Consciência urbanística crítica: política e participação cidadã efetiva Andrea Vieira de Santana Urbanista graduada pela UNEB; mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA. [email protected]. João Soares Pena Urbanista graduado pela UNEB; mestrando em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA. [email protected]. RESUMO Este trabalho apresenta uma discussão sobre a importância da conscientização política como um dos requisitos para a implementação das políticas públicas urbanas. Para isso, o trabalho considera os termos política, politicagem e política pública em suas distintas acepções. Este estudo é relevante, pois embora o Brasil tenha avançado no aspecto legal da política pública, com espaços de participação na política urbana, os espaços ainda são limitados, pois a sociedade pouco participa das decisões. Desse modo, interessa identificar como a participação cidadã pode tornar-se efetiva na implementação de políticas públicas urbanas e não apenas um mecanismo para validar planos e programas. A hipótese é que para a sociedade participar ativamente na discussão e decisão dos assuntos de interesse público, faz-se necessário o desenvolvimento de uma consciência crítica através de ambientes sistemáticos e assistemáticos de educação. O objetivo é reconhecer o papel da educação para ampliar a compreensão da política e da política urbana para a ação cidadã no ambiente urbano. PALAVRAS-CHAVE: Política, política pública urbana, consciência crítica. Consciência urbanística crítica: política e participação cidadã efetiva 1 Introdução A discussão aqui apresentada refere-se à importância da conscientização crítica cidadã nos assuntos políticos, pois diante de práticas fraudulentas e de corrupção, o brasileiro acaba isentando-se dos assuntos políticos por descrédito na gestão governamental. Sendo assim, serão apresentados os significados e aplicação dos termos política, politicagem e política pública, pois se tratam de termos distintos e que configuram o atual contexto das políticas públicas urbanas. O artigo, então, retrata as conquistas na política urbana a partir da Constituição Federal (CF) de 1988 e ao mesmo tempo aponta para novos desafios, como a cooperação entre os entes federados: Município, Estado e União, pois, conforme será considerado, a incapacidade financeira de determinados municípios dificulta a implementação de políticas públicas. Além disso, faz-se referência ao Estatuto da Cidade quanto ao aspecto da participação cidadã na elaboração de programas e projetos, porque, embora seja expressa em lei, ainda há pouca compreensão quanto à metodologia utilizada para envolver o cidadão e tornar a participação uma ação de transformação do espaço urbano. Assim, este artigo busca identificar como a participação cidadã pode tornar-se efetiva na implementação de políticas públicas urbanas, uma participação que sirva como processo de ampliação da democracia e mudança, não um mecanismo para legitimar planos e programas. A hipótese dessa questão é que para a sociedade participar ativamente na discussão e decisão dos assuntos de interesse público é necessário o desenvolvimento de uma consciência crítica através de ambientes sistemáticos e assistemáticos de educação. Desse modo objetiva-se reconhecer o papel da educação para ampliar a compreensão da política e da política urbana para a ação cidadã no ambiente urbano, pois somente através de um trabalho massivo de conscientização pode-se construir uma consciência urbanística crítica capaz de entender o espaço urbano, entender determinados debates e, desse modo, atuar exigindo qualidade de vida, uma cidade justa. Também é a partir da consciência crítica que se instrumentaliza o sujeito cidadão contra práticas de politicagem que retardam e dificultam a implementação das políticas públicas e políticas públicas urbanas. 