DA INVISIBILIDADE SOCIAL AO PROTAGONISMO: LUTAS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL (1980-1995) – UMA PESQUISA EM CONSTRUÇÃO Maria Vany de Oliveira Freitas * Doutoranda em História – UNB Bolsista da CAPES E-mail: [email protected] A presença de pessoas que sobrevivem em situação de rua é um fenômeno que compõe o cenário atual das cidades brasileiras. Esta população que também está presente em muitas capitais de países desenvolvidos, é resultado do crescente processo de exclusão intensificado por problemas de ordem sociais e econômicos enfrentados pelas grandes cidades da sociedade moderna. O objetivo de nosso trabalho é apresentar aspectos referentes à luta da população em situação de rua, na cidade de São Paulo, no período que transcorre entre os anos de 1980 e 1995. Privilegiamos na pesquisa, procedimentos metodológicos próprios da história oral, na perspectiva de suscitar memórias de pessoas que vivem em situação de rua e de agentes sociais mediadores do movimento de luta dessa mesma população, em vista da garantia do seu direito de resistência e do seu protagonismo. PALAVRAS-CHAVE: POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA; PROTAGONISMO A investigação sobre processos de articulação, mobilização, organização e resistência da população em situação de rua na realidade brasileira é alvo de nosso interesse e prática sobre a qual vimos nos empenhando já há alguns anos. No ano de 1999, quando do nosso ingresso no Programa de PósGraduação em ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, para cursar o Mestrado, apresentamos um projeto de pesquisa cujo tema tratou das vivências e da experiência de organização dos catadores de papel na cidade de Belo Horizonte. A dissertação defendida em 2001, intitulada Entre Ruas, Lembranças e Palavras: a trajetória dos catadores de papel em Belo Horizonte, resultou na publicação de um livro com o mesmo título. • Doutoranda em História na UNB; Bolsista da CAPES; Mestre em Ciências Sociais pela PUC/MG. Essas experiências vivenciadas no universo acadêmico se associam ás nossas práticas de intervenção e de contato efetivo com a população em situação de rua, desde o início dos anos 90, em diferentes realidades urbanas do País, através de nossa atuação junto à equipe de pastoral da rua, uma organização de pastoral social da Igreja Católica, vinculada ao setor social da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Na esteira de todas essas experiências confrontamos com um conjunto de questões que nos impelem a ampliar nosso campo de investigação para fazer um estudo sobre o protagonismo da população em situação de rua, a saber, pessoas que se confinam em barracos de papelão, cobertos com plásticos, ou com pedaços de metal, homens, mulheres, famílias inteiras que se congestionam nas calçadas, debaixo de marquises e baixios de viadutos em diversos locais e regiões dos diferentes centros urbanos do País. Para esse contingente enorme de pessoas, os benefícios da sociedade moderna são escassos ou praticamente nulos. Sobrevivem sem escolas, sem hospitais, sem atendimento médico sem alimentação nutritiva, sem-teto, sem nome, sem reconhecimento social, sem espaço e sem lugar. São desafortunados, vivem ao léu. Expostos no meio da rua são invisíveis. Entretanto, trata-se de um segmento social, cuja trajetória é assinalada também pela reivindicação e pelo encampamento de lutas por direito a ter direitos, destacando-se entre esses, os direitos sociais e os direitos humanos, o que, em suas trajetórias, para além de todos os estigmas a eles atribuídos há evidências de resistência e de protagonismo. Suas mais diferentes formas de mobilização podem revelar-se, de, certa maneira, como expressão da vida democrática, numa realidade que é marcada pela intensa desigualdade social. Dados da Primeira Pesquisa Nacional realizada considerando o período de 2005 a 2009 contou um número de 31.922 pessoas sobrevivendo nas ruas em 48 municípios e 23 capitais, cidades com mais de 300 mil habitantes, o que revela que são quase 50 mil pessoas vivendo em situação de rua no Brasil. A maior parte dessas pessoas tem entre 25 e 55 anos de idade. Há mais homens. Entretanto, o número de mulheres vem crescendo. Na Pesquisa Nacional, detectou-se que quase 70% são não brancos, isto é, pardos, pretos, amarelos. Em termos de escolaridade, a maioria tem o primeiro grau incompleto. Quanto à procedência, a maioria é de outras cidades do mesmo Estado ou de outros Estados da mesma região. No que se refere ao trabalho, a maior parte das pessoas trabalha! 