Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 EPISTEMOLOGIAS, NARRATIVAS E FORMAÇÃO DOCENTE Eliane Gonçalves dos Santos (Universidade da Fronteira Sul - UFFS) Fabiane de Andrade Leite (Universidade da Fronteira Sul - UFFS) Resumo: Este relato de experiência se refere a um estudorealizado no decorrer das aulas de Prática de Ensino em Ciências/Biologia I: Epistemologia e Ensino de Ciências, no curso de Ciências Biológicas no ano de 2013 na UFFS 1. O trabalho se deu sob o objetivo de analisar a compreensão dos licenciandos acerca da evolução epistemológica do conhecimento científico e as implicações deste na sua constituição docente, sob a perspectiva da investigação-ação emancipatória. No decorrer do texto apresentamos ideias sobre a importância de um estudo epistemológico na formação inicial de professores e a influência deste estudo na constituição docente, utilizando como referenciais trabalhos de CARVALHO e GIL-PÉREZ (2009), IMBERNÓN (2011), SCHÖN(2000), SCHNETZLER(1992). Palavras-chave: Epistemológica. Ensino de Ciências. Formação de Professores. Reflexão EPISTEMOLOGIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES A reflexão acerca de como aprendemos e de qual o papel da escola nesse processo é elemento central do trabalho na formação inicial de professores. E essas são algumas questões que têm nos acompanhado ao longo de nossas pesquisas com formação de professores, em especial na formação inicial de professores de Ciências Biológicas, pois reconhecemos que é nesse período que o(a) licenciando(a) deverá compreender de que forma se dá o conhecimento em sala de aula. Partimos do entendimento que o conhecimento científico e o conhecimento escolar apresentam características singulares e é no decorrer da formação inicial de professores que se deve proporcionar a compreensãodestas diferenças, a fim de contribuir na formação do pensamento do futuro professor. Diante dessa perspectiva, pensamos ser de suma importância uma educação em Ciências que propicie a problematização e compreensão da natureza e atividade científica, a fim de romper com o pensamento de uma Ciência descontextualizada e socialmente neutra. Para tanto, corroboramos como o pensamento de Schnetzler ao afirmar que: Não se trata de destruir as concepções prévias dos alunos, mas sim de se desenvolver um processo de ensino que promova a evolução de suas ideias. Em outros termos, a ruptura não significa necessariamente descarte. Assim, o ensino não pode ser concebido como um processo simplesmente linear, onde novos conceitos vão sendo sequencialmente introduzidos; mas sim como um 1 Universidade Federal da Fronteira Sul 1743 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 processo em que o professor deve também planejar e desenvolver situações frequentes onde conceitos já abordados sejam retomados e retrabalhados sob novas formas, estabelecendo novos relacionamentos conceituais para propiciar ao aluno condições de aplicação, ampliação e consolidação daquelas ideias, ou seja, das ideias cientificamente aceitas("corretas")(1992, p.20) A importância dessa abordagem permite um ensino e aprendizagem comprometido com a mudança e (re)construção de ideias sobre a Ciência e a educação para as Ciências. Propiciando ao licenciando reconhecer a Ciência como uma produção humana, sujeita a mudanças, impregnada de valores e interesses sociais. Atualmente há uma preocupação cada vez maior com relação à construção de propostas curriculares para os cursos de licenciaturas que proporcionem a formação profissional e científica dos licenciandos, no sentido de torná-los capazes de atuar, identificar problemas e apresentar soluções de forma interdisciplinar, criando espaços de participação, reflexão e construção da sua própria aprendizagem.Dessa forma, refletir sobre as questões epistemológicas é fator central para a formação inicial do professor, a fim de que o mesmo reconheça e compreenda suas concepções de conhecimento e de Ciência, as quais determinam o fio condutor de seu trabalho. As crenças e as convicções sobre o que é a Ciência e como se dá o conhecimento científico marcam a ação pedagógica, dessa forma cabe ao professor ter clareza das suas concepções para que o seu