Oftalmologia - Vol. 34: pp. 365 - 370
Análise da Evolução da Densidade Óptica
do Pigmento Macular com a Idade
Filipa Gomes Rodrigues 1, Jorge M. Mendes 2 , Raquel Leitão 3, Sandra Gouveia 3,
José Salgado-Borges 4
1 – Interna Complementar de Oftalmologia - CHEDV – Unidade de São Sebastião
2 – Professor Auxiliar. Centro de Estatística e Gestão de Informação (CEGI) – Universidade Nova de Lisboa (UNL)
3 – Técnica de Ortóptica do Serviço de Oftalmologia - CHEDV – Unidade de São Sebastião
4 – Director do Serviço de Oftalmologia - CHEDV – Unidade de São Sebastião
Serviço de Oftalmologia - Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (CHEDV) – Unidade de São Sebastião – Santa Maria da Feira
fi[email protected]
RESUMO
Introdução: O pigmento macular é formado pelos carotenóides luteína e zeaxantina.
Devido às suas propriedades anti-radicais livres, constitui um factor protector da
Degenerescência Macular Relacionada com a Idade (DMRI). A medição da Densidade
Óptica do Pigmento Macular (DOPM) na prática clínica diária poderá vir a constituir um
método de rastreio precoce dos indivíduos com maior risco de DMRI, sendo importante
conhecer a distribuição normal dos valores de DOPM na nossa população e os seus
possíveis factores determinantes. Com este trabalho pretende-se analisar a distribuição
de medições da DOPM numa amostra de 180 indivíduos de diferentes idades. Material
e métodos: A amostra do presente estudo é formada por 180 voluntários com idades
compreendidas entre os 20 e os 79 anos de idade. Os indivíduos foram submetidos
à medição da DOPM através de uma técnica inovadora, Heterochromatic Flicker
Photometry (HFP). A medição foi realizada no olho esquerdo ou no olho direito a cada
um dos participantes. Analisaram-se as características da amostra e as medições da
DOPM segundo a sua distribuição por sexo, idade e grupo etário decenal. Resultados:
A média global de DOPM é de 0,48 +/- 0,15. Não existe diferença estatisticamente
significativa entre os valores médios de DOPM por sexo. Os valores médios de DOPM
por grupo etário decenal não são estatisticamente diferentes. Contudo, verifica-se uma
correlação negativa e uma relação linear decrescente entre os valores de DOPM e a idade.
Conclusões: Os resultados deste estudo parecem mostrar uma diminuição da DOPM
com a idade. Todavia, existe uma grande variabilidade na DOPM que fica por explicar
e que poderá dever-se a erros de medição e/ou outros factores de risco para a DMRI.
ABSTRACT
Macular Pigment Optical Density evolution with age
Introduction: Macular pigment is formed by the carotenoids lutein and zeaxanthin.
Due to its anti free-radical properties, it’s considered a protective factor from age-related
macular degeneration (AMD). Measurement of Macular Pigment Optical Density (MPOD)
Trabalho apresentado sob a forma de Comunicação Livre no 52.º Congresso Português de Oftalmologia, Vilamoura
(2009).
VOL. 34, ABRIL - JUNHO, 2010
365
Filipa Gomes Rodrigues, Jorge M. Mendes, Raquel Leitão, Sandra Gouveia e José Salgado-Borges
in daily clinical practice may become an early screening method of individuals at risk for
AMD. It is therefore important to know the normal distribution of MPOD values in our
population and its potential determinant factors. The scope of this study is the analysis
of the distribution of MPOD measurements in a sample of 180 individuals with different
ages. Material and methods: The sample consists of 180 volunteers, ranging from 20
to 79 years of age. Individuals were submitted to MPOD measurement through a novel
technique, Heterochromatic Flicker Photometry (HFP). MPOD was measured in the left
eye or right eye of each subject. Sample characteristics and MPOD values according to sex,
age and decennial age group are analyzed. Results: Mean MPOD value is 0,48 +/- 0,15.
