Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 SOBRE A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Anete Charnet Gonçalves da Silva (UESB – Pesquisa FAPESB) Ana Maria dos Santos Rocha (UESB – Pesquisa FAPESB) Renato Pereira de Figueiredo (UESB – Pesquisa FAPESB) Márcia de Oliveira Menezes (UESB – Pesquisa FAPESB) Resumo A pesquisa objetiva caracterizar concepções sobre a natureza da ciência construídas por estudantes do último ano do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UESB, campus de Vitória da Conquista. As respostas dos alunos foram classificadas de acordo com as categorias propostas por Abell e Smith (1994). Os resultados revelaram que a maioria dos alunos considera ciência como um produto, um conjunto de conhecimentos ou ideias a serem estudadas. Em função das características da investigação, pode-se contribuir, principalmente, com o incremento nas pesquisas, reflexões e debates a respeito das questões culturais e da natureza do conhecimento científico e suas implicações nos cursos de formação de professores, em especial, aqui, o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Palavras-chave: Formação de professores. Ludwik Fleck. Natureza da ciência. Introdução A ideia de que a aprendizagem implica na transmissão de conhecimentos prontos de uma geração para a outra está profundamente enraizada na teoria e na prática educacional. De acordo com essa concepção, o ensino é entendido como uma transmissão/transferência de conhecimentos acadêmicos. Ainda muito presente, esta visão positivista de ensino, fundamentalmente empirista-lógico, compreende que a produção do conhecimento científico ocorre a partir de procedimentos metodológicos únicos (método científico), eminentemente indutivos e experimentais. Fundado na crença de uma realidade preexistente que precisa ser descoberta, o conhecimento derivado da metodologia científica consiste na coleta de dados por meio de cuidadosa observação e experimentação e da subsequente derivação de leis e teorias a partir desses dados por algum tipo de procedimento lógico – o que Alan F. Chalmers (1993) descreveu como indutivismo ingênuo. É considerado verdadeiro do ponto de vista lógico, pois independe do contexto, impondo uma racionalidade técnica que torna o professor responsável pela detenção de verdades descobertas, inquestionáveis. 704 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Neste caso, o conhecimento científico seria objetivo, permanente, produzido através de um método científico supostamente neutro, sendo central o papel da observação realizada mediante a separação entre um “sujeito soberano e um objeto inerte, mas pronto para falar, tão logo seja tocado pelo sujeito. Tudo se passa como se o sujeito fosse um mero tradutor do que está fora de si”. Essas são características de uma fazer científico que a professora Conceição Almeida (2012) identifica como sendo de uma ciência da assepsia: Se libertar dos aspectos subjetivos durante a pesquisa; produzir análises que se restrinjam a enunciar os fenômenos como eles ‘realmente são’; e construir interpretações desprovidas dos valores e visões de mundo do observador, são alguns dos princípios referendados pelos ideários de uma ciência da assepsia, destituída de sujeito, purificada dos afetos, iras, marcas inconscientes, ideologias e valores éticos dos quais se nutrem – queiramos ou não – estudantes, professores e pesquisadores de todos os tempos e lugares (p. 13). A coerência intelectual que sustenta a escolha desses métodos considerados válidos, a definição do que é ou não pertinente aparecer no processo de coleta de dados, e a interpretação dos resultados das investigações científicas deriva de uma concepção de ciência que pouco mudou nesses últimos trezentos anos: a crença na existência de uma realidade já dada, a ser descoberta, manipulada, analisada e, por fim, conhecida pela ciência e pelo método científico. Tradicionalmente, o ensino das ciências (Física, Biologia e Química) praticado em grande parte de nossas escolas caracterizou-se por focalizar somente o produto final da atividade científica e não o processo através do qual os cientistas produziram esses conhecimentos. A visão da ciência como um conjunto hierarquizado de informações, repleto de regras, classificações, fórmulas, tabelas e gráficos pouco contextualizados