SUBSIDIARIEDADE, IVA INTRACOMUNITÁRIO E A REGRA DA UNANIMIDADE Um “problema” a ser resolvido? Eduardo Viana Caletti Bacharel em Direito pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA (2003), advogado, especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2006) e mestrando em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em Portugal. 1. INTRODUÇÃO A União Européia aparece no cenário mundial como um marco teórico paradigmático em processos de integração regional. De fato, o atual nível de integração da União Européia alcança um estágio tão intenso ao ponto de superar as incipientes zona de livre comércio e união aduaneira, a fim de buscar a integração econômico-financeira, comercial, jurídica, política e social (Yung, 2004). Ocorre que, quanto mais profundo é o nível de integração, maiores serão as competências estatais cedidas à Comunidade, a fim de que a mesma possa alcançar os objetivos almejados, harmonizando as legislações dos EstadosMembros. Essa cessão de competências causa inúmeras conseqüências ao direito nacional, importando certa relativização da soberania dos Estados-Membros, pelo que exige mecanismos eficazes, tanto para garantir o poder dos Estados quanto para legitimar o poder cedido à Comunidade. 2 No Direito Comunitário o mecanismo adotado para a repartição de competências é o Princípio da Subsidiariedade, o qual se aplica a todas as áreas, exceto sobre aquelas tidas como exclusivas da Comunidade. Tal se dá também e principalmente naquelas áreas que podem restringir a autonomia dos EstadosMembros, como é o caso da área fiscal, sobre a qual, além da regra geral, ainda há outro mecanismo para proteger a soberania Estatal. Nesse sentido, nos capítulos que se seguem trataremos de definir, de forma sucinta, o conteúdo do Princípio da Subsidiariedade, tratando de enquadrá-lo no Direito Comunitário para, num segundo momento, abordarmos de que forma se dá sua aplicação no âmbito fiscal e, mais especificamente, no IVA Intracomunitário. A especificidade, neste trabalho, com relação ao IVA Intracomunitário se justifica pelo fato de que o mesmo incide diretamente nas aquisições intracomunitárias (entre Estados-Membros), núcleo da idéia de mercado comum comunitário, um dos principais objetivos do Tratado que instituiu a Comunidade Econômica Européia. 2. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE NO DIREITO COMUNITÁRIO 2.1. O Princípio da Subsidiariedade Para melhor entendermos o conteúdo do Princípio da Subsidiariedade cumpre-nos, inicialmente, referir a origem do termo subsidiariedade, qual seja “a palavra latina „subsidium‟ que significa socorro, ajuda ou auxílio extraordinário, e que tem a sua directa correspondência na palavra subsídio”, à qual é “atribuído o significado de reforço, de secundariedade”. (Martins, 2003, p. 9-10) 3 Tendo em mente a raiz etimológica supra, podemos melhor entender a idéia de subsidiariedade, a qual adquiriu conteúdo dogmático, como princípio, a partir da Doutrina Social da Igreja Católica, nomeadamente através da Encíclica Papal Rerum Novarum, de Leão XIII e, melhormente, através da Encíclica Quadragesimo Anno de Pio XI. Esta – nos dizeres de Quadros (2004, p. 14) – ergueu “a subsidiariedade a solene princípio da Filosofia Social” quando prescreve: Assim como é injusto subtrair dos indivíduos o que eles podem efectuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades menores e inferiores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua acção é coadjuvar os seus membros, e não destruí1 los nem absorvê-los. Partindo dessa noção (idéia), concluímos que a missão dos que governam não é de criar eles mesmos, ou o Estado por eles administrado, a prosperidade do povo. Sua tarefa deve reduzir-se a estabelecer as condições de segurança civil, segurança jurídica e de estabilidade política e social, para que, dadas tais condições, sem maior intervenção, brote espontaneamente, do concurso das atividades e dos sujeitos, a desejada prosperidade que a todos beneficia (Raga Gil, 2005). Interpretando o acima referido, segundo o Princípio da Subsidiariedade, ao Estado cabem apenas aquelas atividades que as comunidades menores necessitam e que, por suas limitações, não conseguem praticar de maneira eficaz (ou tão eficaz como o Estado e quanto o necessário). Destarte, focado princípio, no ramo do Direito Público, recusa a “idéia de exclusividade da Administração na prossecução do interesse público”, sendo 1 No mesmo sentido e justificando os ensinamentos da Igreja, José T. Raga Gil afirma que tal se dá pois “El hombre es antes que la sociedad y ésta es antes que el Estado por lo que, el tan difundido principio de subsidiariedad, se enraíza em esa gradación preferencial, que no viene determinada exclusivamente por uma consideración de oportunidad temporal sino por uma acepción cualitativa de lo que entraña el „ser‟ de la criatura humana” (2005, p. 32). 