Penas Restritivas de Direitos Atendência do direito penal moderno é a eliminação da pena privativa e liberdade de curta duração, por não atender satisfatoriamente à finalidade reeducativa da pena, devido ao pernicioso convívio com criminosos mais perigosos. A pena restritiva de direitos foi um dos mecanismos criados para substitui-la. Aliás, é facilmente explicável o incentivo da doutrina à disseminação dessa pena; ela tem por fundamento primordial a ausência de periculosidade do condenado, revelando ainda uma eficiente função reeducativa, além de reduzir o custo econômico do Estado. Pena restritiva de direitos é a sanção imposta em substituição à pena privativa de liberdade, consistente na supressão ou diminuição temporária de um ou mais direitos do condenado. As penas restritivas de direitos são de cinco espécies: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; d) limitação de fim de semana; e) interdição temporária de direitos; As duas primeiras constituem inovação em nosso ordenaménto jurídico, tendo sido introduzidas recentemente pela Lei n0. 9.714, de 25 de novembro de 1.998. Critérios para aplicação As penas restritivas de direitos não são cominadas abstratamente no tipo penal incriminador. Elas estão previstas na Parte Geral do CP, apresentando duas características: a) autonomia: não podem ser acumuladas com as penas privativas de liberdade. Distinguem-se, assim, das extintas penas acessórias, eliminadas na reforma penal de 1984, que eram aplicadas cumulativamente com as penas privativas de liberdade. b) substitutividade: primeiro o juiz fixa a pena privativa de liberdade e, depois, na mesma sentença, a substitui pela pena restritiva de direitos, cuja duração é a mesma da pena privativa de liberdade substituída. É claro que, na pena de prestação pecuniária e perda de bens e valores, o fator temporal não exerce influência em seu cumprimento. As outras três penas, contudo, têm a mesma duração da pena privativa de liberdade. Vê-se para logo, porém, que na pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades publicas, sendo a pena substituída superior a um ano, é facultado ao condenado cumpri-la em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade substituída ( § 40 do art. 46 do CP). Para beneficiar-se da pena restritiva de direitos, urge que o réu preencha os seguintes requisitos: a) não seja reincidente em crime doloso. Se o condenado for reincidente genérico, isto é, na prática de crime de natureza diversa do delito precedente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável (§ 3° do art.44). Não se pode deixar de registrar a contradição do legislador. Com efeito, o reincidente em crime doloso, seja ele genérico ou específico, não pode obter regime aberto nem sursis, sendo manifesta a incoerência do Código ao habilitar este criminoso a receber uma medida mais branda (pena restritiva de direitos). b) que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. Presentes esses requisitos subjetivos, é possível aplicar a pena restritiva de direitos quando: a) o réu for condenado a crime doloso a uma pena privativa de liberdade igual ou inferior a 4 (quatro) anos, excluída a hipótese de crime cometido com violência ou grave ameaça contra pessoa. b) o réu for condenado a crime culposo, qualquer que seja a quantidade da pena privativa de liberdade. A substituição é feita na própria sentença. A pena privativa de liberdade, quer o crime seja doloso ou culposo, é substituída por multa ou por uma pena restritiva de direitos, quando a condenação for igual ou inferior a 1 (um) ano. Se superior a 1 (um) ano, far-seá a substituição por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos (§ 2° do art.44). No concurso formal e crime continuado, analisa-se se a pena total, isto é, unificada, comporta ou não a aludida substituicão. Já no concurso material, o juiz, na sentença, fixa a pena de cada crime, separadamente, analisando, também, de forma isolada, a pertinência ou não da substituição quanto a cada um dos delitos. Se, porém, em relação a um dos crimes tiver sido negado o sursis, para os demais será incabível a substituição por pena restritiva de direitos (§ l0do art. 69 do CP). Quando for aplicada pena restritiva de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si ( ex.: limitação de fim de semana), consoante dispõe o § 2° do art. 69 do Código Penal. Momento da substituição A substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos é feita na própria sentença condenatória. Admite-se, todavia, a substituição pelo juízo da execução desde que: a) o agente tenha sido condenado a pena privativa de liberdade igual ou inferior a dois anos; b) tenha sido cumprido pelo menos um quarto da pena; c) o agente esteja cumprindo a pena no regime aberto; d) os elementos e a personalidade do condenado indiquem ser a conversão recomendável. Esses requisitos, previstos no art. 180 da LEP, devem existir simultaneamente. Efetuada a substituição, a pena restritiva de direitos deverá ter a mesma duração do restante da pena substituída, descontando-se, portanto, o tempo de pena privativa de liberdade cumprida. Conversão A pena restritiva de direitos, preceitua o § 4º do art.44 do CP, converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. Nesse caso, a conversão é obrigatória. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou reclusão. A conversão, como se vê, é pelo tempo restante da pena, operando-se, assim, a detração penal. Se, no entanto, restava um tempo inferior a 30 (trinta) dias, a detração ficará prejudicada, pois o réu deverá cumprir, no mínimo, 30 (trinta) dias de reclusão ou detenção. Tratando-se de pena de prestação pecuniária ou perda de bens e valores, a nosso ver, não será possível a conversão. A conversão, por outro lado, é facultativa quando sobrevém condenação a pena privativa de liberdade por outro crime, O juiz poderá deixar de aplicar a conversão se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. Assim, se na nova condenação o réu obtém sursis ou é apenado com multa ou pena restritiva de direitos, o juiz, percebendo a viabilidade de cumprimento simultâneo das sanções impostas, poderá deixar de aplicar a conversão. Se, ao revés, sobrevier condenação por outro crime, no regime fechado ou semi-aberto, cuja execução não tenha sido suspensa, a conversão será inevitável, a menos que a pena restritiva de direitos consista em prestação pecuniária ou perda de bens e valores, quando então será também possível ao condenado cumprí-la simultaneamente com a pena privativa de liberdade. Prestação pecuniária A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro ou em prestação de outra natureza em favor da vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social. Com efeito, dispõe. o § 10 do art. 45 do CP que: “A prestação pecuniária consiste no pagamento à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de lmportância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários”. E o § 2° do art. 45 do CP ainda preceitua que: “No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza”. A prestação pecuniária, como se vê, pode consistir em prestação de outra natureza, como mão de obra e doação de cestas básicas, desde que haja aceitação do beneficiário. Na verdade, a hipótese de aplicação de prestação de outra natureza se ajusta melhor aos delitos de menor potencial ofensivo, que são marcados pela possibilidade de transação. Em relação aos demais delitos, a substituição poderá ocorrer na fase executória, a menos que antes da sentença o réu proponha alguma prestação e a vítima aceite. Na maioria das vezes, porém, acreditamos que o condenado irá propô-la na fase executória, operando-se a substituição apenas na hipótese de o beneficiário pronunciar-se favoravelmente. A pena de prestação pecuniária realiza a conjugação dos propósitos penal e civil reparatório, amenizando a situação da vítima, conferindo liquidez à sentença penal condenatória, permitindo, destarte, a satisfação do dano na própria esfera penal, tal qual ocorre na Itália, França e em várias legislações. Até então, o máximo que se admitia, na sede penal, era a propositura de medidas cautelares visando a satisfação do dano (seqüestro, arresto e hipoteca legal). Em verdade, porém, a obrigação de reparar o dano já constitui efeito da condenação (art. 91, 1, do CP). Sob esse ponto de vista, poder-se-ia dizer que se trata de uma pena inútil. Ledo engano, porque confere poderes ao juiz penal para decidir sobre a liquidez do prejuízo, antecipando a apuração do “quantum debeatur”. Não se pode, porém, a pretexto de agilizar a reparação do dano, suprimir a garantia constitucional da ampla defesa. Deve ser dado ao acusado oportunidade para discutir o “quantum debeatur” e se esta questão mostrar-se complexa