UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
CENTRO DE ESTUDOS EM PÓS-GRADUAÇÃO QUALITTAS
CURSO DE HIGIENE E INSPEÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL
A QUALIDADE DO GELO UTILIZADO NA
CONSERVAÇÃO DOS PESCADOS E SUA IMPORTÂNCIA PARA A
QUALIDADE DO PESCADO: ESTUDO DE REVISÃO
Ana Cristina Souza Pereira
São Paulo, jun. 2009
ANA CRISTINA SOUZA PEREIRA
Aluna do Curso de Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal
A QUALIDADE DO GELO UTILIZADO NA
CONSERVAÇÃO DOS PESCADOS E SUA IMPORTÂNCIA PARA A
QUALIDADE DO PESCADO: ESTUDO DE REVISÃO
Trabalho monográfico apresentado para a
conclusão do Curso de Especialização Latu
sensu em Higiene e Inspeção de Produtos de
Origem Animal pela Universidade Castelo
Branco, sob a orientação do Prof. Dr. Zander
Barreto de Miranda
São Paulo, jun. 2009
A QUALIDADE DO GELO UTILIZADO NA
CONSERVAÇÃO DOS PESCADOS E SUA IMPORTÂNCIA PARA A
QUALIDADE DO PESCADO: ESTUDO DE REVISÃO
Elaborado por Ana Cristina Souza Pereira
Aluna do Curso de Pós-Graduação em Higiene e Inspeção de Produtos de Origem
Animal do Instituto Qualittas
Foi analisado e aprovado com grau:...........
São Paulo, _____ de _______________ de __________.
______________________________________________
Prof. Orientador Dr. Zander Barreto de Miranda
São Paulo, jun. 2009
Resumo
PEREIRA, Ana Cristina Souza
A qualidade do gelo utilizado na conservação dos pescados e sua importância para a
qualidade do pescado: estudo de revisão.
Este trabalho teve por objetivo realizar uma revisão de alguns estudos sobre a qualidade
do gelo utilizado na conservação do pescado no comércio e a possibilidade de ser uma
fonte de contaminação para o pescado levando-o a ser um importante veiculador de
agentes patogênicos, responsáveis por diversas enfermidades no homem. Realizou-se
abordagem teórica a partir de fontes bibliográficas publicadas, entre outras fontes sobre o
tema em questão, abordando aspectos como a alta perecibilidade do pescado, sua
importância na alimentação, o papel do manipulador, agentes patogênicos e a ação dos
órgãos competentes. Concluiu-se então que o gelo é muito importante para a manutenção
da qualidade do pescado, pois é empregado logo após a captura, até a comercialização,
porém este deve ser utilizado em proporções adequadas e de boa qualidade, pois a água
utilizada para a sua fabricação pode estar contaminada, a higiene dos manipuladores e das
superfícies usadas em toda cadeia produtiva tem grande importância na possível
contaminação dos pescados, pois são carreadores de patógenos. Esta contaminação pode
levar riscos à saúde do consumidor, levando-o à morte, sendo assim, a higiene e a
manipulação do pescado deve ser melhorada e também os manipuladores devem ser
educados quanto aos riscos de contaminação e das boas práticas de manipulação.
Palavras-chave: pescado, gelo, conservação, contaminação, manipuladores.
Abstract
PEREIRA, Ana Cristina Souza
The quality of the ice used in the conservation of fished and the importance of ice in the
quality of fished: a study of revision.
This work had for objective to carry through a revision of some studies on the quality of
the ice used in the conservation of fished in the commerce and the possibility of being a
source of contamination for the fished one being taken it to be an important disseminator
of pathogens, responsible agents for diverse diseases in the man. Theoretical boarding from
published bibliographical sources was become fullfilled, among others sources on the
subject in question, approaching aspects as the high perish of the fished one, its importance
in the feeding, the pathogenic paper of the manipulator, agents and the action of the
competent agencies. It was concluded then that the ice is very important for the
maintenance of the quality of the fished one, therefore is used after the capture soon, until
the commercialization, however this must be used in adequate ratios and of good quality,
therefore the water used for its manufacture can be contaminated, the hygiene of the
manipulators and of the used surfaces in all productive chain it has great importance in the
possible contamination of the fished ones, therefore they are carriers of pathogens. This
contamination can take risks to the health of the consumer, taking it the death, being thus,
the hygiene and the manipulation of the fished one must be improved and also the
manipulators must be educated how much to the good risks of contamination and the
practical ones of manipulation.
Word-key: fished, ice, conservation, contamination, manipulators.
SUMÁRIO
Página
Resumo..............................................................................................................................
iii
Abstract.............................................................................................................................. iv
Índice.................................................................................................................................
v
Parte
1. Introdução......................................................................................................................
1
2. Revisão de Literatura.....................................................................................................
3
2.1. A Importância do peixe na alimentação humana
2.2. Perecibilidade dos peixes e ações dos órgãos competentes
2.3. Microrganismos encontrados no pescado
2.4. A relação da manipulação e comercialização do pescado com a contaminação por
microrganismos
2.5. O gelo e sua função na conservação do pescado
3. Conclusões..................................................................................................................... 29
Referências Bibliográficas................................................................................................ 31
1 Introdução
Apesar das reconhecidas vantagens do pescado na alimentação, no Brasil o
hábito de consumo ainda está abaixo das expectativas. Além disso, a indústria pesqueira
padece de sérias dificuldades para manter-se e enfrentar a concorrência de outros países,
até do próprio continente sul-americano. Mesmo sendo possuidor de uma extensão de costa
litorânea invejável, corre-se o risco de ver o país importar peixes de outros países,
principalmente do continente asiático, onde proliferam inúmeros agentes de doença
importantes, ainda exóticos no Brasil (GERMANO et al., 1998)
BARUFFALDI e OLIVEIRA (1998) consideram como pescados os animais
que vivem em água doce ou salgada, compreendendo peixes, crustáceos, moluscos,
anfíbios, quelônios e alguns mamíferos. Geralmente são caracterizados como frescos,
recebendo, no entanto, proteção de gelo. As formas externas dessas espécies se diferem
muito, tendo grande importância na escolha dos equipamentos para pesca, estocagem a
bordo e processamento na indústria.