Mean MPOD values are neither statistically different between males and females nor
according to decennial age group. However, a negative correlation between MPOD values
and age is observed, as well as a decreasing linear association between the two variables.
Conclusions: The results appear to show a decrease in MPOD values with age. However,
a considerable amount of MPOD variability remains unexplained, which can be due to
measurement errors and/or other AMD risk factors.
Palavras-chave: Degenerescência macular relacionada com a idade; Densidade óptica do pigmento macular;
Carotenóides; Luteína; Zeaxantina.
Key words: Age-related macular degeneration; Macular pigment optical density; Carotenoids; Lutein;
Zeaxanthin.
Introdução
O
pigmento macular (PM) é formado pelos
carotenóides luteína e zeaxantina1,2.
Visto que estas moléculas não são sintetizados
pelo organismo, a sua obtenção é feita
exclusivamente através de fontes alimentares,
nomeadamente pela ingestão de gema de
ovo e de frutos e vegetais de folhas verdes e
cores variadas 11. Relativamente à localização,
o seu pico situa-se na zona central da retina
(1º a 2º centrais da fóvea), sofrendo uma
diminuição periférica progressiva, estando
ausente a partir dos 8º a 10º de excentricidade
foveal 12 . Histologicamente, observa-se que
o PM está situado em maior concentração
nas camadas retinianas plexiforme externa e
plexiforme interna, sendo responsável pela
coloração amarelada característica da mácula 5.
No que diz respeito às suas propriedades, o
PM apresenta um pico de absorção situado nos
446 nm, correspondente à luz azul, luz esta que
provoca lesões retinianas com maior facilidade
devido ao seu menor comprimento de onda e
elevada energia. Por outro lado, o PM constitui
um eficaz neutralizador das espécies reactivas
366
de oxigénio. Estas duas propriedades conferem-lhe um efeito anti radicais livres, diminuindo
assim a peroxidação lipídica de ácidos gordos, a consequente alteração funcional e
morte celular e ainda a formação de produtos
resultantes da peroxidação, nomeadamente
lipofuscina 1. A lipofuscina, um marcador de
envelhecimento retiniano cuja acumulação
leva à formação de drusens, é por si só capaz
de gerar novos radicais livres quando exposta
à luz azul, estimulando ainda a apoptose de
células do epitélio pigmentar da retina 2. Tendo
em consideração as características do PM e o
papel do stress oxidativo na patofisiologia da
Degenerescência Macular Relacionada com a
Idade (DMRI) 1,2, vários estudos procuraram
definir uma relação entre ambos, estando hoje
estabelecido um papel protector do PM na
DMRI 1,2,3,6. Tendo em conta não só o aumento
da prevalência desta patologia inerente ao
incremento da esperança média de vida, mas
também a frequente ausência de um tratamento
adequado, a prevenção surge como uma arma
importante no combate à DMRI. Assim, o
conhecimento dos factores determinantes
da Densidade Óptica do Pigmento Macular
OFTALMOLOGIA
Análise da Evolução da Densidade Óptica do Pigmento Macular com a Idade
(DOPM) poderá permitir desenvolver medidas
preventivas que actuem através da aumento
do seu valor. Neste sentido, estudos recentes
demonstraram que alguns dos factores que
provocam a diminuição da DOPM são também
factores de risco para DMRI, nomeadamente o
tabagismo, obesidade e história familiar 9,10. No
que concerne à influência da idade na DOPM,
os resultados têm sido contraditórios 3,10,12.