70,9% tem alguma atividade remunerada, na economia informal, principalmente na catação de material reciclável. Apenas 15,7% pede dinheiro para sobreviver, o que desmistifica a ideia de que são “mendigos” , “pedintes”, “vagabundos”. Na expressão de Silva (2009:136) uma possível noção de quem é o morador de rua, no Brasil pode ser traçada nos seguintes termos: “Grupo populacional heterogêneo, mas que possui, em comum, a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, em função do que as pessoas que o constituem procuram os logradouros públicos (ruas, praças, jardins, canteiros, marquises e baixios de viadutos), as áreas degradadas (dos prédios abandonados, ruínas, cemitérios e carcaças de veículos) como espaço de moradia e sustento, por contingência temporária ou de forma permanente, podendo utilizar albergues para pernoitas e abrigos, casas de acolhida temporária ou moradias provisórias.” Conforme especificado na Cartilha Direitos do Morador de Rua – um guia na luta pela dignidade e cidadania, os próprios moradores de rua se definem ainda como vítimas do atual sistema político, que, na “cegueira do capital”, produz milhares de moradores de rua a cada ano, “pois à medida que as novas tecnologias substituem o trabalho feito por operários e/ou camponeses, surgem novos desempregados que, ao não conseguirem novo emprego, inevitavelmente, irão para a rua, onde ficarão vulneráveis à bebida, às intempéries do tempo e a outros traumas causados por essa situação... somos por fim, um povo sonhador, que acredita em um amanhã melhor, que aposta no país e que, por acreditar, mantêm acesa em si a esperança.” Ao refletir sobre estas definições, assinalamos que no desenvolvimento de nossa pesquisa estamos vislumbrando o quase inevitável deslocamento do enfoque sócio-econômico para fazer também uma abordagem no campo cultural e apreender sobre os modos de vida, sobre o imaginário construído por essas pessoas através da relação que estabelecem com a rua, sobre as vivências e experiências de mobilização e de organização próprias da população em situação de rua que, em contraponto à marginalização e à exclusão manifestam-se como expressão do direito de resistência e indicam seu protagonismo. Para tanto, além de utilizarmos registros escritos como relatórios, panfletos, atas, letras de músicas, etc, estamos desenvolvendo também, na pesquisa procedimentos metodológicos próprios da história oral, considerando as vozes de pessoas que habitam as ruas e de agentes que com elas se fazem solidárias. Somos impulsionados à produção de fontes orais por defendermos a finalidade social do conhecimento histórico que estamos almejando construir. De acordo com Thompson toda história depende, basicamente da finalidade social, colocada inclusive como um desafio da história oral tendo em vista que “por meio da história, as pessoas comuns procuram compreender as revoluções e mudanças por que passam em suas próprias vidas” (THOMPSON, 1992:21). Além do mais, somos motivados também pelo princípio de que a construção dessas fontes possibilita a inclusão de versões e histórias mantidas por segmentos populacionais silenciados. Importante assinalar ainda, que esse procedimento metodológico propicia-nos identificar nas práticas e vivências individuais e coletivas a correlação entre memória e história considerando estes conceitos como processos sociais, culturais e construções eminentemente humanas. Os trabalhos que visam suscitar memórias são fundamentais para a história e, além disso, são também fundamentos de identidades. Conforme assinala Delgado (2010:51) esses trabalhos acontecem “mediante um processo dinâmico, dialético e potencialmente renovável, e contêm no seu âmago as marcas do passado e as indagações e necessidades do tempo presente” (DELGADO, 2010:51). Escolhemos a cidade de São Paulo como campo de pesquisa. A escolha deste campo se deve ao fato de que São Paulo foi a metrópole, onde se originou um processo de desenvolvimento de uma metodologia de ação diferenciada