2 Política, politicagem e política pública É notório o desencanto dos brasileiros em relação à política, uma vez que se associa a política à politicagem, sendo este último termo um reflexo dos escândalos políticos, desvios de verbas, práticas clientelistas, entre outras. Por isso, pretende-se, a partir de autores como Rua (2009); Chantal Mouffe (2007); Hannah Arendt (2002) analisar seus conceitos e relações com a implementação das políticas públicas na esfera do espaço urbano. Para compreender a importância da política e das políticas públicas urbanas para o cidadão intenciona-se esclarecer os significados dessas expressões: política, politicagem e política 1 pública, pois conforme será explicitado são termos distintos, mas que acabam sendo considerados, erroneamente, como sinônimos. Na polis grega política era sinônimo de liberdade, uma vez que era restrita a um grupo de homens livres que, por terem quem trabalhasse em seu lugar, podiam desprender-se desta atividade para dedicar-se à discussão dos assuntos públicos (ARENDT, 2009) Hannah Arendt (2009) esclarece que a política é uma maneira de organizar os distintos interesses dos indivíduos, dos membros de uma sociedade. Desse modo, a política não é uma característica inata dos homens, ou seja, não nasceu com indivíduo. Na verdade, a política existe no “entre-os-homens”, isto é, na relação estabelecida entre as pessoas, já que o convívio com outrem é uma necessidade de todos, sendo preciso lidar com conflitos e diferenças decorrentes disso. “A política organiza, de antemão, as diversidades absolutas de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida às diferenças relativas” (ARENDT, 2009, p. 24). [...] em toda parte em que os homens se agrupam – seja na vida privada, na social ou na público-política –, surge um espaço que os reúne e ao mesmo tempo os separa uns dos outros. Cada um desses espaços tem sua própria estruturabilidade que se transforma com a mudança dos tempos e que se manifesta na vida privada em costumes; na social, em convenções e na pública em leis, constituições, estatutos e coisas semelhantes. Sempre que os homens se juntam, move-se o mundo entre eles, e nesse interespaço ocorrem e fazem-se todos os assuntos humanos (ARENDT, 2009, p. 35-36). Assim, a política existe quando os sujeitos se agrupam para discussão e decisão de assuntos de interesse comum, o que deve estar acima dos interesses particulares. Quando estes últimos se sobressaem, têm-se aí práticas abusivas em relação à posição ocupada por determinado sujeito. De acordo com o dicionário Michaelis, o termo politicagem aplica-se a “1 Política ordinária, mesquinha e interesseira. 2 Súcia de maus políticos.” Como se pode perceber, a politicagem vem a ser uma forma vil de apropriação da coisa pública ou de assuntos de interesse público para a satisfação pessoal daquele que assume um cargo de representação popular ou está envolvido na gestão pública. Pode-se considerar que esse tipo de prática está relacionado a um descrédito em relação à política, visto que, não raro, muitos daqueles que são representantes do povo e deveriam zelar pela coisa pública estão envolvidos em escândalos devido à falta de decoro, por assim dizer. Nesse sentido, Arendt (2009, p.27) argumenta que os preconceitos contra a política, enquanto “uma teia de velhacaria de interesses mesquinhos e de ideologia mais mesquinha ainda” estão relacionados ao passado, ou seja, a experiências políticas passadas. Todavia, a política não se trata de práticas que atendam a interesses particulares, pelo contrário, seu significado tem relação com o atendimento das necessidades da coletividade. Trata-se, portanto, de se debruçar sobre os distintos interesses e conflitos resultantes da interação social e buscar maneiras de negociação, de modo a se encontrar as melhores alternativas para as questões da coletividade. É claro que nem todos os pontos que são postos em pauta são sempre contemplados, pois as necessidades sociais são imensas e os recursos disponíveis não são tão abundantes, daí a importância da política e de políticos comprometidos com o bem comum. 2 Rua (2009) analisando a palavra política salienta seu significado na língua inglesa, pois em português pode ter mais de um significado. Assim, utiliza o termo politics para política, que compreende as diversas atividades políticas, cujos procedimentos expressam relações de poder e objetivam a solução de conflitos no que se refere às decisões públicas. Também colabora para a compreensão do termo política Chantal Mouffe (2007) que define a expressão política aplicada ao nível “óntico”, ou seja, tem relação com as múltiplas práticas da política convencional. Todavia, a autora faz referência também ao termo político, que tem relação com o nível “ontológico” e se refere às instituições da sociedade. Para Mouffe (2007) é importante que se tenha uma nova prática política, que implica uma atitude compreensiva na aceitação da pluralidade. Portanto, a