Ecologia de Comunidades
(Conceitos básicos)
Curso Especialização em Gestão de Recursos Hídricos
Pinto-Coelho, R.M.
Departamento de Biologia Geral
Instituto de Ciências Biológicas – ICB
UFMG
http://www.icb.ufmg.br/~rmpc
Para que se possa usar corretamente o termo “comunidades” vamos
introduzir alguns de seus atributos:
Atributos das comunidades
Assim como a população, a comunidade pode ter vários de seus atributos mensuráveis no
campo:
1)
2)
3)
4)
5)
6)
7)
composição específica,
formas de crescimento
diversidade (riqueza e equitabilidade)
estrutura espacial (estratificação, zonação)
estrutura trófica
dinâmica temporal (ciclos diurnos, sazonais e sucessionais)
fenômenos de interdependência (simbioses sensu latu).
Composição específica:
Trata-se do catálogo de espécies que compõem a comunidade. Embora seja
algo aparentemente simples, tal atributo é um dos que mais dificuldades impõe
ao ecólogo. Em primeiro lugar, ele exige uma detalhada investigação com a
finalidade de se levantar e identificar todas as espécies presentes na
comunidade. Em muitos casos, isto é muito difícil senão praticamente
impossível como é o caso da fauna de macroinvertebrados bentônicos de
ambientes lóticos (rios). Tal comunidade é formada de formas imaturas cuja
identificação é muitas vezes impossível de ser efetivada sem o auxílio de
entomologistas especializados. Outro ponto de conflito refere-se à presença de
espécies exóticas, introduzidas, ocasionais ou transitórias. Como proceder com
espécies típicas da zona litorânea, que ocasionalmente invadem o zooplâncton?
Forma de Crescimento e Estrutura:
(a)
(b)
(c)
(d)
(e)
(f)
Tais formas incluem tanto categorias maiores de crescimento: árvores, arbustos, ervas,
epífitas lianas e musgos bem como categorias detalhadas: folhas largas (latifolidas), folhas
aciculiformes, perenifólia, decídua, etc. A estrutura pode enfocar tanto a dimensão vertical,
ou seja, a estratificação ou disposição fisionômica vertical bem como a zonação ou arranjo
horizontal dos elementos componentes da comunidade ('patch').
Uma das classificações de formas de vidas mais conhecidas na literatura foi proposta pelo
botânico dinamarquês C. Raunkier em 1903. Ele dividiu as plantas segundo qual o tipo de
tecido embrionário ou de meristema que fica inativo em períodos de estresse climático
(inverno ou seca), ou chamados tecidos pereniais tais como os bulbos, tubérculos, certos
tipos de raízes e sementes. Ele reconheceu seis tipos principais de formas de vida,
representados na figura abaixo (modificada de Smith e Smith, 1999, pág. 273):
as fanerófitas com estruturas perenes expostas ao ar;
as quemófitas que apresentam suas estruturas perenes a até 25 cm do solo;
as hemicriptófitas que possuem as estruturas perenes junto à superfície do solo;
as criptófitas que apresentam as pereniais no solo, sob a forma de rizomas ou outras
estruturas que as protegem contra o frio ou a seca;
as terófitas que são as plantas anuais tendo todo o seu ciclo vital (semente a semente)
realizado em uma única estação de crescimento e as
epífitas que possuem raízes aéreas vivendo sobre outras plantas.
(a) fenorófitas
(f) epífitas
(b) quemófitas
(c) hemicriptófitas
(e) terófitas
(d) criptófitas
Figura – classificações de formas de vidas proposta pelo botânico dinamarquês C. Raunkier em 1903. Ele
dividiu as plantas segundo qual o tipo de tecido embrionário ou de meristema que fica inativo em períodos de
estresse climático (inverno ou seca), ou chamados tecidos pereniais tais como os bulbos, tubérculos, certos tipos
de raízes e sementes. Figura extraída de Smith e Smith, 1999, pág. 273.
Diversidade, riqueza e dominância:
As comunidades diferem muito entre si em relação ao número total de espécies que possuem bem
como em suas proporções. Nem todas as espécies são igualmente importantes na determinação da
estrutura da comunidade. Algumas espécies podem ter suas abundâncias muito mais elevadas que
outras espécies dentro da comunidade. Esta característica é, na realidade, muito comum devido às
diferenças eco-fisiológicas ligadas ao tamanho, posição trófica ou atividade metabólica dos
organismos. Muitos autores sustentam que espécies dominantes são aquelas com maior sucesso
ecológico. No entanto, devemos lembrar que espécies não-dominantes podem, em alguns casos,
exercer uma força controladora dentro do ecossistema. Estas espécies são chamadas de espécieschaves (keystone species). Outro ponto importante, refere-se à raridade. As espécies raras são
muitas vezes desprezadas nas análises quantitativas. Recentemente, no entanto, estão aparecendo
artigos na literatura ecológica enfocando a importância de se trabalhar com estes indivíduos
Abundância Relativa:
São as proporções relativas das diferentes espécies dentro da comunidade. Estas proporções são fundamentais,
por exemplo, para o cálculos dos índices de diversidade, equitatividade, dominância.