trabalho tenha um caminho bem estruturado e que contribua para a evolução do conhecimento pelo aluno. Constata-se que na atualidade ainda se fazem presentes no ensino de Ciênciasvisões e entendimentos distorcidos da Ciência e do fazer científico, resultado muitas vezes da falta de uma apresentação, estudos, reflexão profunda e sistemática sobre os principais aspectos da Ciência. Torna-se importante para o ensino, como cita Fleck(1986), haver uma compreensão dialética do conhecimento a partir da circulação intercoletiva de ideias entre os círculos esotérico e exotérico, a fim de promover o acesso às divulgações da cultura científica, sobre esse ponto Ostermann e Cavalcanti discorrem que: o cientista tem um compromisso social de divulgar a ciência e dialogar com a sociedade, uma vez que a atividade científica deve fazer uso de uma consciência crítica e postura filosófica, aspectos inerentes à investigação, que seriam benéficas para toda a sociedade. Estimular o bom ensino de ciências nas escolas também é vital, pois uma boa educação científica é condição necessária para o pleno exercício da cidadania. É, portanto, compromisso da comunidade científica dialogar com os leigos, e é compromisso da educação em Ciências promover a enculturação científica das pessoas (OSTERMANN; CAVALCANTI, sd, p. 50) 1744 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Diante do que foi mencionado, é de suma importância trazer para o cenário educacional, principalmente na formação inicial, discussões que apresentem e problematizem a natureza do conhecimento científico, que possibilitem aos estudantes uma nova interpretação e compreensão da Ciência, como um processo de produção de conhecimentos, “um organismo vivo, que continuamente se autocorrige” conforme cita Chalmers (1994). A literatura aponta que uma das maiores preocupações dos pesquisadores da área, é a multiplicidade de concepções epistemológicas incorporadas à prática profissional dos professores de Ciências, que acabam, em muitos casos, provocando barreiras e dificuldades para o aprendizado de Ciências, pois se mostram de forma fechada, impenetráveis a questionamentos, passam a ter valor absoluto e não relativo ao que trazem de contribuição para ampliar, acrescentar às outras formas de compreensão do mundo (CHAVES, 2007, p.16). Para que os futuros professores tenham uma visão adequada sobre a natureza do conhecimento científico, e primem por um ensino que problematize a Ciência e o seu sentido no mundo contemporâneo, torna-se necessário de acordo com Matthews, humanizar os conteúdos; melhorar a sua compreensão; motivar; favorecer o entendimento dos episódios revolucionários; mostrar a Ciência como algo mutável; combater a ideologia cientificista e permitir um conhecimento melhor da natureza da ciência (1995, p.172) Corroboram com esse entendimento Silva e Schnetzler (2000), ao destacar algumas das necessidades formativas para os programas de formação inicial e continuada de professores como: a) dominar os conteúdos científicos a serem ensinados em seus aspectos epistemológicos e históricos, explorando suas relações com o contexto social, econômico e político; b) questionar as visões simplistas do processo pedagógico de ensino das Ciências usualmente centradas no modelo transmissão-recepção e na concepção empirista-positivista de Ciência; c) saber planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a construção-reconstrução das ideias dos alunos em direção às noções cientificamente aceitas através de procedimentos e posturas de mediação que contemplem ajustes da prática pedagógica; d) conceber a prática pedagógica cotidiana como objeto de investigação, como ponto de partida e de chegada de reflexões e ações pautadas na articulação teoria-prática, promovendo a transformação de um professor transmissor/reprodutor de informações para um professor reflexivo e pesquisador de sua própria prática. (2000, p. 44). A construção de um planejamento coletivo na escolacontribui para uma efetiva constituição docente, baseada na formação de um professor prático-reflexivo e, para que 1745 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 isso ocorra, o processo de formação do professor deve estar fundamentado