Por ser um alimento de fácil decomposição, exige cuidados especiais,
notadamente os relacionados com a conservação pelo frio (CONNELL, 1988: LEDERER,
1991). Do mesmo modo, está sujeito à contaminação pelos mais variados
microorganismos, adquiridos já no ambiente aquático, ou durante as diferentes etapas de
captura, transporte e distribuição (CONSTANTINIDO, 1994; ZICAN, 1994). Como uma
gama de microrganismos contaminantes é transmitida ao homem através da ingestão de
pescado cru ou insuficiente cozido, não é aconselhável servir peixe cru, notadamente, no
âmbito dos estabelecimentos de refeições coletivas industriais (CATSARAS & ROSSET,
1993).
Após a sua morte por asfixia, o peixe inicia imediatamente o processo de
decomposição provocado por uma série de alterações físicas, químicas e biológicas, o qual
não pode ser interrompido, apenas pode-se reduzir a sua velocidade. Sendo assim, o
pescado exige muitos cuidados especiais em relação ao seu manuseio, desde a captura,
transporte até a comercialização. Um dos cuidados mais importantes é mantê-lo sempre em
cadeia fria em todo o processo, inclusive no ponto de venda. Sabendo-se que o gelo é um
produto muito utilizado para manter a cadeia fria, é imprescindível conhecer as condições
higiênicas do mesmo, pois este pode ser a principal fonte de contaminação do pescado por
microrganismos, comprometendo assim a saúde do consumidor. É importante também
conhecer as medidas que os órgãos competentes tomam para garantir a qualidade do
pescado, pois no comércio varejista, nem sempre as condições higiênicas estão de acordo
com essas normas.
A presente pesquisa tem como objetivo realizar a revisão bibliográfica
relacionada à qualidade do gelo utilizado na conservação do peixe no comércio como
possível veiculador de patógenos, representando, desta forma, uma importante via de
infecção para o ser humano.
2 Revisão de Literatura
2.1 A Importância do Peixe na Alimentação Humana
O pescado constitui alimento de origem animal de fácil digestibilidade, com
teor satisfatório em proteínas, gorduras insaturadas, vitaminas e minerais (LEDERER,
1991). É um produto que pode ser indicado para pessoas de qualquer idade, principalmente
crianças, adolescentes e idosos. Tem sua indicação, também, recomendada para pacientes
convalescentes. (GERMANO et al., 1998)
LEDERER (1991) afirma que em nutrição humana, o peixe constitui fonte
de proteínas de alto valor biológico, tão importante quanto à carne bovina. Em muitos
países, principalmente da Europa e da Ásia, é a proteína de origem animal mais
consumido. O teor protéico das diferentes espécies de peixes varia de 15% a 20%.
É altamente indicado para prevenir o ateroma (FERRETTI et al., 1994),
particularmente nos países onde as taxas de infarto do miocárdio são elevadas, devido à
elevada ingestão de gordura animal procedimento de mamíferos; a substituição pelos
peixes classificados como gordos seria extremamente benéfica (LEDERER, 1991).
Constitui, ainda, fonte importante de vitaminas A e D, principalmente a partir do óleo de
fígado de bacalhau ou da ingestão da carne dos peixes gordos (LEDERER, 1991).
Segundo GERMANO (2001), a produção de pescados na indústria brasileira
vem passando por um processo difícil, luta-se pela criação do Ministério da Pesca para se
ocupar dos problemas do setor. A atividade pesqueira no país necessita de reformulações
urgentes, envolvendo racionalização dos processos de captura, do manuseio até a
comercialização. Em comparação com os outros países sul-americanos, o Brasil tem sido
ultrapassado nos últimos anos, em termos de produção, e constitui um dos grandes
importadores de pescado no mercado internacional.
Considera ainda o autor que, nos últimos anos, tem-se observado uma
mudança na nutrição do consumidor e a oferta de pescado de qualidade, no mercado
interno, causando redirecionamento do consumo, em especial devido às novas formas de
preparo do pescado, diferentemente da versão enlatada.
O valor calórico dos peixes como alimento depende do teor de gordura. O
mesmo autor registra da seguinte forma os índices: peixes magros, com menos de 1% de
gordura (bacalhau (0,14%), carpa (0,5%), pescada (0,6%), truta (0,7%), linguado (0,8%) e
outros); peixes meio gordos, com 7% a 8% de gordura (salmão, arenque, cavala, congro e
outros); e peixes gordos, com mais de 15% de gordura (atum, enguia e outros).
Considerando que 100 g de peixe, por exemplo, contem 80 calorias,
enquanto que a mesma quantidade de carne bovina magra representa 210 calorias para esta
mesma quantidade, os valores das proteínas são, respectivamente, 16 e 18 calorias. Devido
à quantidade mínima de tecido conjuntivo, os peixes são de alta digestibilidade, a qual
apresenta relação inversa com o teor de gordura, ou seja, os peixes considerados como
magros são os mais digestíveis. Por outro lado, contêm quantidade significativa fósforo
(250g/100g de tecido), e de iodo (peixes de mar); pouco cálcio e ferro. Nos peixes com
teores de gordura acima de 15%, são encontrados níveis elevados de vitaminas A e D na
musculatura (carne); nos demais, a concentração é sempre elevada no fígado. (LEDERER,
1991)
Alerta ainda o autor que, apesar de a carne conter quantidades apreciáveis
de vitamina B1, apenas nos peixes muito frescos é possível aproveitá-la, pois a tiaminase,
presente na musculatura, cinde rapidamente a B1 em piridina e em tiazol.
Segundo VIEIRA et al. (2000), esta fonte protéica merece destaque por
conter cerca de 21% a mais de aminoácidos essenciais do que a carne bovina.
De acordo com VIEIRA et al. (2003), o pescado é comercializado
geralmente cru e congelado, pois esse processo é menos dispendioso. Poucas indústrias
brasileiras enlatam o pescado, ocorrendo mais no Sul do Brasil com atuns e sardinhas. O
Nordeste comercializa o pescado em filé ou inteiro, congelado.
2.2 Perecibilidade dos Peixes e Ações dos Órgãos Competentes
A manipulação assume importância capital para a qualidade higiênicosanitária do pescado, seja como matéria-prima ou produto industrializado. Nos
estabelecimentos de refeições coletivas, os cuidados começam com a origem e procedência
do produto, passam pela conservação e o modo de preparo, até culminar com a distribuição
do alimento aos comensais. Nestes locais, os pontos críticos devem ser identificados e
monitorados constantemente, utilizando-se, sempre que possível, provas laboratoriais para
identificação e confirmação de contaminações (GERMANO et al. 1998)
O controle da qualidade do pescado inicia-se com a inspeção sanitária da
matéria-prima, estendendo-se aos entrepostos e sistema de transporte, atingindo por último
as indústrias processadoras (MARQUES et al., 1995).
