UFES - Universidade Federal do Espírito Santo CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural 19 ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 Capítulo 2 - Microbiologia de Alimentos O estudo de microbiologia em ciência e tecnologia de alimentos refere a explorar potencial do uso dos microrganismos na produção de alimentos e bebidas, bem como, evitar aos danos relativos à (i) deterioração de alimentos, (ii) transmissão de doenças, e (iii) intoxicações alimentares. É sabido que as práticas para conservação de alimentos datam deste os primórdios da civilização humana. No entanto, somente com a descoberta dos microrganismos, Leeuwenhoek (1632 – 1723); e o entendimendo da ação dos mesmos, Louis Paster (1837); iniciou a compreensão dos processos de deterioração de alimentos. Em um de seus experimentos, Paster demonstrou que o processo de azedamento do leite é causado por microrganismos. Em função dessas descobertas e outras tantas tem sido estabelecidas técnicas para a conservação de alimentos. E estas fundamentam em: (i) destruir os microrganismos, e/ou (ii) criar condições desfavoráveis ao desenvolvimento, dos mesmos. Isto considerando os microrganismos indesejáveis. 2.1 Caracterização dos microrganismos Os microrganismos mais relevantes no processamento de alimentos são os fungos, leveduras, e as bactérias. Os fungos, também denominados mofos ou bolores, são formados por filamentos denominado hifas. O conjunto destas é denominado micélio. As hifas podem ser (i) septadas com células que intercomunicam pelos poros das paredes celulares, e (ii) não-septadas – quando os núcleos celulares estão dispersos ao longo da hifa. O micélio pode ter duas funções: (i) promover a fixação do bolor sobre o substrato (alimento), ou (ii) promover a reprodução por meio de esporos. A reprodução dos fungos pode ocorrer de forma sexuada, assexuada, ou as duas formas simultaneamente. A aparência do micélio caracteriza uma colônia de fungos, pelos seguintes fatores: aspecto cotonoso, ser secas, úmidas, compactas, aveludadas, gelatinosas, e variação de cores. Normalmente, pela análise macroscópica observando os fatores citados é possível identificar o gênero da colônia. Os gêneros de maior interesse em alimentos são: Aspergillus – com mais de 100 espécies, apresentam o micélio septado (Figura 1) e a sua reprodução é assexuada. Dentre as espécies, algumas delas podem ser agentes de: (i) deterioração de alimentos, tais como A. gluaucus e A. repens, (ii) fabricação de alimentos. Exemplo: A. orizae é utilizado na produção de enzimas como: alfa-amilase, lípases e pectinases, e (ii) produtores de micotoxinas – A. flavus e A. parasiticus. Fusarium - produzem micélios com aspecto cotonoso (Figura 1). Algumas espécies causam danos a frutas cítricas, abacaxi e figos, e outras produzem micotoxinas. Penicillium – constitui em várias espécies em que as características marcantes são o micélio septado e a reprodução assexuada. Algumas destas espécies são utilizadas na produção de alimentos: exemplo: P. camenbertii na produção dos queijos camembert e brie e o P. roquefortti na produção dos queijos roquefortti e gorgonzola. Algumas espécies são de interesse na área farmacêutica na produção de antibiótico tipo penicilina. Outras espécies são produtoras de micotoxinas: P. islandicum, P. citrinum e P. citreoviridae. UFES - Universidade Federal do Espírito Santo 20 CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 Figura 1 - Genêros Aspergillus, Penicillium. e Fusarium, respectivamente Alternaria - é o tipo mais comum na deterioração de tomates, pimentões, maças e frutas cítricas. Sendo que algumas espécies podem produzir micotoxinas. Aureobasidium – são comuns em frutas e vegetais. Produzem machas negras em camarões e carnes. Botrytis - produz a podridão cinza em maças, pêras, morangos e frutas cítricas. Byssochlamys – multiplicam em ambientes ácidos e com baixa concentração de oxigênio. Produzem enzimas pectiolíticas o que pode causar deterioração de sucos e frutas envasadas. Podem produzir gases o que causa estufamento