em relação aos fenômenos apresentados, permeia também quase todos os currículos de nossas universidades. Este processo geralmente exclui a reflexão pessoal sobre o material de estudo, as possibilidades de criação pessoal e o uso de uma escrita com autoria. No entanto, inúmeros pesquisadores apontam a importância do entendimento adequado da natureza da ciência para a formação dos alunos, em todos os níveis de ensino. A fim de proporcionar o conhecimento científico e tecnológico à maioria da população escolarizada em nosso país, esses pesquisadores questionam o distanciamento do uso dos modelos e teorias para a compreensão dos fenômenos naturais e a ausência de dinamismo no ensino das ciências – um trabalho didático-pedagógico que favorece a indesejável “ciência morta”. Neste sentido, Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011) propõem aos docentes de ciências, dos três níveis de 705 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 escolaridade, incorporar a ciência no universo das representações sociais para que ela se constitua como cultura. Em oposição consciente à prática da ciência morta, a ação docente buscará construir o entendimento de que o processo de produção do conhecimento que caracteriza a ciência e a tecnologia constitui uma atividade humana, sócio-historicamente determinada, submetida a pressões internas e externas, com processos e resultados ainda pouco acessíveis à maioria das pessoas escolarizadas, e por isso passíveis de uso e compreensão acríticos ou ingênuos; ou seja, é um processo de produção que precisa, por essa maioria, ser apropriado e entendido (p. 34). Cientes de que é necessário mostrar que as ciências não podem ser concebidas como um mero sistema de pensamento, mas, sobretudo, como um complexo fenômeno cultural, de caráter coletivo e composto por instituições, ações e eventos, optamos pela visão epistemológica de Ludwik Fleck (1896-1961) para nortear esta pesquisa. O fato de Fleck pertencer ao campo da medicina, suas ideias relativas ao “estilo de pensamento” e “coletivo de pensamento”, possibilita a utilização de sua epistemologia como fundamento para pesquisa no ensino na área da saúde. Este autor, além de atuar na área médica como clínico e pesquisador, manteve uma importante produção no campo da epistemologia. Em suas considerações a respeito das compreensões e práticas estabelecidas pela ciência médica, Fleck introduz os conceitos de “estilo de pensamento” e “coletivo de pensamento”, afirmando que “o ato de conhecer é uma atividade que está ligada aos condicionantes sociais e culturais do sujeito pertencente a um coletivo de pensamento” (SCHEID; FERRARI; DELIZOICOV, 2011). No livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico, publicado em 1935, Fleck (2010) descreve a progressão do conceito de sífilis e o desenvolvimento da reação de Wassermann, utilizada para o diagnóstico sorológico dessa enfermidade, como meio de conduzir o leitor à compreensão de suas principais categorias: estilo de pensamento, coletivo de pensamento, círculo esotérico e exotérico e formação de pré-ideias ou proto-ideias. O prólogo do livro apresenta uma crítica à visão do fato como algo fixo, permanente e independente da opinião subjetiva do cientista. Já então, Fleck (2010) acentua que a ciência deveria ser entendida como uma atividade historicamente elaborada por coletivos, afirmando que o conhecimento teria origem sócio-histórica. Ao abordar o conhecimento científico Ludwik Fleck opõe-se claramente ao modelo empirista-indutivista, atribuindo ao sujeito um papel ativo. Segundo o autor, a maneira como o sujeito encara o objeto está permeada de questões culturais e sociais que introduz ao conhecimento uma visão de realidade socialmente transmitida, ou seja, "a escolha do 706 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 problema determina a maneira de enxergá-lo na observação do objeto. A ‘verdade’ detectada, portanto, é relativa ao objetivo tencionado do saber” (FLECK, 2010, p. 14). Ter conhecimento científico não se restringe em saber fatos científicos (como a distância da Terra ao Sol, a idade da Terra, as diferenças entre mamíferos e répteis, etc.). Significa entender a natureza da ciência. Para Harres, um dos principais objetivos do ensino de ciências é o de propiciar ao estudante uma visão adequada sobre a