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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 1594/00
Data: 30.11.2000
DECISÃO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE PASSOS - MG
Juiz Presidente: Dr. CARLOS ROBERTO BARBOSA
Aberta a audiência foram, de ordem do MM. Juiz Presidente, apregoadas as partes.
Ausentes.
Colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a Vara proferiu a seguinte decisão:
Vistos etc.
VALTER GOMES DA SILVA,
qualificado nos autos, ajuizou ação
trabalhista em face de CIA.
AÇUCAREIRA RIO GRANDE, alegando,
em síntese: que interpusera cinco ações
trabalhistas em face da presente ré; que
as verbas decorrentes de sua dispensa
foram postuladas nos autos n. 1114/98;
que em tal feito a ré fora condenada à
entrega das guias do segurodesemprego; que, apesar da entrega
destas guias, não conseguira receber o
benefício, já que na data de fornecimento
já não mais se encontrava
desempregado; que a multa de 40% dos
depósitos do FGTS não fora vindicada
nos processos n. 02/1802/97 e 02/913/
98; que deverá ser reconhecido e
resguardado seu direito de postular
futuramente determinada verba. Pleiteia
as parcelas elencadas na inicial, dando
à causa o valor de R$1.758,22.
Defendeu-se a ré, por escrito,
aduzindo: que sobre o pedido de
indenização substitutiva do segurodesemprego incidem os efeitos da coisa
julgada; que o autor litiga de má-fé em
relação a este pedido; que a dispensa
do autor fora levada a efeito em 08.07.98,
devendo ser aplicada a prescrição total
no presente caso; que a multa de 40%
do FGTS, conforme confessado na
exordial,
não
fora
postulada
anteriormente, pelo que deverá ser
declarada sua prescrição; que a ação
trabalhista não é meio próprio para
reconhecimento e declaração de direito
de pleitear futuramente o recebimento da
multa de 40% sobre o FGTS que resultar
devido nos autos n. 913/98; que é estatal
a responsabilidade pelo pagamento do
seguro-desemprego; que cumprira sua
obrigação ao entregar as guias de tal
benefício; requer, por cautela,
compensação de valores pagos,
autorização para descontos legais,
observância dos afastamentos de
quaisquer natureza e apuração em
regular execução.
Acostaram-se documentos.
Manifestação do autor, na ata de
f. 79.
À falta de outras provas,
encerrou-se a instrução processual.
Arrazoaram os litigantes.
Inconciliados.
Relatados, em apertada síntese.
Passa-se a decidir.
A inviolabilidade do direito à
segurança traduz princípio alcandorado
em predicamento constitucional (caput
do artigo 5º). Por certo que uma das
modalidades desta garantia é a proteção
à coisa julgada, expressamente disposta
no inciso XXXVI do seu artigo 5º.
O fenômeno da coisa julgada é
de elevada relevância para o estudo dos
pronunciamentos
jurisdicionais
decisórios e da eficácia que lhes é
inerente. O artigo 467 do CPC conceitua
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a coisa julgada material como “a eficácia,
que torna imutável a sentença, não mais
sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário”.
O dever estatal de prestar a tutela
da jurisdição, quando regularmente
invocada, consiste na composição da
lide, na solução do conflito intersubjetivo
de interesses, mediante ato específico
e exclusivo, a sentença de mérito.
Prestada a tutela jurisdicional, qualquer
órgão da jurisdição fica processualmente
impedido de reexaminar o litígio
decidido, porquanto a coisa julgada,
como pressuposto negativo da relação
processual, veda e torna inadmissível
esse reexame.
A coisa julgada material é,
conseguintemente, a autoridade da res
iudicata, tendo força de lei nos limites
da lide e das questões decididas, como
declara o artigo 468 do CPC. Como
ensina CARNELUTTI o julgado é a
decisão de uma lide e, por essa razão,
os limites do julgado são os limites de
seu próprio objeto, vale dizer, os limites
se lançam sobre o julgado da lide: porque
é a decisão de uma lide, o julgado não
pode ser mais que tal decisão; mas
aquilo que é, o é para todos, não
somente para as partes.
Para ser acolhida a argüição de
res iudicata, haverá de concorrer, entre
as duas causas, a tríplice identidade de
partes, pedido e causa de pedir (§ 2º do
art. 301 do CPC). Configura-se, destarte,
a coisa julgada quando há identidade de
fato e de relação jurídica entre as duas
demandas.