4 “elemento-chave na idéia de descentralização [...] das funções da comunidade maior na comunidade menor”. (Vilhena, 2002, p.30) O Princípio da Subsidiariedade está para o Estado como parâmetro adequado à repartição de atribuições entre as instâncias públicas, pelo que aparece como elemento conformador da necessária harmonização de competências num Estado Federal, visando uma maior efetividade, eficácia, das atividades estatais. Assim, estudado princípio possui duas funções, uma jurídica, pela qual define a prioridade do ente mais capacitado para o exercício de certa atribuição, e outra política, servindo de critério para a atribuição de competências nas diversas instâncias de poder. (Yung, 2004, p. 26) O Princípio da Subsidiariedade é tratado expressamente no Direito Comunitário, motivo pelo qual dedicaremos o próximo subtítulo à análise do princípio especificamente nesse âmbito. 2.2. No contexto Comunitário No contexto Comunitário, o Princípio da Subsidiariedade está previsto, dentre outros2, no preâmbulo do Tratado da União Européia – TUE, no Protocolo 30 do Tratado de Amsterdã e no parágrafo segundo do artigo 5º do Tratado da Comunidade Européia – TCE, que assim dispõe: Nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos EstadosMembros, e possam pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário. 2 Enumerando as principais referências ao Princípio da Subsidiariedade no Dir. Comunitário, ver: SARAIVA, 2001, p. 63 ss. 5 Pari passu, consoante descrito no ponto anterior, no Direito Comunitário o princípio da subsidiariedade, tem por objectivo assegurar uma tomada de decisões o mais próxima possível dos cidadãos, ponderando se a acção a realizar à escala comunitária se justifica em relação às possibilidades que oferece o nível nacional, regional ou local. Concretamente, trata-se de um princípio segundo o qual a União só deve actuar quando a sua acção seja mais eficaz do que uma acção desenvolvida a nível nacional, regional ou local - excepto quando se trate 3 de domínios da sua competência exclusiva. Segundo Fernandez Esteban, O princípio da subsidiariedade é um princípio arquitetural da construção européia com dupla dimensão: política ou de legitimação das competências comunitárias, como critério de assinalamento de competências comunitárias, e jurídica, controlável pelo Tribunal de Justiça, como regra de exercício de competências existentes (apud Yung, 2004, p. 32). Por assim dizer, o Princípio da Subsidiariedade serve de critério para a repartição das competências comunitárias, não exclusivas, entre os EstadosMembros e a União Européia, motivo pelo qual esta “só intervém por necessidade de harmonizar o Direito nacional caso a acção dos Estados Membros se revele insuficiente para garantir o bom funcionamento do Mercado Comum” (Saraiva, 2001, p. 44). A palavra „harmonizar‟, utilizada no parágrafo anterior, merece nossa especial atenção, pois, salvo no caso das competências exclusivas da Comunidade, está só pode atuar visando os propósitos do Tratado, em última análise, focando a harmonização do direito dos Estados-Membros. Como decorrência, temos o condão de ressaltar a relação existente entre o Princípio da Subsidiariedade e o da Proporcionalidade, que aparece para a Comunidade como critério limitador de suas ações (de competência subsidiária) ao estrito alcance dos objetivos do Tratado (art. 5.3 do TCE). 