na perspectiva da pesquisa-ação ou da investigação-ação, através da qual o professor não apenas ensina a aprender, mas acima de tudo aprende a ensinar. Nesse contexto, fundamentamos nosso trabalho em autores como Schön (2000) e Zeichner (1993), os quais propõe análise da formação de professores que pesquisam a própria prática docente. No processo de ensino de Ciências, o desafio do professor reflexivo é ampliar as bases científicas da prática, lutando contra a ilusão cientificista, sem abandoná-la, mas sim utilizando-a para desenvolver formações que articulem racionalidade científica e prática reflexiva (PERRENOUD, 2002). A aprendizagem é algo complexo, interno ao ser humano, social-cultural que necessita de concepções profundas do conhecimento científico tendo como base o senso comum e, para tanto, o professor é o principal responsável pela mediação desse trabalho em sala de aula, oportunizando momentos de ação e reflexão sobre o que se sabe e o que se deve saber sobre os fenômenos naturais. A fim de promovermos essa construção ao longo da formação inicial de professores de Ciências na Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Cerro Largo/RS, é que nos desafiamos, enquanto professoras do componente curricular Prática de Ensino em Ciências/Biologia I: Epistemologia e Ensino de Ciências, a apresentar aos licenciandos, os paradigmas que orientam a produção de conhecimento na área das Ciências Naturais, as concepções epistemológicas de Ciências, de ensino de Ciências, bem como as especificidades e diferenças da produção de conhecimentos da área básica de Ciências Biológicas e da área de educação em Ciências. Ao longo das aulas também são apresentadas contribuições da história e filosofia da Ciência, assim como oportunizamos a análise de concepções de Ciência em contexto, ou seja, a verificação e o estudo de como se apresentam estes dados em sala de aula. Esse componente curricular apresenta como objetivo geral permitir adiscussão das concepções de Ciência e docência, articulados a processos de ensino, bem como aos modelos de produção da Ciência/Biologia e sua historicidade para contextualizar paradigmas que orientam a produção do conhecimento na área das Ciências Biológicas e do ensino de Biologia bem como sua gênese e desenvolvimento favorecendo a crítica do professor aos processos de ensino. 1. NARRATIVAS E REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS 1746 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Este trabalho surge tendo como base as reflexões realizadas no decorrer da construção e planejamento das aulas de Epistemologia das Ciências, bem como nas discussões que permearam nossa convivência acadêmica enquanto docentes oriundas da mesma área de pesquisa. A importância destas reflexões se justifica pelocompartilhamento da ideia de que o conhecimento evolui intracoletivamente, ou seja, no interior do próprio coletivo de pensamento, conforme nos traz Fleck (1986). Reconhecemos que nosso papel enquanto docentes do componente curricular, o qual trata de demonstrar como se dá o conhecimento científico nos alunos, é promover um conhecimento crítico, sem expor nossas preferências epistemológicas, mas contribuindo para o desenvolvimento de um conhecimento construído a partir de rupturas acerca da compreensão de como se dá a natureza do conhecimento científicoem sala de aula e do quanto o professor de Ciências é responsável por esse trabalho, nesse sentido Maldaner cita que: Não se trata mais de aprender sempre os mesmos conteúdos e repeti-los em determinadas situações (provas, provões, concursos), mas de saber como a ciência criou as condições atuais da humanidade e como ela permitirá as novas condições que façam o homem sentir-se integrado na mesma natureza una e única, da qual a prática científica atual ainda teima em separá-lo (2000, p. 64). Desse modo, as aulas ocorreram em dezoito encontros presenciais em cada semestre com turmas de alunos diferentes. Partimos da ideia que os alunos possuem um estilo de pensamento (FLECK, 1986) o que fazcom que constituam coletivos de pensamento e, nesse contexto, tivemos a preocupação de criar momentos que permitissem uma efetiva evolução das ideias pré-existentes