Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 Estudo Comparativo da Variabilidade da Freqüência Cardíaca, Capacidade Funcional Cardiorrespiratória e Lípides no Sangue de Crianças Obesas Mórbidas Renata Michelini Guidi Mário Augusto Paschoal Faculdade de Fisioterapia Centro de Ciências da Vida [email protected] Grupo de Pesquisa Função Autonômica Cardíaca e Atividade Física na Saúde e na Doença Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo: A obesidade infantil é atualmente considerada uma epidemia mundial, sendo fator preditor de risco cardiovascular. O objetivo deste trabalho é analisar a variabilidade da freqüência cardíaca, capacidade funcional cardiorrespiratória e a concentração de lípides sanguíneos de crianças obesas mórbidas. Foi realizado um estudo transversal com amostra constituída por 15 crianças com média de idade de 9,6±0,7 anos, todos escolares da rede pública de ensino da cidade de Campinas. Os voluntários foram submetidos à análise da variabilidade da freqüência cardíaca por meio do registro dos batimentos cardíacos ao repouso (posição supina) e em bípede. Para avaliação da capacidade funcional cardiorrespiratória foi aplicado o teste de esforço incremental realizado em esteira sem inclinação. A coleta de sangue para verificação dos lípides sanguíneos foi conduzida pelo serviço de endocrinologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Como resultados obtidos, as crianças apresentaram adequada modulação autonômica cardíaca. No teste de esforço mostraram suposta normalidade em relação aos valores atingidos, porém com tendência à limitação funcional cardiorrespiratória, além de apresentarem, na análise dos lípides sangüíneos, redução nos níveis de HDL colesterol. De acordo com os resultados obtidos, sugere-se a necessidade de intervenção terapêutica precoce nesse grupo de indivíduos a fim de evitar o surgimento futuro de doença cardiovascular. Palavras-chave: obesidade infantil, autonômica cardíaca, exercício físico. função Área do Conhecimento: Ciências da Saúde – Fisioterapia e Terapia Ocupacional. 1. INTRODUÇÃO Segundo a World Health Organization (WHO), a obesidade é definida como um anormal ou excessivo acúmulo de gordura que representa um risco à saúde[1]. A prevalência mundial da obesidade infantil vem apresentando um rápido aumento nas últimas décadas, sendo caracterizada como uma verdadeira epidemia. Em estudo recente, publicado no International Journal of Pediatric Obesity, quase metade das crianças da América do Norte e do Sul e 38% das européias estarão acima do peso em 2010. A tendência crescente da obesidade infantil, cuja ocorrência não há causa ligada a doenças endocrinológicas, é explicada pelo aumento na ingestão de alimentos ricos em energia e pela diminuição da prática de atividade física. Quando a obesidade se apresenta em sua forma mais grave, é considerada obesidade mórbida, representando, na última década, um importante problema de saúde pública. Segundo Wilmore e Costill (2004), os indivíduos portadores desse tipo de obesidade devem apresentar o cálculo do seu peso corporal (em quilogramas) dividido pelo quadrado de sua estatura (em metros) superior a 40, valor esse referente ao índice de massa corporal (IMC)[2]. De acordo com critérios estabelecidos pelo National Center for Health Statistics, o valor obtido pela relação do IMC com a idade dessas crianças deve ultrapassar o percentil 97[3]. Em relação ao sistema cardiovascular dessas crianças, apesar de invariavelmente ao repouso serem assintomáticas, nessa mesma condição, ao serem submetidas à análise da variabilidade da freqüência cardíaca (VFC), tendem a apresentar alterações na modulação autonômica cardíaca, levando-as a desenvolver alterações do funcionamento do coração devido a menor ação vagal, ou mesmo, a menor efetividade tanto vagal quanto simpática cardíaca, quando comparadas a crianças eutróficas da mesma idade[4]. De acordo com Martini et. al.