das latas. Além dos gêneros descritos existem outros. No caso da armazenagem de grãos as espécies de fungos que proliferam com maior facilidade são as apresentadas no Tabela 1. Como pode ser observado, em função do valor de umidade relativa do ar intergranular é favorecida a proliferação de uma espécie de fungo. O valor da umidade relativa do ar intergranular é definido em função do teor de água dos grãos. Tabela 1 - Condições para o crescimento de fungos em grãos para temperaturas de 25 a 27oC Espécie Umidade relativa do ar intergranular - % Teor de água dos grãos - % Aspergillus halophilieus 68 12-14 Aspergillus restrictus 70 13-15 Aspergillus glaucus 73 13-15 A. candidus, A. ochraeus 80 14-16 A. flavus, parasiticus 82 15-18 80-90 15-18 Penicillium spp. As leveduras são fungos unicelulares não filamentosos que podem possuir formas esféricas ou piriformes. Estas reproduzem principalmente por brotamento. Seus efeitos em processos na indústria de alimentos podem ser benéficos ou prejudiciais. Como efeitos benéficos podem ser ressaltados o uso na produção de vinhos, cervejas, aguardentes, pães e maturação de queijos. Enquanto, como prejudiciais são conhecidos às alterações causadas em suco de frutas, xaropes, chucrutes e carnes. Abaixo são citadas algumas espécies de maior importância: UFES - Universidade Federal do Espírito Santo CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural 21 ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 - benéficas: • • • • Saccharomyces cervisiae - panificação, produção de álcool e outras bebidas; Saccharomyces cervisiae var. ellipsoidedeus – produção de vinhos; Saccharomyces carlsbergensis – produção de cervejas; Kluyveromyces fragilis – fermentação de lactoses o que é importante na industrialização de leite. - maléficas • Gênero Zygosaccharomyces – capacidade de crescer em altas concentrações de açúcares, atuando na alteração do mel, xaropes e melaço; e • Gênero Mycoderma provoca alterações em vinhos, cervejas e chucrutes. • Gênero Candica – mais comumente encontradas em carne fresca de bovinos e aves envolvidas em processos de deterioração. No entanto, podem infestar frutas, vegetais, laticínios, bebidas alcoólicas e refrigerantes. As bactérias são procarióticas (núcleo desorganizado sem membrana) e microscópias. Quanto à forma de sua célula (Figura 2), as bactérias são classificadas em: cocos (forma esférica), bacilos (forma de bastonetes) espirilos (forma espiralada) e vibrião (forma de vírgula). As formas das colônias (Figura 3) são decorrentes da agregação das formas individuais, por exemplo, têm-se: (i) diplococos – colônias formadas por dois cocos, (ii) estreptococos - colônia com cocos unidos em fileiras, como um colar, e (ii) estafilococos – colônia com cocos agregados desordenadamente. Figura 2 – Formato das células de espécies de bactérias Figura 3 – Formato das colônias de bactérias. As bactéias podem ser móveis ou imóveis. As móveis são dotadas de flagelos (filamentos móveis) para a locomoção. Sob aspecto metabolico as bactérias podem apresentar nos estado vegetativo ou como espóros. Quando no estado vegetativo as atividades metabolicas são normais. Ou seja, há desenvolvimento e multiplicação. Quando espóros, o metabolismo é reduzido a níveis baixissimos, e é desenvolvido um revestimento UFES - Universidade Federal do Espírito Santo CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural 22 ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 externo que protege a integridade do microrganismo contra as condições inóspitas do meio. Há casos, quando do uso de calor no tratamento de alimentos é possível eliminar as bactérias em estado vegetativo, porém os espóros permancem intactos. As bactérias saem do estado de espóros tão logo as condições do meio sejam propicias ao desenvolvimento da forma vegetativa. A longevidade dos espóros diferem segundo as espécies. De forma semelhante aos fungos, existem espécies de bactérias benéficas, prejudiciais e as sem risco aos homens e animais. Em ciência e tecnologia de alimentos é comum