Capítulo 9
Variabilidade da Frequência Cardíaca
em Crianças com Paralisia Cerebral
Andréa Baraldi Cunha∗, Antonio Roberto Zamunér,
Marlene Aparecida Moreno, Eloisa Tudella, Ester da Silva
Resumo: Crianças com paralisia cerebral (PC) apresentam disfunções autonômicas. Isto torna relevante estudar o controle autonômico da frequência cardı́aca (FC) para compreender o comportamento do seu sistema neurocárdico. Os objetivos deste capı́tulo são:
abordar os procedimentos de avaliação e análise linear da variabilidade frequência cardı́aca (VFC) no domı́nio da frequência, verificar
a VFC em crianças com PC, e discutir a sua relação com o comprometimento motor. Os resultados mostram que as crianças com
PC apresentam alterações nos ı́ndices de VFC quando comparadas
com crianças com desenvolvimento motor adequado na mesma faixa
etária, indicando desequilı́brio simpatovagal. Conclui-se que estas
alterações estão relacionadas ao grau de comprometimento motor
das crianças.
Palavras-chave: Criança, Paralisia cerebral, Avaliação, Variabilidade da frequência cardı́aca.
Abstract: Children with cerebral palsy (CP) present autonomic dysfunction. Thus, it is relevant to study the autonomic control of heart rate (HR) to understand the behavior of the neurocardiac system
of this population. The purposes of this chapter are: to review the
evaluation procedures and the linear analysis of the heart rate variability (HVR) in the frequency domain, to evaluate the HVR in
children with CP, and to discuss the relation between HVR and
motor impairment. Results show that children with CP present alterations in the HVR indices when compared to children with typical
motor development at the same age. This indicates sympathovagal
imbalance. We concluded that these alterations are related to the
level of motor impairment in the children.
Keywords: Child, Cerebral Palsy, Evaluation, Heart rate variability.
∗ Autor
para contato: [email protected]
Castilho-Weinert & Forti-Bellani (Eds.), Fisioterapia em Neuropediatria (2011)
ISBN 978-85-64619-01-2
164
Cunha et al.
1. Introdução
Crianças com Paralisia Cerebral (PC) apresentam alterações nas propriedades intrı́nsecas do sistema neuromuscular (Bax et al., 2005; Rosenbaum
et al., 2007). Além destas alterações, também apresentam disfunção autonômica associada, incluindo alteração intestinal e vesical, hiperhidrose
(Reid & Borzyskowski, 1993; Rose et al., 1993), baixa resistência cardiopulmonar (Gorter et al., 2009), maior gasto energético e altos valores de
frequência cardı́aca (FC) nas atividades diárias (Bartonek et al., 2002;
Duffy et al., 1996; Negri et al., 2010).
As disfunções autonômicas estão relacionadas ao desequilı́brio entre os
ramos eferente simpático e parassimpático do Sistema Nervoso Autonômico
(SNA). Isto provavelmente se origina na perda da influência hemisférica na
modulação autonômica, devido às lesões encefálicas destas crianças (Korpelainen et al., 1993; Linden & Berlit, 1995; Yang et al., 2002).
A modulação da FC é dependente da integração dos componentes simpático e parassimpático, que determinam de maneira variável as oscilações
de seus batimentos. As oscilações temporais entre duas contrações ventriculares consecutivas, correspondem aos intervalos R-R (iR-R) do Eletrocardiograma (ECG), designado como Variabilidade da Frequência Cardı́aca
(VFC) (Longo et al., 1995). Os ajustes autonômicos do SNA são atribuı́dos
à integridade do sistema neurocárdico (Zuttin et al., 2008) e as condições
patológicas promovem alterações na modulação autonômica da FC e na
dinâmica do sistema cardiovascular.
A avaliação do controle autonômico da FC em crianças com PC tratase de um tema incipiente dentro da fisioterapia em neuropediatria. Porém,
este tema é de grande relevância, pois possibilita um enfoque cardiovascular, que nem sempre é abordado nos programas de reabilitação. Deste
modo, pretende-se incentivar a utilização da análise da VFC de crianças
com PC na área da fisioterapia em neuropediatria.
Diante do exposto, o presente capı́tulo teve como objetivos abordar os
procedimentos de avaliação e análise linear da VFC no domı́nio da frequência, analisar a VFC em crianças com diagnóstico clı́nico de PC e discutir a
sua relação com o comprometimento motor de acordo com o Gross Motor
Function Classification System (GMFCS).