SILVA (1994) afirma que, no âmbito do comércio varejista, o pescado
integra o grupo dos alimentos altamente perecíveis, e como tal, as ações da vigilância
sanitária são de extrema importância para assegurar aos consumidores produtos com boa
qualidade higiênico-sanitária. Assim, a vigilância sanitária atua no âmbito do comércio
varejista, venda ao público, e ao nível dos estabelecimentos de refeições coletivas de
alimentos, zelando pela qualidade higiênico-sanitária dos produtos colocados à disposição
dos consumidores.
A perecibilidade do pescado fresco pode ser explicada devido à ação de
enzimas autolíticas, ou seja, do próprio pescado, e pela relação menos ácida de sua carne,
que favorece o crescimento microbiano. Também a maioria da gordura dos peixes mostra
maior susceptibilidade à deterioração pela rancidez, devido principalmente à elevada
insaturação de seus lípides. O pescado capturado sofre uma série de transformações
bioquímicas, inicialmente associada com a degradação de vários compostos presentes na
carne e conseqüente ocorrência do rigor mortis. Nessa etapa, prevalecem as condições de
anaerobiose, isto é, a falta de oxigênio, e ocorre a formação de ácido láctico, causando
abaixamento do pH do músculo entre 6,0 a 6,5. Tal redução do pH parece influenciar as
reações enzimáticas e a deterioração microbiana. Sendo assim, o prazo de validade do
pescado é determinado pelas reações enzimáticas e pelo número de espécies de
microrganismos presentes, fatores estes dependentes de sua microbiota natural e pelo modo
de manuseio, desde sua captura até a estocagem, ou seja, os fatores relacionados com as
boas práticas de manipulação ou fabricação. Outro fator determinante do prazo de validade
do pescado é a temperatura de estocagem, que envolve as diversas etapas de obtenção do
produto, desde a temperatura após a captura ou despesca, a demora na refrigeração, as
flutuações na temperatura de estocagem e a temperatura final no varejo. É fundamental
que, a partir da captura ou despesca do pescado, sejam adotadas medidas para reduzir ao
mínimo a ação desses fatores, visando à obtenção de um produto final em condições
adequadas de consumo. Um exemplo de adoção dessas medidas é a utilização do choque
térmico no momento do abate, pois a redução de temperatura no interior da carne, pela
ação da água com gelo, é consideravelmente mais efetiva e rápida, quando comparada à
ação apenas do gelo. A lavagem da superfície do pescado com água limpa e tratada é outro
fator que pode auxiliar na redução da carga microbiana originalmente presente, diminuindo
a viscosidade, fragmentos de vísceras e outras sujidades que contribuem para o aumento da
carga microbiana superficial do pescado e aceleram sua deterioração. De uma maneira
geral, o fenômeno do rigor mortis tem início até 5 horas após a morte, cessando em torno
de 30 horas após o início, quando o peixe é armazenado adequadamente sob refrigeração.
Tecnologicamente, é importante retardar o aparecimento do rigor mortis, pois se acredita
que a maioria dos fenômenos relacionados com a deterioração somente acentua-se após seu
término. Devido à alta perecibilidade do pescado, métodos alternativos de conservação são
muito importantes. O tipo de conservação utilizada irá definir o prazo de validade ou o
tempo de conservação do produto. Entretanto, essa conservação deve ser tal que o alimento
conserve ao máximo suas qualidades sensoriais e nutritivas, como também sua seguridade
de consumo. (OGAWA et al., 1999)
Afirmam ainda os autores que, para iniciar um processamento de pescado, é
necessária a adoção de um sistema eficiente de garantia de qualidade, de modo a propiciar
uma utilização mais condizente das matérias-primas procedentes da piscicultura ou
captura, através do emprego de uma estratégia de caráter preventivo, como por exemplo, o
Sistema APPCC (Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controle).
De acordo com o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de
Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura (1997a), em seu Artigo 439, o
pescado, em natureza, pode ser: fresco, resfriado ou congelado. Entende-se por "fresco" o
pescado dado ao consumo sem ter sofrido qualquer processo de conservação, a não ser a
ação do gelo. Entende-se por "resfriado" o pescado devidamente acondicionado em gelo e
mantido em temperatura entre -0,5º e -2ºC. Por "congelado" entende-se por pescado tratado
por processos adequados de congelamento, em temperatura não superior a -25º C.
A fiscalização da Vigilância Sanitária é exercida nos estabelecimentos que
comercializam a matéria prima in natura ou produtos industrializados - mercados
municipais, supermercados, peixarias, feiras-livres entre outros. Compete, ainda, à
Vigilância Sanitária fiscalizar os estabelecimentos fornecedores de refeições coletivas,
comerciais e industriais (GERMANO et al., 1998). Segundo NUNES (1994), no comércio,
a fiscalização deve estar atenta para as características externas do pescado que refletem
qualidade do produto, a seguir descritas:
Análise das características externas:
· Consistência: musculatura resistente, ventre cilíndrico sem alterações
ou flacidez, e as aberturas naturais devem se apresentar bem vedadas.
· A pele apresenta coloração variada e brilhante, de acordo com a
espécie considerada; as escamas devem ser brilhantes e estar bem aderidas; as guelras
úmidas e intactas. Contudo, deve-se atentar para o fato de que peixes de tonalidades
delicadas podem sofrer descoloração em contato com o gelo, sem que isto represente
qualquer tipo de decomposição.
· O reconhecimento das brânquias é muito importante percebem-se ao
levantar-se o opérculo.
Devem se apresentar vermelhas, de tonalidade variável, mais ou menos
intensa, mas sempre brilhantes. Lâminas branquiais são visíveis e diferenciáveis.
· Os olhos devem ser brilhantes e vivos, preenchendo a órbita por
completo. Córnea clara, transparente, e lustrosa, íris cor de rosa amarelado e cristalino
transparente. Embora estes parâmetros sejam comuns para a maioria dos peixes, algumas
espécies podem apresentar discrepâncias não relacionadas com decomposição.
· O odor do pescado fresco é peculiar, não incomoda nem causa mal
estar. Porém quando em fase de decomposição o odor torna-se forte e intenso - repugnante.
Análise de características internas:
· Corte ao longo da região ventral: os músculos devem ser consistentes,
sulcados por vasos sangüíneos que se destacam; vísceras abdominais limpas e
perfeitamente diferenciadas.
· Corte longitudinal da região dorsal: a espinha dorsal deve apresentar
cor branca por igual, com gotas de sangue fresco.