classificar as bactérias em grupos de acordo com suas propriedades. Esta classificação não é rigida e uma mesma espécie pode pertencer a mais de um grupo. Portanto, as bactéirias podem ser classificadas, como: láticas, acéticas, butíricas, propiônicas, proteolíticas, lipolíticas, scarolíticas, pectolíticas, termófilas, psicrófilas, halofílicas, osmofílicas, patogeneas, causadoras de intoxicações alimentares, produtoras de gases, e outros. Abaixo são apresentadas algumas espécies importantes em tecnologia de alimentos: • • • • • • Gênero Acetobacter – podem oxidar o álcool etílico, ácido acético e outros compostos orgânicos. Bactérias como Acetobacter aceti ssp, Acetobacter rancens são utilizadas na fabricação de vinagres, mas indesejáveis na produção de vinhos. Gênero Escherichia e Entrobacter – são utilizadas como na determinação do índice de sanidade de alimentos. Por exemplo, as bactérias Esherichia coli e Enterobacter aerogenes são de origem intestinal, sendo portando indicadoras da contaminação fecal dos alimentos. A Enterobacter aerogenes pode permancer por longo tempo no solo, água e superfície de vegetais. Staphylococcus aureus – produzem toxinas que causam intoxicação alimentar. Gênero Lactobacillus – são utilizadas na eleboração de produtos derivados de leite como: manteiga, queijos e leites fermentados e na fermentação lática de produtos vegetais como pilces, chucrute e azeitona. Gênero Bacillus – caracterizam por produzir esporos que são resistentes ao calor. Portanto, geram problemas na indústria de alimentos na produção de enlatados. A espécie Bacillus coagulus pode alterar alimentos com pH de 3.8 a 5.5, e sua temperatura ótima é 45oC. Esta espécie é relativamente comum em tomates. Quando atuam produzem ácido em estado liquido. Gênero Clostridium – geralmente são bactérias anaeróbicas, largamente encontradas no solo, plantas em decomposição e trato intestinal dos animais. Clostridium botulinum pode causar a intoxicação alimentar denominada botulismo. Esta ocorre devido a ingestão de toxinas produzidas pelo microrganismo. 2.2 Curva de crescimento dos microrganismos Na Figura 4 é apresentada a curva característica do crescimento de populações de microrganismos em desevolvimento em um substrato. Esta curva pode ser obtida pela contagem periódica do número de microrganismos viáveis em uma amostra, por exemplo, um mililitro de leite. Para prefeita representação, a escala do gráfico é logaritmica. A curva de crescimento caracteriza por possuir quatro fases: a) Fase de latência (AB) – nesta fase a população de microrganismo não apresenta crescimento podendo até apresentar um ligeiro decréscimo. Isto ocorre pelo fato dos microrganismos estarem adaptando a situação do meio. A duração desta fase depende de fatores como: tipo, idade e tamanho da população de microrganismos; quantidade de UFES - Universidade Federal do Espírito Santo 23 CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 Log do número de microrganinos viáveis substrato; e condições do meio, tais como: pH, disponibilidade de oxigênio e temperatura. No processamento de alimentos esta fase ocorre logo após a colheita ou o abate. C A D B E Tempo - horas Figura 4 - Curva de crescimento da população de microrganismos. b) Fase logarítmica (BC) – esta fase é caracterizada pelo crescimento da população a uma taxa constante. O término desta fase ocorre em função da não disponibilidade de substrato, alteração das condições do meio em razão do metabolismo dos microrganismos e aumento da toxidade do meio. c) Fase estacionária (CD) – nesta fase após o período de crescimento o tamanho população permance constante. A duração desta fase está diretamente relacionada condições do meio e a disponibilidade de substrato. Caso não haja o surgimento fatores que possibilite o retorno ao crescimento da população, segue a fase destruição. da as de de d) Fase de destruição (DE) – em razão das condições adversas do meio a população de microrganismos diminui em taxa constante. Em tecnologia de alimentos, quando a meta for conservar o produto, é procurado