junto aos moradores de rua, a partir do final da década de 70. Tal ação mediada, especialmente pela Igreja Católica e fundamentada nas orientações da Teologia da Libertação, resultou em um processo de mobilização dos moradores de rua em vista do seu reconhecimento social e luta por direitos. Desde então, emergiram vários projetos, dos quais se desdobrou um conjunto de ações inovadoras e iniciativas de organização dessa população como a organização de cooperativas de catadores, associações, centros de referência para a população em situação de rua, entre outros. A cidade é então vista como um campo com amplas possibilidades de análise. Nosso foco será na cidade e na rua buscando estender um olhar crítico à modernidade, travando um diálogo entre autores como Henri Lefebvre, Walter Benjamin, Charles Baudelaire, Ítalo Calvino, João do Rio entre outros. A tônica da abordagem de Lefebvre se dá em torno do significado da urbanização da sociedade, sobre a dominação capitalista nos centros urbanos e dos dilemas da vida cotidiana, como por exemplo, a miséria que assola os grandes centros. Em O direito á cidade, Lefebvre faz intensas críticas ao urbanismo ao tratar, por exemplo, do sentido do patrimônio histórico e arquitetônico dos núcleos urbanos antigos nas cidades modernas. Segundo Lefebvre (1991), “as qualidades estéticas desses antigos núcleos desempenham um grande papel na sua manutenção. Não contêm apenas monumentos, sedes de instituições, mas também espaços apropriados para as festas, para os desfiles, passeios, diversões. O núcleo urbano torna-se assim, produto de consumo de uma alta qualidade para estrangeiros, turistas, pessoas oriundas da periferia, suburbanos” (LEFEBVRE, 1991:14). Sendo assim, a disseminação da mercadoria pela industrialização que resulta do domínio do valor de troca tende a destruir a cidade e a realidade urbana, uma vez que está subjugada pelas regras impostas pelo sistema capitalista. Com base nisso, para Lefebvre (1991) “declarar que a cidade se define como rede de circulação e de consumo, como centro de informações e de divisões é uma ideologia que procede de uma redução-extrapolação particularmente arbitrária e perigosa, se oferece como verdade total e dogma, utilizando meios terroristas. Leva ao urbanismo dos canos, da limpeza pública, dos medidores” (LEFEBVRE, 1991:43). Lefebvre defende que o urbano deve ser efetivado como prática social mediado pelo exercício do direito à cidade. E esse direito “se expressa como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na sociedade, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito de propriedade) estão implicados no direito à cidade” (LEFEBVRE, 1991:135). Estas são algumas das sinalizações cruciais encontradas em Lefebvre que nos instigam a pensar na hipótese do potencial emancipatório e do protagonismo da população em situação de rua. Salientamos que o direito à apropriação da cidade é um dos principais pontos de pauta de suas mobilizações e reivindicações. Reivindicam o direito de ocupar viadutos, prédios abandonados, logradouros públicos, áreas ociosas, bem como o direito de trabalhar na cidade, como é o caso dos catadores de materiais recicláveis. Mas, mais do que isso: revelam-se potenciais ressignificadores dos espaços por eles ocupados. Criativamente recriam, transformam, ressignificam objetos na luta cotidiana pela sobrevivência. Os elementos considerados por Lefebvre podem ser relacionados também à perspectiva benjaminiana, em muitos aspectos. Lembramos que Benjamim é, por excelência, um crítico da modernidade. Um dos aspectos sobre os quais Benjamin expõe sua crítica à modernidade e, em efeito ao sistema capitalista é justamente o “fetiche da mercadoria”. O fetiche da mercadoria é próprio do sistema econômico que se sustenta no esteio das longas horas de trabalho mecanizado desenvolvido por um contingente de homens e mulheres que, na cidade, além de se submeter a exaustivas horas de trabalho repetitivo, ainda é subjugado à definição de uma nova temporalidade (tempo urbano) que se opõe à temporalidade estabelecida no campo. Concretiza-se, dessa maneira, o rompimento da relação do homem com a natureza e a submissão a novas esquematizações das cidades impostas àqueles que nela vivem. A cidade é eminentemente o lugar