O núcleo da petição inicial é o
pedido, que representa a conclusão da
exposição dos fatos e dos fundamentos
jurídicos; estes são premissas do
silogismo, que tem no pedido a sua
conclusão lógica.
A manifestação inaugural do
autor é chamada pedido imediato, no que
se relaciona à pretensão a uma
sentença, a uma execução ou a uma
medida cautelar; e pedido mediato é o
próprio bem jurídico que o autor procura
proteger com a sentença. Assim, o
pedido imediato põe a parte em contato
direto com o direito processual, e o
mediato, com o direito substancial.
Para que uma causa seja
idêntica à outra, requer-se
identidade da pretensão, tanto de
direito material, como de direito
processual.
A causa petendi, por sua vez, não
é a norma legal invocada pela parte, mas
o fato jurídico que ampara a pretensão
deduzida em juízo. Todo direito nasce
do fato, ou seja, do fato a que a ordem
jurídica atribui um determinado efeito. A
causa de pedir, que identifica uma causa,
situa-se no elemento fático e em sua
qualificação jurídica. Ao fato em si
mesmo dá-se a denominação de “causa
remota” do pedido; e à sua repercussão
jurídica, a de “causa próxima” do pedido.
(GRECO FILHO, Vicente. Direito
Processual Civil Brasileiro, v. I, ed. 1981,
n. 15, p. 83)
A essência da coisa julgada, do
ponto de vista objetivo, consiste em não
se admitir que o juiz, em futuro processo,
possa de qualquer maneira desconhecer
ou diminuir o bem reconhecido no
julgado anterior.
Estabelecidos
esses
indispensáveis parâmetros, o exame do
pedido formulado via autos n. 02/1114/
98 (f. 47/9) dá a conhecer que naquela
oportunidade o autor postulara a
condenação da ré à entrega do
documento hábil para receber o segurodesemprego, sob pena de fixação de
multa pelo atraso no fornecimento, além
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de pagamento do valor do benefício.
Sobre esse pedido houveram
pronunciamentos judiciais, com trânsito
em julgado (doc. f. 54/63).
Por sua vez, em rápido bosquejo,
constata-se que na presente demanda
o autor postula a condenação da ré ao
pagamento de quatro parcelas do
seguro-desemprego, ao argumento de
que não fora contemplado com o
benefício, posto que quando do
fornecimento das guias já não mais se
encontrava desempregado.
Como
mencionado
anteriormente, a sentença faz coisa
julgada sobre o pedido e só se
circunscreve aos limites da lide e das
questões decididas (art. 468 do CPC).
Embora aludido dispositivo legal
limite a força da coisa julgada à lide e às
questões decididas, o certo é que, para
o Código de Processo Civil, “Passada em
julgado a sentença de mérito, reputarse-ão deduzidas e repelidas todas as
alegações e defesas, que a parte poderia
opor assim ao acolhimento como à
rejeição do pedido.” (art. 474)
Portanto, a coisa julgada material
abrange o deduzido e o deduzível. Por
isso, não se podem levantar, a respeito
da mesma pretensão, questões argüidas
ou que o poderiam ser, se com isto se
consiga diminuir ou atingir o julgado
imutável e, conseqüentemente, a tutela
jurisdicional nele contida. Aplicação do
princípio clássico tantum indicatum
disputatum vel quantum disputari
debebat.
A finalidade prática do instituto
exige que a coisa julgada permaneça
firme, embora a discussão das questões
relevantes tenha sido eventualmente
incompleta; absorve ela desse modo,
necessariamente, tanto as questões que
foram discutidas como as que poderiam
ser. Seja dito que só quando há
incompatibilidade entre a sentença
passada em julgado e o novo pedido
(eventualmente omitido no processo
primitivo) é que se pode falar em solução
implícita, nos moldes do dispositivo ora
examinado, porquanto é nas soluções
das questões que a coisa julgada
encontra seus limites objetivos.
Apenas, por epítrope, cumpre
lembrar ao demandante que a obrigação
do empregador consiste em fornecer os
formulários para habilitação no programa
do seguro-desemprego, sob pena de
responder, diante da omissão, por
indenização fixada em valor equivalente,
desde que cause, propositalmente, o
dano ao empregado. Ora, no caso em
exame a falta de percepção do benefício
social não decorreu de ato lacunoso da
ré.
Ao enfoque do pedido formulado
no item “2”, do exórdio, busca o
postulante o pagamento da multa de
40% sobre os depósitos do FGTS
reconhecidos no processo n. 02/1802/
97 (f. 11 e seguintes), dizendo que tal
pedido não fora relacionado nos autos
n. 02/1114/98 (f. 47 e seguintes).