ação política tem a função de atender a diversidade, o outro, o diferente e porque não dizer a todos, independente de cor, raça, religião, orientação sexual, condição socioeconômica etc. Considerando a compreensão da política, o que vem a ser, então, política pública? Rua (2009, p.19) utiliza o termo policy para explicar que este termo corresponde à “atividade do governo de desenvolver políticas públicas a partir do processo da política”. Ainda de acordo com essa autora, os dois termos, política e política pública, acham-se interrelacionados, pois as políticas públicas surgem em decorrência da atividade política. Portanto, política e políticas públicas encontram-se relacionadas, pois, conforme já considerado, as ações para resolução de problemas são atos políticos exercidos através do poder, sendo o governo o responsável pela aprovação e/ou criação de uma determinada política pública. Considerando essas expressões e os significados a elas conferidos torna-se possível abordar a temática da Política Pública de Desenvolvimento Urbano. Ferrari (2004) a define, a partir da CF de 1988, como um: Conjunto de diretrizes gerais fixadas em lei federal e que “[...] tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes, conforme art. 182 da Constituição. Segundo esse mesmo artigo, § 1, a execução da política de desenvolvimento urbano é da competência do Município, por Plano Diretor aprovado pela Câmara Municipal” (FERRARI, 2004, p. 285). Conforme salientado por Ferrari (2004), a Política Publica de Desenvolvimento Urbano é assegurada na CF de 1988 a fim de que o cidadão usufrua de qualidade de vida, o que se traduz no atendimento de suas necessidades no espaço urbano. Nesse sentido, pertence aos Municípios a responsabilidade de fazer cumprir através do Plano Diretor e outros instrumentos o desenvolvimento local. 3 Sobre conquistas e desafios: a participação nas políticas urbanas Para analisar o processo de implementação das políticas urbanas no Brasil é preciso compreender os efeitos da descentralização a partir da CF de 1988 que traz para os municípios mais responsabilidades. Pela nova organização de competências dos entes federativos, os Municípios passaram a responder pelas demandas sociais locais, todavia esse processo põe em questão as diferenças de arrecadação que existe entre os Municípios. Segundo Clementino (1988), a partir da CF de 1988 novas mudanças ocorreram na organização federativa, entre elas estão o papel relevante dos municípios junto aos outros 3 entes, a distribuição dos recursos tributários e a descentralização das políticas públicas. Contudo, autores como Clementino (1988), Souza (2004) e Rolnik (2009) salientam a questão da capacidade financeira dos municípios para a implementação políticas públicas voltadas para o atendimento das necessidades básicas do cidadão. É interessante também notar que a década de 1990 trouxe, com a Reforma do Estado, mudanças na economia das cidades, privatização e discussão em torno da prestação dos serviços públicos, como é o gasto o orçamento público e a participação cidadã, bem como o controle social na decisão de aplicação dos recursos (CLEMENTINO, 1988; ROLNIK, 2009). Dawbor (1996) apud Clementino (1998, p.160) diz que: “O Brasil gasta mal. Só na área social gastamos 100 bilhões de dólares por ano entre os recursos públicos e privados, e muita coisa pode ser feita com recursos deste porte”. Isto aponta para a necessidade de maior controle social para que se evitem os desvios de verbas para fins ilícitos e para que haja uma aplicação adequada dos recursos públicos. Um dos mecanismos utilizados pelos municípios brasileiros para que a sociedade exerça o controle sobre os gastos da receita pública é o Orçamento Participativo (OP). Camaçari está entre os municípios brasileiros que implantou o OP em sua gestão. Neste exemplo, a participação da sociedade no orçamento público é uma iniciativa da gestão, que assumiu o compromisso de manter um diálogo com a sociedade. Santana (2010), analisando a prática do OP em Camaçari entre os anos de 2005 até 2008, verificou uma queda na frequência das assembleias e a baixa organização social dos participantes, uma vez que as reivindicações não eram atendidas conforme haviam sido definidas. Souza (2006) aponta para situações em que a participação é manipulada pelo poder público, outras em que a participação é autônoma, sem interferência