3 Disponível em: <http://europa.eu/scadplus/glossary/subsidiarity_pt.htm>, acesso em 15/maio/2007, às 17h42min. 6 Dito em outras palavras, nos casos em que a Comunidade Européia puder realizar ações de forma mais eficaz que os Estados-Membros, ela não poderá praticar atos que excedam o necessário para o atendimento dos objetivos em que sua competência subsidiária se funda, sob pena de violar o Princípio da Proporcionalidade. Aliás, esse é, inclusive, o conteúdo do Protocolo 30 do Tratado de Amsterdã, „Relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade‟. Nesse diapasão, podemos afirmar que compete à Comunidade exercer, apenas, as funções (excluindo-se daqui as competências exclusivas da União) que podem ser mais eficazmente realizadas por ela que pelos Estados-Membros individualmente. E, ainda, que tais funções só podem ser exercidas nos limites dos objetivos em que se fundam, harmonizando o Direito nacional (Borges, 2007). Tudo isso se dá, principalmente, porque no direito comunitário o Princípio da Subsidiariedade surge como “um reforço da importância da multiculturalidade na construção européia, na medida em que esta não poderá nunca ser posta em causa pelo processo de integração, sob pena de se pôr em perigo o próprio ideal europeu” (Marques, 2006, p. 206). No que tange a área dos tributos, e o IVA Intracomunitário especificamente, o Princípio da Subsidiariedade possui disposição ainda mais específica, com características peculiares que evocam particular atenção, razão pela qual é o núcleo de nosso estudo, bem como será nosso próximo objeto de análise. 3. O IVA E O PRINCÍPIO COMUNITÁRIO DA SUBSIDIARIEDADE 3.1 O Princípio da Subsidiariedade em matéria fiscal 7 Para o desenvolvimento deste ponto precisamos analisar três artigos, quais sejam, o 93; o 94 e o 95 parágrafo 2 do TCE, então, vejamos: Artigo 93º - O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social, adopta as disposições respeitantes à harmonização das legislações relativas aos impostos sobre o volume de negócios, aos impostos especiais de consumo e a outros impostos indirectos, na medida em que essa harmonização seja necessária para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno no prazo previsto no artigo 14.o. CAPÍTULO 3 - A APROXIMAÇÃO DAS LEGISLAÇÕES Artigo 94º - O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social, adopta directivas para a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos EstadosMembros que tenham incidência directa no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum. Artigo 95º 1. Em derrogação do artigo 94º e salvo disposição em contrário do presente Tratado, aplicam--se as disposições seguintes à realização dos objectivos enunciados no artigo 14º. O Conselho, deliberando nos termos do artigo 251º, e após consulta ao Comité Económico e Social, adopta as medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros que tenham por objecto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno. 2. O nº. 1 não se aplica às disposições fiscais, nem às disposições relativas à livre circulação de pessoas e às relativas aos direitos e interesses dos trabalhadores assalariados. Segundo o artigo 93 supra, nas deliberações em matéria fiscal prevalece a regra da unanimidade dos votos do Conselho. Há que se atentar que esse artigo aplica-se apenas à tributação indireta, pelo que, para a fiscalidade direta aplicarse-á a regra contida no artigo 94, que também exige unanimidade. A necessidade de unanimidade para as disposições fiscais, tanto na fiscalidade direta como na indireta, procede não só do texto dos artigos acima, mas também do fato de o artigo 95, TCE – que prevê a possibilidade de 8 deliberações por maioria qualificada (nos termos do artigo 251) – não se aplicar às disposições fiscais em virtude do seu parágrafo 2º, que o veda expressamente4. A regra da unanimidade – que obstaculiza, de certa forma, o exercício da competência subsidiária da União já que torna a aprovação das deliberações mais complicada – segundo Salinas Sánchez (2005, p.171), possui duas razões de ser: uma decorrente “do atual sentimento generalizado de falta de legitimidade democrática da UE que até o momento se tem traduzido em uma falta de respaldo a qualquer idéia de instituir algum tipo de autoridade fiscal supranacional”; e outra de cunho político eleitoreiro, pois “a política fiscal proporciona aos políticos nacionais a possibilidade de implementar políticas distributivas muito visíveis e com rentabilidades eleitorais muito altas”. Mas essas não são as únicas causas da regra da unanimidade. Cabe-nos frisar, ainda, que ela reforça a soberania dos Estados-Membros, pois se de fato os Estados cedem parte de sua soberania em favor da Comunidade 5, visando seus interesses, também é verdade que a exigência de unanimidade dos votos no Conselho Ministerial garante aos Estados certeza de atendimento de sua vontade, o que não ocorre quando as deliberações se dão por maioria qualificada, momento em que um Estado pode ser contrariado em prol da coletividade. Esse reforço da soberania se funda no fato de que o sistema fiscal de um Estado é uma característica importante da sua identidade política, pois reflete as escolhas de um povo ao nível político e econômico, tendo como pano de fundo o fato de a receita fiscal constituir a principal fonte de financiamento do Orçamento Estatal (Marques, 2006). Nesse sentido, nas matérias de âmbito fiscal em que, pelo Princípio da Subsidiariedade, a Comunidade necessitar agir, deverá fazê-lo por aprovação unânime do Conselho deliberativo, visando a harmonização das legislações no âmbito dos objetivos do Tratado. 