natureza da ciência. Afirma o físico: “Um ensino que se preocupe com a natureza da ciência também estará possivelmente, favorecendo que os estudantes construam uma visão mais humana da ciência [...]” (HARRES, 2008, p. 37). Na busca da construção de um conhecimento escolar adequado às necessidades educativas de hoje, consideramos imprescindível levar em consideração as concepções científicas dos Licenciandos do curso de ciências Biológicas uma vez que estas constituem uma autêntica epistemologia sobre o conhecimento escolar que poderá influir em suas futuras escolhas pedagógicas – como, por exemplo, a escolha do livro didático pelo professor. Compreender como interesses de ordem social, política e econômica influenciam dinâmicas de construção do conhecimento e de pesquisa, como preconiza Fleck (2010), poderá contribuir para uma visão menos dogmática sobre o que é a ciência, como e por quem ela é feita. De acordo com os estudos desse autor, possibilitará ligar a produção dos conhecimentos com a conformação dos sistemas sociais nos quais estes conhecimentos são avaliados e utilizados. Este conhecimento deve, pois, ser introduzido em todas as disciplinas – biologia, epistemologia, física, matemática, sociologia, antropologia, e assim por diante. Mesmo que seja impossível estabelecer uma correspondência entre as concepções científicas dos licenciandos e sua conduta em sala de aula ao estudar a concepção sobre ciência do aluno de licenciatura, essa pesquisa colabora com os estudos realizados em torno de sua formação profissional que indicam a necessidade de discussões epistemológicas que poderiam contribuir para a compreensão da complexidade na construção dos fatos científicos, reforçando a ideia de se fazer uma reformulação não apenas na concepção de ciência dos livros didáticos, mas, especialmente, na concepção de ciência dos cursos de formação inicial e continuada de professores (SCHEID; FERRARI; DELIZOICOV, 2011). Assim, a partir da perspectiva abordada, esta pesquisa teve por objetivo caracterizar concepções sobre natureza da ciência construídas por estudantes do último ano (2012) do curso de Licenciatura em ciências Biológicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), campus de Vitória da Conquista. 707 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Aspectos metodológicos da pesquisa O interesse nas concepções sobre a natureza da ciência, de estudantes do último ano do curso de Licenciatura em ciências Biológicas, é justificado pelo fato de que em breve estes serão professores que atuarão, com crianças, adolescentes e adultos, nas escolas da Educação Básica, fundamentando, provavelmente, suas práticas cotidianas nessas concepções. Uma vez que, de acordo com outros estudos, os pontos de vista sobre a natureza da ciência dos professores que ensinam ciências podem afetar a maneira como a ciência é ensinada (SCHEID; FERRARI; DELIZOICOV, 2011). Os dados da pesquisa foram obtidos no período regular de aulas, no decorrer das disciplinas Metodologia e Prática das Ciências Naturais e Metodologia e Prática do Ensino de Biologia, envolvendo, a partir de consentimento prévio, um grupo de 34 estudantes matriculados. As informações foram coletadas a partir das respostas escritas dos alunos à questão “O que você entende por ciência?”. Para a sistematização e posterior análise das respostas foi utilizada a classificação proposta por Abell e Smith (1994), em estudo similar. A partir das respostas dadas à pergunta “O que você entende pelo termo ciência?” (p. 476), as autoras estabeleceram as categorias abaixo que indicam cinco concepções ou definições diferentes para o entendimento sobre a natureza da ciência: 1. A ciência como um processo de descoberta ou exploração (Descoberta); 2. A ciência como um produto, um conjunto de conhecimentos ou ideias a serem estudadas (Conhecimento); 3. A ciência como processo de pesquisa, apontando-se suas etapas (Processo); 4. A ciência como um conjunto de explicações que se relacionam com os “Comos” e os “Por quês” do mundo (Explicações); 5. A ciência como um processo educativo, ou seja, voltado para a educação em ciência (Educação) 1. Em um primeiro momento, cada pesquisador/a fez a leitura do conjunto das respostas dos alunos e procedeu as classificações nas categorias, a partir das características pertinentes a cada uma delas, de acordo com a pesquisa de Abell e Smith (1994). Na sequência, essas classificações foram socializadas, com o propósito de unificar os resultados obtidos de forma individual. Com esse procedimento, foi identificada uma grande 1 A concepção de educação considerada trata da perspectiva do ensino dos professores e do aprendizado de ciências dos alunos em sala de aula e não do fazer ciência dos cientistas. 