha
para construção da igreja de um núcleo habitacional próximo, a maioria dos líderes pertencia
a essa Associação. Ela sempre convida representantes dos órgãos públicos e das empresas
privadas para suas reuniões e festejos. Envolve a comunidade e não apenas os associados, na
deliberação de assuntos que possam beneficiar a coletividade. Pretende no próximo ano
realizar um planejamento participativo para elaborar seu plano de trabalho. Enfim, com tudo
isso, pode-se concluir através do exemplo, que as comunidades que apresentam um estágio
mais avançado de capital social têm mais facilidade de trabalhar de forma organizada,
planejada, integrada e em rede.
Portanto, valores como os defendidos até aqui, como solidariedade, cooperação, união
e confiança mútua, são fatores fundamentais para o êxito do associativismo, que por sua vez,
faz parte dos fundamentos que norteiam a questão da cidadania no campo. (MARTINEZ,
2001).
4.5 – A função estratégica de uma educação contextualizada à realidade da
agricultura familiar na promoção do desenvolvimento local sustentável
O mais importante desafio que têm pela frente as forças capazes em princípio de levar
adiante um pacto de desenvolvimento territorial consiste na mudança do ambiente
educacional existente no meio rural.
Traçando um panorama histórico e atual da educação rural, percebe-se na tradição
histórica brasileira (própria das sociedades de passado escravista) uma dissociação entre
trabalho e conhecimento. Isso persiste até hoje no meio rural – não só com relação aos
assalariados agrícolas, mas também nas regiões de agricultura familiar. Segundo Abramovay
(2005: 2),
“Como em toda a América Latina, persiste no Brasil o costume de que fica na
propriedade paterna aquele filho com menos vocação para o estudo (el que la cabeza
no le dá para más). Aos mais dinâmicos e empreendedores todos apontam o caminho
da migração como o mais promissor: os pais, os colegas, os professores e os próprios
extensionistas”.
Essa costumeira prática nas famílias de agricultores familiares é percebida no Projeto
Jaíba. A maioria dos jovens que concluem o ensino médio sai em busca de trabalho ou
continuidade de estudos em cidades maiores, principalmente Montes Claros e Belo Horizonte,
fato que aumenta ainda mais o desnível do conhecimento entre a zona urbana e a rural,
retroalimentando o círculo vicioso da desigualdade. Dados de uma pesquisa realizada pela EE
Augusto Martins Ferreira, em parceria com o “Projeto Amanhã – Jovem Rural
Empreendedor”, coordenado pela CODEVASF e EMATER-MG, mostram que 59% dos
jovens gostariam de continuar os estudos no Projeto Jaíba, após o nível de ensino que estão
cursando (fundamental ou médio), mas não terão condições, pois o município não oferece
cursos técnicos ou superiores gratuitos. Outros 17%, ao concluírem o nível de ensino,
assumem que irão continuar os estudos fora do Jaíba, conciliando-os com o trabalho para se
manterem.
No entanto, se ficar no campo significa encarar uma dura realidade de privações e de
falta de perspectivas, migrar para as cidades traz outras sérias conseqüências como enfrentar o
crescente desemprego, a pobreza e a violência. Há ainda que se levar em conta o despreparo
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das jovens e dos jovens rurais, em termos profissionais, para competir no restrito mercado de
trabalho urbano.
Os programas de educação rural oficiais insistem, com raras exceções, em estabelecer
uma estrutura de conteúdos e de organização do tempo que, muitas vezes, incentivam o êxodo
rural, desconsiderando a especificidade da agricultura familiar. Há no Brasil 100 mil escolas
rurais, 6 milhões de alunos e 290 mil professores. Contudo os mesmos dados revelam que
apenas 21% das crianças que vivem no meio rural terminam o ensino fundamental e apenas
10% terminam o ensino médio. (RICCI, 2003: 25).
Diante desse quadro, não se pode mais postergar a intervenção no ensino, de modo a
garantir a superação de uma escola que, ao invés de se colocar como elemento central de
desenvolvimento dos cidadãos, contribui para sua exclusão.