Segundo GERMANO et al. (1998), a ação do Serviço de Inspeção inicia-se
no momento em que os barcos pesqueiros fazem o descarregamento. Todos os aspectos
devem ser avaliados pelos profissionais da inspeção, a fim de assegurar as boas condições
higiênico-sanitárias dos peixes. Um dos pontos mais importantes a ser considerado é o que
se refere à procedência do pescado, pois a mesma está relacionada diretamente com os
níveis de contaminação das águas: pesca em mar alto ou costeiro, em rios, em lagos ou em
reservatórios. É importante considerar também as técnicas de pesca, uma vez que a
qualidade do pescado depende das práticas utilizadas. Nesta etapa são avaliadas as
alterações observáveis macroscopicamente, como decomposição, esmagamento e lesões
provenientes dos mais variáveis tipos de enfermidades.
O pescado considerado em condições satisfatórias é destinado para os
entrepostos, para posterior distribuição; daí segue ou para o comércio varejista ou para os
diferentes tipos de indústrias. O transporte é uma etapa importante e deve ser realizado em
caminhões frigoríficos. Em todas estas fases, a inspeção faz-se presente, assegurado,
principalmente, que a cadeia do frio, indispensável para a conservação do pescado, seja
mantida com rigor (CONNELL, 1998; LEDERER, 1991 e ZICAN, 1994). Essas ações
anteriormente citadas são complementadas, através do apoio laboratorial, com vistas à
realização de análises que certifiquem a qualidade do pescado (GERMANO et al., 1988)
De acordo com o MINISTÉRIO DA SAÚDE (1987), os parâmetros
microbiológicos adotados para o pescado in natura compreendem a contagem de
coliformes fecais, Staphylococcus aureus, Vibrio parahaemolyticus e pesquisa de
Salmonella em 25 g de amostra. A colheita de amostras é efetuada de acordo com os
princípios dos programas de Análise de Perigos por Pontos Críticos de Controle (APPCC),
aplicados no processamento do pescado.
No pescado in natura, HEALY et al. (1984), concluíram que as análises
microscópicas são recomendadas para a pesquisa de formas parasitárias e alterações
histopatológicas que comprometam a integridade do peixe como alimento.
O
MINISTÉRIO
DA
AGRICULTURA,
PECUÁRIA
E
ABASTECIMENTO (1981) adverte que os exames laboratoriais efetuados no pescado
devem estar relacionados aos parâmetros de qualidade previstos na legislação, os quais
podem ser englobados em físico-químicos, microbiológicos e microscópicos, além das
características toxicológicas. Os exames físico-químicos incluem as provas de avaliação do
estado de conservação do pescado, como pH, reação de gás sulfídrico e bases voláteis
totais.
2.3 Microrganismos Encontrados no Pescado
A musculatura interna dos peixes vivos e saudáveis é considerada
bacteriologicamente estéril, porém, é possível encontrar uma grande concentração de
microrganismos no intestino (103 -108 UFC/g), brânquias (103 -106 UFC/g), pele e muco
superficial (variando de 100 a milhões por cm2). O número e o tipo de microrganismos
encontrados variam de acordo com o local da pesca (qualidade da água, salinidade, etc.) a
temperatura da água, a sazonalidade e o método de captura (NICKELSON et al., 2001).
O prazo de validade dos peixes é determinado pela qualidade e o tipo de
bactérias presentes, bem como pela temperatura empregada no armazenamento dos
mesmos (NICKELSON et al., 2001). LISTON (1980) afirma que a quantidade de bactérias
encontrada no pescado em processo de deterioração é alta, porém, apenas uma parte pode
ser denominada de bactérias especificamente deteriorantes. A microbiota responsável pela
deterioração em peixes frescos varia com as mudanças na temperatura de armazenamento.
Em peixes refrigerados (0-5ºC), Shewanella putrefaciens, Photobacterium phosphoreum,
Aeromonas spp., e Pseudomonas spp. são as principais bactérias relacionadas com a
deterioração (HUSS, 1995).
Após a captura, nos peixes tropicais mantidos sob refrigeração, o
crescimento bacteriano passa por um período de latência ou fase “lag”, que perdura por
uma ou duas semanas, antes que a faze exponencial seja atingida. A composição da
microbiota também é muito alterada durante a estocagem, assim, sob resfriamento em meio
aeróbico a microbiota dos peixes tropicais é composta basicamente por Pseudomonas spp e
P. putrefaciens, após uma ou duas semanas. Ambas são consideradas como bactérias
especificamente deteriorantes de peixes armazenados sob refrigeração (HUSS, 1995).
LEITÃO (1988), afirma que o período de armazenamento em gelo do
pescado de origem tropical é maior que aqueles que se originam em águas temperadas. Isto
ocorre porque sua microbiota é caracteristicamente composta por bactérias mesofílicas que
apresentam reduzida capacidade de multiplicação em temperaturas de refrigeração e menor
aptidão para produção de compostos de degradação. Outro fator relevante é que em
temperaturas tropicais a ação da água de degelo durante o armazenamento realiza a
lavagem dos peixes, contribuindo para o aumento do período de armazenamento.
A contagem de coliformes totais não possui índices estabelecidos pela
Legislação Brasileira relacionado ao pescado cru fresco ou refrigerado, o que impossibilita
a comparação com padrões adotados pelos órgãos nacionais de inspeção e controle desse
alimento. Com o propósito de avaliar as qualidades higiênico sanitárias e microbiológicas
dos peixes adquiridos na Grande São Paulo, ÁLVARES et al.(2008) analisaram 88
amostras de peixes do tipo pescada e atum provenientes de três estabelecimentos
comerciais (feira-livre, supermercados e CEAGESP), na condição de consumidores. As
amostras foram analisadas de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde para
avaliação microbiológica dos produtos adquiridos. Os resultados obtidos nas análises
microbiológicas de coliformes fecais foram de 79,6% de amostras contaminadas; os que se
encontravam fora do padrão exigido pela legislação foram de 57,1%, 50,0% e 50,0% nos
estabelecimentos CEAGESP, supermercado e feira-livre respectivamente. A presença de
Escherichia coli foi de 48,9% sendo 56,3% no CEAGESP, 50,0% nas feiras livres e 44,4%
nos supermercados. Foi registrada a presença de Enterobacter sp numa freqüência de
18,2%.