o melhor caminho é a aplicação de outra pena, transferindo-se para o juízo cível a apuração dos danos, pois do contrário o processo penal poderia prolongar-se excessivamente e ser atingido pela prescrição da pretensão punitiva. Urge não confundir a prestação pecuniária, que ingressa no rol das penas restritivas de direitos, com a pena de multa. Na prestação pecuniária, o dinheiro é revertido em prol da vítima, seus dependentes, entidade pública ou entidade privada com destinação social. O valor mínimo é de 1 (um) salário mínimo e o máximo 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. Na pena de multa, o dinheiro é destinado ao Fundo Penitenciário Nacional. Seu valor oscila entre 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, sendo que cada dia pode ser fixado entre um trigésimo a cinco salários mínimos. O valor pago não será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil. A prestação pecuniária, em princípio, deve reverter em favor da vftima. Se esta vier a falecer ou a se ausentar, os beneficiários serão os seus dependentes. A expressão “ dependentes” deve ser tomada no sentido econômico, aplicando-se por analogia o disposto no art. 16 da Lei 8.23 1/91, que elenca os dependentes previdênciários. Urge que esteja devidamente demonstrado nos autos o dano material ou moral que o delito causou ao ofendido, evitando, destarte, o enriquecimento sem causa. É claro que a pena não pode ser superior ao prejuízo demonstrado no processo, invocando-se analogicamente o § 1° do art. 297 do Código de Trânsito Brasileiro. Na apuração dos danos materiais levar-se-á em conta os danos emergentes e os lucros cessantes. Nos delitos em que não houver prejuízo à vítima ou então naqueles crimes em que o sujeito passivo for a coletividade, a pena de prestação pecuniária poderá reverter em prol de entidade pública ou entidade privada com destinação social. Aqui não há enriquecimento sem causa, pois todo e qualquer delito acarreta um dano moral ap Estado. Ademais, a destinação social da entidade pública ou particular beneficiada atribui à pena uma função alimentar. A prestação pecuniária será imposta pelo juiz, independentemente de qualquer pedido, seja do Ministério Público ou da vítima. Não obstante o seu inegável caráter de pena, tanto é assim que encontra-se elencada no rol das penas restritivas de direitos, não se pode deixar de nela reconhecer uma sanção civil, pois o valor pago, preceitua o § l~ do art. 45, será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. Trata-se, a rigor, de uma medida de caráter híbrido. O art. 5° XLV, da Constituição Federal reza que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei estendidas aos sucessores e contra eles ser executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” . O dispositivo constitucional em apreço autoriza a cominação da pena de prestação pecuniária, que nada mais é do que a obrigação de reparar o dano causado pelo delito. Se, após o trânsito em julgado, o condenado vier a falecer ou então alienar fraudulentamente os seus bens a terceiro, pondo-se numa situação de insolvência , a execução poderá recair sobre os seus sucessores (“causa mortis” ou ‘inter vivos”), até o limite do patrimônio transferido, no juízo cível, pois a obrigação de reparar o dano, em tal situação, perde o caráter de pena. De conformidade com o art. 575, IV, do CPC, a sentença penal condenatória constitui título executivo judicial. Nela se materializa o “an debeatur” e agora também o “quantum debeatur”, sendo inegável a sua transmissibilidade aos sucessores do condenado, até o limite do patrimônio transferido. Não é a pena que se transmite, mas a dívida, razão pela qual a execução contra os sucessores processar-se-á no juízo cível competente. Questão obscura consiste em saber se a pena de prestação pecuniária poderá ser convertida em pena privativa de liberdade, se o condenado solvente deixar de efetuar o pagamento ou frustrar a sua execução. Segundo tudo parece indicar, a resposta é negativa. Do contrário haverá infringência ao disposto art. 5°, LXVII, da Magna Carta, que proíbe a prisão civil por dívida. É certo, pois, que a prestação pecuniária é uma pena restritiva de direito. Mas, apesar de constituir uma pena, assume também o caráter de dívida, isto é, de antecipação da indenização. E, portanto, simultaneamente, pena e dívida, incluindo-se, pela sua