Estrutura espacial:
As comunidades igualmente apresentam padrões muito nítidos e recorrentes em termos da disposição e
arranjo espacial de suas espécies. O esquema a seguir, modificado de Smith & Smith (1999), pág. 274, ilustra
a zonação encontrada nas comunidades lacustres e de uma floresta
Estrutura Trófica:
Relações alimentares dentro da comunidade que determinam o fluxo de energia e a
dinâmica dos ciclos de materiais entre produtores, herbívoros e carnívoros. A conectividade,
po exemplo, é uma caracterítica muito útil, sendo definida como o número real de ligações
tróficas existente numa dada comunidade dividido pelo número teoricamente possível de
ligações tróficas para um determinado número de espécies presentes.
Todos os atributos podem ser estudados em comunidades em equilíbrio ou em mudança
(temporais: sucessão, espaciais: zonação).
Um dos atributos mais notáveis das
comunidades está em sua estrutura trófica. As
comunidades podem ter vários tipos de rotas
tróficas predominantes tais como as cadeias de
pastoreio, a cadeia de detritos e cadeias
dominadas pelo aporte de matéria alóctone, tais
como as águas de cabeceiras dos rios. O
exemplo, ao lado, representa a teia alimentar do
arenque no Atlântico Norte, uma das primeiras
teias alimentares publicadas em ecologia. As
relações tróficas do arenque adulto foram
descritas pela primeira vez por Hardy (1924). A
presente versão apresentada a seguir foi
modificada e traduzida de Sumich (1999). Para
uma analise quantitativa dessa teia consultar
http://www.icb.ufmg.br/~rmpc/livro/teias_2.htm
Dinâmica e propriedades das teias alimentares
A existência de padrões recorrentes em diferentes teias alimentares pode ser observada pela comparação
das diversas teias já publicadas na literatura, que, em 1988, já somava 113 teias publicadas (Lawton,
1989). Sugihara et al. (1989) ainda adicionam dados de mais 60 teias alimentares dominadas por
invertebrados. Os principais atributos de uma dada teia alimentar são os seguintes:
a) Número de espécies na rede (S): é o número total de espécies presente numa dada rede.
b) Densidade de ligações (D): número de ligações tróficas associado a cada espécie presente na rede.
c) Espécie trófica: conjunto de espécies que compartilham o mesmo conjunto de presas ou são atacadas
pelo mesmo predador.
d) Predador de topo: espécie que não é predada por nenhum predador na rede onde se alimenta.
e) Espécies basais: organismos que não se alimentam de nenhuma outra espécie. Usualmente eles são
produtores primários.
f) Ciclos: Ocorre quando um organismo A se alimenta do organismo B que por sua vez se alimenta do
organismo C que se alimenta de A.
g) Conectância: número de interações tróficas realizadas dividido pelo número de interações tróficas
possíveis. Na realidade, existem várias formulas na literatura para a concetância.
h) Nível trófico: número de ligações tróficas entre uma dada espécie na rede e a espécie basal a ele
associada. Pode haver uma espécie que ocupe simultâneamente mais de um nível trófico.
i) Onívoro: organismo que se alimenta em dois ou mais níveis tróficos diferentes.
h) Compartimentos: ocorre quando existe um grupo com fortes interações tróficas. Em uma dada rede
pode haver certo paralelismo trófico, ou seja, a existência de vários compartimentos relativamente
indenpendentes entre si.
As comunidades existentes ao longo do
ecossistema rio podem ser divididas segundo
as categorias funcionais dos organismos
consumidores. A teoria do contínuo fluvial
(river continuum concept, RCC), proposta por
Vanotte et al. (1980) vê o ecossistema rio
como uma estrutura biótica que reflete eventos
em uma na escala longitudinal onde uma
seqüência ordenada e predizível de mudanças
físicas e químicas força à uma contínua
adaptação dos organismos em diferentes
comunidades (figura ao lado ). As cabeceiras
(ordens de 1-3) são ambientes tipicamente
ripários onde o sombreamento e o aporte
externo de nutrientes e de matéria orgânica do
entorno dão origem a uma sucessão
tipicamente heterotrófica (P/R <1). A
dependência por recursos externos decresce no
curso médio (ordens 4-6) e uma produção
tipicamente autóctone surge no sistema (P/R
>1). Os grandes rios (ordens maiores ou iguais
a 7) apresentam grande teor de sólidos em
suspensão e o sistema volta a ser tipicamente
dominado por processos ligados ao microbial
loop (P/R <1).
A Natureza da Comunidade:
É a comunidade algo mais do que uma mera abstração feita por ecólogos a
partir de uma vegetação que está mudando continuamente? A partir desta
questão, três escolas se desenvolveram:
a) Escola de Clements-Tansley: Comunidade como unidades discretas da
vegetação (closed communities). Clements (1916, 1936) foi um dos
primeiros a tentar identificar mecanismos homeostáticos controladores da
ordem interna das comunidades;
b) Escola de Gleason (Gleason & Cronquist, 1964): Comunidade é uma
coleção de populações com as mesmas exigências ambientais, ou seja, a
composição da comunidade é consequência da resposta em termos de
limites de tolerância de cada espécie às variações do meio (open
communities);
c) Escola de Wisconsin (Whittaker, 1954, 1962, 1967, 1970): Vegetação é
um continuum. Whittaker (opt. cit.) estudou a variação da composição
florística das florestas na América do Norte ao longo de gradientes
ambiantais (i.e: umidade, altitude).
Duas visões sobre a estrutura de comunidades. A figura acima, extraída de
Ricklefs (1990), pág. 659, ilustra os dois conceitos de comnunidades:
comunidades fechadas (escola de Clements) e a comunidade aberta (escola
Gleason).
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