prolongar ao máximo a fase de latência (AB). Para tanto, são utilizados de recursos, tais como: (i) reduzir as fontes de contaminação na obtenção dos alimentos, (ii) criar condições ambientais desfavoráveis ao crescimento da população de microrganismo alterando temperatura, pH, teor de umidade dos produtos e uso de substâncias inibidoras e (iii) utilizar de tratamentos térmicos (secagem, apertização, etc...) ou de irradiações. Quando a meta é utilizar os microrganismos na produção de algum produto, por exemplo, álcool e iogurte, o importante é fornecer condições adequadas na fase de latência que garantam uma perfeita fase de crescimento. Assim, “estimulando”, o metabolismo dos microrganismos que promoverão a obtenção de produtos com qualidade. As adequadas condições na fase de latência são estabelecidas pela: (i) eliminação dos microrganismos indesejáveis, o que pode ser feito por meio da pasteurização, (ii) correção valor de pH, e (iii) adição de nutrientes e vitaminas. Estas medidas dependerão do tipo de materia prima e do produto final desejado. Com o uso da curva de crescimento pode ser calculado o tempo de geração de microganismos. O tempo de geração para bactérias refere ao período em que a partir de um ser é gerado outros dois. Este tempo é calculado por meio da equação 1. UFES - Universidade Federal do Espírito Santo 24 CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 tg = t o . log 2 log Nb − log NB (Eq. 1) Em que: tg = tempo de geração, to = tempo de observação, Nb = número de bactérias no final do período de observação; e NB = número de bactérias no início do período de observação. Na Tabela 2 é apresentado o efeito do tempo de geração sobre o tamanho da população de microrganismos. Tabela 2 – Efeito do tempo de geração sobre o crescimento da população de microrganismos. Tempo (h) Tempo de Geração (min) 30 60 120 0 1 1 1 1 4 2 1 2 16 4 2 3 84 8 2 4 256 16 4 5 1024 32 4 6 4096 64 8 7 16384 128 8 8 65536 256 16 9 262144 512 16 10 1048576 1024 32 20 100000000 104576 1024 Fonte (Gava, 1985) 2.3 Desenvolvimento dos microrganismos Basicamente, o desenvolvimento dos microrganismos está relacionado a fatores intrínsecos e extrínsecos ao alimento. Os fatores intrínsecos referem as características próprias do alimentos, tais como: (a) atividade de aquosa – Aa, (b) acidez – pH, (c) potencial de oxi-redução – Eh, (d) composição química, (e) fatores antimicrobiano naturais, e (f) interações dos microrganismos presentes no alimento. Enquanto que os fatores extrínsecos referem ao ambiente circunvizinho ao alimento. Nesta categoria os fatores mais relevantes são: (a) umidade relativa do ar, (b) temperatura ar ambiente, e (c) composição química da atmosfera. 2.3.1 Fatores intrínsecos aos alimentos a) Atividade aquosa - Aa Para o desenvolvimento dos microrganismos, os alimentos devem disponibilizar água livre. Esta constiui na parcela de água retida pelo o alimento que: (i) não faz parte da estrutura de constituição, (ii) não apresenta em estado sólido, e (iii) não constitui solucões com sais e ou açúcares. Pois, se a pressão osmótica for alta ocorrerá desidratação do microrganismo. UFES - Universidade Federal do Espírito Santo CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural 25 ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 O teor de água livre está diretamente associado à natureza do alimento e as condições do ambiente onde o produto encontra estocado. Os alimentos são higroscópios. Isso significa que entre estes e a massa de ar que os envolve, pode haver troca de água em estado gasoso. O sentido e intensidade desse fluxo irá depender do gradiente imposto pela diferença dos valores da pressão de vapor na superfície dos alimentos (Pva) e a pressão de vapor no ar (Pvar). Desta forma, dependendo das condições do produto e do ar pode-se ter a ocorrência de três situações. Caso, - Se Pva > Pvar, tem-se a secagem do alimento; - Se Pva < Pvar, tem-se o umidecimento do alimento; e - Se Pva = Pvar, tem-se o Equilíbrio Higroscópio - nesta situação não há fluxo de valor de água. O teor