quanto a natureza do conhecimento científico demonstrando, de forma inicial, as diferenças do que é considerado senso comum e o que é conhecimento científico. De maneira a contribuir com uma formação voltada às próprias reflexões, solicitamos aos alunos a escrita em um diário de bordo, de acordo com as ideias de Porlán e Martín (2000), além da participação efetiva na realização das atividades e discussões de modo que esses fossem expondo seus entendimentos e crenças acerca da Ciência, momento ímpar para a problematização e (des)construção dos saberes e valores que ultrapassam o espaço da sala de aula. Inicialmente, utilizando o texto “Por que Ensinar Ciências Para as Novas Gerações? Uma Questão Central para a Formação Docente” de Sílvia Nogueira Chaves (2007)discutimos questões referentes ao por que e para que ensinar Ciências. A partir 1747 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 desta atividade,surgiram reflexões importantes acerca da alfabetização científica, principalmente no que diz respeito ao uso da linguagem utilizada para o ensino de Ciências em sala de aula, o quê conforme os alunos, demonstra o quão (in)útil é o ensino, corroborando com as ideias de Chassot, 1995. Assim, nesse movimento buscamos incentivar um processo no qual os acadêmicos devessem refletir sobre a Ciência e a maneira como acontece à construção do conhecimento científico, buscando entender a dinâmica da Ciência ao longo da sua trajetória, os erros e os acertos, os sujeitos envolvidos, as condições sócio, histórico e cultural durante o qual os trabalhos de pesquisas foram sendo desenvolvidos, tentando obter um novo olhar sob a natureza da Ciência. Nos primeiros encontros percebemos as dificuldades que acadêmicos da 4ª e 5ª fase do curso externavam quanto a compreender a Ciência como uma atividade dinâmica, humana em constante transformação. Ao analisar as narrativas dos acadêmicos, constatamos que a grande maioria desses jovens acreditava que a Ciência caracterizava-se como um corpo organizado de conhecimentos, com finalidades culturais e utilitarista, em que a visão de ciência e cientista não diferiam da descrita na literatura da área. Um dado preocupantefoi à ausência dereferências a nomes de mulheres que fazem pesquisas tanto no Brasil quanto no exterior, assim como da importante contribuição das mulheres para o desenvolvimento da Ciência e da tecnologia no mundoe ainda a visão de neutralidade da Ciência, fato que nos põe em alerta, pois na era da informação esses jovens ainda apresentam um entendimento bem distante do esperado. Todavia, ao pensarmos esse componente na perspectiva da investigaçãoação,novas abordagens foram sendo propostas aos licenciandos a fim de que esses se sentissem motivados a pensar, questionar, pesquisar e discutir acerca das questões epistemológicas da Ciência, pois de acordo com Maldaner(2000, p.79)deve-se ter clareza que “a reflexão epistemológica é um dos passos necessáriospara a recriação de um conhecimento novo que poderá redirecionar a educação”. Dando ênfase ao processo de discussão, reflexão individual e coletiva, tínhamos a intenção de favorecer a elaboração de novas concepções, mesmo reconhecendo que isso não é tarefa fácil e, dessa forma, uma das atividades mais impactantes aos alunos foi a realização de uma entrevista com professores da educação básica. As questões realizadas serviram para investigarmos a realidade da escola no que diz respeito 1748 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 asconcepções de Ciências dos professores participantes de um projeto de extensão 2 realizado pelo grupo de Pesquisa GEPECIEM 3 – UFFS/Cerro Largo. As questões foram encaminhadas aos professores e, entre elas, relatamos algumas respostas que mais chamaram a atenção do grupo, como por exemplo,a questão que solicitava ao professor a diferença entre conhecimento científico, conhecimento escolar e conhecimento cotidiano. A partir das respostas percebemos que há uma forte tendência dos professores em demonstrar que o que é científico é verdadeiro e absoluto. Não houve uma definição certa a respeito do conhecimento escolar, muitas vezes este aparecia como científico e, nos surpreendemos com a colocação de alguns