natureza, entre as sanções de caráter híbrido. Outra questão aberta às indagações jurídicas é se a pena de prestação pecuniária poderia reverter em favor da pessoa prejudicada com crime, na hipótese de o delito não ter causado dano material à vítima. Exemplificando: Tício furta o veículo de Mévio, que é ressarcido pela seguradora. Tício é a vítima do delito, mas o prejudicado é a seguradora. A nosso ver, a expressão “vítima”, a que se refere o § 1° do art. 45 do CP, deve ser intepretada como sendo a vítima do dano, e não apenas a vítima do crime. Sustenta-se essa exegese no fato de o valor pago ser deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. A expressão se coincidentes os "beneficiários” autoriza a interpretação de que o beneficiário da prestação pecuniária nem sempre é a vítima do crime. Finalmente, a execução da pena de prestação pecuniária será promovida pelo Ministério Público, no juízo penal, pois não se pode delegar ao particular a execução de uma pena. Vale lembrar que até nos crimes de ação penal privada a execução penal é patrocinada pelo representante do Ministério Público, esgotando-se o “ius persequendi in juditio” com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Poder-se-ia dizer que o promotor de justiça estaria advogando uma questão patrimonial, mas não se pode olvidar que há interesse público em se obter do réu a reparação do dano, sobretudo quando a medida assume o caráter de pena. O procedimento de execução penal, à mingua de lei sobre o assunto, deverá ser o previsto nos arts. 164 e ss. da LEP, de modo que se a penhora recair sobre bem imóvel, os autos serão remetidos ao juízo cível (art. 165 da LEP). Perda de bens e valores A perda de bens e valores consiste na expropriação de coisas corpóreas ou incorpóreas pertencentes ao condenado, destinando-as ao Fundo Penitenciário Nacional. A expressão “bens” designa as coisas corpóreas de valor econômico (casa, animal, veículo etc). Já o termo “valores” compreende todo título ou papel representativo de obrigação em dinheiro ou mercadoria (apólices, bônus, cheques, notas promissórias etc). De fato, dispõe o § 3° do art.45 do CP: “A perda de bens e valores pertencentes ao condenado dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto - o que for maior - o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática de crime”. Primeiramente, cumpre elucidar que o fundamento desta pena é o art.50 XLVI, “b”, da Constituição Federal. O limite máximo da pena é o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime. Portanto, para aplicar a pena de perda de bens ou valores, é preciso estar demonstrado nos autos o teto máximo da pena, qual seja, o montante do provento auferido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime, ou então o montante do prejuízo causado. Os proventos do crime compreendem a) a coisa obtida por meio criminoso (ex.:a jóia furtada); b) as coisas adquiridas com o delito mediante especificação (ex.: transformação da jóia em barra de ouro); c) as coisas adquiridas pelo delito mediante alienação (ex.: o dinheiro ou bem obtido com a venda da jóia). Na alínea “a”,o juiz penal poderá determinar a busca e apreensão do bem, nos termos do art. 121 do CPP. Nas alíneas “b” e “c” , a medida cabível é o seqüestro, por força do art. 132 do CPP. O seqüestro e a busca e apreensão são medidas antecipativas do confisco previsto no art. 91, II, b, do CP, só podendo ser decretadas quando houver indícios veementes de que os bens ou valores foram adquiridos pelo pretenso culpado com os proventos do crime. Somente o juiz penal é quem pode determinar essas medidas, seja de ofício ou a requerimento da vítima, do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial. De acordo com o disposto no art. 91,II, b, do CP, constitui efeito da condenação a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa fé, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Desde que haja sido decretado o seqüestro ou busca e apreensão, conforme a hipótese, o juiz penal, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, determinará a avaliação e venda dos bens em leilão público. O dinheiro apurado servirá para o pagamento do lesado ou terceiro de boa fé, revertendo-se o saldo em favor do Fundo Penitenciário Nacional (art. 20, IV, da Lei Complementar n0 79/94). Urge, porém, não confundir a pena de perda de bens e valores com o confisco