A repetição em 55
BenitaLosadaA.Lopes
percurso do Seminário II se faz sob o solo do "Além do Princípio do Prazer".
Em 55 Lacan vem marcar as relações do real com o imaginário e com o
simbólico e, principalmente, que a passagem do imaginário ao simbólico se
faz via real. É do impossível que se trata em 55.
O "Além do Princípio do Prazer" freudiano aborda a questão da Pulsão de Morte,
a Compulsão a Repetição, que Lacan vem chamar "insistência da cadeia significante "
e conduzir as articulações da REPETIÇÃO como estrutura simbólica, mas na qual
inscreve um "ponto de resistência ", algo que não cessa de não se inscrever, algo que
REPETE mas que é de outra ordem, é do registro do real.
E nesse sentido, Lacan vai assinalar que há dois registros mesclados, que há duas
vertentes da compulsão a repetição: uma que tem seu princípio na insistência da cadeia
significante, TENDÊNCIA RESTTTUTTVA, regulação simbólica, automaton que
revela-se como estrutura e outra vertente que chama "propriamente REPETITIVA ",
em que algo resiste, regulação real. Compulsão a repetição em sua tendência restitutiva
remete a Eros, e a repetitiva a Tanatos, duas faces de uma mesma moeda.
Nas primeiras lições do Seminário II, Lacan faz uma pontuação exaustiva, indicando que o NARCISISMO testemunha uma relação particular entre imaginário e real.
Articulação de como se faz a veste, a imagem virtual do objeto, do vazio ilustrado com
a imagem real, inaccessível ao sujeito. Identificação primeira, instante sincrônico,
consistente, "ponto invisível na regulação do sujeito que a imagem recobre ", anterioridade lógica fundamental à constituição do sujeito dividido.
Lacan marca a forma, a gestalt, a imagem unificada enquanto estruturante mas que,
na inscrição simbólica, está implicado um acesso, convoca o real. Em 55 está presente,
insistentemente demonstrada, que a passagem entre imaginário e simbólico se faz via
real. Menon com toda sua reminiscência e sua intuição inteligente vê a boa forma, mas
fica palpável a clivagemjeriie imaginário e a função simbólica que não lhe é absolutamente homogênea e e«jsHhtrodução na realidade constitui um forçamento.,
Com o recurso às equações menonianas, assim como ao número irracional, invocados justamente para demonstrar "que existe uma falha entre elemento intuitivo e o
elemento simbólico ", Lacan vem demonstrar que o simbólico não se inscreve progressivamente, exige uma passagem , impõe-se o domínio do real. Na Matemática
euclidiana os números irracionais são números que não têm razão entre si, são números
que têm função de completar o conjunto dos números reais, são números que presentificam uma hiância, um mau encontro. O número irracional indica uma falta, o número
irracional exerce função de um buraco constitutivo, o número irracional é a própria
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mostração do real enquanto impossível. O número irracional responde em 55 pela
irrepresentabilidade real do objeto e, por aí, será chamado, em 61, de objeto a, com
Lacan afirmando no Seminário II: "E na medida em que algo irracional aparece no
discurso, que se pode fazer entrever às imagens em seu valor simbólico ". O irracional,
o real para sustentar o próprio discurso. O significante articulando-se a outro significante encobre o que do significante existe de inarticulável, escamoteia o a-ste, o real.
Seja recorrendo à fórmula de Rimbaud "Je est un autre", ao mito hegeliano, ao
"eu sou " cartesiano, ao fenômeno da consciência, ao eu como função imaginária, seja
na função de fascinação em diversas efígies, Lacan vem marcar, no Seminário II, esse
sujeito virtual, esse sujeito da certeza que constitui antecedente lógico ao sujeito do
inconsciente, Lacan vem falar das implicações do sujeito dividido com o real.