do Estado, e também de cogestão, ou seja, gestão partilhada: sociedade e Estado decidem juntos. Segundo a Coordenação do Orçamento de Camaçari (2010), as execuções das demandas não ocorreram conforme os critérios estabelecidos nas assembleias, mas em conformidade com as contas municipais, uma vez que Camaçari não possui verba específica para esse fim. A ausência de articulação entre os membros que compõem os conselhos do OP, os representantes da sociedade, pode ter sido um dos fatores que contribuiu para a baixa realização das demandas (SANTANA, 2010). Existem mecanismos diversos para que a sociedade mantenha controle sobre os gastos públicos. Após a CF de 1988 foram criadas várias leis a fim de aumentar a eficiência do processo de monitoramento de políticas públicas, a saber: • Lei nº 8666, de junho de 1993 – Lei de licitações e Contratos; • Lei nº 8987, de fevereiro de 1995 – Lei de Concessão e Prestação de Serviços Públicos; • Lei Complementar nº 101, de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal; 4 • Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 – Lei de Parceria Público – Privada. Além das leis supracitadas, o Tribunal de Contas da União (TCU) criou o Diálogo Público, que tem a finalidade de estimular o controle social exercido pelos cidadãos. Outro aspecto é a criação do espaço eletrônico, criado pela Controladoria Geral da União (CGU) para que as pessoas possam fazer denúncias (AGUIAR et al., 2011) e os portais da transparência em meio eletrônico nos governos. Todavia, ainda há outra questão a ser analisada que é referente à capacidade dos municípios de atendimento à população na oferta de serviços básicos necessários à qualidade de vida de todo cidadão, isto é, oferta de educação, saúde, moradia, lazer etc. esbarrando na questão da cooperação entre os entes federativos, considerando competências e capacidade financeira dos mesmos. Celina de Souza (2004) ao analisar o processo de descentralização dos municípios após a CF de 1988, aponta para o desafio que estes têm enfrentado a fim de atender as demandas sociais. De acordo com as novas regras constitucionais a gestão pública passa atuar na prestação de serviços básicos. Contudo a [...] diversidade não é explicada apenas pelas desigualdades entre as cinco regiões do país, dado que existem também grandes diferenças tanto dentro de uma mesma região como de um mesmo Estado. Tais diferenças podem ser vistas na distribuição dos municípios de acordo com o tamanho da população. Trata-se de indicador importante porque afeta a capacidade de arrecadação do município (SOUZA, 2004, p.29). Portanto, o modo como são realizados os repasses não leva em consideração a diversidade que existe entre regiões e municípios. Ainda nesse mesmo aspecto, Rolnik (2009, p.16) acrescenta dizendo que: [...] a constituição inovou muito pouco em relação à competência tributária municipal, mantendo basicamente os mesmos impostos destinados pelas constituições anteriores. Os municípios têm à sua disposição tributos que se aplicam sobre atividades eminentemente urbanas: o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Assim, fica evidente a dependência muitos municípios das transferências da União, em especial os que possuem menor representatividade econômica, pois o que está em questão é como financiar as políticas públicas urbanas com a incapacidade financeira de muitos municípios e, aliado a isto, a má gestão dos recursos. Hoje no Brasil vivemos em um regime democrático representativo, mas isso não isenta a população de participar dos assuntos públicos, muito pelo contrário, é importantíssima a participação cidadã nas questões de interesse coletivo, sobretudo no enfrentamento das problemáticas urbanas. Isto está assegurado em mecanismos legais como a Lei 10.257/01, o Estatuto da Cidade, que define a participação como premissa da política urbana em seu Art. 2º, Inciso II, que determina: Gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (Lei 10.257/01). 