Entrementes, nesse particular,
incidem também os efeitos da coisa
julgada, ora reconhecida de ofício, nos
termos do § 3º do artigo 267 do álbum
processual civil.
Isso porque, através do decidido
às f. 23/35, a ré foi condenada ao “...
recolhimento do FGTS sobre todas as
parcelas deferidas nesta ação, bem
como sobre todos os salários e demais
verbas quitadas pela empresa a partir de
outubro de 96”. (sic)
Por sua vez, nos autos n. 1114/
98, consta a condenação da ré ao
pagamento da multa de quarenta por
cento sobre o saldo do FGTS, em
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atendimento à postulação do autor no
sentido de que lhe fosse deferida a multa
de 40% sobre o saldo do FGTS existente
na sua conta vinculada, cujo valor deverá
ser apurado em liquidação de sentença
(sic - itálicos adicionados).
Seguindo a argumentação
descrita em linhas transatas,
entendemos que o pedido vestibular,
constante do item “2”, já foi apreciado,
vedes que a ré, anteriormente ao
distrato, já havia sido condenada ao
recolhimento do FGTS sobre as verbas
deferidas nos autos n. 02/1802/97,
sendo, em seguida, condenada ao
pagamento da multa de 40% dos
aludidos depósitos, levando em conta os
valores constantes da conta vinculada
do empregado.
Bem de ver que a liquidação
levada a efeito nos autos que condenou
a ré ao pagamento da multa de 40% (f.
65) é cronologicamente posterior à
liquidação constante dos autos n. 1802/
97 (f. 38), que condenou a ré ao
recolhimento dos depósitos do FGTS.
Ora, se nos valores liquidados à
f. 65 não está incluída a multa de 40%,
segundo postulado, trata-se de
discussão que deveria ser dirimida no
processo de execução, não podendo tal
quizila ser apreciada nesta oportunidade,
pena de ressurgimento de questões já
decididas.
Dessa arte, impõe-se o
acolhimento da coisa julgada em relação
aos pedidos de seguro-desemprego
(item “1”) e multa de 40% sobre o valor
do FGTS (item “2”), extinguindo-se o
feito, sem julgamento do mérito, forte no
inciso V do artigo 267 do álbum
processual civil.
Por último, pretende o postulante
o pronunciamento judicial para “... que
seja reconhecido e declarado o direito
de pleitear futuramente contra a
reclamada o recebimento da multa de
40% sobre o FGTS que resultar devido
ao mesmo por força de sentença
proferida nos autos do processo n. 02/
0913/98...”. (sic - omissis)
Nessa discussão, cumpre
assinalar que por jurisdição é de
entender-se a atribuição, o poder-dever
do Estado de tutela do direito. Dal che si
desume, con assoluta chiarezza, che il
risultato, o funzione globale, che, nella
ratio della legge, ispira l’attività
giurisdizionale, considerata globalmente,
è la tutela dei diritti (MANDRIOLI. Corso
di Diritto Processuale Civile - I/10). O
dizer o direito se dá em razão de algum
obstáculo verificado no mundo fático
para que determinada situação jurídica,
apta a produzir efeitos jurídicos, assim
os produza. É o que escreve
THEODORO
JÚNIOR:
“Para
desempenho da função acima,
estabeleceu-se a JURISDIÇÃO, como o
PODER que toca ao Estado, entre as
suas atividades soberanas, de formular
e fazer atuar praticamente a regra
jurídica concreta que, por força do direito
vigente, disciplina determinada situação
jurídica.” (Processo de Conhecimento, I/
45)
Como entre o pedido da parte e
o provimento jurisdicional se impõe a
prática de uma série de atos que formam
o procedimento judicial (isto é, a forma
de agir em juízo) e cujo conteúdo
sistemático é o processo (THEODORO
JÚNIOR, op. cit., p. 54), cumpre
examinar a jurisdição enquanto atividade
vinculada à relação jurídica substancial
que tornou-se controvertida pelo conflito
de interesses qualificado por uma
pretensão resistida na lição de
CARNELUTTI.