4 Conforme Tribunal de Justiça da Comunidade Européia: Conclusões do Advogado-Geral Siegbert Alber, apresentadas em 9 de Setembro de 2003, no Processo C-338/01 – Comissão das Comunidades Europeias contra Conselho da União Européia – parágrafos 50-55. 5 Acerca da soberania dos Estados-Membros e da cessão de poderes à Comunidade ver: YUNG, 2004, p. 11 ss. 9 Por todo o exposto, e através de um raciocínio crítico, podemos concluir que a regra da unanimidade, em sede de competências subsidiárias, pode restringir exacerbadamente a idéia de que a Comunidade „deve‟ agir quando se mostrar mais capaz (eficaz) de alcançar os objetivos do Tratado. Dizemos restringir porque as deliberações do Conselho ficam evidentemente vinculadas à conveniência política dos representantes de cada Estado-Membro, ou seja, não fica subordinada aos interesses da Comunidade/coletividade (em conformidade com os objetivos do Tratado), mas sim aos interesses de cada membro individualmente (ou seu representante visando promoção política). Delimitado que está (de forma não exaustiva) o Princípio da Subsidiariedade em matéria fiscal, bem como a regra da unanimidade nas deliberações nesse âmbito (e o problema decorrente da mesma), passaremos agora a falar especificamente do Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA. 3.2. A harmonização fiscal e o Imposto sobre o Valor Acrescentado O processo de harmonização fiscal sempre foi uma preocupação presente na Comunidade Econômica Européia – CEE. Em 1957 o Tratado de Roma já estabelecia, dentre outras coisas, que a Comissão deveria analisar quais medidas poderiam ser tomadas nesse sentido (artigo 99º). A partir daí, em 11 de abril de 1967 o Conselho de Ministros da CEE aprovou a Primeira e Segunda Directivas, visando a “harmonização das legislações dos Estados-Membros relativas aos impostos” e “estruturando a modalidade do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” (Fernandes, 2006, p. 11). Conforme afirma García Villarejo (2005), a preocupação com a harmonização fiscal decorre do fato de que por terem perdido, em função da Comunidade, o direito de fazer uso das tradicionais restrições administrativas ao 10 comércio frente os demais países da União, bem como terem perdido o controle dos tipos de troca e de oferta monetária, os Estados ficam predispostos a utilizar outros tipos de restrições internas, nomeadamente, a fixação do volume de impostos e o perfil de estrutura tributária. Motivo pelo qual a harmonização tem como finalidade principal “eliminar os obstáculos fiscais ao livre movimento de mercadorias, pessoas, serviços e capital dentro da Comunidade” (Pitta e Cunha, 1999, p. 123). Tendo em conta a finalidade referida, o Tratado que instituiu a CEE priorizou a fiscalidade indireta na medida em que é ela que mais fortemente afeta o comércio entre os Estados-Membros (Marques, 2006). O primeiro de muitos passos6 rumo à harmonização fiscal indispensável “à garantia da liberdade de circulação e de estabelecimento do mercado interno” (Ferreira, 2002, p. 4) (união aduaneira) foi dado pela Comunidade em 1967, quando estabeleceu o Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA como modelo obrigatório de sistema fiscal a ser seguido por todos os Estados-Membros. Consoante leciona Casalta Nabais (2006, p.598), “o IVA é um imposto geral sobre o consumo, em que se tributam as transmissões de bens, a prestação de serviços, as importações e a aquisição intracomunitária de bens”. Ou seja, incide sobre todas as operações de consumo dentro da Comunidade Européia, aí incluídas as „aquisições intracomunitárias‟ (IVA Intracomunitário), por assim dizer: „importações‟ entre Estados-Membros (de membro para membro); fator indispensável à união aduaneira promovida pelo Tratado. O focado imposto possui como características elementares ser plurifásico (não-cumulativo), ser um imposto geral sobre o consumo (incide sobre todas as fases do circuito econômico), ser pretensamente neutro, ser reditício, ser baseado no princípio de tributação no país de destino (transitoriamente) e, por fim, possuir matriz comunitária (Palma, 2005). Com relação à matriz comunitária, importa-nos referir que isto não representa ser o IVA um imposto do Direito Comunitário, já que o mesmo nasce 6 Sobre as fases de harmonização fiscal, ver: Palma, 2005, p. 26 ss. 11 no direito interno de cada país, cabendo à Comunidade apenas exercer sua competência em atenção ao Princípio da Subsidiariedade. No mais, a transitoriedade da regra da tributação no país de destino decorre da Diretiva n.