A presença de Enterobacter sp no pescado está relacionada com a qualidade
da água, principalmente do gelo utilizado na conservação e com os procedimentos póscaptura, visto que este microrganismo representa cerca de 10% da microbiota intestinal de
seres humanos e animais (GERMANO et al., 1998; GERMANO et al., 1993).
De acordo com AGNESE et al., (2001) a Escherichia coli, por não fazer
parte da microbiota normal do pescado, pode estar associada à contaminação fecal do local
onde esse pescado foi capturado, ao transporte e manuseio, incluindo vasilhame, gelo
utilizado e outros materiais que tenham entrado em contato com o pescado fresco e,
portanto, sua presença indica condições higiênicas insatisfatórias.
FELDHUSEN (2000) e HUSS (2000) afirmam que microrganismos
patogênicos como Vibrio sp., Salmonella sp., Listeria monocytogenes, Bacillus cereus,
Staphylococcus aureus e Clostridium perfringens, podem ser encontrados em pescados e
produtos de pesca. Nos seres humanos, esses microrganismos causam gastroenterite aguda
caracterizada por quadro disentérico, principalmente após consumo de peixe in natura,
mariscos, camarões e ostras. (LIMA, 1997).
Inúmeros casos com isolamento do agente Vibrio foram registrados nas
regiões litorâneas do sul de São Paulo, Cananéia, do norte do Paraná e nas zonas de pesca
da Grande Florianópolis (GERMANO et al. 1993). O Vibrio cholerae, de origem humana,
atinge as águas do mar, rios e lagos através do despejo de esgotos e, do ponto de vista de
saúde pública, é de suma importância, pois além de ser responsável por verdadeiras
pandemias, pode se apresentar com mortalidade elevada, na dependência da população a
acometida (GERMANO et al., 1998).
Para NUNES (1994), merecem destaque as bactérias do gênero Salmonella
(tanto as de origem humana, S. typhi e S. paratyphi, quanto às de origem animal, bem
como as Shigella spp, todas elas encontradas em águas poluídas por esgotos ou por
excretos animais) como conseqüência direta da manipulação inadequada.
GERMANO et al. (1993); DAMS et al. (1994) e CARDONHA et al. (1994),
apontam que os Streptococcus sp e o Staphylococcus aureus (presentes nas mucosas e
superfície da pele humana), encontram no pescado um ambiente favorável para sua
multiplicação.
GERMANO et al. (1993) mostram outro microorganismo importante, o
Proteus morgagnii, que integra 0,1% a 1% de toda a flora superficial do pescado. A
contaminação por esta bactéria pode levar à formação de histamina por descarboxilação da
histidina em peixes de carne vermelha, como o atum, cavalinha e arenque.
A ingestão de pescado nestas condições pode resultar em intoxicação com
sintomas nervosos devido à estimulação vagal, a partir da ingestão de 100mg de
histamina/100 g de peixe. Inúmeros agentes bacterianos podem, ainda, contaminar o
pescado e causar riscos à saúde. Assim, cepas psicrotrópicas de Bacillus cereus produzem
enterotoxina nos preparados de peixe, sobretudo em pH superior a 6,0, acarretando surtos
caracterizados por diarréia. (GERMANO et al. (1993) e ADAMS et al.(1994))
Ainda GERMANO et al. (1993); CARDONHA et al. (1994) e NUNES
(1994) afirmam que o Clostridium perfringens tipo C pode causar enterite necrótica. Os
Clostrídios sulfito redutores, Klebsyela sp, Citrobacter sp, Enterobacter sp, Yersinia
enterocolítica, Escherichia coli, Pseudomonas sp, Aeromonas sp, Alcaligenes sp,
Flavobacterium sp, enterococos e coliformes fecais, podem ser encontrados nos peixes
frescos ou congelados, nos frutos do mar e nos produtos industrializados. A maioria destes
microorganismos está relacionada com a qualidade da água, principalmente do gelo
utilizado na conservação, e/ou com os procedimentos pós-captura.
2.4 A Relação da Manipulação e Comercialização do Pescado com a Contaminação
por Microrganismos
No aspecto de contaminação, FELDHUSEN (2000) e VIEIRA et al. (1998)
afirmam que tanto a higiene dos manipuladores como das superfícies usadas na
manipulação e armazenamento, tais como mesas, utensílios, caixas plásticas de
armazenagem e bancadas, são determinantes da qualidade microbiológica do pescado.
A comercialização é, sem dúvida, o elo mais complexo da cadeia produtiva,
pois é aí que o preço de compra ao produtor multiplica-se, por até 20 vezes, até chegar ao
consumidor final. O preço baixo pago ao produtor deve-se, em parte, ao fato de tratar-se de
um produto altamente perecível, que precisa se comercializado rapidamente, tendo,
inclusive, o produtor a necessidade de liberar o barco para armá-lo para outra pescaria. O
aumento da oferta costuma aviltar os preços em nível de primeira venda.
Na cidade de São Paulo é raro encontrar estabelecimentos comerciais
dedicados à venda de pescado (peixarias). Em geral, a população serve-se nas feiras livres
e mercados municipais e, mais recentemente, nos sacolões e lojas em área de mercado,
dentro de shoppings. (GERMANO et al. 1998)
STEVENS et al. (1993) afirmam que a higienização da área de manipulação
é importante por ser um ponto crítico para a contaminação de alimentos, uma vez que
microrganismos que permaneçam na superfície depois da limpeza, são potenciais
contaminadores. Neste aspecto, HOLAH et al. (1990) e FRANK et al. (1997) apostam que
superfícies plásticas são favoráveis à adesão de microrganismos devido à porosidade do
material, enquanto que materiais como o vidro e o aço inoxidável permitem uma
higienização eficiente.
Segundo CONNELL (1988), o congelamento é uma prática importante, pois
inibe parcial ou totalmente, a ação prejudicial dos microorganismos e das enzimas. Porém,
sua adequada utilização depende do tipo de pescado e temperaturas baixas prolongadas
podem causar alterações marcantes no sabor e na cor de peixes e frutos do mar.
Podemos encontrar o peixe em supermercados, mercados municipais, feiras
livres, peixarias, na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo
(CEAGESP) e até em barracas de rua.
A primeira vez que se discutiu o problema de comercialização do pescado
no Brasil foi em 1980, na Feira Nacional da Pesca, promovida pela Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE). A conclusão após os debates foi que a feira livre
não é o melhor endereço para o escoamento de um produto que se deteriora com tanta
facilidade, uma vez que as autoridades sanitárias denunciaram a má qualidade do peixe
vendido nas ruas de São Paulo pelas 180 barracas de feira e 1.200 marreteiros de esquina.