Um dos pressupostos básicos que a literatura sobre a atual educação coloca em
destaque é a dinâmica de aprendizagem, de valorização das práticas produtivas e da cultura
técnica locais. Segundo Abramovay (2005: 2) “não se trata apenas de melhorar a escola rural
ou de ampliar a realização de cursos profissionais, mas de modificar o conjunto do ambiente
que se refere à aquisição e ao uso do conhecimento no meio rural”. Se a formação for
estritamente profissional e não estiver associada à permanente busca de oportunidades locais
de desenvolvimento, o máximo que poderá acontecer é que a região se torne uma exportadora
de mão-de-obra com formação um pouco melhor que a média.
O que se deseja para a educação de maneira geral, é que ela seja capaz de desenvolver
competências desejáveis ao pleno desenvolvimento humano, cidadão e que essas
competências coincidam com o desenvolvimento na esfera profissional. Essa correspondência
entre as competências exigidas para o exercício da cidadania e para as atividades produtivas
recoloca a educação como elemento central de desenvolvimento social.
As competências e habilidades fundamentais para o alcance do desenvolvimento
sustentável de uma comunidade são:
fortalecimento do associativismo entendido como questão de cidadania, que deve ser
trabalhado desde cedo pelos jovens, na escola e pela sociedade em geral pelos agentes de
ATER.
empreendedorismo ético, ou seja, tornar o agricultor de hoje e do futuro um agente de
sua própria transformação, autônomo, capaz de gerenciar e administrar seu próprio
negócio, sendo capaz de ousar, inovar, mas com responsabilidade e planejamento, sem
prejudicar aos outros e ao meio ambiente.
consciência ambiental, de maneira que a produção agropecuária não utilize tecnologias
que prejudiquem não apenas a harmonia do meio ambiente no qual o produtor está
inserido, mas de todo agroecossistema, isto é, dotá-lo de uma visão sistêmica sobre o
meio ambiente de maneira que ele perceba que qualquer alteração, por mínima que seja,
pode prejudicar toda uma cadeia ecológica.
Pretende-se, com essa análise, oferecer elementos para um debate que seja útil para se
alcançar uma educação contextualizada para a realidade da agricultura familiar, que seja
capaz de formar cidadãos e profissionais conscientes politicamente, éticos e empreendedores,
capazes de administrar sua propriedade de maneira economicamente viável, socialmente
responsável e ambientalmente sustentável.
O ensino descontextualizado pode ser identificado no fato das disciplinas não
contemplarem o saber local, a experiência vivenciada pelos alunos na atividade agrícola
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familiar, oferecendo conteúdos que não estimulam a sua aprendizagem. Segundo Polan Lacki
(2005:18), as escolas,
“enquanto entediam as crianças rurais com esses conhecimentos, absolutamente
irrelevantes para as suas necessidades de vida e de trabalho no campo, perdem uma
extraordinária e irrecuperável oportunidade: a oportunidade de ampliar e aprofundar o
ensino de conteúdos muito mais úteis e de aplicação mais imediata na correção das
ineficiências causadoras do subdesenvolvimento rural, como por exemplo: o que as
famílias rurais poderiam fazer para obter uma produção agropecuária mais abundante,
mais diversificada, mais eficiente e mais rentável; quais medidas de higiene,
profilaxia e alimentação elas deveriam adotar para evitar as enfermidades que ocorrem
com maior freqüência no meio rural; o que deveriam fazer para prevenir as
intoxicações com pesticidas e os acidentes rurais e como aplicar os primeiros
socorros; como produzir e utilizar hortaliças, frutas e plantas medicinais; como
organizar a comunidade para solucionar, em conjunto, aqueles problemas que não
podem ou não devem ser”. resolvidos individualmente, como, por exemplo, a
comercialização e os investimentos de alto custo e baixa freqüência de uso, etc.”.
A falta de conexão entre as disciplinas, que fere o cumprimento do princípio da
interdisciplinaridade, é justificada pela falta de tempo dos professores, que trabalham em mais
de uma escola, muito distante uma das outras e à falta de projetos pedagógicos que envolvam
conteúdos de diferentes disciplinas. A proposta da interdisciplinaridade é estabelecer ligações
de complementaridade, convergência, interconexões e passagens entre os conhecimentos. É a
forma mais eficaz de estimular o pensamento crítico e sistêmico.