708 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 quantidade de congruências. As discordâncias foram analisadas objetivando o consenso entre os pesquisadores. Ao final desta etapa, foram identificadas as respostas classificadas em uma única categoria, as respostas classificadas em duas categorias (combinadas) e as respostas não classificadas em quaisquer das cinco categorias. Os achados da pesquisa As sistematizações dos dados obtidos foram realizadas tomando como referência o trabalho de Abell e Smith (1994). Nesta perspectiva, observamos pontos de aproximação nos resultados obtidos nas duas pesquisas, como por exemplo, a maioria das respostas foi classificada em uma única categoria; um menor percentual de respostas em categorias combinadas; um reduzido percentual de respostas sem classificação; nas duas pesquisas, de um modo geral, a ciência é vista como um empreendimento individual, na medida em que os alunos “falham ao perceber os aspectos sociais da ciência” (ABELL; SMITH, 1994). Por outro lado, identificamos pontos não coincidentes nos resultados obtidos. As categorias que ocorreram tanto com maior quanto com menor frequência foram diferenciadas nas duas pesquisas. Além disso, nesta pesquisa não foram identificadas respostas na categoria Educação. Respostas em uma única categoria O maior percentual obtido em uma única categoria foi CONHECIMENTO (cerca de 40%), ao passo que na pesquisa de referência foi DESCOBERTA. Nessa categoria CONHECIMENTO os alunos consideraram a ciência como produto, como um conjunto de ideias a serem estudadas. ciências para mim se refere à gênese do conhecimento. Todas as áreas de conhecimento sejam elas humanas, exatas, agrárias, da saúde, naturais e demais permeiam o campo da ciência, logo com a presença (existência) da mesma as demais não se constituiriam. A segunda resposta e categoria mais frequente foi PROCESSO com aproximadamente 15%, ao passo que na pesquisa de referência foi CONHECIMENTO. Nessa categoria PROCESSO os participantes falam da ciência como observação, experimentação, questionamentos e hipóteses. Usam frequentemente o termo experimentação, muitas vezes associado com exploração. 709 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 ciência é a produção do conhecimento em prol da compreensão do meio em que vivemos e melhoria de vida. É o estudo da vida e a correlação desta com a realidade para capacitar a intervenção de cidadãos em situações do dia-adia de forma a (sic) participativa e construtiva. É a construção de saberes e reconstrução destes a partir das observações e questionamentos que levam a uma tentativa de explicação. Quase 12% dos nossos alunos entendem ciência como EXPLICAÇÃO, ou seja, em suas respostas prevalece a visão dos “comos” e “porques” do mundo. Muito embora a EXPLICAÇÃO seja aqui apresentada como categoria única, em alguns momentos, encontramos dificuldades para a sua distinção em relação à categoria DESCOBERTA. À semelhança do que aconteceu na pesquisa de Abell e Smith (1994), muitas respostas que discutem EXPLICAÇÃO indicam que os alunos pensam que as explicações existem no mundo, e o trabalho dos cientistas é descobri-las. ciência é o estudo de algo que lhe interesse, o cientista é uma pessoa curiosa que tenta desvendar os mistérios que o cerca e a ciência seria o meio pelo qual ele faz isso. A ciência não está restrita as paredes dos centros acadêmicos, qualquer pessoa que tenha curiosidade para saber algo, ou que não se contente com os saberes que lhe são fornecidos pode fazer ciência, pode pesquisar e chegar ou as mesmas conclusões ou descobrir novos saberes. ciência, ao meu ver, é ter sabedoria independente da área, ser acadêmico ou não. ciências é estudar, é descobrir como e porque ocorre e como isto afeta outros objetos. Apenas um aluno (2,9%) apresentou resposta na categoria DESCOBERTA. ciência é um conhecimento que temos sobre o mundo e é através dela que