(2001), a VFC trata-se de um método não invasivo de grande precisão para a avaliação da modulação autonômica cardíaca[5]. Tal ferramenta é a base para a investigação de distúrbios cardiovasculares. Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 Alterações na capacidade funcional cardiorrespiratória já detectadas em avaliações cardiorrespiratórias feitas no estado de repouso, tendem a se exacerbar quando essas crianças se encontram durante esforço físico, condição na qual há necessidade de maior demanda de oxigênio aos músculos em trabalho, desta forma sobrecarregando a função cardiovascular e respiratória, e limitando o seu desempenho. Outro aspecto de extrema relevância relacionado à obesidade mórbida é a concentração de lípides sangüíneos, fazendo-se necessária a análise dos valores de colesterol e triglicérides do sangue devido a relação destes com o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Estudos epidemiológicos têm demonstrado associação direta entre nível lipídico e doença cardiovascular, especialmente as ateroscleróticas e hipercolesterolêmicas, sendo que muitos têm comprovado que o nível de colesterol na infância é um preditor do nível de colesterol na vida adulta. Dada a importância da prevenção de co-morbidades, este estudo buscou fornecer subsídios essenciais sobre essa enfermidade com grande relevância nos tempos atuais, a fim de que o problema da obesidade mórbida possa ser melhor compreendido, por meio da análise da VFC, capacidade funcional cardiorrespiratória e lípides sangüíneos nessas crianças. 2. METODOLOGIA 2.1 Amostra Foi conduzido um estudo transversal na Pontifícia Universidade Católica de Campinas com amostra de 15 crianças com diagnóstico clínico de obesidade mórbida, todas escolares da rede pública de ensino da região noroeste da cidade de Campinas/SP. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da própria universidade, e os responsáveis pelas crianças envolvidas assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, após concordarem com o mesmo. Para a classificação das crianças no grupo obesidade mórbida, o IMC quando relacionado à idade deveria apresentar percentil superior a 97[3]. Os voluntários pertenciam à faixa etária de 9 a 11 anos, sendo a média de idade 9,7±0,7 anos; não eram portadores de doença metabólica como responsável pela obesidade encontrada; não praticavam atividade física desportiva regularmente, há pelo menos 2 meses; não faziam uso de medicação que interferisse sobre os dados a serem analisados; e além disso, não foram detectadas alterações clínicas na ausculta cardíaca e pulmonar inicial. 2.2 Material e Métodos Inicialmente foi realizada a avaliação antropométrica e clínica dos indivíduos. As medidas de peso e estatura para o cálculo de IMC foram adquiridas por meio da balança mecânica antropométrica da marca Filizola com capacidade máxima para 150 kg. Para o registro dos perímetros dos segmentos corporais foi utilizado uma fita antropométrica simples e para aferição da PA e FC ao repouso o esfigmomanômetro padrão de coluna de mercúrio Wan Med e o estetoscópio da marca Littman. O cálculo da VFC foi realizado por meio do registro dos batimentos cardíacos na condição de repouso, em posição supina, durante 12 minutos, e posteriormente, em bípede por 7 minutos, sendo utilizada para a análise em supino e bípede a exclusão dos 2 primeiros minutos do registro, pois esse tempo foi utilizado para a adaptação do organismo à postura e poderia causar o surgimento de artefatos. Essa etapa do estudo somente teve início após a verificação dos dados de freqüência cardíaca (FC), freqüência respiratórias (FR), pressão arterial (PA), saturação periférica de oxigênio (SpO2), os quais deveriam estar de acordo com a normalidade. Para a obtenção dos registros utilizou-se o cardiofreqüencímetro Polar S810 colocado sobre a região do precórdio dos voluntários, cujos dados foram posteriormente emitidos, por luz infravermelha, à interface IR que fez a conexão entre o monitor e o computador. Após