Portanto, esse modelo pedagógico não está sendo capaz de cumprir a função de
desenvolver as potencialidades latentes das populações rurais, de abrir-lhes novas
oportunidades de auto-realização, nem de formar cidadãos que, graças à sua própria vontade e
competência, sejam capazes de protagonizar o auto-desenvolvimento pessoal, familiar e
comunitário.
Cabe aos profissionais da educação refletir que, enquanto mantiverem uma postura
tradicional e distante das mudanças sociais, muito cômoda por sinal, a escola como instituição
pública acabará por se marginalizar e perder sua função social.
A gestão social participativa também deve ser uma meta a ser atingida pela escola,
como meio de estimular a participação da comunidade na escola. Com isso ela oferecerá a
oportunidade da comunidade escolar também desenvolver suas competências nesse quesito,
contribuindo para despertar nas pessoas o espírito associativista e a aptidão pela organização
social que conduzirá ao processo contínuo de empoderamento.
4.6 – Caminhos para estimular a participação social através da educação
Este cenário aponta a necessidade de resgatar o caráter transformador do conceito de
desenvolvimento.
O conceito do desenvolvimento aqui preconizado transcende os limites do crescimento
econômico. Além dessa dimensão, engloba também a social, ambiental, política e cultural. A
interconexão entre essas dimensões, sem esquecer também a ética, criam um ambiente
favorável ao desenvolvimento sustentável, ou seja, “aquele que responde às necessidades do
presente de forma igualitária, mas sem comprometer as possibilidades de sobrevivência e
prosperidade das gerações futuras” (FRANCO, 2000: 35).
Nesse sentido é urgente que sejam propostas ações que elevem a qualidade de vida das
comunidades envolvidas e, ao mesmo tempo, propiciem o fortalecimento da autonomia destas
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no planejamento e na gestão social das ações. No entanto esse não é um objetivo fácil de
atingir. Pelo contrário, um dos maiores limitantes ao desenvolvimento rural, de modo especial
dos agricultores familiares, tem sido o baixo nível de envolvimento das comunidades nos
projetos. Ao se planejar ações voltadas para o desenvolvimento rural sustentável deve-se levar
em conta estratégias de inclusão que propiciem o máximo de envolvimento dos atores
inseridos no processo.
Dessa forma, é essencial refletir sobre sua dimensão educativa, tendo em conta
principalmente a questão da participação como fator central do desenvolvimento. Algumas
premissas são interessantes de se considerar:
• o caráter endógeno do desenvolvimento, ou seja, deve-se ter sempre em mente os
interesses e necessidades da comunidade;
• a necessidade de fortalecer a confiança e a capacidade de organização comunitária;
• as reflexões coletivas do contexto: problemas, potencialidades e contradições;
• que a redistribuição de poder e controle do processo pelos participantes é condição
básica do desenvolvimento.
Paulo Freire constata em Pedagogia da Autonomia, que “formar” é muito mais que
treinar o educando no desempenho das tarefas: “Ensinar não é transferir conhecimentos”
(FREIRE, 1997: 52). O mais importante para o crescimento do educando não são somente os
conhecimentos que lhes são transmitidos e sim as possibilidades de criá-los para que eles
mesmos possam ter segurança e sentirem-se capazes de transformar a realidade à sua volta.
Partindo desse princípio, Freire deixa bem claro que o professor não é o dono da verdade
absoluta e que os conhecimentos devem ser compartilhados entre professor e aluno.
A adaptação curricular, para a nova educação rural que se propõe, deve ter como eixos
transversais temas que efetivamente contribuam para o desenvolvimento sustentável pessoal e
comunitário. Contudo, a principal diretriz a ser perseguida é a valorização dos conhecimentos
locais, o que significa também reconhecer que estes necessitam ser transformados. As
aprendizagens resultantes do diálogo de saberes é que irão produzir respostas (novo
conhecimento) aos problemas que a realidade apresenta e aí reside a dimensão educativa do
desenvolvimento.