Para rebater o sincretismo piagetiano e responder indiretamente a seu célebre
interlocutor hegeliano, vai referir-se ao fracasso acerbo e à aprendizagem enquanto
privilégio das tarefas inacabadas, à função do desejo de a elas retornar, marcando o
buraco, o furo, o lugar da falha enquanto imperativos da repetição. Na estrutura, a
repetição é um ato que se faz em honra de um reencontro faltoso : a repetição repete
o fracasso.
Ainda em 55 retoma a questão do REAL enquanto articulação indispensável à
inserção, à inscrição do simbólico, via "Carta Roubada", onde com as séries matemáticas, com as sucessões bernoullianas e markovianas, vai dizer que "nada ocorre
sem causa, mas trata-se de uma causa sem intenção". Em "A Carta Roubada ", com
as probabilidades e asregularidades,e suas correlações com a teoria dos gráficos e das
redes, Lacan escreve que o acaso sem intenção obedece a leis. Uma série jogada por
uma única alternativa fundamental: (+) ou (-) "permite demonstrar como as determinações articulam-se a uma sucessão de lances que se repartem estritamente ao acaso ".
A alternativa definida, o binário constituído, uma sucessão de quatro termos estrutura-se segundo leis precisas : o simbólico toma o real e uma insistência repetitiva se
instaura.
E Lacan repete e insiste, no final do Seminário II assinala toda uma convergência
em direção ao símbolo binário, refere-se ao fato de que qualquer coisa pode inscreverse em termos de zero e de um, vinculação direta à Cibernética, que chama ciência dos
lugares vazios, uma metáfora do simbólico, que, para por-se a funcionar sozinho,
precisa tomar algo no real. E Lacan sugere um aparelho a PORTA que, aberta regula
o acesso, cerrada fecha o circuito.
***' %,
Formulações que retoma, em outros termos, em ProHlMps Cruciais (65), quando
articula, em duas passagens, o percurso lógico da constituição do sujeito, do UM ao
UM, do especular ao traço unário, passando pelos zeros. A gênese do UM ao ZERO,
que Lacan remete ao vazio dos potes de mostarda, zero enquanto o oco deixado pelo
objeto, lugar sem consistência, em que o zero faz visível a falta, mas lugar onde o
sujeito será reconhecido, zero como símbolo do sujeito, zero enquanto condição e
possibilidade à passagem do ZERO ao UM, ao zero que se conta como um. A
REPETIÇÃO está inserida nessas duas operações essenciais, a repetição que funda a
série dos números sustentando-se no zero da falta. E o sujeito emergindo e evanescendo
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nesta tensão sempre repetida, efeito do significante sempre evanescente e renascente.
Sujeito que em sua forma essencial é impossível fora dessa pulsação tão bem figurada,
no dizer de Lacan, por essa oscilação do zero que faz ligadura ao um que repete, que
repete a diferença mas num ponto de real que não cede, que resiste.
Pensamos que, desde o Seminário II, há indicações precisas do imaginário como
suporte da consistência, o buraco como essencial ao simbólico e a ex-sistência do real,
na barreira entre simbólico e imaginário. O referente é o real, sem o qual a função
simbólica não se dará. Articulações introduzidas em 55, que Lacan recoloca em 64 e
65 e retoma em 76, em Joyce : " ao imaginário e ao simbólico, às coisas que são
estranhas umas às outras, somente o real trará o elemento que poderá mantê-los
juntos, unidos".
A questão a ser colocada seria se a Repetição em 55, além de sustentar a torção
freudiana de 1920, não constitui o mais forte argumento de Lacan para introduzir a
CLÍNICA do REAL?
Bibliografia
LACAN, Jaoques. O Seminário, livro II. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (195S).
ZaharEd.
. Seminário X. A Angústia (1962), inédito.
. O Seminário, livro XI. Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise (1964).
. Seminário XII, Problemas cruciais para a Psicanálise (1965), inédito.
. Seminário XXIII. O Sintoma (1976), Ornicar?
MILLER, J.A. La Sutura, Elementos de lógica dei significante, en Maternas II, Manantial.
VIDAL, E. - Seminários de 1985/1990.
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