A medição da DOPM na prática clínica
diária poderá vir a constituir um método de
rastreio precoce dos indivíduos com maior risco
de DMRI. Assim, é objectivo deste trabalho
conhecer a distribuição dos valores da DOPM
na nossa população. Por outro lado, pretende-se aprofundar os factores que provocam uma
variação da DOPM, assim como o estudar a
relação entre a DOPM e factores de risco para
DMRI, nomeadamente a idade, um factor de
risco major para DMRI 8. Desta forma, será
possível obter uma melhor compreensão do
papel protector do PM na DMRI. Para dar
resposta a estas questões, pretende-se analisar
a distribuição de medições da DOPM numa
amostra de 180 indivíduos.
mitente é muito longo para permitir a fusão
(correspondente ao ponto mínimo de flicker),
o indivíduo vê a luz a “tremer”, sendo dada a
indicação de que deverá pressionar um botão
nesse momento. São emitidos vários estímulos
com diferentes proporções de luz verde e luz
azul. É determinado o ponto mínimo de flicker
correspondente a cada ratio de luz verde/ luz
azul, permitindo a obtenção de uma curva de
medição. A medição foi realizada no centro
retiniano, onde ocorre absorção de luz azul pelo
PM. Na periferia retiniana, devido à ausência
de PM, não ocorre absorção de luz azul, sendo
a DOPM teoricamente zero. Contudo, visto
que os meios ópticos amarelados absorvem
luz azul, o aparelho estima automaticamente
a medição periférica, tendo em conta a idade
do paciente. São então obtidas duas curvas,
correspondentes à medição central e periférica
(Fig.1). A diferença entre as duas medições
deve-se à presença de PM no centro retiniano,
permitindo o cálculo do calor da DOPM.
Material e Métodos
A amostra do presente estudo é formada
por 180 voluntários com idades compreendidas
entre os 20 e os 79 anos de idade, sendo que
a cada grupo etário decenal correspondem 30
voluntários.
Os indivíduos foram submetidos à medição
da DOPM através do aparelho QuantifEYE®
(ZeaVision ® ), baseado na técnica Heterochromatic Flicker Photometry (HFP). Esta
técnica é não invasiva, não requer dilatação, é
fiável e apresenta resultados reproduzíveis 4,12.
O aparelho emite um estímulo composto por
luz azul (465nm), absorvida pelo PM, e luz
verde (530nm), que não é absorvida pelo PM.
O estímulo é emitido inicialmente com uma
determinada frequência (flicker do estímulo),
a qual vai sendo gradualmente diminuída.
Quando o intervalo entre os flashes de luz interVOL. 34, ABRIL - JUNHO, 2010
Fig. 1 – Exemplificação das medições central e periférica.
A cada ponto corresponde o valor mínimo de flicker do
indivíduo para um estímulo de determinado ratio verde-azul. Adaptado de van der Veen RLP et al 12.
A medição foi realizada no olho esquerdo
ou no olho direito a cada um dos participantes,
dado que não parece haver diferença interocular
na DOPM medida por HFP 7.
367
Filipa Gomes Rodrigues, Jorge M. Mendes, Raquel Leitão, Sandra Gouveia e José Salgado-Borges
Analisaram-se as características da amostra e as medições da DOPM segundo a sua
distribuição por sexo, idade e grupo etário
decenal.
Na figura 4 está representada a distribuição
de frequências de medição por escalão etário
decenal, segundo o sexo. Verifica-se que 64%
dos indivíduos da amostra pertence ao sexo
feminino (n=115).
Resultados
Relativamente às medições de DOPM
segundo o olho, verificou-se que não existe
diferença estatisticamente significativa no valor
médio e de variância de DOPM entre o olho
direito e o olho esquerdo (p<0,05) (Figs. 2 e 3).
Assim, a origem da medição não é considerada
relevante na restante análise.
A média global de DOPM é de 0,48 +/- 0,15.
Fig. 4 – Gráfico de distribuição de frequências: medição de
DOPM por grupo etário decenal, segundo o sexo.
Fig. 2 – Histograma da distribuição da DOPM, segundo
o olho.