Ensinar, de acordo com FREIRE (1997), exige respeito aos saberes dos educandos —
saberes estes socialmente construídos na prática comunitária, cujas experiências podem ser
aproveitadas para discutir a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo
conteúdo esteja sendo ministrado, estabelecendo uma necessária intimidade entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e a vivência social que eles têm como indivíduos.
O diálogo entre os saberes populares e científicos traz à tona a consciência de que os
conhecimentos gerados pela pesquisa agropecuária devem, necessariamente, ser apropriados
pela sociedade. Isso leva os órgãos de pesquisa e extensão rural ao desafio de buscar
alternativas metodológicas e de comunicação que contribuam no processo de
desenvolvimento dessas comunidades.
A Política Nacional de ATER (BRASIL, 2004: 7) define que um dos princípios da
ATER é
“desenvolver processos educativos permanentes e continuados, a partir de um
enfoque dialético, humanista e construtivista, visando a formação de
competências, mudanças de atitudes e procedimentos dos atores sociais, que
potencializem os objetivos de melhoria da qualidade de vida e de promoção do
desenvolvimento rural sustentável.”
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A educação para o desenvolvimento é tarefa da qual os agentes externos não podem se
furtar se efetivamente estão comprometidos com a melhoria das condições de vida da
população rural.
Nesse sentido, as ações de ATER no Projeto Jaíba têm, desde que a EMATER-MG
iniciou suas atividades nesta região, em 2004, incentivado alterações nesse modelo tradicional
de educação, oferecendo apoio no desenvolvimento de projetos pedagógicos de hortas
escolares, assessorando na realização de feiras de ciências e cultura, com grande adesão da
comunidade escolar. Em 2007, a EMATER-MG, em parceria com outras instituições, lançou
um projeto piloto, denominado Juventude Rural Empreendedora, a partir de demandas
diagnosticadas nos planejamentos participativos. O objetivo e meta é capacitar sessentqa
jovens para que se tornem protagonistas do desenvolvimento local sustentável por meio de
uma formação que contempla, como eixos principais, empreendedorismo ético, gestão social
e associativismo, agroecologia, planejamento, administração rural e mercado para produtos da
agricultura familiar.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Faz-se necessária uma transformação na atuação dos agentes externos no meio rural, a
fim de que possam assumir o compromisso e a responsabilidade de formar, capacitar e
organizar uma nova geração de agricultores mais autoconfiantes, tecnicamente mais
competentes, que sejam capazes de assumir como sua uma crescente responsabilidade na
correção das suas próprias ineficiências e capazes de pensar em múltiplas alternativas para a
solução de um problema.
Os princípios que devem nortear a transformação da organização social da agricultura
familiar se alinham com o associativismo e a participação social. Para que sejam alcançados
níveis mais elevados de participação e, conseqüentemente, empoderamento, autonomia e
autopromoção, devem ser observados estes três princípios fundamentais a serem perseguidos
por todos os atores sociais envolvidos, desde os agricultores até as instituições que ali atuam,
passando pelos agentes de ATER:
1. Autonomia:
A conquista da autonomia não é uma meta fácil, ainda mais se for levado em conta
que promover o desenvolvimento das comunidades não implica apenas em estabelecer
relações ou desenvolver processos de concertação e negociação com outros atores envolvidos
na gestão, mas também que, muitas vezes, é necessário o investimento de recursos
financeiros, humanos e técnicos, que geralmente ultrapassam as possibilidades das próprias
organizações, o que as leva a estabelecer relações de dependência com agentes externos.
Neste ponto entra a questão da educação (formal ou não). Mas qual o papel da
educação, como legada a agentes externos, para o alcance do princípio da autonomia? Até que
ponto os agentes externos podem interferir na busca da autonomia?
Pois bem, levando-se em consideração que a participação só se concretiza a partir de
estruturas organizativas coletivas e devem ser as populações as verdadeiras interessadas a dar
o salto de qualidade neste sentido, isso significa que essas populações devem se
responsabilizar, desde o início, com as ações propostas e com a conquista de resultados
concretos para a comunidade como um todo.