2. Fundamentação Teórica
2.1 Paralisia cerebral
O termo PC descreve um grupo de desordens do movimento e da postura
atribuı́das ao distúrbio não progressivo que ocorre no encéfalo em desenvolvimento (Bax et al., 2005; Rosenbaum et al., 2007). O problema motor dos
indivı́duos com PC se origina fundamentalmente da disfunção do Sistema
Nervoso Central (SNC), que interfere diretamente no desenvolvimento do
Variabilidade da frequência cardíaca em crianças com PC
165
controle postural contra a gravidade e impede o desenvolvimento motor
normal (Howle, 2002). As desordens motoras da PC causam limitações
das Atividades de Vida Diária (AVD’s) e são frequentemente acompanhadas por distúrbios da sensação, da percepção, da cognição, da comunicação,
do comportamento e por alterações musculoesqueléticas secundárias (Bax
et al., 2005; Rosenbaum et al., 2007).
A classificação da PC pode ser baseada no comprometimento da distribuição topográfica, do tônus muscular e do nı́vel de funcionalidade. Quanto
à distribuição topográfica, a PC pode ser classificada como: hemiplegia, diplegia e quadriplegia (Koman et al., 2004). Quanto ao tônus muscular: em
espástica, discinética, atáxica e mista, sendo que a forma espástica é a mais
frequente (75% dos casos) (Koman et al., 2004). Estudos evidenciam que
a espasticidade acarreta em alterações nas propriedades intrı́nsecas da criança. Assim, há redução da força muscular, da velocidade do movimento
e modificações adaptativas no comprimento muscular e na amplitude do
movimento ativo (Siebes et al., 2002; Lieber et al., 2004). Estas crianças demonstram alto gasto energético na execução das AVD’s e são mais
suscetı́veis à fadiga (Duffy et al., 1996; Durstine et al., 2000; Fernhall &
Unnithan, 2002; Gracies, 2005). Para a classificação da PC quanto ao nı́vel
de funcionalidade, o instrumento mais utilizado atualmente é o GMFCS.
Esta escala é baseada no movimento auto-iniciado, com ênfase no sentar e
no andar. Ela apresenta cinco nı́veis diferentes de função motora, de acordo
com a limitação funcional e a necessidade de assistência externa. Crianças
classificadas no nı́vel I do GMFCS (Figura 1(a)) apresentam baixa severidade, bom desempenho motor e limitações funcionais pouco pronunciadas.
Crianças classificadas no nı́vel V (Figura 1(b)) apresentam múltiplas desordens, com restrições no controle voluntário dos movimentos e na habilidade
de manter postura anti-gravitária do pescoço e do tronco (Palisano et al.,
1997).
As crianças dos nı́veis IV e V do GMFCS apresentam desempenho motor inferior em atividades nas posturas sentada e em pé (Ostenjo et al.,
2003; Cunha et al., 2009) e em atividades funcionais de autocuidado e mobilidade (Mancini et al., 2002) quando comparadas com crianças com menor
comprometimento motor. As crianças quadriplégicas destes nı́veis mostraram curso de comprometimento da função motora grossa menos favorável
que as crianças dos nı́veis I a III. Tal comprometimento foi principalmente
na mobilidade, que é devido: à maior espasticidade, ao pior controle motor
seletivo, à fraqueza muscular e às limitações de amplitude de movimento
dos membros inferiores (Ostenjo et al., 2004; Bjornson et al., 2007; Voorman et al., 2007).
2.2 Variabilidade da frequência cardíaca
A regulação da frequência dos batimentos cardı́acos ocorre em decorrência
do controle intrı́nseco, dos fatores humorais e da atuação do SNA por meio
166
Cunha et al.
(a)
(b)
Figura 1. Ilustração representativa de crianças com PC dos nı́veis I (a) e V
(b) do GMFCS na postura sentada.
de seus eferentes simpático e parassimpático. O SNA promove ajustes
rápidos no sistema cardiovascular durante diferentes estı́mulos (exercı́cio
fı́sico, estresse mental e mudanças posturais), a fim de suprir a demanda
dos sistemas orgânicos (Warwick & Williams, 1973; Hainsworth, 1998).
O sistema nervoso parassimpático, representado pelo nervo vago, inerva
o nodo sinoatrial, o nodo átrio-ventricular e o miocárdio atrial, e é responsável por reduzir a FC.