de água livre define a atividade aquosa (Aa). Este índice corresponde à razão entre as pressões de vapor na superfície dos alimentos (Pva) e a pressão de vapor no ar no estado de saturação (Pvs), situação esta correspondente as primeiras camadas de ar sobre superfície de uma lâmina de água. Isto para uma mesma temperatura. O valor da atividade aquosa pode variar de 0 a 1. Quanto maior é o valor, maior a disponibilidade de água livre. Na situação de equilíbrio higroscópio, o valor da umidade relativa do ar corresponde a 100 vezes o valor da atividade aquosa. O desenvolvimento das bactérias preferencialmente ocorre quando o valor de Aa é superior a 0,90. Os fungos entre valores de 0,60 a 0,90. São apresentados na Tabela 3 os valores de atividade aquosa para o desenvolvimento de certos microrganismos, e na Tabela 4 o nível de atividade aquosa de alguns alimentos. Tabela 3 - Atividade aquosa mínima para o desenvolvimento de certos microrganismos. Microrganismo Nível de atividade aquosa (Aa) Escherichia coli 0,96 Salmonella, Clostridium 0,95 Lactobacillus 0,94 Maioria das leveduras 0,88 Staphylococcus ssp. 0,86 Aspergillus halophilieus 0,68 Aspergillus restrictus 0,70 Aspergillus glaucus 0,73 A. candidus, A. ochraeus 0,80 A. flavus, parasiticus 0,82 Fonte: GAVA (1978) e FRANCO E LANDGRAF (2003) b) Acidez – pH A concentração de íons de hidrogênio (pH) afeta o desenvolvimento de microrganismos. E a modelo de outros fatores existem valores de pH mínimo, ótimo e máximo para o desenvolvimento, como é demonstrado na Tabela 5. A maioria dos alimentos apresentam pH próximo da neutralidade com valores entre 6,5 a 7,5. Porém de acordo com o valor do pH os alimentos podem ser classificados em de: (i) baixa acidez – quando o pH é superior a 4,5, (ii) ácidos – pH entre 4,0 e 4,5, e (iii) muito ácidos – pH inferior a 4,0. Estes limites foram definidos baseados nos valores de pH mínimo para a multiplicação e produção de toxina pelo Clostridium botulinum (pH = 4,5) e no pH mínimo para reprodução da grande maioria das bactérias. Desta forma produtos com baixa UFES - Universidade Federal do Espírito Santo 26 CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 acidez são mais susceptíveis a ação das bactérias patogênicas e deteriorantes. Na Tabela 5 são apresentados valores de pH para alguns tipos de alimentos. Tabela 4 - Nível de atividade aquosa de alguns alimentos Alimentos Nível de atividade aquosa (Aa) Frutas frescas e vegetais >0,97 Carne de aves e pescados frescos >0,98 Carnes frescas >0,97 Queijo minas 0,91 a 1,00 Queijo parmesão 0,68 a 0,76 Nozes 0,66 a 0,84 Grãos armazenados com teor de umidade de 13% 0,60 Farinha de trigo 0,66 a 0,87 Mel 0,54 a 0,87 Açúcar 0,10 Sucos concentrados de frutas 0,73 a 0,94 Geléias 0,82 Solucão de sacarose a 67% 0,86 Solucão de sacarose a 75% 0,77 Fonte: GAVA (1978) e FRANCO E LANDGRAF (2003) Tabela 5 - Valores de pH mínimo, ótimo e máximo para o desenvolvimento de microrganismos Microrganismo PH Mínimo Ótimo Máximo Bactérias Clostridium botulinum 4,2 a 4,5 6,8 a 7,2 9,4 a 10 Clostridium perfirngens 5,0 a 5,5 6,0 a 7,6 8,5 Escherichia coli 4,3 a 4,4 6,0 a 8,0 9,0 a 10 Lactobacillus ssp. 3,0 a 4,4 5,5 a 6,0 7,2 a 8,0 Salmonella ssp. 4,5 a 5,0 6,0 a 7,5 8,0 a 9,6 Leveduras Saccharomyces cervisiae Zygosaccharomyces rouxii 2,0 a 2,4 1,5 4,0 a 5,0 3,5 a 5,5 8,5 a 10,5 Mofos ou bolores Aspergillus niger Aspergillus oryzae Penicillium ssp. 1,2 1,6 a 1,8 1,9 3,0 a 6,0 4,5 a 6,7 9,0 a 9,3 9,3 Fonte: FRANCO E LANDGRAF (2003) UFES - Universidade Federal do Espírito Santo CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural 27 ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 Tabela 6 – Valores de pH de alguns alimentos Alimentos Abóbora Azeitona Batata Feijão Banana Laranja (suco) Uva Carne bovina moída Frango Presunto Camarão Peixe fresco (maioria) Salmão Creme de leite Leite Leitelho Manteiga Queijo Nível de pH 5,0 a 5,4 3,6 a 3,8 5,3 a 5,6 4,6 a 6,5 4,5 a 4,7 3,6 a 4,0 3,4 a 4,5 5,1 a 6,2 6,2 a 6,4 5,9 a 6,1 6,8 a 7,0 6,6 a 6,8 6,1 a 6,3 6,5 6,3 a 6,5 4,5 6,1 a 6,4 4,9 