passamos a descobrir novos ambientes, novos animais. Sendo muito importante para nosso desenvolvimento. Finalmente, a ausência de respostas na categoria EDUCAÇÃO constituiu-se em ponto diferencial em relação à pesquisa de Abell e Smith (1994), uma vez que nessa foi encontrado o percentual de 3% de respostas. Respostas combinadas Um total de 26,5% das definições dos nossos alunos apresentaram mais de uma faceta acerca do entendimento do que seja ciência, ao passo que na pesquisa das autoras americanas esse resultado foi de 40%. Nesse caso, as respostas individuais combinaram até três categorias distintas, enquanto que na nossa pesquisa todas as respostas combinadas dos alunos apresentaram duas categorias com o predomínio de CONHECIMENTO E PROCESSO (11,8%). 710 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 É um conjunto de conhecimentos sistematizados que vão muito além do que é passado em sala de aula. ciência para mim, é uma área muito ampla que possibilita aos investigadores conhecer a natureza, o meio no qual o indivíduo está inserido. Vai muito além de fórmulas, cálculos e nomenclaturas. É fazendo ciência que podemos entender quem somos e onde vivemos. Um percentual menor foi observado nas combinações CONHECIMENTO e EXPLICAÇÃO e PROCESSO e EXPLICAÇÃO, ambas com 5,9% das respostas dos alunos. Para a primeira situação, os alunos entendem a ciência como um conjunto de conhecimentos e explicações necessário à compreensão do mundo. A ciência é uma forma de estudar e relacionar diversos fatores, de diversas áreas, a diferentes situações. Para isso a ciência utiliza de métodos para identificar esses fatores e relacioná-los as situações, dessa forma, a ciência é uma forma que utiliza de um método para identificar e explicar uma situação, ou identificar fatores que interferem nessa situação na tentativa de entender a dinâmica do ambiente e dos organismos. Para a combinação PROCESSO e EXPLICAÇÃO as respostas dadas pelos alunos indicam que a ciência é vista como um processo de pesquisa por meio do qual se obtém as explicações a respeito da compreensão do mundo. É o adquirir conhecimento baseado em método científico e que o tempo todo pode ser contestado, aumentando o conhecimento humano de como as coisas funcionam. Para se fazer ciência é preciso muito estudo que pode ser adquirido o conhecimento através da prática. Por último, 2,9% das respostas dos alunos combinaram DESCOBERTA e EXPLICAÇÃO nas suas definições de ciência, na perspectiva de um mundo preexistente pronto para ser descoberto e compreendido. A resposta dos alunos classificadas como categorias combinadas (Quadro 3) reforçou o predomínio da compreensão de ciências como CONHECIMENTO e PROCESSO, uma vez que elevou a frequência relativa das respostas classificadas em cada uma dessas categorias para 17,7%. Dialogando com os achados De maneira geral, nesta investigação, os alunos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas retratam a ciência como uma busca individualista e não se percebem como sujeitos na construção de conhecimentos para entender o mundo, enxergando a ciência como uma coleção de fatos preexistentes. 711 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 [...] ciência para mim, é uma área muito ampla que possibilita aos investigadores conhecer a natureza, o meio no qual o indivíduo está inserido. Para mim ciência é o estudo dos seres vivos e de tudo que tem relação com os seres vivos. Ela engloba tudo que faz parte da natureza e do planeta. [...] Assim, o estudo identificou no grupo de alunos pesquisado, considerando o referencial epistemológico fleckiano, a prevalência de um “estilo de pensamento” característico de um “coletivo de pensamento” ainda predominante no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UESB. Isto pode ser evidenciado no maior percentual de respostas dos alunos, combinadas ou não, na categoria CONHECIMENTO. Para um pequeno grupo de alunos, cerca de 6%, a ciência é vista como um empreendimento social condicionada ao olhar do sujeito, comportando erros e acertos, característicos do agir humano. A ciência é uma construção humana, proveniente da relação do humano com a natureza e com os seus semelhantes. Forma-se primeiramente do olhar sobre o objeto, e fundamenta-se no exercício do pensamento do sujeito observador. Por isso é que é uma construção