previsto no art. 91,11, b, do CP, que constitui mero efeito da condenação. Desde já cumpre ressaltar que as duas medidas podem ser impostas cumulativamente. O confisco recai sobre os proventos criminosos auferidos pelo condenado, ao passo que a perda de bens e valores incide sobre bens e valores que integram o patrimônio lícito do acusado. A pena de perda de bens e valores faz recordar o credor que efetua a cobrança judicial de dívida já paga. Com efeito, o art. 1.531 do Código Civil determina que, no caso do credor cobrar dívida já paga, deverá devolver ao devedor o dobro do que um dele cobrou, ou seja, perde o montante do crédito mais outro tanto. Fenômeno parecido ocorre na área penal, pois o acusado poderá perder até o dobro do provento obtido com o crime ou então ser obrigado a pagar até o dobro do prejuízo causado. Com efeito, se o teto máximo for o provento obtido pelo agente ou por terceiro, além de operar-se, em favor da União, como efeito da condenação, o confisco dos proventos do crime, previsto no art. 91,11, b, do CP, o acusado poderá ainda sofrer a pena de perda de bens ou valores, prevista no art. 43,II, do CP, de uma quantia de bens ou valores que podem atingir até o montante do provento criminoso. Se o teto máximo for o prejuízo causado pelo crime, além da obrigação de repararo dano, prevista no art. 91,1, do CP, como efeito da condenação, o condenado poderá ainda sofrer, a título de pena, a perda de uma quantia de bens e valores que podem atingir até o montante do prejuízo causado. Para aplicar a nova pena, o magistrado, ao invés de especificar os bens e valores ,poderá fixar uma cifra em dinheiro, pois a lei fala em perda de bens e valores e ninguém há de negar que o dinheiro é um bem. Se, ao invés, o magistrado quiser especificar, na sentença, os bens e valores a serem expropriados, urge que determine a inscrição da hipoteca legal dos imóveis (art. 135 do CPP, c.c., art. 827, VI, do CC) ou o arresto dos bens móveis do acusado (art. 137 do CPP). Os bens arrestados ou hipotecados não podem constituir “producta sceleris” e nem terem sido adquiridos com os proventos da infração, pois para estes, como vimos, as medidas são busca e apreensão e seqüestro. Não convence o argumento de que a aludida pena seria odiosa, por atingir reflexamente os familiares do condenado. Em verdade, toda e qualquer pena, por via indireta, acaba atingindo os familiares do condenado. Finalmente, a transmissibilidade da perda de bens aos sucessores do condenado, até o limite do patrimônio transferido, é admitida no art. 5°, XLV, da Magna Cada, mas a execução, em tal situação, há de ser feita no juízo cível Aliás, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, os bens e valores objetos da condenação incorporam-se automaticamente ao patrimônio do Fundo Penitenciário Nacional. Se, porém, o acusado falecer antes do trânsito em julgado, a punibilidade é extinta, nos termos do art. 107,1, do CP, inviabilizando-se a execução contra os sucessores. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto à entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumprida à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, fixada de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. Aludida penalidade, conforme se depreende do art.46 do CP, só é aplicável às condenações superiores a 6 (seis) meses de privação da liberdade. Se a pena substituída for superior a 1 (um) ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art.55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada (§ 4° do art.46). Aqui o legislador consagrou a ilógica. Se o agente é condenado a 01 (um) ano, as horas deverão ser distribuídas até o último dia do término da pena. Se, porém, é condenado a tempo superior a um ano, como por exemplo 1 ( um) ano e 2 (dois) meses, a pena poderá ser cumprida em 7 (sete) meses O trabalho é gratuito, inexistindo, portanto, vínculo empregatício. Cada dia de prisão passa a corresponder a uma hora de trabalho. Compete ao juiz da execução designar a entidade a que o condenado prestará serviço. O trabalho deve ser atribuído conforme as aptidõês do condenado, não podendo ter caráter vexatório, como, por exemplo, obrigar um médico a varrer a rua. A execução terá início a partir da data do primeiro comparecimento do condenado à entidade onde irá prestar seus serviços (art.149, § 2º, da LEP). Os arts. 149 e 150 da LEP