professores que definiram conhecimento cotidiano como algo errado e incompleto. Estas questões suscitaram inúmeras discussões e promoveram falas interessantes em sala de aula, falas que contribuíram para romper com as ideias iniciais de Ciência que os licenciandos possuíam. Essas ideias iniciais foram se constituindo ao longo de toda a formação na educação básica dos alunos, os quais são oriundos de uma docência simplista e conteudista. Nesse contexto, reconhecemos que trazer as questões de cunho epistemológico para a sala de aula não é uma tarefa fácil, pois, na tentativa de inseri-la na aprendizagem dos estudantes, podem ocorrer simplificações e distorções das informações. Conforme Silva et al. (2008, p.500) “as imagens que temos da ciência são forjadas desde muito cedo, nos primeiros anos escolares”. Dessa maneira, os estudantes já têm uma imagem positivista da ciência como produto acabado e não como um processo que envolve pessoas comuns, contextos concretos e debates. Assim, um correto entendimento da estrutura e dinâmica científica é essencial no ensino de Ciências, pois contextualiza o ensino historicamente, permitindo ao aluno a compreensão da dinâmica da ciência e da produção do conhecimento científico, já que o desenvolvimento “da ciência dá-se tanto por fatores internos à própria ciência quanto por fatores externos, ou extra científicos” (SILVA, et al., 2008, p.498). Outra atividade realizada que trouxe resultados significativos ao processo foi uma sugestão retirada do livro “Filosofia e História da Ciência no contexto da Educação em Ciências: Vivências e Teorias” organizado por Regina Maria Rabello Borges (2007), retirado da página 150. Seguindo as orientações do livro, propomos aos alunos a construção de um esquema (fluxograma) utilizando todas ou algumas palavras que se 2 3 O referido Projeto de Extensão é denominado “Ciclos Formativos no Ensino de Ciências e Matemática”. GEPECIEM – Grupo de Pesquisa no Ensino de Ciências e Matemática. 1749 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 referem a etapas de uma investigação científica, sendo elas: dados, problema, teorias, métodos, hipóteses, variáveis, observação, técnicas, bibliografia, conclusões, paradigmas ou outras. Esta atividade foi solicitada logo nos primeiro encontros e repetida no último encontro do componente curricular a fim de analisarmos a evolução do processo de aprendizagem nos alunos. O objetivo desta atividade foi proporcionar aos alunos uma primeira autoavaliação a cerca das suas concepções a respeito do processo de formação do conhecimento científico. O retorno inicial da atividade demonstrou que todos os alunos apresentaram uma interpretação linear baseada em concepções empirista-indutivista ou racionalista da formação do conhecimento científico. Na sequência, íamos apresentando ao grande grupo todos os esquemas criados e, na oportunidade, fazíamos questionamentos a fim de esclarecer qual a compreensão dos alunos sobre as palavras utilizadas. Ainda na discussão, a qual se destacou entre tantas outras atividades em sala de aula, não tínhamos a intenção de julgar, o que deixamos claro desde o início, portanto não haveria uma avaliação quanto a organização do esquema, considerando correto ou errado, mas sim nos preparamos para construir um espaço de debate e desconstrução de conceitos que fragmentados e equivocados a respeito da formação do conhecimento científico. Foram várias ações realizadas ao longo dos demais encontros, desde a proposição de estudo e leitura até a explanação, através de seminários, a respeito das principais ideias, que ao longo dos anos, contribuíram para a evolução das concepções sobre a natureza do conhecimento científico. Os alunos foram apresentados a vários pesquisadores como: Popper, Kuhn, Feyerabend, Lakatos, Toulmin, Bachelard, Fleck, entre outros e, cada novo estudo proposto, surgiam conflitos de ideias que tornavam as aulas um ambiente de intensa discussão. Ao longo do processo de ensino, os alunos trouxeram colocações realizadas em outros componentes pelos demais professores o que significa que estavam se apropriando dos conhecimentos e levando as discussões deste componente curricular para além do momento e do espaço da sala de aula. Isso demonstra o quanto significativo estavam sendo nossas intervenções. Ao longo do trabalho percebemos uma superação das visões anteriores por grande parte dos alunos, demonstrando a importância do nosso papel enquanto mediadoras do conhecimento em sala de aula.A realização do trabalho demonstrou que 1750 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 o interesse dos alunos crescia a cada encontro evidenciado também pela constante motivação pela pesquisa que tornava nossas aulas cada vez mais instigantes e desafiadoras. 