Esta
atividade
jurisdicional do Estado, como se vê, não
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se restringe ao dizer o direito, uma vez
que atua para satisfazer um direito já
declarado ou para acautelar-se quanto
à operatividade do direito a ser
declarado. ERNANE FIDÉLIS DOS
SANTOS conclui: “Estabelecidas, assim,
as finalidades específicas da atividade
do Estado, no exercício da jurisdição,
podemos defini-la como o poder-dever
do Estado de compor os litígios, de dar
efetivação ao que já se considera direito,
devidamente acertado, e de prestar
cautela aos processos em andamento ou
a se instaurarem, para que não percam
sua finalidade prática.” (Manual, I/8)
A jurisdição, pois, é una,
repartindo-se, enquanto objetivos
específicos, em razão de pretensão
deduzida, em funções.
A ordem constitucional confere ao
particular e aos entes públicos o direito
à prestação jurisdicional. Vale dizer,
assumindo o monopólio do poder
jurisdicional, assume o Estado a
obrigação de cumpri-la. Neste
cumprimento - poder/dever - estará
vinculado, de um lado, ao ordenamento
jurídico enquanto regulador do
desenvolvimento da relação jurídicoprocessual; de outro, à pretensão
deduzida.
A natureza da função jurisdicional
é dada, precisamente, pela pretensão
deduzida. Se se trata de composição de
um conflito, se se trata da satisfação de
uma pretensão já reconhecida ou,
finalmente, se se trata de impedir que o
tempo, enquanto fator modificativo de
situações jurídicas, torne inócuo o
resultado da própria atividade
jurisdicional, ter-se-á a função
jurisdicional cognitiva, executiva ou
cautelar, correspondendo - a cada uma
delas - o respectivo processo - relação
jurídica.
Na hipótese dos autos, a
pretensão deduzida no item “3” tem
indiscutível objetivo de função cautelar
da jurisdição, procurando o autor
resguardar repercussões de eventuais
direitos reconhecidos em outro processo.
Oportuno frisar que, tratando-se
a medida interposta de ação declaratória,
não há incidência em tal caso de efeitos
prescricionais, que não têm repercussão
em pedidos desta natureza.
De outra forma, sabido e
ressabido que despiciendo é o nomen
iuris conferido pela parte na inicial.
Qualifica-se a jurisdição pela pretensão
deduzida,
pelo
pedido
feito,
representando o bem da vida procurado
pelo autor. Acontece que o meio
processual utilizado pelo autor não
corresponde às previsões contidas no
artigo 172 do Código Civil Brasileiro e
artigos 867 e ss. do Código Civil de Ritos.
A mistela perpetrada pela parte autora,
valendo-se de medida cautelar típica, em
processo de conhecimento no qual
vindica o pagamento de determinadas
parcelas, importa em escolha de rito não
correspondente à natureza da causa,
acarretando o indeferimento da inicial
(inciso V do artigo 295 do CPC) e,
conseqüentemente, a extinção do feito,
sem julgamento do mérito, segundo
contido no inciso I do artigo 267 do
estuário jurídico por último mencionado.
De assinalar que o rito processual
previsto nos artigos 867 e ss. do CPC
não guarda adaptação com o rito
ordinário trabalhista.
Quanto ao enquadramento do
autor nas penas da litigância de má-fé,
por força do contido anteriormente, podese concluir por um procedimento
temerário, deduzindo pretensão sobre
fato que já foi objeto de apreciação
judicial. Portanto, nos termos do artigo
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18 do Código Civil de Ritos, fica o autor
condenado ao pagamento da multa de
um por cento do valor da causa, bem
assim ao pagamento da indenização à
parte contrária, desde logo, fixada em
vinte por cento sobre o valor da causa
(§ 2º do mesmo artigo).
Isso posto,
a 1ª Vara do Trabalho de Passos
- MG, sem divergência, EXTINGUE, sem
julgamento do mérito, o pedido inicial,
declarando os efeitos da coisa julgada,
em relação aos pedidos constantes dos
itens “1” e “2”, e o indeferimento da inicial,
no concernente ao pedido eriçado no
item “3”, nos autos em que VALTER
GOMES DA SILVA contende em face de
CIA. AÇUCAREIRA RIO GRANDE, nos
termos dos Fundamentos que passam a
compor esse decisório (quando consta
do dispositivo a motivação faz coisa
julgada - Pontes de Miranda), ficando o
autor condenado ao pagamento, a favor
da ré, da multa de um por cento do valor
da causa, bem assim ao pagamento da
indenização, fixada em vinte por cento
sobre o valor da causa.
Custas, pelo autor, no importe de
R$35,16, calculadas sobre R$1.758,22,
valor dado à causa.
Dispensada a intimação dos
litigantes.
Encerrou-se a audiência.
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VALTER GOMES DA SILVA, qualificado nos