isso, com a utilização do software Polar Precision Performance foi possível proceder a análise da VFC, a qual é feita por meio do estudo dos intervalos RR (iRR) normais extraídos dos registros dos batimentos cardíacos. A partir, portanto, destes registros, chamados registros de curta duração, foram procedidas as análises nos domínios do tempo (DT) e da freqüência (DF). O protocolo de esforço proposto para avaliação da capacidade funcional cardiorrespiratória foi baseado em teste incremental em esteira sem inclinação (Super ATL-Inbrasport) com velocidade inicial de 2 Km/h e acréscimo de 0,5 Km/h a cada minuto subseqüente. O teste era interrompido quando fosse atingida a FC submáxima (FC submáx= 195 – idade) ou solicitado pela criança. A etapa designada à coleta de sangue para a análise dos valores de lípides sangüíneos foi conduzida pelo serviço de endocrinologia do Hospital e Maternidade Celso Pierro, segundo técnica convencional. 2.3 Análise Estatística Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 Foi realizada análise descritiva dos dados sendo apresentadas, em figuras e tabelas, as medidas de tendência central (média e desvio padrão). 3. RESULTADOS DOMÍNIO DE FREQÜÊNCIA REPOUSO BÍPEDE Potência Total (ms ) 23474,5±23080,3 22167,9±19057 BF (ms2) 626,8±619,9 430,7±288,4 AF(ms ) 1002,5±1268,1 348± 367,4 BF u.n 47,5±19,6 61,9±16 AF u.n 52,4±19,6 38±16 207,5±118,7 2 2 3.1 Avaliação Antropométrica e Clínica Tabela 1. Dados Antropométricos (média e desvio padrão) das crianças obesas mórbidas. Variáveis Obesas Mórbidas Peso (Kg) Altura (m) 2 IMC (Kg/m ) Idade (anos) PAS repouso (mmHg) PAD repouso (mmHg) FC repouso (bpm) SpO2 (%) 57,7±13,6 1,4±0 27,9±4,3 9,6±0,7 119,2±13,4 76,6±10,4 96,8±9,6 97,6±1,2 Razão BF/AF (%) 128±117,2 Razão BF/AF u.n (%) 1,2±1,1 2±1,1 FC média (bpm) 87,4±8,5 101,8±9 3.2 Capacidade Funcional Cardiorrespiratória Tabela 2. Dados obtidos no teste de incremental com crianças obesas mórbidas. esforço Variáveis Obesas Mórbidas Tempo (min:seg) Distância (m) Velocidade (Km/h) METs Estágio -1 VO2 relativo (ml/Kg/min ) -1 VO2 absoluto (ml/min ) FC Inicial (bpm) FC Pico (bpm) FC 1°min pós-esforço (bpm) FC 3°min pós-esforço (bpm) 11:26±0 0,7±0 6,9±0,8 5±1,9 11±1,8 17,7±6,7 986,5±296,8 100,1±10,2 170±14,2 135,9±11,4 113,8±16,4 FC 5°min pós-esforço (bpm) 102±11,9 3.3 Variabilidade da Freqüência Cardíaca Tabela 3. Valores médios e desvios padrões da VFC de crianças obesas mórbidas ao repouso e na posição bípede. DOMÍNIO DE TEMPO REPOUSO BÍPEDE iRR médio (ms) 685,1± 71,1 588,3±57,5 DP (ms) 46,9 ±21,8 42,8±16,4 RMSSD (ms) 43,2±29 22±12,2 pNN50 (%) 9,6±8,7 2,5±3,9 Figura 1. Comparação dos valores de baixa e alta freqüência (BF e AF) do domínio do tempo da VFC, em unidades normalizadas (u.n.), nas posições repouso e bípede em crianças obesas mórbidas. 3.4 Concentração de Lípides Sangüíneos mg/dL Figura 2. Valores médios dos lípides sangüíneos e glicemia de crianças obesas mórbidas (OM) quando comparadas a eutróficas*(E). *Dados das crianças eutróficas extraídos de outro plano de trabalho do mesmo grupo de pesquisa realizado paralelamente a este. 4. DISCUSSÃO Os dados demonstrados na tabela 1 referem-se à avaliação antropométrica realizada com a intenção de se verificar a adequação do voluntário ao critério de inclusão referente ao índice de percentil superior a 97, valor esse adquirido por meio dos valores de IMC e da idade. Na análise dos valores da tabela 1, Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 21 e 22 de outubro de 2008 ISSN 1982-0178 verifica-se a fidelidade a este critério previamente propostos em 100% dos voluntários. A tabela 2 revela o comportamento da freqüência cardíaca (FC) antes, no momento de pico e após o teste na esteira, mostrando a ocorrência de valores elevados no início do teste quando comparados a estudos realizados com crianças eutróficas. Em relação à média da FC pico atingida ao término do teste, os indivíduos estudados não alcançaram os valores de FC submáxima