2. EPISTEMOLOGIA E CONSTITUIÇÃO DOCENTE Observando a dinâmica do processo de formação de professores, considera-se a formação inicial como constitutiva do sujeito, a qual, ao longo dos encontros proporcionadosfoi sofrendo mutações, mudanças essas proporcionadas pela relação entre os círculos exotéricos e esotéricos. Nesse sentido, identificamos a importância dessa relação ser estabelecida já na formação inicial do professor, tendo em vista que uma das maiores dificuldades encontradas na formação continuada de professores é a resistência aos diálogos formativos, pois permanece muito presente um forte preconceito de que os formadores (professores da Universidade) não apresentam conhecimento da prática docente, pois não possuem experiência na educação básica e, dessa forma, não conhecem os problemas reais presentes na escola e, consequentemente não têm como contribuir. Nesse sentido, destacamos a importância de se dar voz aos licenciandos, de retirá-los da cômoda situação de apenas receberem informações e colocá-los como protagonistas da sua própria formação. A formação do professor deve ser vista como uma profunda “mudança didática” (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2009, p. 38), através da qual o professor deve estar preparado para uma tarefa de pesquisa e inovação permanentes. O diálogo é o princípio básico da relação pedagógica, e os espaços de formação são essenciais para a construção e desconstrução de conceitos criados em torno dos processos pedagógicos desenvolvidos na escola, pois, conforme Maldaner (2003,p.15), “tornar-se reflexivo/pesquisador requer explicitar, desconstruir e reconstruir concepções e isso demanda tempo e condições”. Acreditamos que permanecem atrelados aos conhecimentos e saberes provenientes da experiência, e alicerçados pelo senso comum pedagógico os professores que têm dificuldade para estabelecer processos de diálogo e reflexão em torno de suas práticas, estes acabam possuindo estilos de pensamento que comprometem o trabalho em sala de aula. 1751 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Na escola, temos observado a presença de professores despreparados, sem conhecer com profundidade a disciplina que ministram, sem analisar ou interpretar as concepções dos alunos e sem saber orientar o processo de ensino e de aprendizagem. Essa realidade, segundo Carvalho e Gil-Pérez (2009, p.14) faz-nos chegar a “conclusão de que nós, professores de Ciências, não só carecemos de uma formação adequada, mas não somos sequer conscientes das nossas insuficiências”, o que contribui ainda mais para uma crise no ensino de Ciências. Já Imbernón (2011, p.31) coloca que o conhecimento profissional docente “compreende diferentes âmbitos: o sistema, os problemas que dão origem à construção dos conhecimentos, o pedagógico geral, o metodológico-curricular, o contextual e o dos próprios sujeitos da educação.” Nesse sentido, o autor traz reflexões da presença de um conhecimento pedagógico comum e um conhecimento pedagógico especializado, referindo-se ao primeiro como presente na estrutura social do professor, o qual integra o patrimônio cultural da sociedade e se transfere para as concepções dos professores. Esta leitura nos aproxima ainda mais da compreensão da constituição dos círculos exotéricos e esotéricos presentes no processo. Através do estudo da epistemologia histórica, Bachelard, segundo Lopes (2007, p.31) traz contribuições importantes no avanço da Ciência, permitindo “o questionamento da possibilidade de se definir definitiva e universalmente o que é ciência”. Questionar a Ciência determina a formação do verdadeiro espírito científico, pois, segundo