Fig. 3 – Gráfico de caixa-e-bigodes: distribuição da DOPM,
segundo o olho.
368
Relativamente às medições de DOPM
segundo o sexo, o valor médio de DOPM é
de 0,47 +/- 0,16 e 0,49 +/- 0,16 em homens e
mulheres, respectivamente. Esta diferença não
é estatisticamente significativa (p=0,6069), tal
como a diferença entre as variâncias de DOPM
(p=0,1927) (Fig. 5).
Fig. 5 – Gráfico de caixa-e-bigodes: DOPM, segundo o
sexo.
OFTALMOLOGIA
Análise da Evolução da Densidade Óptica do Pigmento Macular com a Idade
Relativamente à análise da relação da DOPM
com a idade, verifica-se uma correlação negativa entre as duas variáveis (coeficiente de
Pearson: -0,1167) (Fig. 6). Contudo esta relação
não é estatisticamente significativa (p=0,1196).
Os valores médios de DOPM por grupo etário
decenal também não são estatisticamente diferentes (Fig. 7).
Esta relação não é estatisticamente significativa (p=0,1196), apresentando um coeficiente de determinação associado de 0,0136.
Este coeficiente mede, numa escala de 0 a 1,
a quantidade de variabilidade explicada pelo
parâmetro em estudo. No caso da DOPM, só
1.36% da variabilidade é que pode ser explicada
pela idade.
Fig. 6 – Gráfico de dispersão do valor médio de DOPM,
segundo a idade.
Fig. 8 – Gráfico de dispersão da DOPM segundo a idade,
com representação da recta de regressão.
Conclusões
Fig. 7 – Gráfico de dispersão do valor médio de DOPM,
segundo o grupo etário decenal.
Verificou-se a existência de uma relação
linear decrescente entre os valores de DOPM e
a idade (Fig. 8), traduzida pela seguinte equação
de regressão:
DOPM = 0,5346 - 0,0010 7 x idade
VOL. 34, ABRIL - JUNHO, 2010
A média global de DOPM encontrada nesta
população portuguesa foi de 0,48+/-0,15, um
valor semelhante ao encontrado noutro estudo
que utiliza a técnica HFP, em indivíduos de
idades entre os 22 e os 64 anos 4.
Verificou-se que não existe diferença estatisticamente significativa entre os valores médios
de DOPM por sexo, tal como já descrito 12.
Assim, apesar de o sexo feminino ser frequentemente apresentado como factor de risco para
DMRI 1 , essa influência não parece derivar
de uma relação entre o sexo e os valores de
DOPM.
Os resultados parecem mostrar uma diminuição da DOPM com a idade. Deste modo, o
facto de a idade constituir um factor de risco
para DMRI poderá dever-se a uma diminuição
da DOPM com o envelhecimento. Dado que a
correlação negativa encontrada é consistente
com outros estudos 3,10, a falta de significância
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Filipa Gomes Rodrigues, Jorge M. Mendes, Raquel Leitão, Sandra Gouveia e José Salgado-Borges
estatística dos resultados poderá dever-se
à baixa dimensão da amostra e a erros de
medição. Uma grande variabilidade na DOPM
fica também por explicar. Essa variabilidade
poderá estar relacionada com os motivos já
referidos, assim como com a existência de
outros factores determinantes.
Futuramente, pretende-se analisar a associação entre a DOPM e factores de risco para a
DMRI 1,8, nomeadamente hábitos alimentares,
suplementos vitamínicos, tabagismo, antecedentes pessoais e familiares e Índice de Massa
Corporal. Apesar de ter sido determinado
um valor médio de DOPM nesta população,
seria também interessante analisar a partir
de que valor do DOPM aumenta o risco de
DMRI, assim como qual o limiar para iniciar
suplementação com carotenóides.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos voluntários que
participaram neste estudo.
Agradece-se também a colaboração da
Théa® Portugal, pelo fornecimento do equipamento utilizado.
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