A
Vigilância Sanitária
também
fiscaliza
os
estabelecimentos de
comercialização do pescado. Há normas a serem seguidas pelos comerciantes, com relação
às vestimentas, utensílios utilizados, transporte, acondicionamento, balcão de exposição,
pois qualquer um dos passos da cadeia produtiva pode ser meio de contaminação.
Sabe-se que o frio é o agente capaz de atrasar a deterioração do pescado. Na
forma de gelo, a temperatura diminui, mas não se mantém constante. Há flutuações e a
temperatura vai se elevando conforme o gelo vai derretendo. Na feira, se o pescado não é
vendido, vai para o refrigerador (onde apenas se tornam mais lentos os efeitos de enzimas e
microrganismos) e volta à banca no dia seguinte já bem mais vulnerável à ação microbiana
e enzimática.
VARGAS
&
QUINTAES
(2003)
analisaram
microbiológica
e
microscopicamente uma superfície de 100 cm2 do fundo de monoblocos plásticos usados
no transporte/comercialização de pescados em feiras (n=14) e no Mercado Municipal (n=2)
de São Paulo. A temperatura média dos pescados nas feiras foi de 19,1ºC (± 2,6ºC) e de
10ºC no mercado. 100% dos monoblocos apresentaram um ou mais patógenos, sendo que
50% continham coliformes. A análise microscópica mostrou muitas fendas, podendo ser
concluído que o material dos monoblocos é inadequado, por favorecer a adesão de
microrganismos. Por causa de variedades de microrganismos isolados, ficou evidenciada a
participação do manipulador na contaminação dos recipientes.
WATANABE (1965) constatou em seu estudo que a Sardinella brasiliensis
congelada (-18°C) mantinha-se comercialmente em condições aceitáveis durante dois
meses, quando exibia valor máximo de 30 milimoles de peróxidos/kg de extrato lipídico. O
valor máximo de 25 mg N-BVT (nitrogênio de bases voláteis totais) /100 g foi atingido aos
100 dias de estocagem. Ao mesmo tempo, foi considerada importante a descontaminação
microbiológica prévia ao congelamento, já que 40% da flora contaminante inicial podiam
contribuir para a rancificação do produto.
PEREIRA & FILHO (2005) avaliaram amostras frescas, descongeladas e
processadas da sardinha (Sardinella brasiliensis) comercializada em São Paulo-SP, quanto
às condições de consumo, através das substâncias reativas ao Ácido Tiobarbitúrico (TBA)
e do Nitrogênio de Bases Voláteis Totais (N-BVT). A sardinha fresca comercializada na
Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (CEAGESP)
apresentou condição aceitável de consumo. Foram adequados os níveis de TBA
encontrados (<0,43 mg de AM/kg), tendo como referência dados da literatura para pescado
fresco, como também os de N-BVT, abaixo do limite legal vigente de 30 mg/100 g. O
mesmo não ocorreu com as sardinhas frescas e descongeladas comercializadas em feiras
livres, quando avaliadas pelas substâncias reativas ao TBA. As sardinhas salmourada e
anchovada não apresentaram condição aceitável de consumo tendo em conta o N-BVT
acima do permitido. Os resultados mostraram que a sardinha pode chegar à CEAGESP
(comércio atacadista) em condições apropriadas de consumo, mas pode perder a qualidade
na comercialização feita em feira livre. Foi enfatizada por ele a necessidade de reavaliação
do congelamento da sardinha e sua estocagem, visando à comercialização.
VIEIRA et al. (1997) concluíram que os comerciantes não estão conscientes
das regras básicas necessárias pra garantir a qualidade e a segurança do pescado. Também
o uso de práticas indevidas é comum em locais de comercialização do pescado.
No Brasil (Fortaleza - CE), VIEIRA et al. (1998) em pesquisa, identificaram
a presença de S. aureus em camarão fresco e nas superfícies das bancadas de uma feira
livre na porcentagem de 10 e 6,6% das amostras coletadas, respectivamente. Os autores
deste levantamento apontaram que a temperatura inadequada, as condições deficitárias de
higiene e sanitização e a presença de manipuladores portadores de afecções respiratórias e
cutâneas como fatores que corroboram para a contaminação encontrada.
2.5 O Gelo e sua Função na Conservação do Pescado
Segundo FENNEMA (1996), o gelo na área alimentícia é muito importante,
pois evita e/ou retarda contaminações bacterianas. Deve ter condutibilidade térmica a 0oC
que é aproximadamente quatro vezes a da água na mesma temperatura, indicando que ele
conduz calor energético a uma taxa maior que a água imobilizada retida. As capacidades
de difusão térmica da água e gelo são de grande interesse, pois estes valores indicam a
velocidade na qual as formas sólidas e líquidas da água sofrem mudanças na temperatura.
O gelo tem uma capacidade de difusão térmica aproximadamente nove vezes maior do que
a água, indicando que o gelo, num dado ambiente, sofrerá uma mudança de temperatura
numa velocidade muito maior do que a água. Estas diferenças, nos valores da
condutibilidade e capacidade de difusão térmica da água e gelo fornecem uma base sólida
para se explicar por que os tecidos congelam mais rapidamente do que descongelam.
FRAZIER & WESTHOFF (1988) afirmam que o gelo poderá retardar a
ação de deterioradores de alimentos, pois cada microrganismo apresenta uma temperatura
ótima mínima para seu crescimento, abaixo da qual ele não terá condições para se
multiplicar. Temperaturas de resfriamento envolvem gelo ou refrigeração mecânica. Pode
ser utilizado como método de conservação ou como de preservação temporária, até que
outro processo seja aplicado. Alimentos perecíveis como os pescados podem ser estocados
em gelo por um tempo limitado.
Para retardar o início das reações de deterioração, o pescado deve ser
refrigerado imediatamente após a sua captura. As formas de refrigeração rotineiramente
utilizadas são através do gelo convencional (NUNES, 1994) e da água marinha refrigerada
(KRAUSS, 1992).
O Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Peixe Fresco (inteiro
e eviscerado), aprovado pela portaria no 185 do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (BRASIL, 1997b), em consonância com a resolução do MERCOSUL no
40/94, caracteriza o peixe fresco como “produto obtido das espécimes saudáveis e de
qualidade adequada ao consumo humano, convenientemente lavado e que seja conservado
somente pelo resfriamento a uma temperatura próximo ao ponto de fusão do gelo”,
devendo ainda ser empregada quantidade de gelo finamente triturado, suficiente para
assegurar a temperatura próxima ao ponto de fusão do gelo na parte mais interna do
músculo. Tal definição já era prevista pelo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária
de Produtos de Origem Animal- RIISPOA (BRASIL, 1997a) em seu Artigo 493, parágrafo
1o, que classifica como fresco o pescado dado ao consumo sem ter sofrido qualquer
processo de conservação a não ser a ação do gelo.