a 5,8 Fonte: FRANCO E LANDGRAF (2003) c) Potencial de oxi-redução – Eh Oxi-redução refere ao processo de troca de elétrons entre duas ou mais substâncias. Para caracterizar a facilidade de uma dada substância em doar ou receber elétrons foi criada a propriedade denominada potencial de oxi-redução – Eh, que é expressa em volts – V ou milivolts – mV. A substância que recebe os elétrons tornam carregadas negativamente, assim o seu valor de Eh tem valor negativo. Por outro lado as substâncias que doam tem Eh positivo. Na Tabela 7 são apresentados valores de Eh para alguns alimentos. Tabela 7 – Valores de potencial de oxi-redução Eh para alguns alimentos Alimentos Valores do potencial de oxi-redução Eh Alimentos de origem vegetal + 300 a 400 mV Grandes peças de carne -200 mV Carne moída até +200 mV Músculo animal logo após o abate + 250 mV Músculo animal l30 horas após o abate até – 250 mV Queijos - 20 até –200 mV Fonte: FRANCO E LANDGRAF (2003) d) Composição Química: Os alimentos sob o aspecto químico, para o desenvolvimento de microrganismos, podem ser comparados a um substrato, que podem oferecer nutrientes energéticos, de crescimento e complementares. Os nutrientes energéticos são substâncias tais como: açúcares (lactose, sacarose, glicose, frutose, maltose, e celulose), amido, ésteres, peptídeos UFES - Universidade Federal do Espírito Santo CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural 28 ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 e ácidos orgânicos. Estas substâncias ao serem metabolizadas por meio de processos aérobicos ou anaérobicos permitem a produção de energia (calorias). Os nutrientes de crescimento referem as proteínas, termo grego que significa “de primordial importância”. As proteínas são constituídas de átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio, nitrogênio (±16% da molécula), enxofre, fósforo e ferro. As moléculas das proteínas são polimerizadas a partir de blocos formadores, denominados de aminoácidos. Estes podem ser dessassociados e reassociados para síntese de outros tipos de proteínas de interesse do microrganismo. Neste caso, esta espécie de organismo é classificada como proteolítica. A maioria dos mofos e bacterias são proteolíticos, enquanto dentre as leveduras é tido uma minoria. Existem certas espécies de microrganismos que são capazes de captar o nitrogênio de fontes como a amônia e o ar atmosférico para sintetizar proteínas. Os nutrientes complementares são as vitaminas. Existem microrganismos que não são capazes de sintetizar determinados tipos de vitaminas, e só irão desenvolver se o alimento for fonte destas vitaminas. e) Fatores antimicrobianos naturais Alguns alimentos possuem em sua constituição substâncias que podem bloquear ou retardar o desenvolvimento de microrganismos. O que constitui os fatores antimicrobianos. Nos condimentos estes fatores apresentam como compostos químicos, tais como: (i) eugenol no cravo, (ii) alicina no alho, (iii) aldeído cinâmico e eugenol na canela, (iv) alil-isotiocianato na mostarda, e (v) timol e isotimol no orégano. Em frutas, hortaliças e sementes podem estar presentes substâncias como os ácidos hidroxicinâmico e taninos. A clara do ovo apresenta pH entre 9 a 10 o que inviabiliza a multiplicação de alguns microrganismos. Além disto, estão presentes substâncias, tais como: (i) a enzima lisozima, que destrói a parede celular de algumas bactérias, e (ii) inibidores como a avidina e conalbumina. O leite de vaca contém inúmeras substâncias antimicrobianas, tais como: imunoglobulinas, macrófagos, linfócitos, lisozima e nisina. Os agentes antimicrobianos podem ser adicionados propositalmente em alimentos, sendo denominados aditivos. Neste caso o objetivo é de estender o período de prateleira dos alimentos. Além dos agentes bioquímicos citados, as barreiras físicas dos materiais biológicos, como as paredes celulares e os tecidos de proteção, também funcionam como agentes antimicrobianos. f) Interação entre os microrganismos Pode ocorrer que um determinado microrganismo, presente em um alimento, ao