O sistema nervoso simpático inerva todas as regiões do coração, ou
seja, o nodo sinoatrial, o nodo átrio-ventricular e todo o miocárdio (átrios
e ventrı́culos). Ele é responsável por aumentar a FC e a força de contração
do miocárdio (Warwick & Williams, 1973; Hainsworth, 1998).
Em repouso observa-se predomı́nio da modulação vagal sobre o coração.
Esta reduz os valores da FC intrı́nseca de 110-120 para 60-80 batimentos
por minuto (bpm). No entanto, valores de FC acima da FC intrı́nseca
representam predomı́nio simpático (Hainsworth, 1998).
A influência da estimulação ou da inibição das fibras nervosas simpáticas e parassimpáticas nas respostas da FC sobrepõe ao ritmo inerente do
miocárdio. A interação complexa entre estas duas eferências resulta em
oscilações da FC instantânea e dos iR-R do ECG, as quais se denomina de
VFC (Longo et al., 1995; Novak et al., 1996; Grupi & Moraes, 2001).
O reconhecimento de que a FC e a pressão arterial apresentam variações batimento a batimento vem de longa data. A constatação inicial
Variabilidade da frequência cardíaca em crianças com PC
167
deste fenômeno foi feita por Stephens Hales em 1973, ao realizar a primeira medida quantitativa da pressão arterial. Isto forneceu bases para o
aprofundamento dos estudos nesta área. Assim, sabe-se que as flutuações
periódicas da FC constituem um indicador de um sistema cardiovascular
saudável e que a análise da VFC representa um dos mais significativos indicadores quantitativos da resposta neuro-regulatória batimento a batimento
(Hartikainen et al., 1998).
Os ajustes do SNA são atribuı́dos à integridade do sistema neurocárdico
e a posição corporal afeta o controle e reposta da FC (Zuttin et al., 2008).
As condições patológicas promovem alterações na modulação autonômica
da FC e na dinâmica do sistema cardiovascular. Isto compromete os ajustes rápidos e compensatórios da FC, determinados pela ação autonômica
sobre o nodo sinusal para garantir a homeostase (Mitchell, 1990). Assim,
alterações na modulação autonômica da FC e na dinâmica do sistema cardiovascular podem ser identificadas por meio do estudo da VFC nas posturas
supina e ortostática (Acharya et al., 2005; Zamunér et al., 2011).
2.3 Análise da variabilidade da frequência cardícaca no domínio da
frequência
Existem diversos métodos para a análise da VFC e os que ocorrem no domı́nio do tempo são os mais difundidos. No entanto, estes não mostram especificidade e sensibilidade suficientes, uma vez que seu uso é relativamente
limitado (Novak et al., 1996). Estes métodos descrevem o comportamento
de um fenômeno ao longo do tempo, e avaliam basicamente a variabilidade
estatı́stica por meio de médias e desvios-padrão.
Os métodos de análise no domı́nio da frequência são os mais aceitos,
pois a VFC envolve fenômenos periódicos que se relacionam com ajustes e
adaptações fisiológicas às mudanças no meio interno, externo e na presença
de doenças. Para isto se utilizam ferramentas matemáticas que possibilitam
estudar as ondas a partir da análise espectral. Para a análise dos dados,
inicialmente deve ser realizada uma inspeção visual da distribuição dos iRR (em milissegundos) obtidos durante a coleta, para observar ou eliminar os
trechos que contenham interferências ou ruı́dos no sinal. Assim, selecionase um intervalo que apresente maior estabilidade do traçado dos iR-R do
ECG e que contenha no mı́nimo 256 batimentos (Novak et al., 1996).
Para os registros de longa duração, do tipo Holter de 24 horas,
recomenda-se a avaliação a partir da análise no domı́nio da frequência,
também denominada de análise espectral. Porém, alguns estudos afirmam
que cinco minutos de registro, ou 256 pontos, proporcionam tempo suficiente para se obter a estabilidade do sinal (Novak et al., 1996; Hartikainen
et al., 1998).
A análise espectral permite decompor a VFC de um determinado
tempo em seus componentes oscilatórios fundamentais, definindo-os pela
sua frequência e amplitude (Longo et al., 1995). Assim, a análise espectral
168
Cunha et al.
envolve a decomposição de um sinal numa soma de ondas senoidais de diferentes amplitudes e frequências (Appel et al., 1989). A partir desta análise
identifica-se e quantifica-se a frequência com que aparecem determinados
elementos repetitivos nas variações da FC (Longo et al., 1995).