pré-determinada pela idade (195 - idade), o que pode ser explicado pelo excesso de peso que apresentam, o qual poderia ter dificultado o deslocamento corporal. Igualmente, essas crianças poderiam ter baixa capacidade oxidativa necessitando de uma precoce suplementação anaeróbia durante o exercício realizado, sendo esse fator, um provável causador do esgotamento observado[6]. Outro aspecto relevante, também registrado na tabela 2, mostra que os valores de FC não retornaram aos registrados inicialmente ao teste quando atingido o 5º minuto após esforço, conforme mostra a literatura, sugerindo dificuldade de adaptação cardíaca à condição de esforço, sugerindo a existência de menor tônus parassimpático cardíaco[7]. Conforme registrado na tabela 3, quando se compara a VFC ao repouso (posição supina) e aquela obtida na posição bípede, constata-se redução dos valores do iRR médio, pressupondo assim, maior ativação simpática para elevação dos batimentos cardíacos, visando suprir a demanda sangüínea exigida na permanência da postura bípede[8]. Dessa forma, pode-se observar uma efetiva resposta autonômica cardíaca quando as crianças se encontram na posição bípede. Na comparação dos valores médios da alta e baixa freqüência de crianças obesas mórbidas, adquiridos por meio da análise da VFC (figura 1), é notável a maior atividade parassimpática quando o indivíduo apresenta-se ao repouso (posição supina), sendo tal fato demonstrado em estudos de Freeman (2006) o qual revela o tônus vagal predominando sob o simpático cardíaco em supino[9]. Porém, na postura bípede, a ativação simpática cardíaca demonstrou abrupta elevação associada à redução do tônus parassimpático como forma de adequar o fluxo sangüíneo cerebral. No presente estudo, quando realizada a análise da concentração dos lípides sangüíneos (figura 2), apesar de os valores apresentados não ultrapassarem os limites da normalidade, houve uma tendência para maiores valores de triglicérides e redução dos níveis de HDL colesterol quando comparados aos valores médios obtidos em crianças eutróficas de outro estudo do mesmo grupo de pesquisa. 5. CONCLUSÃO De acordo com os resultados obtidos no presente trabalho, pode-se concluir que as crianças estudadas mostraram suposta normalidade em relação aos parâmetros analisados, porém apresentando tendência ao desenvolvimento futuro de anormalidades com a persistência da obesidade, sugerindo assim, intervenção terapêutica precoce. AGRADECIMENTOS Agradeço à FAPIC/reitoria pela bolsa de estudos e à endocrinologista Mila Pontes Ramos Cunha pelo auxílio na etapa referente à coleta de sangue, contribuindo com a realização do estudo. REFERÊNCIAS [1] World Health Organization (WHO) (2008). What is overweight and obesity?, capturado online em 20/08/2008 de http://www.who.int/dietphysicalactivity/childhood_ what/en/index.html. [2] Wilmore, J.; Costill, D. (2004).Fisiologia do ES a porte e do exercício, 2 ed., Manole, São Paulo, SP. [3] National Center of Health Statistics. Hyattswille: Pediatric growth charts provided by CDC, capturado online em 12/01/2007 de http://www.cdc.gov/growthcharts/2000. [4] Rabbia, F., et. al. (2003), Assessment of cardiac autonomic modulation during adolescent obesity, Obesity Research,vol.11, p.541-8. [5] Martini, G., et. al. (2001), Heart rate variability in childhood obesity, Clinic Autonomic Research, vol.11, n.2, p. 87-91. [6] Powers, S.K.; Howley, E.T.(2005), Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho, 5ª ed., Manole, Rio de Janeiro, RJ. [7] Bankoff, A.D.P., (2002), Estudar as condições de esforço físico em adolescentes obesos: pers pectiva para a prática de atividades físicas, Re vista da Educação Física/UEM, vol.13, n. 2, p. 27-33. [8] Parry, S.W.; Kenny, R.A.,Tilt table testing. In: Malik, M. (1998), Clinical guide to cardiac autonomic tests, Kluwer Academic Publisers, London. [9] Freeman, R. (2006), Assessment of cardiovascular autonomic function, Clinical Neurophysiology, vol. 117, p.716–730.