º 91/680, aprovada em 16 de dezembro de 1991. Precitada diretiva estabeleceu o regime transitório do IVA Intracomunitário, que inicialmente deveria vigorar entre 1 de janeiro de 1993 e 31 de dezembro de 1996, quando entraria em vigor o regime definitivo, baseado no princípio da tributação na origem. Ocorre que, ao ser aprovado o regime transitório, simultaneamente foi aprovada regra prevendo a possibilidade de prorrogação anual e sucessiva do sistema interino, o que tem ocorrido reiteradamente, sendo este o sistema vigente. A prática de reiterar as prorrogações (estamos no 10º ano de prorrogação) deriva da incrível dificuldade de se alcançar a unanimidade exigida para as deliberações em matéria de IVA (fiscal), condição diretamente vinculada ao Princípio da Subsidiariedade, pelo que dedicaremos o próximo subtítulo ao tema. 3.3. O IVA Intracomunitário e o Princípio da Subsidiariedade Conforme afirmado até o presente momento, as deliberações Comunitárias acerca do IVA Intracomunitário estão subordinadas ao Princípio da Subsidiariedade e dependem, para serem aprovadas, da unanimidade dos votos do Conselho. Nesse sentido, reportemos-nos a algumas questões anteriormente trabalhadas, a fim de resolvermos o tema proposto. Inicialmente, frisemos que quando se fala no Princípio da Subsidiariedade em sede de Direito Comunitário, articula-se como regra a competência dos Estados-Membros, sendo exceção a competência da comunidade, já que, consoante leciona Marques (2006, p. 186): 12 Qualquer acção comunitária no âmbito de uma área em que não seja atribuída competência exclusiva às instituições comunitárias só deverá ser considerada legítima se, por tal acção ter efeito e dimensão comunitários, a sua prossecução for mais eficaz ao nível comunitário e os Estados, através da sua actuação, não conseguirem atingir de forma suficiente os objectivos a alcançar. Por coerência, podemos inferir que compete à Comunidade realizar as ações que os Estados-Membros não são capazes de realizar eficazmente – devido à sua dimensão comunitária – e que são necessários para a manutenção/alcance dos objetivos prescritos pelo Tratado. Nesse contexto está o IVA Intracomunitário, pois se trata de um tributo com dimensão comunitária (aquisições entre Estados-Membros), necessário ao alcance de um mercado interno (comunitário) pleno (a tributação na origem simplifica o sistema, o iguala ao mercado interno [nacional] e dificulta a sonegação fiscal) e que só pode ser eficazmente realizado pela Comunidade através de sua competência subsidiária. Com essa orientação, cabe-nos observar alguns7 dos atuais problemas do Sistema do IVA Intracomunitário que, segundo Calle Saiz (1999, p. 223), tornaram o IVA complexo e subjetivo e que poderiam ser resolvidos com a tributação no Estado de origem, vejamos: El IVA haya perdido el carácter objetivo que, en principio, cabe atribuirle, ya que el régimen fiscal aplicable depende de elementos sujetos a la apreciación del vendedor y tan diversos como: el lugar de establecimiento del vendedor y del comprador, la situación fiscal del comprador, el número de identificación a afectos de IVA del comprador, el lugar en que se encuentran los bienes en el momento de su entrega, la persona que organiza el transporte así como el lugar de partida o llegada del mismo, la naturaleza de los servicios prestados, y el volumen de negocios realizado por el vendedor en el Estado miembro de llegada de los bienes. Y a las dificultades que supone la correcta aplicación del impuesto se añaden los problemas con que se enfrentan las empresas a la hora de deducir u obtener la devolución de las cuotas de IVA soportadas en Estados miembros en los que no estén establecidos. 