Nesta análise, a série de iR-R sofre inicialmente um processamento
matemático por meio de um microcomputador que resulta no tacograma
(Figura 2). O tacograma expressa a variação da FC (iR-R) em função
do tempo e contém um sinal quase periódico que oscila no tempo. Ele
é então manipulado por vários algoritmos matemáticos, por meio de método não paramétrico como a transformada rápida de Fourier, ou método
paramétrico como modelo auto-regressivo.
Figura 2. Tacograma dos valores absolutos da FC (bpm) no software Polar
Precision Performance durante 15 minutos.
Os principais componentes, identificados a partir da análise espectral
são mostrados na Tabela 1: Ultra Baixa Frequência (UBF), Muito Baixa
Frequência (MBF), Baixa Frequência (BF) e Alta Frequência (AF) (Novak
et al., 1996).
A natureza da UBF e da MBF não está completamente esclarecida.
Para obtê-las são necessários longos perı́odos de aquisição, com registros
de vinte e quatro horas. Acredita-se que estas frequências de oscilações
são mais lentas. Alguns autores relatam que elas sofrem influências de
fatores ligados aos controles de termorregulação, do tônus vasomotor periférico (Akselrod et al., 1981, 1985; Appel et al., 1989), e do controle
neuro-hormonal, ligado ao sistema renina-angiotensina-aldosterona (Akselrod et al., 1985; Pomeranz et al., 1985). Outros autores acreditam que
a MBF seja dependente tanto da ação do simpático, como do parassimpático (Akselrod et al., 1981, 1985; Pomeranz et al., 1985; Appel et al., 1989;
Hayano et al., 1991; Akselrod, 1995).
A BF é dependente do reflexo barorreceptor. Esta faixa de frequência
é utilizada principalmente como marcadora da modulação simpática sobre
o sistema cardiovascular (Malliani et al., 1991; Longo et al., 1995; Novak
169
Variabilidade da frequência cardíaca em crianças com PC
Tabela 1. Variáveis espectrais com valores correspondentes das faixas de
frequência e significado fisiológico. Adaptado de Novak et al. (1996).
Componente
Espectral
Espectro total
Faixa
espectral
(Hz)
Entre 0 e 0,4
Alta frequência
Entre 0,15 e
0,4
Baixa
frequência
Entre 0,03 e
0,15
Relação baixa
frequência e
alta frequência
Significado
Representa a variabilidade total da
frequência cardı́aca no perı́odo estudado.
Representa a modulação vagal. Seu
pico máximo varia com as incursões respiratórias. Encontra-se geralmente em 0,25 Hertz e corresponde a
15 incursões respiratórias por minuto,
aproximadamente.
Representa a modulação conjunta do
simpático e parassimpático, com predominância do simpático. É modulada pelo barorreflexo e pelas oscilações cı́clicas da pressão arterial, com
pico máximo em torno de 0,1 Hertz.
Representa um ı́ndice do balanço
simpato-vagal.
et al., 1996). Porém, alguns autores afirmam que nesta faixa de frequência
também há contribuição do componente parassimpático (Skyschally et al.,
1996).
A AF corresponde à modulação respiratória, pois coincide com a arritmia sinusal respiratória. Portanto, ela é indicativa da atuação vagal sobre
o nó sino atrial (Akselrod et al., 1981; Pagani et al., 1986; Lombardi et al.,
1987; Malliani et al., 1991; Novak et al., 1996).
Os componentes de BF e AF podem ainda ser expressos em unidades
normalizadas (un) conforme as Equações 1 e 2, onde: AF un e BF un são,
respectivamente, os componentes de alta e baixa frequência em unidades
normalizadas; AF é o componente de alta frequência em valor absoluto,
BF é o componente de baixa frequência em valores absolutos, e MBF é o
componente de muito baixa frequência (Novak et al., 1996).
AF un =
AF (ms2 )
× 100
P otencia T otal(ms2 ) − M BF
(1)
BF un =
BF (ms2 )
× 100
P otencia T otal(ms2 ) − M BF
(2)
170
Cunha et al.