5 O Estatuto da Cidade contribuiu para o processo de participação ao trazer mecanismos de participação como os conselhos, fóruns, assembleias, debates, audiências e consultas públicas etc. Contudo, a participação popular ainda é limitada e precisa de aprimoramentos, pois os instrumentos que constam de participação poderiam ser mais elucidados quanto à metodologia. Além disso, é importante investigar o tipo de participação que vem acontecendo nas políticas urbanas, pois o que a lei prevê é uma participação para uma gestão democrática. Segundo Santos (2011), a partir de 2004 a participação na elaboração e implementação das políticas urbanas ganham força com a criação do Conselho Nacional das Cidades, que unificou as políticas de habitação, uso e ocupação do solo, saneamento e transporte em um único órgão. Este Conselho criou uma campanha com base na Resolução 25/2005 do Ministério das Cidades, que orienta e recomenda a elaboração de Planos Diretores conforme o Estatuto da Cidade. A aprovação dos Planos foi decisiva para a criação dos Conselhos da Cidade (ou Conselhos de Desenvolvimento Urbanos, ou similar). Todos os vinte e sete estados avaliados criaram ou previram a criação de órgãos colegiados, do tipo Conselho de Política Urbana (SANTOS, 2011, p.258). Porém, houve munícipios que não criaram o Conselho da Cidade, mas “instituiu apenas órgãos colegiados de caráter setorial, principalmente relacionados à política de habitação (SANTOS, 2011 ,260). Agora sim, retomemos a questão da gestão democrática. Que tipo de participação os conselhos e órgãos colegiados estão realizando? São de natureza deliberativa ou apenas consultiva? De acordo com Santos (2011), grande parte desses espaços não define o grau de decisão desses conselhos (deliberativo ou consultivo), mas que a maioria é de caráter consultivo e em aspectos específicos que envolvem decisões, como em planos e programas para o desenvolvimento urbano, ou seja, a sociedade não tem poder de decisão, apenas opina, conferindo ao processo um caráter participativo, mas que na verdade serve apenas para legitimar os planos apresentados. De acordo com Paulo Freire (2001), os processos de democratização compreendem trazer para a sociedade educação, isto significa tornar cada indivíduo atuante na sociedade, pois segundo o autor, a participação crítica é uma forma de sabedoria e como tal é capaz de transformar a massa em povo, com capacidade de escolha e decisão. Portanto, Freire enxergava a capacidade do indivíduo de transforma-se e de transformar o mundo. Analisando um pouco mais a questão da conscientização do sujeito, a luz de Freire, este afirma que: [...] para a consciência crítica a própria causalidade autêntica está sempre submetida à sua análise – o que é autêntico hoje pode não ser amanhã – para a consciência ingênua, o que lhe parece causalidade autêntica já não é, uma vez que lhe atribui caráter estático, de algo feito e estabelecido (FREIRE, 2001, p. 113). Portanto, isto ensina para os urbanistas e gestores que lidam com o processo de elaboração de políticas urbanas que a conscientização implica uma análise da causalidade dos fatos, o que implica também reconhecer a dinâmica da cidade que muda o tempo todo. 6 Freire (2001) salienta que a consciência crítica contribui para a integração com a realidade, o que permite a compreensão do mundo e assim habilita os sujeitos do mundo à ação. Todavia, a consciência ingênua leva o indivíduo à passividade política, não enxergando e/ou assumindo seu papel de sujeito na produção do espaço urbano. Por isso, quando se pensa em planejamento democrático é necessário que os sujeitos cidadãos tenham a compreensão dos fatos e isto acontece quando ocorrem debates, audiências etc. em que estes participam e atuam para a transformação. Para a efetivação da legislação, não só a urbanística, é de fundamental importância a postura dos que planejam, no sentido de se aproximarem da sociedade. Precisam, então, assumir o papel de educadores assistemáticos do planejamento urbano, além de sua posição técnica, assumindo a máxima de que “todo poder emana do povo”, (CF de 1988, Art. 1, § único) e, portanto, é ele quem deve decidir. O Brasil tem um índice de analfabetismo de 9,7% entre pessoas de 15 anos ou mais, o que de algum modo dificulta o acesso também ao conhecimento dos assuntos da cidade e a consciência sobre os meios de participar e interferir nos processos urbanos. A taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais caiu 1,8 ponto percentual entre 2004 e 2009. Apesar disso, no ano passado ainda existiam no Brasil 14,1 milhões de analfabetos, o que corresponde a 9,7% da população nesta faixa etária. A PNAD estimou também a taxa de analfabetismo funcional (percentual de pessoas de 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos de estudo) em 20,3%. O