O gelo é comumente usado para manter o frescor do pescado. Entretanto, se
a água poluída for usada para fabricar o gelo é certa a contaminação do produto durante o
resfriamento, podendo ocorrer contaminação entre o gelo e o produto ou entre o gelo e os
recipientes utilizados no transporte (VIEIRA et al. 1997).
A penetração de microrganismos na carne de pescado e sua decomposição
começam quase que simultaneamente à autólise; a velocidade e intensidade, porém,
dependem da temperatura de estocagem. Se o pescado é mantido em gelo, ocorre uma
inibição da atividade bacteriana e o processo de autólise é mais intenso do que a
decomposição bacteriana. Quando o produto está em temperatura mais elevada, a
decomposição bacteriana predomina (BEIRÃO et al. 2000).
De acordo com VIEIRA et al. (2003), o gelo utilizado na conservação do
pescado deverá ser de ótima qualidade em relação ao seu aspecto bacteriológico, pois a
qualidade deste afetará diretamente a qualidade do pescado. Os autores pontuam ainda que,
para manter o contato com o pescado, o gelo empregado para sua preservação deverá ser
finamente triturado, pois qualquer pedaço grande poderá causar prejuízos ao pescado,
dilacerando seus tecidos, dando assim possibilidade a um ataque bacteriano mais
acelerado.
GERMANO et al. (2001) afirmam que a maioria dos microrganismos que
contaminam o pescado está relacionada com a qualidade da água utilizada para elaboração
do gelo usado na conservação e/ou com os procedimentos pós captura.
HOFFMAN et al. (1974), pesquisando o prazo de validade da espécie
Bagrus spp, relataram que algumas das amostras estavam aceitáveis em até 16 dias,
quando estocadas em gelo.
ABABOUCH (1996) comparou a deterioração de pescado em presença de
gelo. Na ausência de gelo, o pH subiu rapidamente, assim como a produção de histamina,
de trimetilamina (TMA) e de bases voláteis totais. As bactérias se multiplicaram
rapidamente. No gelo, as bactérias multiplicaram-se mais vagarosamente durante 120
horas, mas depois atingiram os níveis de rejeição similares ao pescado estocado à
temperatura ambiente. Desta forma, explica-se a importância do gelo na cadeia fria do
pescado.
SASTRY et al. (1986) relatam que, o peixe quando estocado em gelo, foi
considerado bom com três dias de estocagem, e aceitável em até sete dias.
A Legislação Brasileira da AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA
SANITÁRIA (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000), regida pela portaria MS no 1.469 de 29
de dezembro de 2000, explicita no artigo 2o, do Capítulo 1, que toda água destinada ao
consumo humano deve obedecer ao padrão de potabilidade e está sujeita à vigilância da
qualidade da água. Segundo esta portaria, no artigo 4o, a água potável é aquela destinada
para consumo humano, cujos parâmetros microbiológicos, físicos e radioativos atendam ao
padrão de potabilidade e que não ofereça riscos à saúde.
O
MINISTÉRIO
DA
AGRICULTURA,
PECUÁRIA
E
ABASTECIMENTO (1980), exige que nos estabelecimentos de produção de alimentos de
origem animal, destinados à alimentação humana, seja considerada básica, para efeito de
registro ou relacionamento, a apresentação prévia do boletim oficial de exame de água de
abastecimento, a qual deve se enquadrar nos padrões microbiológicos seguintes:
- deve ser límpida, incolor, sem cheiro e de sabor próprio, agradável.
- não demonstrar, na contagem global, mais de 500UFC/mL;
Segundo VIEIRA et al. (2003), quando o gelo é colocado em quantidades
suficientes para conservar o pescado, a contribuição do mesmo se dá reduzindo a
temperatura do pescado até 0oC a 2oC, havendo então um retardamento das reações
enzimáticas e bacterianas. E, segundo CEREDA e SANCHES (1983), também contribui
lavando o pescado na água resultante da fusão, diminuindo consideravelmente a
quantidade de muco, sangue e microrganismos, entretanto, esta não deve permanecer por
muito tempo em contato com o pescado, uma vez que rapidamente torna-se contaminada.
STANSBY (1968) aconselha que a proporção, em peso de gelo/pescado,
oscile entre 1:4 e 1:1. Entretanto, essa quantidade deverá ser ajustada para 1:2 dependendo
das condições de comercialização do pescado.
Em pesquisa, SALEH et al. (1984) relataram que, o peixe da espécie
Katswomus pelamis, quando estocado em gelo por até cinco dias pode ser considerado
como matéria prima crua, pois ainda apresenta boas características sensoriais boas. Porém,
o gelo estocado por mais tempo já não é aceitável para enlatamento.
De acordo com os padrões estabelecidos em normas relativas a alimentos e
bebidas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), os peixes que tenham boa
comercialização in natura ou no estado fresco, devem ser colocados no gelo
imediatamente após a captura para vencer o tempo necessário para a conservação. Essa
refrigeração poderá manter o peixe por um tempo limitado de no máximo oito dias, no
entanto, a deterioração segue lentamente. À temperatura de 4,5oC, de um refrigerador
comum, por exemplo, em 12 a 24 h, as bactérias presentes podem multiplicar-se duas
vezes. O armazenamento no gelo, se tardio, não restituirá a qualidade perdida após a
captura. A refrigeração no gelo deve ser feita utilizando cubos de um centímetro cúbico,
que refrigeram 1,5 kg de peixes, de 20oC para 1oC, em 1 hora e meia. Não deve haver
espaços entre os peixes e o gelo, porque o ar é mal condutor de temperatura. A proporção
deve ser de 1 gelo: 1 peixe. Pedaços de gelo em tamanho maior podem durar mais, mas
não devem ser usados, pois podem ferir os peixes. Durante o armazenamento para
posterior distribuição, o pescado deve ficar em caixas de plástico rígido (PVC), com gelo
intercalado com camadas de peixes e estocado em câmaras frias. Conforme a temperatura
da câmara é possível prolongar este tempo de espera. Assim, ao estocar peixes inteiros com
gelo em câmaras de 0oC até 5oC, inibe-se a deterioração por mais tempo. O prazo de
validade médio de um peixe a 0oC é de 8 dias; a 22oC, de 1 dia; e a 38oC, de apenas 12
horas.