humana, e ainda subjetiva, mesmo com o intuito de descrever objetivamente os fenômenos. Além disso, é dinâmica em suas concepções, tendo, a cada período histórico, uma “cara” diferente, sendo até as verdades, diferentes em cada período. Isso significa ainda que a ciência é um processo de construção de um conhecimento, influenciado pela história e concepções filosóficas de cada período de tempo, podendo sempre ser modificada. Não é um produto completo e acabado. A ciência no decorrer da história, foi alterando-se conforme as características econômicas, sociais vigentes em determinada época. Atualmente o conceito de ciência visa um conhecimento holístico e não fragmentado, como ocorria no positivismo. No entanto, para a maioria do grupo pesquisado prevalece a ideia de que só o conhecimento científico é capaz de perceber, compreender e decodificar todos os fenômenos da natureza. ciência é o conjunto de conhecimentos que tem como objetivo entender a natureza, [...] ciência é um modo de investigação de algum processo ou fenômeno que envolvem fatores bióticos e/ou abióticos. ciência é um conhecimento que abarca vários sistemas sendo um conjunto de verdades gerais que de algum modo pode de ser comprovada [...] ciência é a forma de estudo pelo qual o ser humano utiliza pra compreender todos os aspectos da vida e tudo que o cerca. [...] 712 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 ciência é o estudo de quase todas as coisas, visto que a ciência procura compreender todos os fenômenos que ocorrem, utilizando sempre que experiências para que haja a confirmação daquele fato. Outra característica presente nas respostas da maioria dos alunos é o entendimento da ciência como um empreendimento que, por não explicitar os fracassos, controvérsias, negociações e dilemas presentes no processo do fazer científico, apresentaria resultados esperados, prevalecendo assim a visão do progresso histórico na ciência. A construção do conhecimento científico envolve várias etapas, e é conseguido de forma progressiva e inacabável. ciência é um mecanismo pelo qual se estuda os diversos meios, levando assim tudo a uma explicação lógica, comprovada. Já que para o cientista tudo tem um cunho científico, ou seja, a questão pode ser testada e provada, e algo que não se pode provar cientificamente não tem valor real. ciência é uma área que estuda os fatos, como eles acontecem, ela tenta responder questões que para nós seres humanos vai nos ajudar a entender o mundo em que vivemos. Considerações Finais Entre os estudantes que participaram da pesquisa, observou-se que ciência não é retratada como construção, mas como conhecimento dado, pronto. Outro aspecto levantado pelos alunos coloca a ciência envolvida pela aura da neutralidade, ignorando a relação entre o sujeito, o objeto e o estado do conhecimento (SCHEID, 2007). Essas opiniões expressam uma visão do conhecimento científico como absoluto e como se o trabalho dos cientistas se resumisse ao objetivo de descobrir leis naturais e verdades. Essa concepção de ciência poderá ter repercussões na forma como esses estudantes ensinarão, futuramente, temas polêmicos da Biologia, a exemplo, daqueles relacionados à Biologia Molecular. A compreensão das ideias de Fleck (1986) sobre a construção do conhecimento pode trazer contribuições ao processo ensino-aprendizagem de Biologia (Idem, 2007). Consideramos que em função das características da investigação proposta, pode-se contribuir com o incremento nas pesquisas e reflexões a respeito das questões culturais e do debate acerca da natureza do conhecimento científico e suas implicações nos cursos de formação de professores, em especial no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, inicialmente, na perspectiva de favorecer a ampliação da diversidade temática na elaboração de trabalhos de conclusão de curso na graduação e na pós-graduação. 713 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Desfazer o equívoco de uma ciência abstrata, impessoal, neutra e objetiva, refletindo acerca das implicações do sujeito no conhecimento e, por consequência, a implicação do autor na narrativa, em busca de uma ciência da inteireza, é lançar bases para uma educação que facilite a inteireza do sujeito como proposto por Conceição Almeida (2012). 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