do consumismo, de aspecto fantasmagórico. Para Benjamin, mais importante que conceber a cidade como espaço físico é tomála na compreensão da fantasmagoria. A cidade é, conforme mencionamos acima, um universo com amplas possibilidades de análise e, portanto, a produção teórica a respeito do fenômeno urbano é vasta e diversificada abrangendo um amplo campo de estudos e pesquisas fundamentados em diferentes modelos teórico- metodológicos. Como assinado por Freitas (2005:45). “o exame da questão urbana é pré-requisito indispensável para a compreensão e o possível domínio de alguns dos problemas mais cruciais relativos às práticas e vivências de grupos sociais que, no meio urbano empreendem seus movimentos de resistência e de luta pela sobrevivência” (FREITAS, 2005:45). Dessa maneira, a cidade tornou-se fonte de inspiração para um variado grupo de observadores literatos que, buscam decifrar “a alma encantadora das ruas” que, em diferentes formatos e estilos revelam a identidade de “cidades invisíveis”. Buscaremos também nas trilhas desses literatos - observadores das cidades que, de certa forma parafrasearam Baudelaire e tornaram-se flâneurs estender nosso olhar para a cidade. Estes vagaram pelas ruas de diversas cidades e observaram de diferentes ângulos, figuras da sociedade que nem sempre eram visitadas pela literatura e pela história. É o caso de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto também conhecido como João do Rio e de Ítalo Calvino, em cujas obras encontramos fortes argumentos e inspiração para olharmos a cidade a partir da perspectiva dos moradores de rua. João do Rio, por meio de suas crônicas, revela a cidade do Rio de Janeiro, capital do País no início do século XX, a partir das características da pobreza que ela ocupava. As características apresentadas pelo cronista revelam que em muitos aspectos as cidades brasileiras, já na emergência da segunda década do século XXI, não sofreram grandes mudanças. Um desses aspectos é a miséria que ainda assola nossas cidades e que se revela na prevalência de várias formas de exploração dos segmentos mais pobres, bem como na exibição do luxo, da abundância e do status usufruídos por alguns em contraste com a escassez, a privação e a invisibilidade vivenciados permanentemente por outros, em grande maioria. João do Rio (2010:118-119) ao observar aspectos da miséria que ronda da cidade assinala que pelas ruas, “já passaram as professional beauties, cujos nomes os jornais citam; já voltaram da sua hora de costureiro ou de joalheiro as damas de alto tom; e os nomes condecorados da finança e os condes do Vaticano e os rapazes elegantes e os deliciosos vestidos claros airosamente ondulantes já se sumiram, levados pelos “autos”, pelas parelhas fidalgas, pelos bondes burgueses. A rua tem de tudo isso uma vaga impressão, como se estivesse sob o domínio da alucinação, vendo passar um préstito que já passou. Há um hiato na feira das vaidades: sem literatos, sem poses, sem flirts. Passam apenas trabalhadores de volta da faina e operários que mourejam todo dia.” “Os operários vêm talvez mal-arranjados, com a lata do almoço presa ao dedo mínimo. Alguns vêm de tamancos. Como são feios os operários ao lado dos mocinhos bonitos de ainda há pouco! Vão conversando uns com os outros, ou calados, metidos com o próprio eu. As raparigas ao contrário: vêm devagar, muito devagar quase sempre duas a duas, parando de montra em montra, olhando, discutindo, vendo” (RIO, 2010:118-119). Noutra passagem João do Rio (2010: 141-142) observa que nas ruas, “a mendicidade é a exploração mais regular, mais tranqüila desta cidade. Pedir, exclusivamente pedir, sem ambição aparente e sem vergonha, assim à beira da estrada da vida, parece o mais rendoso ofício de quantos tenham aparecido; e a própria miséria, no que ela tem de doloroso e de pungente, sofre com essa exploração. É preciso estudar a sociedade complicada e diversa dos que pedem esmola, adivinhar até onde vai a verdade e até onde chega a malandrice, para compreender como a polícia descura o agasalho da invalidez e toleima incauta dos que dão esmolas. Entre os homens mendigos há irmãos da opa, agentes de depravação viciados, profissionais de doenças falsas, mascarando um formidável cenário de dores e de aniquilamento. Só