3. Metodologia
3.1 Procedimentos para a avaliação da VFC em crianças com PC
A literatura relata que a VFC é dependente da idade, devido às alterações
relacionadas à mediação parassimpática e simpática da FC que ocorrem
ao longo do desenvolvimento. Isto resulta em uma grande variação do seu
comportamento em cada década de vida (Finley & Nugent, 1995). Assim,
em pesquisas é importante que as crianças não apresentem discrepância em
relação à idade e também em relação ao gênero. Estas variáveis devem ser
cuidadosamente observadas para manter a homogeneidade dos grupos.
Nos dias anteriores aos testes, as crianças e seus responsáveis devem
receber orientações relevantes, tais como: evitar o consumo de bebidas
estimulantes (café, chá preto e refrigerante), não realizar atividade fı́sica,
fazer refeições leves e ter repouso noturno.
Todas as crianças devem ser familiarizadas com os procedimentos experimentais a fim de minimizar a influência de fatores como a ansiedade
nas variáveis estudadas.
Uma forma de avaliar o ajuste autonômico cardiovascular é promover
a captação da FC e dos iR-R batimento a batimento nas posturas supina e
ortostática. Para isto, pode-se utilizar a manobra postural ativa, uma variante da manobra postural passiva (tilt table test). Esta manobra é efetiva
para avaliar a resposta cardı́aca simpática, juntamente com a liberação
vagal. Além da estimulação reflexa provocada sobre os barorreceptores,
envolve a contração dos músculos dos membros inferiores (Smitt et al.,
1999).
Para a coleta de dados, as crianças devem ser orientadas a permanecer
em silêncio, evitar movimentos bruscos, não dormir e manter a respiração espontânea. A última é registrada pelo avaliador minuto a minuto.
Ressalta-se ainda a importância das coletas da FC serem realizadas no
mesmo perı́odo do dia, para reduzir possı́veis influências das variações circadianas.
A coleta dos dados deve ser iniciada com a criança em decúbito dorsal
sobre uma maca (Figura 3(a)). Para a postura ortostática, a coleta deve
ser realizada com a criança em pé e apoiada na maca. Para crianças que
não conseguem ficar em pé somente com apoio na maca, um apoio adicional
em tronco superior ou inferior pode ser fornecido (Figura 3(b)). O tempo
de coleta da FC e dos iR-R deve ser de 15 minutos na postura supina e 15
minutos na postura ortostática.
4. Resultados e Discussão
Os resultados deste estudo foram organizados com base na discussão das relações entre a PC, o comprometimento motor e a VFC. Além disto, buscouse uma reflexão sobre como a VFC implica nas ações do fisioterapeuta.
171
Variabilidade da frequência cardíaca em crianças com PC
(a)
(b)
Figura 3. Captação em supino (a) e em ortostatismo (b), de uma criança
com PC nı́vel IV do GMFCS.
4.1 Paralisia cerebral e variabilidade da frequência cardíaca
Estudos mostram que crianças com PC apresentam maior FC em repouso
e durante a prática de atividades fı́sicas quando comparadas com crianças
com desenvolvimento motor tı́pico (Duffy et al., 1996; Bartonek et al.,
2002). A análise da VFC no domı́nio da frequência demonstra que as
crianças com desenvolvimento tı́pico possuem valores de AF un superiores
e de BF un inferiores aos das crianças com PC, em supino (Park et al.,
2002; Negri et al., 2010; Zamunér et al., 2011). Estes achados podem
estar relacionados a alterações de tônus e movimentos involuntários, que
resultam em maior gasto energético.
Na postura ortostática, crianças com desenvolvimento tı́pico apresentam redução do valor de AF un, e aumento do valor de BF un (Park et al.,
2002; Yang et al., 2002; Zamunér et al., 2011). Isto indica diminuição da
VFC quando se muda de supino para em pé. Entende-se que estas crianças apresentam os ajustes esperados na modulação autonômica da FC
durante a mudança postural. Porém, esta resposta não foi observada na
PC (Park et al., 2002; Yang et al., 2002; Zamunér et al., 2011). Autores
afirmam que na PC, além da perda das influências hemisféricas sobre a modulação autonômica decorrente das lesões encefálicas (Korpelainen et al.,
172
Cunha et al.
1993; Linden & Berlit, 1995; Yang et al., 2002), há diminuição do reservatório adaptativo da modulação autonômica cardı́aca. Algumas funções
autonômicas cardı́acas, como a retirada vagal e a ativação simpática, talvez
não sejam suficientes para superar o estresse ortostático (Park et al., 2002;
Yang et al., 2002; Zamunér et al., 2011).