7 Acerca dos problemas decorrentes do IVA intracomunitário, bem como seus reflexos, ver: Calle Saiz, 1999, p. 222 ss. 13 Como se depreende, inúmeros são os problemas enfrentados pelo IVA Intracomunitário, os quais poderiam ser solucionados pela Comunidade através do exercício de sua competência subsidiária, consoante descrito acima. Ocorre que, as deliberações em matéria de IVA Intracomunitário (fiscal) estão sujeitas à regra da unanimidade, fator que acaba por impedir a resolução dos problemas apontados, visto que “devido à importância do IVA para as receitas fiscais, a maioria dos Estados membros se mostra relutante em dar o seu acordo às propostas destinadas a instituir um sistema definitivo”, e alegam ter receio de perda de receitas fiscais, resultantes da harmonização das taxas e das estruturas de imposto ou de uma redistribuição das receitas fiscais que o regime definitivo exigiria (Ferreira, 2002, p. 11). Tais justificativas não nos parecem coerentes. Primeiro porque a harmonização das taxas teria por finalidade dar maior neutralidade ao Sistema, sem trazer grandes alterações aos parâmetros atuais. Segundo, porque a Comunidade tem apresentado inúmeras propostas de hipóteses de redistribuição das receitas fiscais, a fim de evitar que os Estados-Membros percam recursos, bem como visando “um maior bem estar no conjunto da Comunidade Européia e a um resultado eqüitativo para seus membros” (Villar Ezcurra, 1999, p. 472). Nessa trilha, a não aprovação do regime definitivo do IVA se apresenta mais como uma questão política, dos governantes, pois sequer tais alterações afetariam qualquer questão cultural ou de identidade política dos EstadosMembros, já que o sistema do IVA está orientado para permitir uma diversidade fiscal entre os Estados-Membros, mantendo as receitas e resguardando certa margem de manobra aos governantes, a fim de que possam subsistir particularidades diversas em cada sistema nacional. Destarte, o Princípio da Subsidiariedade, com relação ao IVA Intracomunitário, resta afetado pela exigência de unanimidade nas deliberações do Conselho, tendo em conta que a Comunidade fica impedida de dar eficácia à medidas indispensáveis ao alcance dos objetivos estabelecidos no Tratado da CEE, devido não conseguir a concordância necessária. 14 4. CONCLUSÃO Conforme enunciado na introdução, do exame realizado pretendemos definir qual o conteúdo do Princípio da Subsidiariedade, verificando sua aplicabilidade ao âmbito fiscal, mais precisamente sobre o IVA Intracomunitário. No desenvolvimento do trabalho constatamos que o princípio da Subsidiariedade serve como critério para a repartição das competências entre os Estados-Membros e a Comunidade Européia. Nesse sentido, cabe-nos afirmar que a regra é a competência dos Estados, ou seja, a Comunidade só pode exercer aquelas atividades que os EstadosMembros não são capazes de realizar, individualmente, de maneira eficaz e que, simultaneamente, são necessárias ao alcance dos objetivos do Tratado da CEE. Dentre as precitadas atividades encontram-se as de caráter fiscal, motivo pelo qual a Comunidade também só poderá agir sobre elas se sua conduta for necessária aos objetivos do Tratado, bem como se for mais eficaz que a dos Estados-Membros. No entanto, nessa área há uma característica especial para se atentar, pois enquanto as deliberações em outras áreas ocorrem por maioria qualificada, no tocante as disposições fiscais é exigida a unanimidade dos votos do Conselho. Dita unanimidade – que também é exigida quando falamos de IVA Intracomunitário – pode causar dificuldades para a aprovação de deliberações. Muitas vezes uma medida necessária e eficaz pode deixar de ser aprovada por meras conveniências políticas. Esse é o caso do IVA Intracomunitário, o qual se encontra há mais de dez anos em regime transitório porque o Conselho não consegue a unanimidade necessária para torná-lo definitivo. Enquanto não se chega à condicional unanimidade, não se modifica o sistema do IVA Intracomunitário para um sistema de tributação na origem, fator 15 que simplificaria o sistema, dificultaria a evasão fiscal e uniformizaria as aquisições intracomunitárias com as nacionais, passo importantíssimo para a plenitude do objetivado mercado comum interno. Por todo o exposto, concluímos pela necessidade de se abolir a regra da unanimidade no âmbito das deliberações fiscais, precisamente sobre o IVA intracomunitário, a fim de dar maior efetividade ao Princípio da Subsidiariedade, permitindo que a Comunidade pratique as ações necessárias que, por medida de eficácia, lhe competem. 16 BIBLIOGRAFIA BORGES, Marta. 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