multiplicar produza agentes metabólicos, que podem propiciar, ou não, a proliferação de microrganismos de outra espécie ou gênero. Por exemplo, em alimentos contaminados com a bactéria Pseudomonas aeruginosa ocorre a síntese dos aminoácidos tiamina e triptofano que são essenciais para o desenvolvimento da bactéria Staphylococcus aureus que produz toxinas prejudiciais a saúde humana. Assim muitos microrganismos podem produzir substâncias de atividade bactericida denominados bacteriocinas. Estas substâncias podem ser proteínas simples, outras contêm lipídios e açúcares. O uso de bacteriocinas e das bactérias produtoras de bacteriocinas em alimentos têm sido empregado como recursos tecnológicos na produção de alguns alimentos. UFES - Universidade Federal do Espírito Santo CCA - Centro de Ciências Agrárias - ERU - Departamento de Engenharia Rural 29 ENG O5212 Tecnologia de Produtos de Origem Animal I – I/2008 – Prof. Luis César – Website: http://www.agais.com/tpoa1 2.3.2 Fatores extrínsecos aos alimentos a) Temperatura: Os microrganismos para o seu desenvolvimento possuem o nível ótimo, mínimo e máximo de temperatura. Assim em função da temperatura do alimento é definido o tipo, velocidade e extensão das transformações. Os microrganismos conforme a temperatura ideal para o desenvolvimento são classificados em: psicrófilos (0 a 20oC), mesófilos (20 a 45oC) e termófilos (45 a 60oC). Além destas denominações pesquisadoras também definem uma outra categoria, os termodúricos. Isto pelo fato de algumas espécies resistirem a altas temperaturas. Assim é tido que microganismos termófilos são termodúricos, no entanto, nem todos os termodúricos são termofílicos. Os fungos geralmente não suportam temperaturas superiores a 35oC, porém as bactérias podem ser termófilas, com também psicrofílas, neste caso estas resistem as temperaturas utilizadas na refrigeração de alimentos. b) Umidade relativa A umidade relativa é um parâmetro utilizado para descrever a concentração de vapor de água no ar, sendo que seu valor pode variar de 0 a 100%. O valor zero corresponde ao ar seco, e a 100% quando o ar está no estado de saturação. Os alimentos são substâncias higroscópicas, assim estas podem receber ou repassar água para o ar ambiente na forma de vapor. Quando o alimento está em equilíbrio com ambiente ocorre a situação denominada equilíbrio higroscópico. Para esta situação não ocorrer troca de vapor de água e o valor da umidade relativa corresponde a 100 vezes o valor da atividade aquosa. Se o ambiente está seco, umidade relativa abaixo de 30%, o alimento perde umidade para o ambiente, o que caracteriza o processo de secagem. O processo de umedecimento ocorre se o ambiente está muito úmido, neste caso o vapor de água presente no ar é transferido para o alimento. c) Composição química da atmosfera Conforme o aproveitamento de oxigênio livre os microrganismos podem ser classificados em: (i) aeróbicos – necessitam de oxigênio para desenvolverem, (ii) anaeróbicos – desenvolvem na ausência e/ou baixas concentrações de oxigênio, e (iii) facultativos – proliferam tanto em condições aeróbicas como anaeróbicas. Portanto, em função da composição gasosa do ambiente que envolve o alimento, será determinada a constituição da microbiota que a infesta. Baseado neste princípio, o recurso tecnológico denominado atmosfera modificada está em uso. Atmosfera modificada corresponde ambientes em que o oxigênio é parcialmente ou totalmente substituído por outros gases. Isto com o objetivo de aumentar o período de conservação de alimentos. Embalagens ou ambientes com diferentes composições dos gases oxigênio, nitrogênio e gás carbônico são as formas mais utilizadas. No entanto, outros gases podem compor esta atmosfera, tais como: monóxido de carbono, óxido nitroso e dióxido de enxofre. O uso de atmosferas com 10% de CO2 propicia prolongar o tempo de armazenagem de frutas, especialmente, maças e pêras. Para conservação de carnes vermelhas estão em uso embalagens a vácuo ou com injeção de atmosfera modificada com aumento da concentração de CO2.