A segunda morte do sujeito NilzaEricson bordar esse tema nos leva à dimensão trágica de nossa existência mas, principalmente a essa experiência no contexto da prática analítica. Na experiência dessa dimensão trágica estão implicadas as noções de lei e seus laços com o desejo. Na economia da coisa freudiana o desejo ocupa o lugar central e rege sua ética marcada pelo limite que a lei impõe. Assim, é pela via da ética do desejo que o trágico deve ser a-borda-do. Essa lei articulada ao limite Freud a apreende magistralmente na mais singela observação do vai e vem do carretei em que a criança, inaugurando-se como sujeito de uma perda, enuncia o fort/da.* É mesmo entre os dois significantes que a questão do desejo se insinua no sujeito, pois o que cai no intervalo é o próprio sujeito, carretei passível de uma afânise - momento de separação - limitado pelos significantes, enquanto vestígios deixados pelo seu desaparecimento. Essa é a condição do vir-a-serdesejante. A entrada na linguagem promove um corte instaurando a escansão claramente manifesta no jogo do fort/da, momento de constituição do sujeito simultâneo à sua primeira morte: "a morte que a vida leva " como formula Lacan na "Subversão do Sujeito", efeito do assassinato perpetrado pelo Amo Absoluto. Assim, o que ficou excluído no primeiro tempo da simbolização é o que o ser deve à morte, já marcado por sua dimensão trágica ou como aponta Lacan no Seminário da Ética: "o pensamento em sua presentificação no mundo é encontrado nos intervalos do significante ". É aí que o sujeito é constituído, nesse ponto de silêncio do Isso, ponto de ignorância, de não-saber que estava morto do próprio significante. É a lei regente do funcionamento do inconsciente e da qual, nós, analistas somos portadores no sentido de dar testemunho vivo da herança freudiana. Mas, trata-se de ir mais além na aventura empreendida por um sujeito em análise. Se é sua relação com o desejo o que está no centro, há nesse percurso o confronto inevitável com a morte enquanto possibilidade de vir a faltar na cadeia significante. Essa falta está intimamente relacionada ao modo pelo qust asujeito é representado no campo do Outro, da linguagem. São representantes da lacompletude do ser que sustentam, o sujeito como desejante. O que ele demanda é aquilo que lhe falta. Tocar a verdade dessa posição durante o processo analítico é o verdadeiro alcance do Édipo: abordar o que ele se é - conseqüência do corte significante traçando a singularidade de cada um - e o que não se é - o que fica para além desse limite como silêncio do Isso. Aí encontra-se a fronteira dessa região da segunda morte, essa que invade a vida A • 42 Freud, S. - Além do Princípio do Prazer. LETRA FREUDIANA -Ano XI -n 9 10/11/12 A segunda morte do sujeito portanto a relação do homem ao ser. Somente quando o sujeito faz a travessia dessa região, tocando seus limites é que pode aceder à primeira morte, ao significante do desejo, lugar de sua falta-a-ser. Sua segunda morte se presentifica na assunção da primeira morte, portanto, em uma anterioridade lógica à esta, re-significa a posterior!. Não há coincidência entre essas fronteiras, nem redução de uma à outra e sim uma dialética, pois ali onde o sujeito se eterniza igualmente desfaiece. Lógica que preside as operações de alienação e separação na constituição do sujeito. Essa passagem é fundamenta! no percurso de uma análise pois é onde o sujeito em sua condição de ser prometido à morte no próprio significante, tangencia o real: a morte que leva a vida. A zona do entre duas mortes implica os limites do sujeito enquanto constituído pelo corte significante por um lado e por outro, o seu destino de ser mortal, ser do intervalo. Fazer essa travessia é defrontar-se com a impossibilidade de se reunir ao Outro, de fazer um todo. A condição necessária para o advento do sujeito desejante, o sujeito da possibilidade, depende do atravessamento da impossibilidade de fazer Um com o Outro. É a assunção do destino mortal do ser, do trágico que essa verdade carrega, via pela qual o sujeito animado pelo desejo advém. Ou como nas palavras do poeta: "Vou nascendo meu vazio".* Referências bibliográficas Lacan, J. Seminário 7— Ética da Psicanálise Lacan, J. Seminário 10 - Transferência Lacan, J. Subversão do sujeito - Escritos • Barros, Manoel de - O livro de Pré-coisas. LETRA FREUDIANA -Ano XI - n " 10/11/12 43