índice é 4,1 pontos percentuais menor que o de 2004 e 0,7 ponto percentual menor que o de 2008 (IBGE, 2010). Nesse sentido, interessa aqui também o que Maricato (2011) chama de analfabetismo urbanístico, o que, infelizmente, faz com que muitas pessoas não conheçam bem as questões urbanas, como participar, possíveis alternativas etc. Não é raro se deparar com pessoas que não sabem o que é um plano diretor ou orçamento participativo, por exemplo. Combater o analfabetismo urbanístico significa elucidar a estratégia das forças selvagens que fazem do solo urbano e dos orçamentos públicos pasto para seus interesses. [...] uma campanha pedagógica dirigida a funcionários públicos interessados (que não constituem a maioria), lideranças sociais, profissionais, sindicais e acadêmicas, estudantes, jornalistas, intelectuais, deveria colocar em oposição a essas forças as mesmas metas definidas durante décadas de militância dos movimentos sociais urbanos (MARICATO, 2011, p. 45). Maricato (2011) propõe também a inclusão do tema das cidades brasileiras no bojo da educação sistemática, ou seja, como conteúdo escolar básico. Isso tudo com o objetivo de elucidar as questões urbanas, as quais fazem parte do cotidiano da população. E qual a importância disso? Para além de capacitação de funcionários públicos envolvidos na elaboração e implementação de políticas públicas e urbanas, mais especificamente, uma ação desse tipo pode proporcionar, em longo prazo, uma mudança no que tange a participação que se vê atualmente. Em vez de atuarem apenas como legitimadores de planos que lhes são apresentados, uma consciência urbanística crítica pode contribuir para que os cidadãos opinem, proponham e, sobretudo, participem mais ativamente na elaboração, implementação e controle de políticas urbanas. 7 4 Considerações Finais Devido a diversas experiências negativas na seara eleitoreira, a idéia que muitos têm de política é equivocadamente tida como sinônimo do que, de fato, denomina essas más posturas: a politicagem. Diante de tantos escândalos, fraudes, desvios de verba, tráfico de influência e outros acontecimentos afins, como acreditar que através da política é possível reivindicar e conquistar uma sociedade mais justa? Desde o movimento que conclamava a Reforma Urbana, fortalecido nos anos 1980, o protagonismo da sociedade civil fez-se mister no que tange as problemáticas urbanas. Vários avanços referentes à política urbana, mesmo que um tanto tardios, decorrem da forte movimentação popular que repercutiu pelo País nessa época. A inserção de um capítulo para a política urbana, apesar de tímido é fato marcante. Vários anos depois com a aprovação do Estatuto da Cidade a participação cidadã torna-se premissa nas políticas de desenvolvimento urbano. Então, são compostos conselhos da cidade, são realizadas conferências, audiências públicas etc. contando com a população. Entretanto, é preciso conhecer o processo e seu contexto e não apenas participar dele para legitimá-lo. Por isso, é defendido aqui que a consciência crítica por meio da educação tanto sistemática quanto assistemática tem um potencial importante no sentido de que pode proporcionar acesso ao conhecimento sobre a cidade, sobre os problemas urbanos e sociais e, consequentemente, instrumentalizar o cidadão para participar efetivamente da política e das políticas públicas. Uma vez que estará munido de algum conhecimento, o cidadão, ou melhor, a sociedade poderá exigir e propor alternativas mais condizentes com sua realidade e com os problemas enfrentados, não aceitando passivamente medidas verticalizadas que muitas vezes não resolve seus problemas e não passam de mera politicagem. 8 Referências AGUIAR, U.D. de et al. Curso a distância. Controle social das contas públicas: o papel do controle externo TCU, TCE, TCM – Universidade aberta do Nordeste. Disponível em: <http://www.tcm.ce.gov.br/site/_arquivos/servicos/downloads/2010/curso_controle_social/tc m-03.pdf> Acesso: 10 de dez. 2011. ALMEIDA, Mariana R. e REBELATTO, Daisy A. N. O inventário dos modelos de avaliação para políticas públicas. Disponível em: <http://www.upis.br/dinamicadenegocios/arquivos/2%20modelo_de_politica_pub___Mariana _Almeida.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2011. AVRITZER, L. O orçamento participativo: as experiências de Porto Alegre e Belo Horizonte. 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