4.2 Variabilidade da frequência cardíaca e o comprometimento motor
Outro aspecto importante acerca do assunto é que maiores valores de FC
são atribuı́dos a um maior comprometimento motor, como o das crianças
com PC classificadas nos nı́veis IV e V do GMFCS. Este fato sugere que
crianças com maiores alterações neuromotoras e que não deambulam apresentam redução do condicionamento cardiovascular quando comparadas
com crianças que deambulam, classificadas nos nı́veis I ao III do GMFCS
(Dirienzo et al., 2007).
Zamunér et al. (2011) observaram correlação entre a classificação do
GMFCS e as variáveis AF un, BF un e razão BF/AF (Figura 4(a-c)). O
estudo demonstrou que quanto maior o comprometimento motor da criança, menor a VFC. Assim, crianças com limitações funcionais mais severas
apresentam menor mobilidade, maior gasto energético e menor resistência
cardiopulmonar. Acredita-se que estes fatores causem menor contribuição
da modulação autonômica parassimpática nos ajustes autonômicos da FC.
Figura 4. Valores de correlação entre o GMFCS e os ı́ndices espectrais
BF un (a), AF un (b) e razão BF/AF (c). Adaptado de Zamunér et al.
(2011).
Variabilidade da frequência cardíaca em crianças com PC
173
4.3 Implicações para a fisioterapia
A fisioterapia em neuropediatria busca fundamentação cientı́fica para nortear a prática clı́nica e subsidiar a escolha das intervenções, bem como
realizar uma abordagem mais abrangente e global do paciente.
A relação do controle autonômico cardı́aco com o comprometimento
motor remete à importância do tratamento fisioterapêutico ser também
direcionado à melhora do sistema cardiovascular. Desta forma, deve-se
buscar minimizar o predomı́nio da modulação autonômica simpática e consequentemente sua sobrecarga ao sistema cardiovascular.
5. Considerações Finais
As crianças com PC apresentam maiores valores de FC, dos ı́ndices BF un
e BF/AF e menores valores de AF un em repouso, quando comparadas
com crianças com desenvolvimento motor tı́pico na mesma faixa etária.
É possı́vel concluir que as crianças com PC apresentam alterações nos
ajustes autonômicos posturais e que, quanto maior o comprometimento
motor, menor a capacidade do sistema neurocárdico em realizar ajustes
autonômicos.
Entende-se que é bastante importante incentivar o uso da análise da
VFC na clı́nica fisioterapêutica em neurologia infantil. Esta técnica pode
ser utilizada para avaliar e reavaliar a modulação autonômica da FC antes
e após as intervenções. Também se sugere a realização de mais estudos
com diferentes perfis funcionais de pacientes.
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Cunha et al.
Notas Biográficas
Andréa Baraldi Cunha é Fisioterapeuta (UNIMEP, 2005) e Mestre em Fisioterapia (UFSCar, 2011). Atualmente é doutoranda em Fisioterapia (UFSCar).
Antonio Roberto Zamunér é Fisioterapeuta (UNIMEP, 2008) e Mestre
em Fisioterapia (UNIMEP, 2011). Atualmente é doutorando em Fisioterapia
(UFSCar).
Ester da Silva é Fisioterapeuta (PUCCamp, 1977), Mestre e Doutor em
Ciências – Fisiologia (UNICAMP, 1988 e 1998, respectivamente). Atualmente
é docente do curso de graduação em Fisioterapia da Universidade Metodista
de Piracicaba (UNIMEP) e professora colaboradora de pós-graduação em
Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Eloisa Tudella é Educadora Fı́sica (PUCCamp, 1976), Fisioterapeuta (PUCCamp, 1977), Mestre em Educação Fı́sica (UGF, 1989), Doutor em Psicologia
– Psicologia Experimental (USP, 1996) e tem pós-doutorado (Universidade de
Samamanca, Espanha, 2009). Atualmente é professora associada da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de Fisioterapia.
Marlene Aparecida Moreno é Fisioterapeuta (UNIMEP, 1993), Mestre em
Biologia e Patologia (UNICAMP, 2000) e Doutor em Fisioterapia (UFSCar,
2007) e tem pós-doutorado em Biodinâmica do Movimento e Esporte (UNICAMP, 2011). Atualmente é docente do curso de graduação e pós-graduação em
Fisioterapia da Universidade Metodista de Piracicaba UNIMEP.
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Capítulo 9 Variabilidade da Frequência Cardíaca em Crianças com