disciplinam a forma de execução da pena. Interdição temporária de direitos O Código, no art. 47, prevê as seguintes penas de interdição temporária de direitos: I - Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como mandado eletivo. Essa pena só se aplica ao crime cometido no exercício de profissão, atividade, ofício, cargo ou função, sempre que houver a violação dos deveres que lhe são inerentes (CP, art.56). A interdição de que se trata, como lembra Mirabete, não é apenas a suspensão daquele que exerce o cargo, função, atividade pública ou mandato eletivo, mas também a proibição para aquele que deixou de exercê-la (voluntariamente ou não) após a prática do crime. Nessa hipótese constitui uma incapacidade temporária para o exercício da função pública. A pena restritiva de direitos, por ser temporária, não se confunde com a perda do cargo , função ou atividade pública ou mandato eletivo, que é definitiva e está prevista no art. 92,1, do CP, como efeito da condenação. II - Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público. Profissão é o trabalho remunerado, predominantemente intelectual (ex.: médico, advogado, professor etc). Ofício é o trabalho remunerado, preponderantemente manual ou mecânico (ex.: sapateiro, barbeiro etc). Atividade é qualquer outro trabalho remunerado ou não. O condenado fica proibido de exercer a profissão, ofício ou atividade, pelo tempo da pena. Observe-se que essa pena também só se aplica ao crime cometido no exercício de profissão, atividade, ofício, cargo ou função, sempre que houver violação dos deveres que lhe são inerentes (CP.art.56). Pode ser aplicada, por exemplo, ao médico ou advogado que viola segredo profissional; ao advogado que comete delito de patrocínio infiel; ao professor que pratica maus-tratos no aluno; ao médico que emite atestado falso etc. Além disso, o profissional ainda pode ser punido administrativamente pelos órgãos administrativos competentes (OAB,CRM etc). III - Suspensão da autorização ou habilitação para dirigir veículo. Tal pena, na sistemática do Código Penal, era restrita aos crimes culposos de trânsito (CP, art.57). Com o advento do novo Código de Trânsito, a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta como penalidade principal, isolada ou cumulativamente com outras penalidades, não tendo mais o caráter substitutivo das penas privativas de liberdade, operando-se a revogação tácita do inciso III do art. 47 e do art. 57 do CP Pode ser aplicada a qualquer delito previsto no Código de Trânsito, seja ele doloso ou culposo. Ressaltese, todavia, que a imposição cumulativa da pena de suspensão ou proibição da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor só é cabível se o réu for reincidente na prática de crime previsto no aludido Código de Trânsito (arts.292 e 296 da Lei n0 9.503/97). Se, porém, o preceito secundário do tipo penal previsto no Código de Trânsito já prevê essa pena, como é o caso do homicídio culposo, lesão culposa, embriaguez no volante e participação em competição não autorizada, ela será aplicada cumulativamente com a pena privativa de liberdade, independentemente de o réu ser reincidente em crime dessa natureza. IV- Proibição de frequentar determinados lugares. Cumpre ao magistrado atentar-se para que não sejam violados direitos constitucionais do condenado. Assim, padece de flagrante inconstitucionalidade impor como pena a proibição de frequentar cultos religiosos. Cabe ainda chamar a atenção para a semelhança entre esta pena e o sursis especial. Neste, porém, o condenado, além das condições judiciais, deverá cumprir cumulativamente, no primeiro ano do período de prova, as seguintes condições: a) proibição de frequentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. Ademais, o sursis especial tem duração fixa, podendo o período de prova ser fixado entre 2 (dois) a 4 (quatro) anos. E, uma vez revogado, o condenado terá de cumprir integralmente a pena privativa de liberdade que estava suspensa. Já pena de proibição de frequentar determinados lugares tem a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída. E, uma vez revogada, será deduzido o tempo cumprido, respeitado o saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou reclusão (§ 4° do art.44 do CP). 134. Ob. cit., p. 268.. Flávio Monteiro de Barros Juiz de direito em São Paulo Professor e Coordenador do Curso Preparatório FMB