O contato direto com o gelo pode modificar ou aumentar a microflora
natural do pescado (KAI, 1998), o que interfere diretamente na deterioração do pescado.
ALMEIDA et al. (2006) avaliaram as alterações post-mortem em tambaqui (Colossoma
macropomum) conservado em gelo. Foi determinado o tempo de vida útil por meio de
avaliações sensoriais e análises de pH e bases voláteis totais (N-BVT) no músculo. A
avaliação sensorial mostrou que os exemplares permaneceram com qualidade especial
(Classe A) durante o período de 22 dias e com boa qualidade (Classe B) até 40 dias. A
prova de degustação do peixe cozido mostrou que os exemplares permaneceram com
qualidade especial (Classe A) durante o período de 31 dias, mantendo-se na Classe B por
até 40 dias. O pH e o N-BVT do músculo aumentaram regularmente com o tempo de
estocagem, mostrando-se como índices adequados para determinar a qualidade do pescado.
Concluíram ainda os autores que, o extenso período em condições de consumo (43 dias),
permite que a espécie seja comercializada, entre camadas de gelo, no mercado nacional e
internacional.
De acordo com GUERREIRO (2005), a combinação de gelo e câmara de
refrigeração conserva o gelo e impede a desidratação do peixe. O processamento de peixe
ou pescado é simples, constam de lavagem em tanques com cloro, mesas evisceradoras,
gelo, câmara fria e utensílios. A vida útil é limitada em até 12 dias, já que podem ocorrer
alterações sensoriais e nutricionais, devido à perda de água do peixe. É importante que não
ocorram flutuações de temperatura durante todas as etapas do processo para manter a
qualidade do produto. É de fundamental importância que, no momento da limpeza, a água
utilizada na superfície e no interior do pescado seja limpa e tratada com cloro, ajudando
desta maneira a reduzir a carga de microorganismos iniciais. Existem muitas vantagens do
congelamento com relação a outros métodos tradicionais de conservação. O produto quase
não é modificado pelo processo, de forma que o pescado fresco, devidamente congelado,
armazenado e descongelado, é virtualmente indistinto do pescado fresco, mantido no gelo.
Isso pode ser utilizado para contornar o problema da sazonalidade do consumo de pescado.
E ainda, SCHERER et al. (2004) afirmam que o uso de gelo clorado é
efetivo na redução da contagem de microrganismos aeróbios mesófilos e psicrotróficos na
carne de peixe, ampliando em aproximadamente 3 dias o prazo de validade do peixe
armazenado inteiro sob refrigeração.
PIMENTEL
e
PANETTA
(2003)
em
análises
físico-químicas
e
microbiológicas do gelo utilizado na conservação de pescados comercializados em
supermercados na grande São Paulo, objetivaram verificar se a qualidade do gelo utilizado
na conservação do pescado segue as normas exigidas pelo Ministério da Agricultura e do
Abastecimento, através de seu Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos
de Origem Animal (RIISPOA). A colheita do material de análise foi feita em duas etapas.
A primeira, consistindo em colher o gelo antes de o mesmo ser adicionado ao pescado. A
segunda, depois de 4 a 5 horas de misturado ao pescado. Nesta oportunidade foram
colhidas porções de gelo e de pescado. A análise do pescado teve como objetivo funcionar
como referência, pois era necessário saber se o gelo contaminava ou não o pescado e,
também, se o gelo estava exercendo sua função primária, que é a de conservar
adequadamente o pescado. As espécies de pescado analisadas foram: sardinha verdadeira,
pescada branca e corvina, ou seja, as variedades mais facilmente encontradas em
supermercados. Os resultados obtidos indicaram uma contagem padrão em placas de 2X
10³ a 1,6 X 10 5 no pescado no gelo antes de adicionado ao pescado e 3,2 X 10 4 a 1,6 X 10
5
no gelo depois de adicionado ao pescado. Foi detectada a presença de Salmonella spp no
pescado e gelo em alguns pontos de colheita. Apesar de tal fato, concluíram os autores que
o gelo não só cumpre sua função básica, mas também não foi considerado fonte de
contaminação para o pescado, embora tenham ressaltado que o seu uso deve ser melhorado
adotando-se programas de treinamento para funcionários, para que a higiene e a
manipulação do pescado sejam melhorados.
3 Conclusões
O gelo é um importante instrumento para a manutenção da qualidade do
pescado.
Este alimento deve ser conservado em condições de higiene e em
temperatura próxima a 0o C, o que pode ser obtido pelo uso do gelo produzido com água de
qualidade, para manter as características sensoriais e microbiológicas por um período
maior. Isso é possível pois o gelo retarda o processo de decomposição do mesmo por um
período determinado, já que esse processo ocorre tão rapidamente. Porém, se a água
utilizada para a fabricação do gelo não for de ótima qualidade, estará diretamente ligada à
contaminação do pescado, principalmente por microrganismos. Deve-se ressaltar também
que o gelo deve ser colocado em quantidades adequadas para manter a temperatura certa a
fim de minimizar o crescimento microbiano.
O gelo deve ser empregado desde o momento da captura do pescado e em
toda sua cadeia produtiva até o consumo, uma vez que o processo de decomposição
acontece desde o momento da morte do pescado. Durante o processamento e armazenagem
desse produto é essencial uma excelente condição higiênico sanitária para que este
alimento seja ingerido com segurança pelo ser humano.
O papel dos manipuladores e a higiene dos materiais utilizados para o
processamento (manipulação e armazenamento) também são muito importantes, pois são
carreadores de muitos microrganismos e podem contaminar superfícies e utensílios,
contaminando também o pescado. Há a necessidade de regulamentar um material adequado
para contato com pescados e de capacitação dos manipuladores, como medidas educativas
para melhorar as condições do pescado e evitar a contaminação.
Portanto, é de suma importância que haja um redirecionamento na política
de pesca, de modo a permitir a modernização da frota pesqueira (TEIXEIRA, 1993). Isto
permitiria o desenvolvimento de uma infra-estrutura capaz de propiciar a ampla
distribuição do produto ao mercado interno, com toda a sua diversidade, e mesmo e
exportação dos excedentes. À medida que forem oferecidas ao público diferentes opções
em matéria de pescado, a preços competitivos com outras proteínas de origem animal
(TEIXEIRA, 1993), o consumo, fatalmente, sofrerá um impulso quantitativo.
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