depois de um longo convívio é que se pode assistir à iniciação da maçonaria dos miseráveis, os estudos de extorsão pelo rogo, toda a tática lenta do pedido em nome de Deus que, às vezes, acaba em pancada. Os homens exploradores não têm brio. As mulheres, só quando são realmente desgraçadas é que não mentem e não fantasiam. São, entretanto, as mais incríveis” (RIO, 2010:141-142). Neste trecho, a nosso ver, há vários aspectos que podem inspirar uma análise sobre a população em situação de rua, nos dias atuais. Dentre esses, destacamos três. O primeiro é o que se refere aos elementos que possibilitam desvelar características e identidade da população em situação de rua. O segundo é o que trata da necessidade de “estudar a sociedade complicada e diversa” sob a ótica dos que vivem nessa situação. O terceiro diz respeito à metodologia que deve ser adotada no estudo para uma compreensão, o mais possível autêntica da realidade das ruas, onde estão situadas as pessoas que, criativamente, inventam táticas para sobreviver e enfrentar as agruras do cotidiano da exclusão. Tem razão, portanto, João do Rio ao afirmar que “só depois de um longo convívio é que se pode assistir à iniciação da maçonaria dos miseráveis...” (op. cit). Numa trilha de reflexão sobre as cidades, que de certa maneira se assemelha ao olhar de João do Rio, segue também Ítalo Calvino (2003) em sua poética e clássica obra, Cidades Invisíveis. Nesta obra o autor nos impulsiona a observar a convivência de muitas cidades em uma mesma cidade. Faz-nos refletir sobre a complexidade inerente ao fenômeno urbano e demonstra, através das cinqüenta e cinco cidades por ele descritas, que nas suas paisagens, na organização dos seus espaços e no olhar de seus habitantes há uma incontável multiplicidade de imagens e simbolismos. Ítalo Calvino confere à cidade um conjunto de adjetivos, como por exemplo, a cidade enquanto lugar de memória, na qual se efetiva o encantamento do encontro com o passado como se o passado fosse melhor que o presente; focaliza também as cidades ocultas, o que permite vislumbrar a existência de uma variedade infinita de cidades dentro de uma única; concebe a cidade enquanto lócus de manifestação da identidade e sentido de lugar; revela as cidades do desejo aludindo à contradição e à dualidade do espírito humano que lhes são próprios. Há também as cidades e os símbolos reveladores de uma multiplicidade de sinais e de diversos significados. As cidades delgadas, por sua vez, possibilitam a transformação das muitas paisagens das cidades modernas que, além das verticalidades que lhes configuram, tais cidades são sedimentadas no movimento. E ainda as cidades contínuas, são, em essência, concebidas enquanto espaços onde se estabelecem relações, relações de trocas de mercadorias e relações humanas em seus mais diferentes aspectos. Enfim, não é o caso de citar aqui todas as ativações dadas às Cidades Invisíveis descritas por Ítalo Calvino, o importante é considerar que sua obra é, sem dúvida uma das fontes inspiradoras de pistas que nos ajudarão a desvendar o mistério curioso e fascinante que é o mundo urbano, porque também estamos convictos de que “o homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade” (CALVINO, 2010:12). O homem e a mulher moradores de rua, vistos em geral como mendigos, pedintes, vagabundos e desocupados são, provalvemente, seres desejosos de viver uma cidade diferente da que vivem. É nosso propósito, portanto, nesta pesquisa, descortinar suas aspirações, seus códigos culturais, suas dores, suas reivindicações e suas práticas políticas na tentativa de descobrir quem eles são e de apontar o protagonismo desse grupo. BIBLIOGRAFIA BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. __________. Ensaios sobre Edgar Alan Poe. São Paulo: Ícone Editora, 2003. __________. Sobre a Modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. BENJAMIN, Walter. O Anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. __________. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. Obras escolhidas III. 3. Edição. São Paulo: Brasiliense, 1994. __________. Ensaios Reunidos: escritos sobre Goethe. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2009. __________. Rua de Mão Única. 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