Efeito da embalagem na conservação de produtos minimamente processados Nilda de Fátima Ferreira Soares* Os produtos minimamente processados são geralmente reconhecidos como alimentos submetidos a pequenas modificações das condições naturais, mas que ainda possuem características de produtos frescos (Wiley, 1994). Nos últimos anos, tem-se verificado um grande interesse na produção de frutos e hortaliças minimamente processados, devido a acentuadas mudanças no estilo de vida das pessoas, o qual diminuiu o tempo disponível para preparo de frutas e vegetais tanto em nível familiar como nos restaurantes de comidas rápidas e em hotéis (Beaulieu et al., 1997). A qualidade dos produtos minimamente processados está relacionada com a manutenção das características sensoriais e com o controle da microbiota contaminante, envolvendo fatores tais como matéria-prima, condições de processamento, de embalagens e de armazenamento. O processamento mínimo aumenta a perecibilidade devido aos danos mecânicos, ocorridos durante o processamento, que ocasionam rompimento celular nas regiões do corte, aumento da produção de etileno, aumento da taxa respiratória e síntese de metabólitos secundários. Essas alterações resultam na diminuição da vida de prateleira dos produtos minimamente processados, sendo verificados os seus efeitos por meio do valor nutritivo, textura, aroma e sabor, além do aumento da microbiota. O controle dos processos fisiológicos é fundamental para a conservação de frutos e hortaliças minimamente processadas, uma vez que a superfície exposta é aumentada após o corte, o que facilita a penetração de oxigênio nos tecidos dos produtos. A modificação da atmosfera ao redor do produto é também um fator que tem influência sobre o metabolismo dos vegetais. O efeito combinado de baixas concentrações de O2 e altas concentrações de CO2 diminui a taxa respiratória de frutos e hortaliças, retarda o amadurecimento, aumenta a retenção de clorofila e vitaminas e prolonga a vida de prateleira dos produtos acondicionados. A modificação de atmosfera de forma passiva é *Autora para correspondência: Departamento de Tecnologia de Alimentos; Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG. [email protected] criada no interior da embalagem selada, como resultado direto do consumo de O2 e a produção de CO2 e da permeabilidade da embalagem, ou ainda de forma ativa, a partir da injeção de gases com concentrações predeterminadas, após a realização de vácuo. Teles (2000) observou que ao acondicionar couve minimamente processada em sacos de poliolefina multicamada em atmosfera passiva e em atmosfera ativa (5% O2/15% CO2), estocada a 5 oC, a concentração de equilíbrio foi de aproximadamente 3% para ambos os gases. No caso da atmosfera ativa, o rápido decréscimo no teor de CO2 foi devido à permeabilidade da embalagem a esse gás (Fig. 1). CONCENTRACAO (%) 25 20 15 10 5 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 TEMPO (DIAS) CONCENTRACAO O2 (%) CONCENTRACAO CO2 (%) CONCENTRACAO O2 -PASSIVA CONCENTRACAO CO2- PASSIVA Fig. 1. Concentrações de O2 e de CO2 em couve minimamente processada acondicionada em filme poliolefínico com atmosfera modificada ativa (5% O2/15% CO2) e passiva, estocada a 5 o C. Por causa das diferentes taxas de respiração dos vegetais, é necessário adequar a embalagem ao produto acondicionado de acordo com a permeabilidade da embalagem, principalmente aos gases O2, CO2 e etileno. Os filmes atualmente indicados são: polietileno com diferentes densidades, copolímero de etileno e acetato de vinila (EVA), policloreto de vinila (PVC), poliestireno (PS), filmes poliolefínicos, polipropileno biorientado (BOPP), embalagens, filmes coextrusados à base de polietileno e poliamida e filmes microperfurados (inclusive com laser) (Sarantópoulos et al., 2001). O uso de filmes microperfurados ou perfurados apresenta a possibilidade de adequar a permeabilidade do filme ao produto, considerando a permeabilidade inerente do filme em associação com a área perfurada. A espessura é também um fator de controle de permeabilidade. Teles (2000), usando filmes de polietileno de baixa densidade com três espessuras diferentes (25, 30 e 65 µm) para acondicionar couve minimamente processada, reportou que as embalagens PEBD 30 e 65 foram inadequadas para a conservação do produto, pois devido à baixa permeabilidade a O2 e CO2, ocorreu produção de odores CONCENTRACAO (% ) desagradáveis, perda de textura e exsudação de líquidos. 25 O2/25 O2/30 O2/65 CO2/25 CO2/30 20 15 10 5 CO2/65 0 0 5 10 15 TEMPO (DIAS) Fig. 2. Concentrações de O2 e de CO2 em couve minimamente processada acondicionada em filme polietileno de baixa densidade em três diferentes espessuras (25, 30 e 65 µm), estocada a 5 oC. As embalagens têm muitos efeitos na conservação de frutas e hortaliças minimamente processadas. Elas são barreiras ao movimento de vapor d’água e podem ajudar na manutenção da umidade relativa alta e turgor dos produtos. A perda de umidade dos produtos minimamente processados, além de comprometer a qualidade tecnológica, afeta também o valor econômico. Assim, a embalagem deve ser adequada para evitar a perda de massa do produto embalado. Pesquisas realizadas por Geraldine (2000) com bandejas de poliestireno expandido contendo alho minimamente processado apresentou uma perda de 12% quando envolta em uma camada de PVC, comparada a 3%, quando envolta em 4 filmes de PVC (Fig. 3). Verificou-se também que quanto maior o número de filmes de PVC envolvendo a bandeja, menor foi o escurecimento do produto. O alho envolto com uma camada de filme de polietileno apresentou menor vida de prateleira do produto, ocasionada pela condensação de água no PERDA DE MASSA (%) interior das embalagens, que propiciou o desenvolvimento de microrganismos. 15 PVC -1 PVC- 4 PEBD- 1 10 5 0 0 2 4 6 8 10 12 14 TEMPO (DIAS) Fig. 3. Perda de umidade em alho minimamente processado acondicionado em bandejas de poliestireno envoltas com filmes de PVC, 15 µm (uma e duas camadas) e com filme de polietileno de baixa densidade, 15 µm (uma camada), estocada a 25 oC. A qualidade e a segurança dos alimentos minimamente processados estão intimamente relacionadas à metodologia de processamento, ao uso de embalagens apropriadas e às condições adequadas de armazenamento. A composição gasosa, juntamente com a temperatura, constituem fatores que podem ser manipulados, sem grandes dificuldades, no processamento do alimento. A efetividade do CO2 contra microrganismos geralmente aumenta quando se aumenta a sua concentração. No entanto, deve-se ressaltar os cuidados especiais que devem ser observados ao se considerar o risco microbiano com a possibilidade de crescimento de patógenos. Aumento de dois ciclos logarítmicos em bolores e leveduras foi observado em bandejas de alho minimamente processado envolto em uma camada de filme de PVC, após 12 dias de estocagem a 10 oC, comparado com o produto envolto em quatro camadas de filme (Fig. 4). A concentração de O2 e CO2 atingiram valores de 5 e 0,5%, respectivamente. À temperatura ambiente, a microbiota apresentou um crescimento significativo. Log UFC g-1 5 4 1PVC-25 3 1 PVC-10 2 4 PVC-25 1 4 PVC-10 0 0 20 40 TEMPO (DIAS) Fig. 4. Crescimento de fungos em alho minimamente processado acondicionado em bandejas de poliestireno expandido, envolvidas com uma e quatro camadas de PVC e estocadas a 10 e 25 oC. Dentre os vários métodos utilizados no controle e/ou redução da deterioração microbiana, o uso de baixas temperaturas tem se apresentado como um dos mais eficientes. Listeria monocytogenes inoculada em couve minimamente processada e acondicionada em poliolefina multicamada (21 µm e permeabilidade a oxigênio de 9745 cm3.m2.dia-1) aumentou 2,7 ciclos logarítmicos a 5 oC e 2,8 ciclos logarítmicos a 10 oC, após 20 dias de estocagem. Em caso de abuso de temperatura, a 15 oC o aumento verificado foi de 4,6 ciclos logarítmicos, após 8 dias de estocagem (Costa, 2002) (Fig. 5). Para a manutenção da qualidade dos produtos minimamente processados, é essencial o controle do processamento, a adequação da embalagem e uso de baixa temperatura durante toda a cadeia do processo. Log UFCg-1 10 8 6 4 2 0 0 10 20 30 TEMPO (DIAS) 5 oC 10 oC 15 oC Fig. 5. Crescimento de Listeria monocytogenes inoculada em couve minimamente processada estocada em temperatura de 5, 10 e 15 oC. Referências bibliográficas BEAULIEU, J. C., OLIVEIRA, F. A. R., FERNANDES, T. D. FONSECA, S. C., BRECHT, J. K. Fresh-cut kale: quality assessment of portuguese storage-supplied product for development of a MPA system. California: University of California, 1997. p. 145-151. (Postharvest Horticulture, 19). COSTA, W. A. Controle de Listeria monocytogenes em couve (Brassica oleraceae var. acephala) minimamente processada. 2002. 56 f. Tese (Mestrado em Microbiologia) Universidade Federal de Viçosa, Viçosa. GERALDINE, R. M. Parâmetros tecnológicos para o processamento mínimo de alho (Allium sativum L.). 2000. 84 f. Tese (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos) Universidade Federal de Viçosa, Viçosa. SARANTÓPOULOS, C. I. G. L.; OLIVEIRA, L. M.; CANAVESI, E. Requisitos de conservação de alimentos em embalagens flexíveis. Campinas: CETEA: ITAL, 2001. TELES, C. S. Utilização de atmosfera modificada paara conservação de couve (Brassica oleraceae var. acephala) minimamente processada. 2000. 115 f. Tese (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa. WILEY, R. C. Introduction to minimally processed refrigerated fruits and vegetables. In: WILEY, R. C. Minimally processed refrigerated fruits & vegetables. New York: Chapman & Hall, 1994. p. 1-14.