Considerando também, que a participação é conhecimento e como tal não é algo que
agentes externos possam transferir para a comunidade, o papel do agente externo é, então, de
facilitador na interação entre os sujeitos da ação educativa, procurando fortalecer a autoLondrina, 22 a 25 de julho de 2007,
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estima e confiança dos indivíduos nas suas próprias capacidades. Sendo assim, a participação
se concretiza no aumento da capacidade de negociação e no exercício compartilhado do poder
interno da comunidade para, num momento posterior, exercê-lo em instâncias externas. Em
sua metodologia de trabalho, é necessário que os agentes externos subsidiem as populações a
praticar o trinômio reflexão–ação–reflexão, para a construção sócio-crítica do conhecimento
de sua realidade.
2. Democracia:
É a possibilidade dos membros da organização poderem intervir em igualdade de
condições na definição de seus objetivos, metas e estratégias de ação, de acordo com regras de
jogo transparentes e aceitas universalmente, ou seja, por todos ou pela maioria dos membros.
Este princípio é fundamental para a existência e funcionamento de qualquer
organização.
Transparência e fiscalização são, respectivamente, deveres e direitos fundamentais no
contexto da democracia.
3. Solidariedade:
Este princípio denota o trabalho coordenado e unificado dos membros em benefício
próprio, da organização e das ações que executa e desenvolve. Em outras palavras, a
organização deve promover o trabalho em equipe, a integração entre seus membros a fim de
alcançar os objetivos comuns.
A solidariedade deve ser um valor a se incorporar, a todo o momento, através de
técnicas de sensibilização, na consciência das pessoas que decidam se organizar
coletivamente. Sem a solidariedade não há harmonia, tolerância, entendimento. Esse princípio
é o combustível de uma das formas de organização mais tradicionais e que estimulam o
acúmulo do capital social: os mutirões, tão pouco praticados no Projeto Jaíba.
Quando se direciona essa discussão para o contexto do Jaíba, preconiza-se que esses
três princípios devem ser encarados como obsessão pelos atores sociais locais – instituições e
agricultores – em todas as ações e projetos que vislumbrem o desenvolvimento local
sustentável. Eles também devem ser considerados em todos os projetos pedagógicos das
escolas, nessa mudança que está se propondo na educação formal no meio rural. Através de
um ensino contextualizado com a realidade do campo, com conteúdos que façam sentido à
aprendizagem dos educandos, essa transformação poderá ser observada num médio prazo.
Soluções como as propostas nessa mudança no ensino são perfeitamente plausíveis de serem
implementadas sem a dependência da burocracia das Secretarias de Educação, muito menos
exigem grandes investimentos. Devem partir de uma discussão e um planejamento
participativo e, posteriormente, negociação das parcerias.
Contudo, a introdução das modificações propostas, em geral, deve depender muito
mais dos próprios professores e extensionistas que das autoridades do país. Muito mais da
vontade e decisão pessoal de cada educador, que da vontade e decisão política dos governos.
A partir destes antecedentes, se propõe que os próprios atores sociais locais, assumam
como seu o desafio de corrigir aquelas muitas distorções que são “corrigíveis” por eles
mesmos. Em vez de os produtores continuarem reivindicando, infrutiferamente, durante anos
e décadas, que os governos promovam uma macro-reforma elaborada e executada de cima
para baixo e de fora para dentro, no sistema de crédito e política de preços de produtos
agropecuários e, ao invés dos professores e extensionistas fazerem o mesmo com relação ao
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sistema educacional, é necessário e possível que eles efetuem as suas próprias “reformas”, de
baixo para cima e de dentro para fora nos referidos sistemas.
Com essas reflexões, espera-se que possa ser dada a contribuição para a promoção do
desenvolvimento rural sustentável com ênfase em processos de desenvolvimento endógeno
em direção à autonomia e emancipação dos agricultores familiares não apenas do Projeto
Jaíba, mas de várias outras regiões que vivenciam os mesmos problemas.
6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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