Bachelard (1996, p.18), “para o espírito científico, todo o conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta não pode haver conhecimento científico”. Ainda na epistemologia bachelardiana encontra-se o estudo sobre os obstáculos epistemológicos, os quais consideramos importante estarem presentes na formação inicial do professor, pois é determinante no processo de constituição do conhecimento do que é Ciência. Todavia, não é único, pois temos as experiências que o professor traz consigo, das suas primeiras aprendizagens em Ciências, bem como os saberes curriculares e profissionais que muito influenciam a formação de suas concepções, o que para Tardif (2012) formam o “saber docente”. Sendo assim, essa formação perpassa um processo de evolução, pois “o conhecimento evolui de um estilo de pensamento ao outro” (CONDÉ, 2005, p.141). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1752 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 BACHELARD, G. A Formação do Espírito Científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BORGES, R. M. R.Filosofia e História da Ciência no Contexto da Educação em Ciências: Vivências e teorias. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007. CARVALHO, A. M. P.; GIL-PÉREZ, D. Formação de Professores de Ciências. 9 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2009. CHALMERS, A. F. A Fabricação da Ciência. São Paulo: Fundação Editora UNESP, 1994. CHASSOT, Attico. Para que(m) é útil o nosso ensino? Canoas: Editora da Ulbra, 1995. CHAVES, S. N. Por que ensinar ciências para as novas gerações? Uma questão Central para a Formação Docente. Contexto e Educação, Ijuí: Ed. UNIJUÍ, Ano 22, nº 77, Jan/Jun.2007. CONDÉ, M. L. L. (org). LudwikFleck: Estilos de Pensamento na Ciência. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2012. FLECK, L. La génesis y el desarrollo de un hecho científico.Trad. Luis Meana.Madrid: Alianza Editorial, 1986. IMBERNÓN, F. Formação Docente e Profissional. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2011. JAPIASSU, H.. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975. LOPES, A. C. Currículo e Epistemologia. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2007. MALDANER, A. O. Concepções epistemológicas no Ensino de Ciências. In: SCHNETZLER, R. P.; ARAGÃO, R. M. R. (Org.).Ensino de Ciências: fundamentos e abordagens. São Paulo: Unimep, 2000.p. 60-81. MALDANER, O. A. A formação inicial e continuada de professores de química: professores/pesquisadores. 2 ed. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2003. MATTHEWS, Michael. História, Filosofia e Ensino de Ciências: a Tendência Atual de Reaproximação. Cad. Cat. Ens. Fís. Vol.12 n. 3 p. 164-214. Dez, 1995. OSTERMANN, F.; CAVALCANTI, C. J. Epistemologia implicações para o Ensino sd, Disponível de Ciências, em:http://www.ufrgs.br/uab/informacoes/publicacoes/materiais-de-fisica-paraeducacao-basica/epistemologia_Fisica.pdf/view, acessado em 13/12/2013. PERRENOUD, P. A prática reflexiva no oficio do professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002. 1753 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 PORLÁN, Rafael; MARTÍN, José. El diariodelprofesor: um recurso para investigación em el aula. 8 Ed. Díada: Sevilla, 2000. SCHNETZLER, R. P. Construção do Conhecimento e Ensino de Ciências. Em Aberto,Brasília,ano11,nº55,jul./set.1992. SCHÖN, D. A. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000. SILVA, C.P et al. Subsídios para o uso da História das Ciências no Ensino: Exemplos Extraídos das Geociências. Ciência & educação, v. 14, n.3, p.497-517, 2008. SILVA, L. H. A; SCHNETZLER, R. P. Buscando o caminho do meio: a “sala de espelhos” na construção de parcerias entre professores e formadores de professores de ciências. Ciência & Educação, Bauru: ABRAPEC, vol. 1, n. 6, p. 43 – 53, 2000. Disponível em:http://www.fc.unesp.br/pos/revista/pdf/revista6vol1/art5rev6vol1.pdf>. Acesso em: 14 de maio/2006 TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. 13 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. ZEICHNER, K. M. A Formação Reflexiva de Professores: idéias e práticas. Lisboa: EDUCA, 1993. 1754 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia