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N.º 243
Dezembro 2012
Mensal
2,00 €
TempoLivre
www.inatel.pt
Hotéis Inatel
Os dias tranquilos
Destacável de 16 páginas
Entrevista Isabel Jonet: “As pessoas têm de ser mais solidárias”
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Sumário
Na capa
DESTACÁVEL DE 16 PÁGINAS
Dias tranquilos
nos hotéis Inatel
A TL dá conta, em 16
páginas bem ilustradas
desta edição, dos novos
preços e virtualidades das
múltiplas e atractivas
unidades hoteleiras da
Fundação Inatel. Espaços
renovados e diversificados,
situados em diferentes
lugares do continente e
regiões autónomas, os
hotéis Inatel são uma boa
alternativa de repouso e
lazer para os associados e
beneficiários da Fundação.
5
6
18
EDITORIAL
CARTAS E COLUNA
DO PROVEDOR
8
16
NOTÍCIAS
CONCURSO
DE FOTOGRAFIA
38
MEMÓRIA
Igrejas Caeiro
ENTREVISTA
Isabel Jonet
Líder de 20 bancos alimentares que
movimentam diariamente 600 pessoas e
envolvem mais 36 mil em cada uma das
duas campanhas anuais de recolha de
alimentos, Isabel Jonet manifesta um
natural orgulho na sua activa e profunda
ligação ao "maior movimento na
sociedade civil portuguesa desde o pósguerra".
24
TERRA NOSSA
40
42
63
64
OLHO VIVO
A CASA NA ÁRVORE
30
O TEMPO E AS PALAVRAS
ARTESANATO
Maria Alice Vila Fabião
Júlia Ramalho
Há meio século que das mãos de Júlia
Ramalho, uma das mais prestigiadas
oleiras de Barcelos, saem figuras de
barro com uma assinatura própria.
OS CONTOS
DO ZAMBUJAL
66
Aveiro: a arte e o mar
A ria dá a Aveiro um carácter singular
no conjunto das cidades portuguesas.
Mas a dita "Veneza" nacional soube
projectar-se além ria. O crescimento
económico, iniciado no final do século
XIX com a via-férrea, criou uma
burguesia dinâmica e cosmopolita. A
universidade, projecto nascido na
década de 70 do século XX, trouxe um
novo élan à cidade.
CRÓNICA
António Costa Santos
35
TEATRO AMADOR
45
62
BOA VIDA
PASSATEMPOS
O grupo intergeracional de teatro amador
(40 actores dos oito aos 89 anos), criado
pelo Teatro da Trindade, no âmbito do
Ano Europeu do Envelhecimento Activo
e da Solidariedade entre Gerações, tem
asas e consegue voar.
Revista Mensal e-mail: [email protected] | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Fernando Ribeiro Mendes Vice-Presidente: José Manuel
Soares; Vogais: Jacinta Oliveira Santos e Álvaro Carneiro Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237
Director: Fernando Ribeiro Mendes Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Teresa Joel Colaboradores: António Costa Santos, Carlos
Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Manuela
Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Sousa Ribeiro, Susana Neves, Vítor Ribeiro. Cronistas:
Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, Joaquim Letria, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de
Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Publicidade: Direcção de Marketing (DMRI) Telef. 210027189; Impressão: Lisgráfica - Impressão e
Artes Gráficas, SA - Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 142.351 exemplares
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Editorial
Fernando Ribeiro Mendes
Dias tranquilos em tempos inquietos
E
ste é o primeiro número da Tempo Livre
editado sob a responsabilidade da nova
Administração da Fundação INATEL. É
natural, por isso, que aproveite o ensejo
para transmitir a todos os Associados algumas mensagens simples sobre como se irá orientar o nosso
trabalho nesta grande instituição, ao iniciarmos
este novo ciclo da sua vida já longa.
A Fundação INATEL, sendo a herdeira da velha
Fundação Nacional para Alegria no Trabalho, e do
Instituto Nacional para o Aproveitamento dos
Tempos Livres dos Trabalhadores que sucedeu àquela, na era democrática, tem atualmente uma missão
bem definida. Promove as melhores condições para
a ocupação dos tempos livres e do lazer de todos,
desenvolvendo e valorizando o turismo social, a
criação e fruição cultural, a atividade física e desportiva, bem como a inclusão e a solidariedade social.
Nesta medida, é parte integrante dos instrumentos
de politica pública orientados para a realização da
cidadania social.
Tal como se destaca na presente edição, a INATEL propõe dias tranquilos, designadamente através da sua rede de hotéis, a uma população de
beneficiários cuja plena realização pessoal passa e
continuará a passar, em todas as idades da vida,
pela ocupação do tempo livre de forma ativa e criadora, colocando ao alcance de todos o direito ao
lazer, a fruição cultural e o desporto. O que é ainda
mais importante quando estamos confrontados
com o duro facto de vivermos tempos inquietos
que nos obrigam a mudar o nosso modelo de vida,
excessivamente alavancado no crédito abundante
que hoje não é mais sustentável.
Dito isto, há que repensar as nossas formas de
intervenção. Trata-se de salvaguardar o essencial da
actividade INATEL em todas as suas vertentes.
Desde logo no acesso à nossa oferta turística e hoteleira, cuja qualidade crescente é por todos reconhecida, e que queremos projetar ainda mais através de
programas para todos, sem prejuízo da necessária
diferenciação que se exige a quem serve gente diferente, com gostos e sensibilidades variadas, que
importa respeitar e satisfazer da melhor maneira possível. Mas também pelo apoio às atividades culturais
e desportivas, com tanta expressão nos milhares de
CCD que, em todo o país, mobilizam tanto jovens
como seniores para numerosas e ricas iniciativas de
cultura, na música, no canto, no teatro ou nas belas
artes, bem como para a prática e a competição desportiva. Brevemente, iniciaremos programas nas tradicionais e em novas áreas de intervenção INATEL,
diversificados e mobilizadores. Nos tempos inquietos que vivemos importa fazer mais com menos, chamando à participação energias latentes no universo
INATEL, ao mesmo tempo que o procuramos alargar.
Em todas estas frentes de intervenção queremos chamar às nossas atividades mais e mais cidadãos e
cidadãs e, neste sentido, aprovamos já a isenção da
taxa de inscrição para novos associados no ano de
2013.
Daremos a maior atenção aos programas sociais
dirigidos aos que têm especiais necessidades. Em
tempos de austeridade orçamental teremos de ser
particularmente inovadores a este respeito. Lazer e
trabalho não são oposições irredutíveis, antes se
devem apoiar mutuamente, criando emprego para
desenvolver o lazer ao mesmo tempo que se oferecem ocupações de tempos livres aos que trabalham.
Também a Revista Tempo Livre irá conhecer
novo formato no próximo ano, mais compaginado
às restrições orçamentais de 2013, mas cada vez
mais próxima de todos.
Ao iniciar funções, a nova Administração quervos dizer, sem margem para dúvidas: nós confiamos nos associados INATEL. A vós só vos queremos pedir o benefício da dúvida quanto ao trabalho
que ora iniciamos.
Sendo quadra de festa familiar e religiosa, queremos também desejar-vos Feliz Natal e Bom Ano
Novo. n
Presidente da Fundação INATEL
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Cartas
A correspondência
para estas secções
deve ser enviada
para a Redacção de
“Tempo Livre”,
Calçada de Sant’Ana,
nº. 180, 1169-062
Lisboa, ou por e-mail:
[email protected]
Carta da prisão
Encontro-me detido no Estabelecimento Prisional
de Castelo Branco, e tive o prazer de ler a revista
"Tempo Livre", que me foi oferecida por alguém, e
sobre a qual deixo aqui expresso o meu parecer
muito positivo, e as minhas felicitações pelo óptimo trabalho que desenvolvem e produzem.
Aproveito também para vos dizer que a leitura é algo muito importante para mim (e para
outros reclusos, claro), pois aqui o tempo é mais
pesado que o tempo do mundo real, aqui ele não
corre, não anda, pura e simplesmente se arrasta,
e arrasta mui vagarosamente… As revistas, os livros, os textos são efectivamente bons companheiros, digo até amigos, porque muitas vezes
conseguem até levar-nos em grandes viagens sem
sequer podermos partir.
Luís Esteves, E. P. de Castelo Branco
“Palavras da Lei”
A resposta à pergunta constante na página 75, da
revista "Tempo Livre" de Outubro, está errada.
Visa esta tão só tranquilizar o consulente. A resposta correcta é: "face ao testamento outorgado
pela tia do consulente, a sobrinha da testadora
não lhe sucede, não tem qualquer direito à
herança". Sucedendo-lhe como única herdeira
testamentária a esposa do consulente e na hipótese desta não lhe sobreviver, a sua filha.
Qualquer pessoa pode dispor, por testamento,
da totalidade do seu património desde que não
tenha herdeiros legitimários. São herdeiros legitimários: o cônjuge, os descendentes e os ascendentes (art. 2157º do Código Civil).
No caso em apreço, a tia do consulente não
tem herdeiros legitimários. Logo pode dispor da
totalidade do seu património a favor da tia do
consulente, e na hipótese desta não lhe sobreviver, a favor da filha deste. Assim, a esposa do
consulente, ou a filha deste, na eventualidade
daquela não sobreviver à testadora, será a única
herdeira da testadora, não havendo quem lhe
prefira ou com ela concorra à sucessão na
herança aberta por óbito da testadora.
Alberto da Costa Santos, sócio nº 14340
50 anos na INATEL
Completam, este mês, 50 anos de ligação à
Fundação Inatel os associados: Manuel João
Ramada Anacleto, do Porto; Isidoro Mendes Felix
Ribeiro, de Portalegre; Virgílio Pereira Fernandes,
Lisboa.
Coluna do Provedor
MUITOS SÃO os associados que estão preocupados com
O rigor de uma gestão, pautada por critérios de com-
o futuro da INATEL e que, por diversas ordens de razão,
provada competência e acompanhada de perto e certifica-
manifestam as suas opiniões. Num universo de 250.000
da por uma fiscalização homologada pelo Ministério da
associados individuais, mais os cerca de 4000 colectivos
tutela e pelos órgãos sociais, com a participação dos
(Centros de Cultura e Desporto), sem esquecer os milhares
Sindicatos, assegurará a eficácia da modernização estatutá-
de utentes dos diversos Programas da Fundação, são múlti-
ria da INATEL, com vista à auto sustentabilidade.
Kalidás
Barreto
plos os ecos que nos chegam, dessas preocupações:
– Será que a INATEL vai acabar? Será que a suas
de negócios. A Fundação tem funções sociais que o Estado
[email protected]
funções sociais se mantém? Será que o seu património se
deve preservar, com a participação activa e atenta das cen-
conserva, se melhora e é aumentado sem o guloso apetite
trais sindicais nos seus órgãos estatutários. A INATEL é, há
de concorrentes privados?
muitas décadas, um organismo transversal da sociedade
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TempoLivre
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A INATEL não é nem poderá ser uma simples agência
São perguntas legítimas, suportadas nos objectivos
portuguesa, um espaço único, familiar e plural de convívio,
estatutários de serviço público da Fundação, cujo acção –
lazer e cultura de sucessivas gerações. E esta é uma das
de inegável importância na economia social do país – está
importantes bases sociais: a solidariedade familiar. Todos
em perfeita sintonia com a Constituição da República que
os anos se festejam os que atingem os 50 anos de ligação ao
estabelece: "Incumbe ao Estado assegurar o desenvolvi-
INATEL. Porque as suas memórias são a História da INA-
mento sistemático de uma rede de Centros de Férias, em
TEL, a matriz das suas funções sociais.
cooperação com organização social". É uma norma do arti-
O Mundo está nas mãos daqueles que têm a coragem
go 54 (alínea D) da Constituição de 1976 que tive a honra
de sonhar, lutar e viver os seus sonhos. E dizia Jean-Paul
de subscrever e que as revisões de 1982, 1989, 1992, 2005
Sartre: "Não importa o que passado fez de mim. Importa é
confirmam.
o que farei com o que o passado fez de mim." n
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Notícias
Nova Administração
da Fundação Inatel
or decisão do Conselho de Ministros (Resolução nº 41/2012), entrou em funções no
passado dia 30 de Outubro o novo Conselho de Administração da Fundação
Inatel, substituindo o anterior CA, cujo
mandato tinha, entretanto, cessado. O novo CA tem a
seguinte composição:
P
FERNANDO RIBEIRO MENDES, presidente, economista,
doutorado em ciências económicas pelo Institut d' Etudes
Politiques de Paris. Exerceu diversos cargos e funções no
sector privado e no sector público, nomeadamente as de
Secretário de Estado da Segurança Social (1995/1999) e
da Indústria, Comércio e Serviços (2001/02). Ensina no
Instituto Superior de Economia e Gestão em Lisboa e tem
publicado diversos trabalhos sobre temas de políticas
sociais e de responsabilidade social.
Altruísmo e Mérito do Município de Paços de Ferreira, por
relevantes serviços prestados ao Concelho.
ÁLVARO DA SILVA AMORIM DE SOUSA CARNEIRO,
vogal, mestre em Sociologia do Trabalho, doutorando em
Ciências do Trabalho no ISCE, detentor de várias pós-graduações, eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa,
professor universitário do ISCTE-IUL (convidado), técnico superior na Câmara Municipal de Cascais, membro do
Conselho Científico e Directivo do OPBPL-ISCTE-IUL,
tem obras publicadas, membro de várias associações,
condecorado e tem um louvor por serviços prestados na
Câmara Municipal de Lisboa. Possuidor de várias ações
de formação tem desenvolvido múltiplas iniciativas,
acções e actividades em instituições sociais, culturais e
desportivas.
JOSÉ MANUEL DA COSTA SOARES, vice-presidente,
licenciado em Engenharia Civil pela Faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto, membro de vários
conselhos de administração em empresas privadas, foi
vogal do Conselho Administração da EP – Estradas de
Portugal, Entidade Pública Empresarial (EP – Estradas de
Portugal, E. P. E.), foi eleito em vários mandatos como
vereador da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, foi
membro do Conselho Geral da Santa Casa da Misericórdia
de Freamunde, foi presidente da Assembleia Geral da
Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de
Freamunde. Foi galardoado com a Medalha de Ouro de
JACINTA DO ROSÁRIO FERNANDES OLIVEIRA SANTOS,
vogal, licenciada em Filosofia, pela Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, pós-graduada em Comunicação e
Marketing Político, pelo Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa, e
mestranda em Ciência Política no mesmo Instituto. Iniciou
a sua actividade profissional na Rádio e em Televisão. Foi
produtora, realizadora e apresentadora de programas no
Grupo Renascença. Produziu e coordenou, em articulação
com organismos públicos e privados, eventos de âmbito
cultural e recreativo. Exerceu ainda assessoria na área da
comunicação política e consultadoria em comunicação e
marketing.
Fernando Ribeiro Mendes
Álvaro Carneiro
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José Manuel Soares
Jacinta Oliveira Santos
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Protocolo Inatel/ Minas Gerais
l "Fomentar o intercâmbio entre
dirigentes, quadros superiores e
quadros técnicos das duas
Instituições" e "promover o mútuo
conhecimento das respectivas
instalações e equipamentos, bem
como dos serviços prestados pelas
suas unidades de hospedagem, e
ainda o contacto com o mercado local
e seu potencial turístico", são alguns
dos pontos centrais do protocolo que
a Fundação Inatel celebrou, em
Novembro último, com o Serviço
Social do Comércio do Estado de
Minas Gerais (SESC MG), no Brasil.
O acordo, rubricado pelos presidente
e vice-presidente da Inatel,
respectivamente, Fernando Ribeiro
Mendes e José Manuel Soares, e pelos
Director e Superintendente
Hospitalidade e Turismo do SESC
MG, respectivamente Rodrigo Penido
Duarte e Luiz Neves de Souza,
abrange, ainda, o mútuo acesso dos
associados das duas entidades às
respectivas unidades hoteleiras e de
férias. As duas organizações –
assinala o documento – consideram
ser do seu interesse dar
continuidade ao intercâmbio de
experiências nas áreas em que
desenvolvem as suas actividades, em
particular, fomentando o
intercâmbio cultural e o turismo
social".
Presentes, também, no acto de
assinatura do acordo, os
administradores da Fundação, Jacinta
Oliveira Santos e Álvaro Carneiro.
“Olhando pelo Mundo”
l Na Galeria de Arte do Casino do
Estoril está patente, até 13 do
corrente, a exposição fotográfica
"Olhando pelo Mundo", de Alexandre
Costa, João Vicente, Álvaro Barcelos
e António Herrarte. A exposição
fotográfica do projecto "Olhando pelo
Mundo" é fruto de um livro de dois
fotógrafos voluntários da Associação
Médicos do Mundo.
Um sonho que começou com um
livro oferecido por João Vicente a
Alexandre Costa, no Natal de 2010 e,
como os sonhos também se realizam,
teve o seu início a 26 de Dezembro
2011. De Alcochete partiram para a
Tierra del Fuego, na Argentina e, de
sul para norte, chegaram ao Alasca,
nos Estados Unidos, através de
dezasseis países. Ao longo dos
territórios visitados foram
privilegiados os transportes terrestres
e marítimos de cada país, seguindo a
rota da estrada pan-americana. A
exposição serve, igualmente, como
plataforma de lançamento do livro
com o mesmo nome, com o qual os
autores pretendem contribuir
solidariamente para a Associação
Médicos do Mundo.
“Da Terra e da Água”
lA
Inatel Porto foi palco, no
primeiro dia de Dezembro, do
lançamento do livro "Da Terra e
da Água", de José Manhente,
edição Mosaico de Palavras. A
apresentação, no auditório da
Fundação, esteve a cargo de
Sérgio Almeida, jornalista do
"Jornal de Notícias".
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Notícias
Dia Europeu do Turismo
intervenção, a importância e o
peso que este segmento da
população significa para o sector
turístico e, naturalmente, para a
economia do país.
Promovida no âmbito do Dia
Mundial do Turismo, a conferência
de Bruxelas pretendeu promover a
discussão sobre como a herança
industrial europeia pode
contribuir para a diversificação da
oferta turística na Europa e, em
simultâneo, como o
desenvolvimento de estratégias na
área do turismo podem constituir
uma forma de evitar o aumento do
desemprego e da depressão
económica.
l O projecto europeu Calypso e,
designadamente, o
desenvolvimento do sector
turístico dirigido a públicos
seniores – onde Portugal, através
da Fundação Inatel, é um dos
países pioneiros no
desenvolvimento deste sector de
actividade – foi o tema central da
intervenção de Rui Calarrão (na
foto) na conferência comemorativa
do Dia Europeu do Turismo,
realizada em Bruxelas.
Presente na capital belga em
representação da Inatel, o
responsável dos programas de
turismo sénior em Portugal
destacou, ainda, na sua
Prémio Literário Agustina Bessa-Luís
l Com
o romance "A Vida Inútil de José Homem", a
psicóloga Marlene Correia Ferraz (Viana do Castelo,
1980) venceu a 5ª edição do Prémio Literário
Revelação Agustina Bessa-Luís, destinado a autores
com menos de 35 anos. O Júri, presidido por Vasco
Graça Moura, ao eleger o romance "A Vida Inútil de
José Homem", tomou em consideração "uma
apreciável desenvoltura narrativa e uma relação
criativa com a língua portuguesa". O romance – refere
ainda a acta do Júri – "evidencia situações dramáticas
da memória histórica portuguesa africana, num
enquadramento interessante e, em certa medida,
original".
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Adira ao débito directo
a forma de pagamento mais cómoda e segura
oferta de 2 vouchers nos hotéis Inatel
A Fundação INATEL tem ao dispor dos
qualquer reserva (sem limite de noites),
adiram ao pagamento da quota anual
seus Beneficiários Associados diversas
quarto duplo, em regime APA, válido
pelo sistema débito directo, para
formas de pagamento da sua
até 30.06.2013.
regularização da quota de Associado
quotização anual, designadamente
2.Voucher de 1 noite extra, em igual
INATEL.
através de débito directo, multibanco,
regime ao da reserva efectuada, válido
Para tal, basta aderir ao pagamento da
CTT, Payshop, cheque e numerário, e
até 27.12.2013.
quota anual pelo sistema de débito
através de uma das várias Agências
Condições: os vouchers são válidos nas
directo, através dos seguintes meios:
Distritais.
unidades hoteleiras da Fundação Inatel,
multibanco ou de home banking, via
Como campanha de motivação para a
excepto na UH Graciosa e durante a
internet, utilizando as referências
adesão ao sistema de débito directo, a
época especial; sujeitos a disponi-
indicadas no aviso de pagamento;
Fundação INATEL promove, durante o
bilidade, não podendo ser utilizados
numa das Agências Distritais da
período de 1 de Dezembro de 2012 a 15
cumulativamente, nem em simultâneo
INATEL, na sede da Fundação INATEL,
de Fevereiro de 2013, uma campanha
com outras campanhas em vigor.
na Calçada de Sant’Ana, n.º 180 - 1169-
de Adesão ao Débito Directo, com
A campanha destina-se aos
062 (secção de Associados) ou em
oferta de dois vouchers de estadia nas
beneficiários associados individuais e
qualquer Agência Distrital da
unidades hoteleiras da Fundação:
aos equiparados a beneficiários
Fundação INATEL, das 10h00 até às
1.Voucher de 20% de desconto em
associados da Fundação INATEL que
17h00, de segunda a sexta-feira.
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Notícias
Inatel promove Cante alentejano
“Dei por mim,
a brincar…”
l "Dei
por mim, a
brincar…" traz ao Museu
da Água de Coimbra uma
nova forma de abordar o
que é a responsabilidade
social de todos nós. O
ninho não é apenas um
berço de pássaros, é
também símbolo de
protecção e união. É o
tema da exposição da
pintora Teresa Gonçalves
Lobo, patente até 14 de
Janeiro no belíssimo
espaço museológico que
se enquadra no Parque da
lA
Fundação INATEL, através da
sua Agência de Beja, em parceria
com as autarquias de Beja, Serpa e
Almodôvar e outras entidades
locais, associou-se às celebrações
do Ano Europeu do
Envelhecimento Activo e da
Solidariedade Entre Gerações com
a realização do espectáculo
"Gerações do Cante – Alentejo
Solidário" cuja estreia decorreu a 7
de Novembro, no Teatro Pax Júlia,
em Beja, com a participação de
grupos corais dos três concelhos e
de um coral de Castro Verde.
A iniciativa – repetida em Serpa e
Almodôvar – visou, ainda,
contribuir para a preservação e
valorização do Cante como
património cultural imaterial de
elevada singularidade e
simultaneamente proporcionar à
comunidade local e ao público
infanto-juvenil a possibilidade de
desfrutaram e assistirem a um
espectáculo inovador e
representativo da riqueza e
diversidade das práticas musicais
de tradição oral do Baixo
Alentejo.
Cidade, edifício que
outrora albergou a
Estação de Captação de
Água.
“O agente da Catalunha”
l Com
o romance "O agente da Catalunha", (ed. Planeta), Cesário Borga faz a sua
estreia no mundo da ficção. Numa Lisboa onde política, guerrilha e espionagem
traçam os rumos da Europa, o antigo jornalista da RTP, Flama, Capital, Diário de
Lisboa e O Jornal, apoiado no seu conhecimento da história peninsular do século
XX, viaja pela sangrenta guerra civil espanhola com uma surpreendente história de
amor entre o português Jorge, 'rebaptizado' Jordi, miliciano das barricadas
republicanas, e a bela guerrilheira catalã, Alba. De regresso a Lisboa numa missão
de combate aos regimes dos dois ditadores ibéricos, Jordi – agora Jorge – enfrenta a
GNR e apaixona-se pela compatriota Isaura…sem deixar de amar Alba. Com elas,
em Lisboa, desafia o destino, deambulando pelos bairros embalados pelo fado e
povoados de gente resignada…
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“Vidas de Enfermeiras”
l Reparar a lacuna da historiografia
portuguesa da segunda metade do
século passado sobre a história das
mulheres na área da saúde foi o
objectivo de Marília de Freitas, autora
do livro "Vidas de Enfermeiras",
editado pela LusoCiência. Licenciada
em História pela Faculdade de Letras
de Lisboa, Mestre em Ciências
Sociais e antiga enfermeira e docente
na Escola de Enfermagem de Saúde
Pública, a autora apresenta 25
biografias de enfermeiras portuguesas
– nascidas entre 1860 e 1949 – que
exerceram a sua actividade tanto na
área da prestação directa de cuidados
como nas áreas da docência, da
gestão e investigação. Vinte e cinco
mulheres cujo percurso – assinala o
prefácio de Teresa Santos – contradiz
"o estigma da proveniência social e
da incompetência geral".
"Um Novo Portugal"
l Editado
recentemente pela Fronteira
do Caos, o livro "Um Novo Portugal –
ideias de, e para um país", é uma
colectânea de artigos publicados ao
longo dos últimos 25 anos em diversos
jornais e revistas pelo sociólogo e
jornalista Octávio dos Santos. Como
sublinha o autor, em jeito de prefácio, o
livro "ilustra" a sua "evolução pessoal,
mental, ideológica, de (inconsciente)
republicano comunista, na esquerda, a
(consciente) monárquico conservador,
na direita", tendo em comum, "em todo o
percurso, inalterável, sempre a vontade
de apontar, denunciar, problemas e de
propor, expor, soluções".
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Notícias
Premiados do concurso Mostras Gastronómicas
l Lista dos premiados no sorteio dos
premiados do concurso Mostras
Gastronómicas, promovido pelo
departamento de Turismo e Hotelaria
Inatel:
1º prémio - Um cruzeiro no
Mediterrâneo, para duas pessoas, em
camarote duplo exterior. Sorteada
Anabela de Jesus Vitor Manuel, Lisboa;
2º prémio - Uma viagem no programa
Belezas do Sul, para uma pessoa, em
regime de meia-pensão. Sorteado
Fernando Gonçalves, Torres Vedras; 3º
prémio - Uma viagem no programa
Belezas do Sul, para uma pessoa, em
regime de meia-pensão. Sorteado
António Henrique de Moura, Gaia; 4º
prémio - Uma viagem às Flores, para
uma pessoa (viagem, alojamento,
pensão completa). Sorteada Marica
Helena Caldas Pereira, Caldas da
Rainha; 5º prémio - Um Cruzeiro no
Douro, dois dias, para duas pessoas.
Sorteado Mário Jorge Moura
Casanova, Matosinhos; 6º prémio Uma Viagem nacional da Fundação
Inatel, quatro dias, para duas pessoas.
Sorteado Feliciano M. Carvalho,
Valença; 7º prémio - Uma Viagem
nacional da Fundação Inatel, dois dias,
para duas pessoas. Sorteada Maria
Clara Santos, Albufeira; 8º prémio Uma Viagem nacional da Fundação
Inatel, dois dias, para duas pessoas.
Sorteado António Boleo Teles, Teixoso;
9º prémio - Uma estada na UH Vila
Pormenor do sorteio
Ruiva, cinco dias, para duas pessoas,
em pensão completa. Sorteada Ana
Carpinteiro, Santo André; 10º prémio Uma estada na UH Albufeira, cinco
dias, para duas pessoas, em pensão
completa. Sorteada Maria Vanda
Caroça, Lisboa; 11º prémio - Um fimde-semana na UH Piodão, dois dias,
para duas pessoas, em pensão
completa. Sorteada Lina Benedito,
Azeitão.
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Fotografia
[ 1 ] Sérgio Guerra,
S. João do Estoril
Sócio n.º 204212
XVII Concurso “Tempo Livre”
[1]
[ 2 ] Ana Antunes,
Póvoa de Stª. Iria
Sócio n.º 314302
[ 3 ] Ricardo Deodato,
Mafra
Sócio n.º 516217
[3]
[2]
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TempoLivre
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Regulamento
1. Concurso Nacional de Fotografia da
revista Tempo Livre. Periodicidade
mensal. Podem participar todos os
associados da Fundação Inatel,
excluindo os seus funcionários e
colaboradores da revista Tempo Livre.
Menções honrosas
2. Enviar as fotos para: Revista Tempo
Livre - Concurso de Fotografia, Calçada
de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa.
[ b ] Paulo Sousa, Sardoal
Sócio n.º 391686
[ a ] Américo Monteiro, Pedroso
Sócio n.º 63451
3. A data limite para a recepção dos
trabalhos é o dia 10 de cada mês.
[ c ] Maria Silva, Cacém
Sócio n.º 493267
4. O tema é livre e cada concorrente
pode enviar, mensalmente, um máximo
de 3 fotografias de formato mínimo de
10x15 cm e máximo de 18x24 cm, em
papel, cor ou preto e branco.
[a]
5. Não são aceites diapositivos e as
fotos concorrentes não serão
devolvidas.
6. O concurso é limitado aos
associados da Inatel. Todas as fotos
devem ser assinaladas no verso com o
nome do autor, morada, telefone e
número de associado da Inatel.
7. A «TL» publicará, em cada mês, as
seis melhores fotos (três premiadas e
três menções honrosas),
seleccionadas entre as enviadas no
prazo previsto.
[b]
8. Não serão seleccionadas, no
mesmo ano, as fotos de um
concorrente premiado nesse ano.
9. Prémios: cada uma das três fotos
seleccionadas terá como prémio duas
noites para duas pessoas numa das
unidades hoteleiras da Inatel, durante
a época baixa, em regime APA
(alojamento e pequeno almoço). O
prémio tem a validade de um ano. O
premiado(a) deve contactar a redacção
da «TL».
Nota: De acordo com a tabela em
vigor, a época alta inclui fins de
semana.
[c]
10. Grande Prémio Anual: uma
viagem a escolher na Brochura Inatel
Turismo Social até ao montante de
1750 Euros.
A este prémio, a publicar na «TL» de
Setembro de 2013, concorrem todas
as fotos premiadas e publicadas nos
meses em que decorre o concurso.
11. O júri será composto por dois
responsáveis da revista T. Livre e por
um fotógrafo de reconhecido prestígio.
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Isabel Jonet
“As pessoas têm de ser
mais solidárias…”
Líder de 20 bancos alimentares que movimentam diariamente 600 pessoas e
envolvem mais 36 mil em cada uma das duas campanhas anuais de recolha de
alimentos, Isabel Jonet manifesta um natural orgulho na sua activa e profunda
ligação ao "maior movimento na sociedade civil portuguesa desde o pósguerra". A recente polémica e as críticas de que foi alvo não a afectaram.
Solidariedade é palavra de ordem de Isabel Jonet, consciente de que a estrutura
que dirige é vital para a sobrevivência de mais de 300 mil portugueses
altamente carenciados. "Estou aqui pelas pessoas que precisam…", sublinha a
também presidente da Federação Europeia de Bancos Alimentares, convicta de
que, tal como noutros momentos difíceis da nossa História, os portugueses
saberão "dar a volta" à grave crise actual.
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Entrevista
O Banco Alimentar (BA) obteve, em 2008, uma
ajuda de 170 mil toneladas de víveres para um
universo de 250 mil pessoas. Em 2012, os
números serão, certamente, outros?
Temos, actualmente, 20 bancos alimentares contra a fome espalhados por todo o país que em
conjunto apoiam 2.160 instituições. E são essas
instituições que estão a distribuir alimentos a 336
mil pessoas.
Como funciona a distribuição?
Os bancos alimentares não entregam comida
directamente à população. Existe um extenso
leque de instituições de solidariedade social de
âmbito nacional que o BA selecciona e acompanha na sua actividade. Essas instituições entregam a comida sob a forma de cabazes de alimentos ou de refeições confeccionadas servidas em
lares de idosos, creches, lares de crianças. O papel
do BA, desde há 20 anos, centrou-se na estruturação de uma vasta rede de apoio às instituições.
Nós apoiamos as instituições e as instituições
apoiam, por sua vez, as pessoas mais carenciadas.
O número de pessoas carenciadas, auxiliadas
pelo BA, aumentou, portanto, nos últimos anos…
Esse acréscimo é, no meu entender, consequência de duas coisas: por um lado há mais bancos
alimentares e portanto podemos abranger mais
instituições e mais pessoas; mas, por outro lado,
há uma deterioração na situação financeira de
muitas famílias, nos últimos anos, fruto do
desemprego, mas também do endividamento. E
não podemos esquecer o facto de haver, no nosso
país uma grande franja da população idosa
empobrecida, muito empobrecida. São pessoas
atingidas por aquilo a que eu chamo a pobreza
estrutural. Há, em Portugal, um milhão de idosos
que vive com menos de 280 euros por mês, e há
1 milhão e 800 mil pessoas que vive com menos
de 600 euros mensais. E essas pessoas que vivem
com os 600 euros, são pessoas que vivem de
pensões e que vêem o seu valor reduzido pelo
aumento dos impostos, como o IVA, e ficam
numa situação muito difícil.
E os desempregados vêem o respectivo subsídio
a diminuir…
O primeiro grande surto de desemprego foi em
2009, e há muitas pessoas que estão agora a ficar
sem subsídio de desemprego. A situação que
vivemos agora é particularmente crítica e é por
isso que as pessoas têm que ser ainda mais soli-
dárias, porque muitas das pessoas que foram
para o desemprego em 2009, neste momento ficaram sem o subsídio de desemprego.
E a situação tende a piorar, porque a perspectiva de superação da crise é muito longínqua…
ou seja, os bancos alimentares vão ter que dar
uma resposta maior. Mas, essa não será a boa
resposta…
Pois não. O ideal era que os bancos alimentares
não precisassem de existir. Porque significava
que não havia pessoas que precisavam de ajuda
alimentar. A ajuda alimentar não é comparável
com mais nenhuma outra. Quando uma pessoa
pede ajuda para comer, está a pedir aquilo que é
a base da sua vida. É a base de tudo. Quando se
precisa de ajuda para comer é quando se chegou
ao limite do desespero. Em Portugal, há, felizmente, uma almofada de segurança que são as
Instituições de Solidariedade
Social (ISS) que muito contribuem para minimizar a situação.
Quando uma
Sei que está a colaborar numa
pessoa
pede ajuda
rede semelhante para a Grécia…
para comer, está a
Estive lá, recentemente, com esse
pedir aquilo que é
objectivo e essa rede é vital. Ao
base da sua vida
contrário de Portugal, onde a
Igreja Católica estruturou, há
séculos, uma rede de instituições
– misericórdias, conferências de
São Vicente de Paulo, paróquias, conventos –
com uma vasta obra social, na Grécia, a Igreja
Ortodoxa não tem essas ligações, porque não tem
esta vocação e falta uma rede estruturada de
assistência social, de emergência social. Os
Estados, os Governos, por muito que queiram,
não conseguem chegar a cada pessoa, porque não
têm a rede montada. Uma coisa é falar de
emergência, outra coisa é falar de direitos garantidos. Todos nós queremos que o Estado garanta
direitos. Todos, independentemente da nossa
ideologia, e do credo. Mas, temos que acudir a
situações de emergência, precisamente porque
há pessoas que precisam de ajuda para comer.
É o Estado social em causa?
Quando me vêm falar em garantir o Estado
Social, para garantir o Estado social temos que
repensar todo o modelo que existe subjacente à
concepção de Estado social, numa Europa e num
mundo onde por exemplo a esperança de vida
aumentou de 60 para 80 anos, onde muitas pes-
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a
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Entrevista
soas vivem largos anos com uma pensão de reforma. Então, é este modelo que não é sustentável, e
é por isso que temos de repensar o modelo, exactamente para que ele se possa manter, para acudir às situações de emergência. Nós, todos, gostaríamos que houvesse prosperidade económica,
só que a Europa mudou…
Mas o problema não se esgota no aumento da
longevidade. Em causa estará a necessidade de
crescimento económico, um problema europeu
face ao crescimento dos chamados países emergentes noutros continentes…
A Europa mudou, o peso da Europa no mundo
mudou muito. Não é só com a abertura da China,
há a Índia, o Brasil, África … São, de repente, países para os quais não olhávamos com tanta
atenção, porque estávamos quase fechados numa
Europa que se julgava auto-suficiente. E o que é
que aconteceu? Estes países
começaram a competir com os
produtos europeus e com toda a
As críticas não
economia europeia em condições
me afectam nada
de concorrência desigual. Então,
porque eu não estou
o que é que nós temos hoje?
aqui por mim, estou
Temos países que não têm esses
aqui pelas pessoas
direitos sociais garantidos, apareque precisam
cem no mercado com produtos
mais baratos, feitos com salários
baixos, onde não há garantias
nenhumas. De facto, eu não gostava nada que o
Estado Social e aquilo que são as conquistas de
bem-estar que a Europa e esta União Europeia
trouxeram a seguir à Segunda Grande Guerra fossem postos em causa. Por isso mesmo é que há
que repensar todo este modelo para não serem
postos em causa.
É, também, presidente da federação europeia
dos bancos alimentares e sabe que há 80 milhões de europeus na pobreza…
…E 18 milhões de europeus com fome. Uma
situação impensável há bem pouco tempo e,
sobretudo, era impensável que os Estados membros não iam estar unidos numa resposta de
emergência. E aquilo que se passa é que, ainda
muito recentemente, a presidência do Chipre
propôs o corte de 20% nas políticas de coesão, e
as políticas de coesão são aquelas onde as políticas sociais se integram. E o que acontece é, de
repente, vemos a reconstrução europeia do pósguerra posta em causa nos seus pilares de âmbi-
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to social. E isso é muito preocupante. O facto de
metermos a cabeça debaixo da areia não vai fazer
com que se consiga mudar.
O empobrecimento é inevitável?
O empobrecimento é inevitável, mas eu penso
que na vida de muitos de nós esse empobrecimento é, sobretudo, um defraudar de expectativas e de hábitos. Quando eu andei na universidade – acabei o curso há 30 anos – havia uma
dezena de carros estacionados. Hoje, todas as
universidades têm grandes parques de estacionamento porque muitos dos alunos vão de carro.
Portanto, há toda uma maneira diferente de viver.
Dou-lhe outro exemplo: os meus dois filhos mais
pequenos, uma vez por semana, podem comer
um gelado. E uma vez, houve um meu filho que
disse assim: Oh mãe, posso comer um hambúrguer McDonald's? Um hambúrguer às cinco da
tarde? Mas, você quer comer um bife às cinco da
tarde? E ele respondeu-me: Não, mãe, aquilo é
uma sanduíche. Ou seja, há toda uma maneira
diferente de olhar para a vida: para mim, um
hambúrguer é uma refeição, um almoço. Para ele,
é uma sanduíche.
As sociedades evoluem…
Esta maneira de olhar para o mundo, que mudou
muito rapidamente, envolve um conflito geracional, um conflito determinado por diferentes perspectivas ou valores relativamente aos bens, à
maneira como olhamos para os bens. E os países
emergentes vão enfrentar, futuramente, estes problemas. A China não tinha, até há pouco, as
mínimas condições, mesmo de habitabilidade, e
vemos, hoje, uma vasta e crescente classe média
chinesa absorver aquilo que é a nossa maneira de
viver europeia. E, portanto, daqui a uns anos, eles
também vão sofrer daquilo que nós estamos a
padecer agora.
Um futuro sombrio, em perspectiva?
Eu acho que é um cenário de reajustamento. Há
sempre reajustamentos que são necessários…
quando os rios vão cheios de mais, transbordam,
e têm que voltar ao leito normal. A natureza é
uma grande mestra. No caso português, penso
que o que tinha acontecido é que se calhar não
olhávamos com realismo para aquilo que eram
todas as capacidades reais, económicas, não só
financeiras, dos vários países da zona em que
estamos integrados. E o que é certo, é que não
temos praticamente indústria, a produção portu-
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guesa é muito reduzida. Agora, começam a aparecer algumas pequenas empresas, muito eficientes, muito tecnológicas. E, eu penso que é isto
que vai salvar Portugal. Um conjunto de pequenas empresas que vão gerar outra vez o auto-sustento. Porque nós perdemos essa noção. Aqui, à
volta de Alcântara, a maior parte das mercearias
e a maior parte do pequeno comércio, que eram
para sustento de uma família, fecharam. Porque
as pessoas entenderam que não valia a pena.
Nestes últimos tempos, houve uma grande desvalorização do trabalho, e do trabalho enquanto
dignificante para o homem.
Mas o desemprego não pára…
Há muito desemprego. O desemprego é, talvez, o
maior flagelo que há na sociedade portuguesa
actualmente. E vai aumentar muito no próximo
ano. Mas temos de ser realistas e procurar adaptarmo-nos e superar as dificuldades. Vai ser difícil, mas eu acho que os portugueses já tiveram
outras alturas em que souberam resistir e dar a
volta. E acredito que vamos dar a volta.
A emigração tem crescido… é uma das alternativas?
A Europa já não é destino para os nossos emigrantes. Nos anos 60, saíram muitos emigrantes
para a Alemanha, França, Luxemburgo. E deixaram, sobretudo o Norte do país, num estado de
desertificação tremenda. A emigração está, de
facto, a aumentar, o problema é que os que vão
emigrar agora são pessoas qualificadas, e nós
vamos perder uma geração de pessoas qualificadas que vão para o Brasil, vão para Angola, vão
para os EUA, para a Inglaterra, para a Alemanha.
Mas pode ser que voltem. Tenhamos esperança
que voltem e que o país seja capaz de criar condições atractivas para que voltem.
Há muitas empresas que apoiam o Banco
Alimentar?
O Banco Alimentar vive basicamente dos donativos, doações diárias de excedentes da indústria
agro-alimentar, da agricultura, dos mercados
abastecedores. Há, também, os produtos de um
programa comunitário de apoio alimentar a
carenciados. E há os produtos originários das
duas grandes campanhas anuais de recolha: a
campanha de Maio e a campanha de Dezembro.
Essas campanhas são muito importantes para os
Bancos alimentares, porque só elas permitem
angariar produtos relativamente aos quais não há
excedentes de produção. Por exemplo, não há
excedentes de produção de azeite, nem de atum,
nem de salsichas, nem de arroz, nem de massa.
Produtos mais duradouros…
… E, relativamente aos quais não há excedentes
de produção. Porque, por exemplo, a coca-cola
aguenta muito tempo, mas não é um produto
básico. Nós podemos ter o armazém cheio de
coca-cola, se calhar havia quem gostasse, mas
não é um produto básico, e os produtos básicos
são os mais necessários no dia-a-dia.
O programa europeu de apoio alimentar parece
estar, no entanto, em risco…
Vai acabar da forma como o conhecemos. O
modelo actual do programa comunitário de apoio
alimentar, criado há 20 anos, termina em 2013. A
partir de 2014, funcionará outro programa que é
um fundo para as pessoas mais desprotegidas
criado pelos estados-membros,
com uma dotação bastante inferior à do actual programa comu… fiz uma opção
nitário, com muito menos verbas.
de vida. E quando se
Haverá menos produtos. Por isso
faz uma opção de
temos lançado um conjunto de
vida pelo
outras iniciativas, caso, por exemvoluntariado como eu
plo, da campanha papel por alifiz, que envolve toda
mentos, e que nos ajudam a cona minha família, é
seguir colmatar um pouco o
uma vocação de
decréscimo dos produtos que
vida
vêm no âmbito desses programas
e até do decréscimo das doações
da indústria agro-alimentar.
Como principal responsável do nosso Banco
Alimentar sabe quais são as zonas do país mais
afectadas…
Neste momento é claríssimo: à volta de Setúbal,
no Grande Porto, em Braga e aqui nas zonas mais
periféricas de Lisboa. São áreas onde havia muitos imigrantes que trabalhavam na construção
civil. Esta indústria atravessa uma enorme crise,
não há obras públicas, e estas pessoas, com poucas qualificações, não arranjam emprego em mais
lado nenhum. Daí o aparecimento de bolsas de
pobreza. E muitos imigrantes já começam a
regressar aos seus países, ao Brasil e aos países de
Leste, por exemplo. O mesmo não acontece com
os imigrantes africanos, eles não vão voltar a
casa, porque a situação nos seus países não é
melhor e muitos deles já são portugueses. Temos,
assim, à volta de Lisboa, comunidades de popu-
“
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Entrevista
lação africana com elevadas taxas de natalidade e
problemas de desemprego ou com empregos
clandestinos e, portanto, sem protecção social
declarada, mas com acesso às urgências dos hospitais e os filhos às escolas… São pessoas que
voltarão aos seus países.
Adquiriu, graças às suas funções, uma rara
experiência e conhecimento da sociedade portuguesa… Não admite ter outros cargos ou
funções? A nível governamental, por exemplo?
Não aceitava.
Porquê?
Porque eu penso que cada pessoa tem as suas
características e as suas competências. Eu, numa
determinada fase da minha vida, fiz uma opção
de vida. E quando se faz uma opção de vida pelo
voluntariado como eu fiz, que envolve toda a
minha família, é uma vocação de vida. Então,
nunca poderia assumir nenhum tipo dessas
funções, não é o meu perfil.
Pelo que vejo, e sinto, as reacções negativas suscitadas pelas suas declarações num programa
televisivo não a afectaram muito?
Penso que houve um conjunto de más interpretações e, depois, o que houve foi uma bipolarização estranha da sociedade portuguesa, que passou muito pelas redes sociais. E, nas redes sociais
há muito soundbytes. As pessoas não lêem, não
ouvem e comentam por cima. Mas, sobretudo
comentam anonimamente e impunemente. E
portanto, permitem-se todo o tipo de comentários
mesmo que sejam descontextualizados. As pessoas que ouviram a totalidade da entrevista per22
TempoLivre
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ceberam a mensagem que eu quis transmitir. E é
uma mensagem clara e realista. O que se verificou é que há muitas pessoas que falam só por
falar, sem saber aquilo que estão a falar, ignorando o contexto e o conjunto das minhas palavras.
Depois, a comunicação social amplifica... Eu,
francamente, tinha que lhe dizer isto: não me
afectou nada porque eu não estou aqui por mim,
estou aqui pelas pessoas que precisam. E tenho
um imenso orgulho em todos os voluntários e
todos os colaboradores dos 20 bancos alimentares que vão continuar a fazer tudo aquilo que é a
sua missão, porque há quem precise. No dia em
que não houver quem precise, então nós esperamos não estar cá.
Então, aí já pode ter outras funções, outro papel
na sociedade?
Pois é, mas eu tenho muitas coisas. Há, também, a Entreajuda. O banco alimentar contra a
fome de Lisboa esteve na génese da sua criação.
A Entreajuda existe há oito anos, funciona também aqui na Avenida de Ceuta, e tem um objectivo estatutário mais estruturante e menos
assistencialista. A Entreajuda proporciona
gestão e organização às instituições do terceiro
sector e abriu um banco não alimentar, um
banco de bens e equipamentos, com o maior
site português de voluntariado, que é a bolsa de
voluntariado, com projectos também na área de
saúde. Portanto, eu ainda tenho muito com que
lidar, além de que tenho cinco filhos… e espero ter muitos netos! n
Eugénio Alves (texto) José Frade (fotos)
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Terra Nossa
Aveiro A ar
A ria, singular acidente hidrográfico da costa
portuguesa, resultante do recuo do mar, dá a Aveiro
o seu carácter singular. A primeira referência
escrita conhecida de Aveiro consta do testamento
da condessa Mumadona Dias, no século X, que
refere Suis terras Alauario et Salinas.
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rte e o mar
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Terra Nossa
lugar, mais tarde, foi elevado a
vila, mas a instabilidade da
ligação entre a ria e o mar mantiveram Aveiro e a região apagada e
insalubre por largos períodos. Em
1759, D. José promoveu-a a cidade e em 1808 foi
finalmente concluída com sucesso a barra, o
canal que fendeu as areias do litoral até ao oceano e permitiu Aveiro respirar com outro desafogo. Cresceu o movimento do porto, as salinas
prosperaram e a pesca avançou, ao mesmo tempo
que novas ideias políticas faziam o seu caminho
no país, e o liberalismo encontrava em aveirenses
como José Estêvão uma das mais combativas
figuras. (Esse lastro revolucionário ficaria e
durante o século XX iriam realizar-se na cidade
os Congressos da Oposição Democrática, iniciativas de luta contra o Estado Novo.)
O caminho de ferro chegou a Aveiro em 1864
e o crescimento económico e a industrialização
iam tornar-se uma realidade, desenvolvendo-se
novas actividades como a cerâmica, e no virar do
século XIX para o século XX, uma burguesia activa marcará a face da cidade com as suas casas
Arte Nova.
O
1. Exemplo de janela
Arte Nova
2. Antiga Capitania
3. Fachada do museu
de Arte Nova
4. Ponte do canal de
S. Roque
5. Interior do museu
de Arte Nova
6. Centro cultural e de
congressos
7. Sé Catedral
8. Túmulo de Santa
Joana, no Museu de
Aveiro
Da Arte Nova à Arquitectura Contemporânea
A Art Nouveau, a Arte Nova, foi um movimento
artístico internacional que deixou marcas em
várias cidades do país, e em Aveiro de forma particular. Filho da burguesia urbana foi um estilo
que atingiu a sua máxima expressividade na
arquitectura e nas artes aplicadas. Tudo aconteceu em três décadas, dos finais de Novecentos até
à I Grande Guerra.
Em Aveiro o exemplo mais eloquente desta arte
orgânica onde brilham as linhas dinâmicas ondulantes é a Casa Major Pessoa. Com uma situação
privilegiada, debruçando-se sobre o Grande Canal,
a casa, da autoria do arquitecto Francisco da Silva
Rocha, o principal protagonista da Arte Nova na
cidade, foi construída entre 1907 e 1909 e serviu
de habitação até 1995. Agora, desde o início de
2012, é o Museu Arte Nova de Aveiro, funcionando como "centro interpretativo da extensa rede de
motivos Arte Nova disseminados por toda a cidade de Aveiro", como esclarece o folheto entregue
aos visitantes. São 28 os espaços classificados,
diversificados nas suas funções, e proporcionando
um passeio que se estende praticamente por todo
o aglomerado urbano. A maioria está ali em volta,
a Casa dos Ovos Moles, onde, sim, se pode saborear e adquirir o refinado doce, a férrea Praça do
Peixe, o edifício da Assembleia Municipal, antes
Capitania do porto, e avançando, ao fundo do
Canal do Côjo, a volumosa fábrica Jerónimo
Pereira Campos, adaptada a novas e diversificadas
funções.
Mas na cidade nada é estanque, nem podia
ser, e ao mesmo tempo que o visitante se estende
pelas ruas os seus sentidos vão captando sons,
cheiros, vida, no plano do património construído
vai encontrar outros testemunhos, anteriores e
posteriores à erupção da Arte Nova e que são
matéria contemplativa, prazer para os olhos.
Tal é o caso do Museu de Aveiro, acomodado
no antigo convento de Jesus, onde a Princesa
Santa Joana se recolheu. O museu "propõe uma
visita segundo duas vertentes: o percurso monumental – dependências do antigo convento, como
a Igreja, Coro Alto, Sala de Lavor e capelas devocionais; e a exposição permanente – colecções de
“Ovos-Moles…”
Os ovos-moles de Aveiro surgiram como
qualidades, além de que abriu a todos a
ovos-moles de Aveiro, massa muito cremosa
forma de dar destino às gemas de ovo que
possibilidade de saborear uma iguaria que
obtida através de açúcar em ponto e gema
sobravam das claras que as freiras dos
diríamos divina.
de ovo, foram o primeiro produto da doçaria
vários conventos aqui existentes utilizavam
Revelando-se sob a forma de elementos
portuguesa a receber a certificação de
para engomar os hábitos. Extintos os
marinhos, conchas, búzios, peixes,
Identificação Geográfica Protegida. Diversos
conventos no século XIX, o fabrico de ovos
envolvidos em massa de hóstia, ou então em
estabelecimentos da cidade comercializam
-moles transitou para mãos 'profanas' sem
barricas de cerâmica ou madeira de choupo
os ovos-moles, especialmente nas
que, certamente, tal lhes alterasse as
(que não altera as qualidades da massa), os
proximidades do Canal Central.
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Terra Nossa
DORMIR
GUIA
estacionamento privativo.
INATEL de Santa Maria da
Feira. Localizada a curta
PASSEIOS DE BARCO
INFORMAÇÕES
distância de Aveiro, esta
NA RIA
Posto de Turismo (Turismo do
unidade hoteleira dispõe de 80
Alquimia do Mar,
Centro de Portugal);
quartos totalmente equipados,
Tel. 919 550 750;
Rua João Mendonça, 8,
bar, restaurante, piscina, sala
Ecoria, Tel. 967 088 183;
3800-200 Aveiro;
de jogos, court de ténis, sala
RiaNorte, Tel. 968 888 897;
Tel. 234 420 760
de reuniões e WI-FI. Parque de
Viva a Ria, Tel. 969 008 687
deixando a sua marca no Campus, abre-se
excepção ao edifício da biblioteca, cuja autoria
cabe a Álvaro Siza Vieira.
A Ria, os Moliceiros e as Bicicletas
história e de arte do Museu, dos séculos XIV - XV
ao século XIX ..."
E agora, fazendo uso de uma liberdade que os
textos permitem, saltamos até novas zonas citadinas, até ao Campus Universitário de Santiago.
A Universidade, um projecto nascido na década
de 70 do século XX, trouxe um novo élan à cidade, e também a forte projecção do nome Aveiro.
Dezenas de edifícios distribuídos por uma vasta
área constituem um corpo onde intervieram os
mais prestigiados arquitectos portugueses,
situação que enriqueceu a cidade com a oferta de
novas linguagens nesse campo. Fugindo à citação
de todos os nomes que ao longo dos anos foram
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Os moliceiros eram embarcações da ria, hoje são
(essencialmente) embarcações da cidade. O
mesmo acontece com o mercantel, de maior
tamanho, e que era usado no transporte de sal e
outras mercadorias. O moliceiro é uma embarcação esguia, marcada por um elegante exotismo,
leme de grandes dimensões, proa e popa altas e
recurvas, ostentando pinturas em cores vivas que
quase sempre incidem na interpretação de temas
brejeiros. Concebidos para a recolha de moliço –
plantas aquáticas abundantes na ria e usadas
como fertilizante - os moliceiros foram salvos do
desaparecimento pelos prazeres do turismo. O
palco, onde se movem no presente, são os canais
da cidade: Canal Central, Canal de São Roque,
Canal do Côjo, Canal das Pirâmides, Canal do
Paraíso. É do Canal Central, que faz a sua trajectória pelo coração de Aveiro, que usualmente partem os passeios fluviais que se tornaram obrigatórios em qualquer visita à cidade. Dali avança-se
pelos demais caminhos de água que sulcam a
cidade conduzindo até locais como o bairro da
Beira Mar, com as suas casas simples reflectindo
um arco íris de cores na água, ou a marinha de sal
da Troncalhada, convertida em ecomuseu.
Outra forma de ver e sentir a cidade, desafiadora e com mais autonomia, é numa BUGA, bicicleta de utilização gratuita de Aveiro. Não tem o
estatuto de ícone da ria e da cidade, como o moliceiro, mas já faz parte da paisagem urbana, uma
prenda que a cidade oferece aos seus habitantes
e a quem a visita. n
José Luís Jorge (texto e fotos)
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Artesanato
Júlia Ramalho
“Será que fui eu que
Há meio século que das mãos de Júlia Ramalho, uma das mais prestigiadas
oleiras de Barcelos, saem figuras de barro. Herdou a arte da avó, Rosa
Ramalho, mas afirmou uma assinatura singular nas peças de característico
vidrado cor de mel que têm o seu nome.
caminho de Braga a Galegos de
São Martinho parece longo de
tanto ziguezague. O trajecto
afina pelo diapasão minhoto,
especialmente na nota da
sinuosidade, com muitas curvas e contracurvas.
Alcança-se o destino e parece que nem chegamos
a sair dos subúrbios de Braga. Mas a continuidade das aglomerações urbanas não é unânime:
aqui e ali irrompem entre o casario cenários de
courelas e vinhedos em latada, coisa tipicamente
nortenha e minhota.
Já em Galegos de São Martinho, não há que
andar muito para percebermos que pisamos terra
de oleiros. As ruas são pródigas em placas a
anunciar oficinas de artistas, uns mais velhos,
outros ainda pouco mais do que debutantes, que
nisto das artes do barro, como em tantas outras, o
tempo é o grande mestre.
Num certo trecho, corta-se por uma quelha à
direita e logo ali damos com um painel oficioso, desses certificados pela autoridade autárquica, a informar os forasteiros da vizinhança
do ateliê de Júlia Ramalho: só há que volver
duas vezes à esquerda num espaço de meia
centena de metros, ignorar outras placas alusivas a oficinas de artistas concorrentes e estamos à beira de uma casa alva, sem nada que a
distinga particularmente das demais das redondezas. No quintal, porém, a cerâmica vidrada
em tons de mel fincada nos muros anuncia que
estamos a dois passos da oficina do nome maior
das artes do barro na freguesia: Júlia Ramalho,
O
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a ceramista que herdou o apelido e a arte da
famosa Rosa Ramalho, sua avó.
Uma vida a moldar o barro
Rosa Ramalho, a grande referência na mestria do
figurado popular de Barcelos, dispensa apresentações. É dos nomes maiores da arte popular em
Portugal, evocado no Museu da Olaria de
Barcelos, não vá o viajante passar distraído por
aquelas terras.
Júlia Ramalho não precisa, bem entendido, da
caução do apelido familiar. Ao fim de cinquenta
anos a moldar o barro, Júlia conquistou, também,
um lugar privilegiado no universo dos ceramistas
populares em Portugal e é recordada, igualmente,
no acervo do Museu da Olaria. Para quem aprecie andanças museológicas, há uma surpresa no
ateliê de Júlia Ramalho: uma sala com centenas
de peças expostas, algumas delas réplicas de
encomendas de clientes.
Não é improvável que se dê ali de caras com
algum artista concorrente a mirar as peças, à procura de uma que lhe caia no goto. No dia em que
passamos por lá, Júlia Ramalho recebia a visita
de um membro do clã Baraça, outra família de
conhecidos oleiros barcelenses. "É assim mesmo,
de vez em quando compramos uns aos outros",
explicou o visitante. Uma espécie de espionagem
industrial à escala minhota?
Júlia está a preparar uma fornada, não tardará
a acender o forno – que agora é eléctrico – daí a
umas horas. Tem um dos filhos ao lado, e ambos
moldam a estrutura base de uma figurinha sim-
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e fiz isto?”
ples, para responder a uma encomenda de várias
dezenas de peças. Um tipo de trabalho rotineiro,
mais "alimentar" do que estimulante. Que grande
artista, afinal, os não teve?
O primeiro boneco saiu-lhe das mãos há bem
meio século, tinha dez anos. "Aprendi com a
minha avó, há mais de cinquenta anos. Era um
bonequinho. Tenho o retrato e um bonequinho
igual ao pé do retrato. Foi a primeira peça que me
deu dinheiro". O boneco apareceu depois de
outros brinquedos: "Eu já fazia gaiolas para grilos,
fazia cestinhas para brincar… As gaiolas quem
pagava era a rede do capoeiro. Ia ao capoeiro das
galinhas e desfazia a rede, fazia-lhe um buraco…
e com aquele araminho é que eu fazia a gaiola".
Eram tempos em que toda a infância era obrigada a inventar. "Costuma-se dizer que a necessidade faz o engenho e como a canalha não tinha
acesso a brinquedos, fazia os seus próprios brinquedos".
Se a avó ensinou ou não, isso é outra história,
porque está bem de ver que ensinar e aprender
são duas coisas distintas. "Nem era preciso ensinar, basta a gente ser criada no mesmo sítio e
estar a ver, a gente vai deixando desenvolver a
imaginação…". Não tardou a começar a trabalhar
a sério: "Eu tinha aí treze ou catorze anos, mas
não me colectei, a minha avó também não…".
Mas a lei andava atenta, como sempre, aos que
estão mais à mão de semear – ou de colectar:
"Depois ainda andaram aqui a querer mandá-la
prender…".
Sob o mesmo tecto, neta e avó trabalhavam
lado a lado, mas não formavam bem uma equipa.
"A minha avó trabalhava aí sentada e eu trabalhava com ela, trabalhávamos as duas, mas eu
não trabalhava para ela. Alguns netos trabalhavam, davam umas horas, e ela pagava, mas eu
nunca trabalhei para ela". O acordo entre as duas
já dava a entender que Júlia haveria de seguir o
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Artesanato
seu próprio caminho dentro da arte. "Ela trabalhava desse lado e eu deste… No fim eu punha o
nome dela, mas a peça era para mim! E o dinheiro da venda dava-o aos meus pais".
Júlia Ramalho conciliou esses primeiros anos
de aprendizagem da modelação do barro com as
obrigações escolares, saltando de um para outro
mundo. "Comecei a trabalhar aos dez anos e já
tinha saído da escola, da terceira classe. Mas
depois voltei à escola para fazer a quarta… e voltei para fazer a quinta e a sexta. Quando tinha
oportunidade de fazer mais um ano de escolaridade, ia fazer". Júlia Ramalho não precisou da
escola para ser quem é – as actividades escolares
eram um complemento um tanto suspeito, e de
duvidoso prestígio, aliás, num tempo e numa
terra em que a prioridade era assegurar o rendimento familiar. "Eu devia estudar, mas com dez
anos já fazia peças que davam dinheiro, então…
A minha mãe não queria que eu fosse estudar
porque depois me habituava a ser malandra. O
meu pai deixava, mas lembro-me de ouvir a
minha mãe dizer ao meu pai: 'depois habitua-se a
andar aí com a saca dos livros e não quer trabalhar, nós não temos dinheiro para a pôr a estudar
e depois ela tem de vir para casa e não vai querer
trabalhar'. E eu ouvi aquilo e ainda fiquei mais
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desgostosa e desisti de teimar". Júlia tornou-se
quem é sem a escola ou apesar da escola – e talvez o excesso de escola, um ano ou dois a mais,
quem sabe?, a tivessem subtraído à arte da olaria
e ao universo cultural minhoto e português. A
escola foi um intervalo, afinal, na vida verdadeira, a da criação artística.
A sala de trabalho é ampla, uma dezena de
metros de comprimento por cinco ou seis de largura, o forno ao fundo, bancadas e prateleiras à
volta, e a velha mesa, que já serviu outras
gerações, junto a uma janela. É aí que Júlia e o
filho António se sentam a moldar o barro. De vez
em quando, como se não estivéssemos ali mesmo
ao lado, lança uma pergunta ao filho: "Sabes o
que a Teresa ontem me disse?" A Teresa é uma
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filha, professora, que volta e meia mete as mãos
no barro. "Já me rende, mãe". A filha professora
ajeita-se, mas mais certo é ser António a fazer-se
continuador da tradição familiar. "Andou por
Inglaterra, agora está aqui a trabalhar comigo".
"Isto é tudo galos!"
Tem ideia de quantas peças já fez? "Milhares…
Gostava de as ver todas juntas… Há peças que eu
fiz uma vez porque alguém me pediu… Outras,
fico a olhar para elas e pergunto será que fui eu
que fiz isto"? Júlia não tem cópias de todas, só às
vezes faz um exemplar para guardar, daquelas
por que ganha mais afecto. De algumas, conserva
fotografias. A mania das réplicas vem de longa
data, "há para aí setecentas e tal peças", a maioria
encaixotadas.
Há figuras que se tornaram emblemáticas da
sua produção. Os "Pecados" e a "Medusa", por
exemplo. E muitas outras, de timbre satírico.
Continua a inventar? "Que remédio! A última
ainda só está na imaginação. Vão fazer o festival
da moda em Barcelos e eu é que costumo fazer as
prendas…".
Uma parte do que sai do ateliê corresponde,
efectivamente, a encomendas institucionais. "Vai
haver também um encontro de coros, tenho que
pôr os galos a cantar… Não temos outra maneira,
isto é tudo galos…", ironiza, rematando a graça
com uma gargalhada. Muitos fregueses particulares, nacionais e estrangeiros, procuram-na nas
feiras – como a do Estoril, que frequenta há décadas – e pedem-lhe peças. "Se não gostarem, não
há problema eu fico com elas".
Arte ou profissão, o Estado abstém-se de tais
distinções: "Vou fazer também cem galos para a
Câmara, esses têm de ser facturados… Senão
vêm aí o Vítor a dizer 'você andou a fazer peças
sem factura' e depois é que são elas!" Para que não
haja dúvidas sobre o ministro, da classe dos que
se ocupam só de contas, Júlia imita-o falando
arrastadamente.
A mestria desta grande oleira de Barcelos não
se cinge ao barro, que anda a moldar há cinquenta anos. Há tempos passou por Barcelos uma
equipa de televisão japonesa e ela foi a estrela da
fita, com instantâneos de trabalho e muita conversa para um documentário. E não só: os nipónicos fartaram-se de merendar em casa dela,
rojões e sarrabulho incluídos. Parece que ficaram
encantados com a arte culinária de Júlia. Afinal,
não são também os rojões, de certa maneira, uma
expressão de arte popular minhota? n
Humberto Lopes (texto e fotos)
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Teatro da Trindade
“Um bando de gente feliz
que voa”
O grupo intergeracional de teatro amador, constituído por quarenta actores, dois oito
aos 89 anos, alguns deles utentes de estabelecimentos da Santa Casa da Misericórdia
de Lisboa, criado pelo Teatro da Trindade, no âmbito do Ano Europeu do Envelhecimento
Activo e da Solidariedade entre Gerações, tem asas e consegue voar.
Durante os ensaios, o apoio da Santa Casa foi extremaideia de constituir um grupo de teatro amador, do Teatro da Trindade, defendida pela mente importante para viabilizar a presença de alguns deles,
directora artística, Cucha Carvalheiro, para muitos não tinham meios para suportar as despesas de transquem "fazia todo o sentido, não só oferecer porte, outros não tinham níveis de autonomia de mobilidaaos associados da Fundação e ao público do de. Algumas assistentes sociais, que acompanharam quem
Teatro a fruição cultural, mas também a oportunidade de necessitava de apoio, "a determinado momento tiveram vonpassarem pela experiência da criação", aguardava a oportu- tade de integrar o grupo", – recorda Catarina – desde o início
e no decorrer do processo de criação, todas as pessoas que
nidade de concretização.
O projecto adiado foi substituído por algum envolvimen- mostraram vontade de participar, "foram bem-vindas".
to de amadores, muitos deles associados da Fundação Inatel,
que participaram em produções e co-produções, nomeada- "Segredos" partilhados
mente, em "Vozes de Trabalho", 2010, "Vale" e "Barioná", No verão passado, ao fim de sete sábados, sete manhãs, e três
2011, "As ruas são tão tristes, precisam de mais luz", 2012.
dias de ensaio, o esperado "bando de aves" – rouxinol, pavão,
No âmbito das comemorações do Ano Europeu do coruja, pato, papagaio, arara, ganso, pombo, águia, andorinEnvelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações, ha, pica-pau, rola – invadiu o palco do Teatro da Trindade.
o antigo projecto de criar um grupo de teatro amador, teve a
O espectáculo "Segredos", durante quatro dias, encheu a
justa ocasião para se materializar, foi então quando a direc- sala com música e alegria, encantou e envolveu o público,
tora do TT desafiou Catarina Gonçalves, TERESA GONÇALVES/SCML
"para o dirigir e ela teve a ideia feliz de nele
interessar a Santa Casa da Misericórdia".
Para encontrar pessoas interessadas em
integrar este grupo de teatro intergeracional,
a Santa Casa teve um papel relevante na
divulgação, difundiu a informação tanto
nos lares de idosos, como nos centros de
apoio à infância.
O grupo "transformou-se num projecto
maior: intergeracional, e de verdadeira
inclusão social, uma vez que a Catarina
conseguiu juntar jovens e idosos institucionalizados, a outros cidadãos de todas as idades e proveniências, operando um daqueles
milagres com que o Teatro, arte colectiva
por excelência, tantas vezes nos surpreende
e gratifica", sublinha Cucha Carvalheiro.
A
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Teatro da Trindade
convidado a participar na dança. A construção do espectáculo surgiu da ideia de contar uma história, baseada no
conto infantil "Pinóquio", e o grupo foi desafiado a salientar
o que há "de mais ou menos importante" nesta narrativa.
Catarina Gonçalves, partindo da história do "Pinóquio", que
considera "ter um peso moralizador excessivo", pretendia falar
dos valores que estão na base da construção de uma sociedade
equilibrada – verdade, integridade, medo, mentira - e que cada
elemento do grupo falasse dos seus próprios valores, para
encontrar em si próprios o que há de comum nos outros.
Ao longo das sessões foram partilhados muitos segredos,
algumas pessoas revelaram uma relação difícil com o passado, com vontade de estar com os outros sem estarem marcadas pelo seu universo social e história de vida. Alguns
segredos foram a base de construção do espectáculo. "Foi –
lembra Catarina – um trabalho de filtração de emoções, de
confiança, de partilha, onde todos éramos pessoas com
segredos. O 'lucro' subjectivo deste projecto é impossível
quantificar, mas a formação de consciências, o desenvolvimento do sentido crítico e a elevação de auto-estima, são
uma enorme conquista". Foi um trabalho de multidisciplinaridade, corpo e voz, canto, dança, leitura de poesia, rigor de
técnica, posicionamento em palco, ritmo, com acesso à
dimensão total da construção do espectáculo, cenografia,
figurinos, construção de cena, luz e som.
O principal objectivo de Catarina foi que este "bando de
gente feliz que voa", formado por um grupo de pessoas completamente distintas, de diversas proveniências sociais, culturais, ideológicas, etárias, tivessem suficiente confiança para
"subir ao palco, com a dimensão e a dignidade do Trindade".
Nos últimos dias de ensaio foram criados "pilares de confiança e energia de grupo", o que no início lhes parecia assustador diluiu-se num ambiente de segurança, com a mensa-
gem de que "não devemos ter medo daquilo que nos faz sentir bem".
A direcção do TT teve – acrescenta Catarina Gonçalves –
uma necessidade moral e social de tentar optimizar os recursos, potenciando a criação de projectos que fazem necessariamente parte da missão de um Teatro público e, por isso,
não acrescentou despesa à produção deste espectáculo, cuja
cenografia teve o apoio da Câmara de Lisboa, que ofereceu
ramos e troncos de árvores, a Santa Casa, por sua vez, contribuiu com centenas de folhas, recolhidas nos espaços verdes
dos centros de apoio, e toda a equipa do TT colaborou para a
concretização deste projecto.
Produzir mais esperança
Com experiência já na direcção de outros grupos, Catarina
descobriu "com esta equipa fantástica de pessoas, que fazia
isto o resto da vida". O grupo intergeracional incluiu elementos dos CCD da Fundação, estagiários da escola alemã,
profissionais da Casa da Moeda, cidadãos vários no activo,
aposentados, crianças e adolescentes.
É o caso de Maria Helena, 66 anos, jornalista aposentada,
que adiou o sonho da representação "ao longo da vida profissional". Já aposentada, participou em telenovelas e séries televisivas, onde se cruzou com Cucha Carvalheiro que a informa
da criação do grupo. Interessada em dedicar o resto da vida a
um trabalho sem limite de idade, "pisar este palco teve um
grande significado, já que é uma das salas mais bonitas de
Lisboa". Actualmente encena uma peça de Natal, com o grupo
de teatro da Casa da Moeda e quer continuar no grupo intergeracional. "É uma pena esta paragem devido às obras", lamenta.
Célia, 56 anos, espanhola, residente em Lisboa, há 18
anos, ao saber da criação deste grupo sentiu que era "a oportunidade de realizar um grande sonho". Teve uma sensação
FOTOGRAFIAS: JOSÉ FRADE
Catarina Gonçalves, encenadora
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Maria Helena
Célia
Fernanda
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TERESA GONÇALVES/SCML
de convívio familiar, "junto dos mais novos, era criança, ao
lado dos jovens, era adolescente, e com os mais idosos, era
adulta… foi uma experiência muito rica, quero continuar,
para melhorar o meu desempenho".
Fernanda, 51 anos, administrativa, soube do casting através de uma amiga no Facebook, teve curiosidade, e a experiência "superou tudo o que pudesse imaginar". O convívio
ajudou-a a ultrapassar um período difícil da vida, "todos
estavam ligados por um gosto, tudo parecia mágico".
Paulo
Marisa
Paulo, 40 anos, formado em psicologia, integra um grupo
de teatro amador do ISPA, recorda que "foram criados laços
muito fortes entre as pessoas, e que a diferença de idades se
dissipou… era curioso ver o olhar dos novos dirigido aos
mais velhos, com respeito, e como Patrícia, 89 anos, olhava
para todos com um olhar jovem". Considera ter evoluído
como actor. "Pisar o palco do Trindade foi muito enriquecedor, espero continuar".
Marisa, 33 anos, doutoranda em Comunicação e Artes,
movida por uma paixão pelo teatro, quando soube do casting
através do Facebook do TT, apresentou-se na audição, onde
todos foram escolhidos. Depois foi o deslumbramento, o grupo
"tão heterogéneo, tem uma força, uma magia, que tornou tudo
mais especial… sinto falta, estou desejosa de continuar".
A direcção da Santa Casa já manifestou interesse em
apoiar a continuidade do projecto, com o empréstimo de uma
sala, durante o período de obras do TT. "As gerações mais
jovens e as mais antigas – acentua Catarina – precisam de
acreditar que é essencial materializar, no nosso código genético está inscrita a vontade de construir, mas têm de ser dadas
mais ferramentas operacionais. As pessoas sentem necessidade de ser produtoras de vida e geradoras de esperança".
Em breve, o grupo intergeracional terá um novo projecto, um olhar construtor vai motivá-los a voar mais, «a partir
das palavras e do amor das árvores» (A. Ramos Rosa). n
Teresa Joel
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Memória
Perfil de Igrejas Caeiro
"Perfil de…" foi exactamente assim que Igrejas Caeiro chamou à série de entrevistas que
realizou para o Rádio Clube Português com nomes destacados da cultura, do espectáculo, da
vida portuguesa dos anos cinquenta e sessenta.
programa, que incluía nomes tão diversos
como Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro,
Natália Correia, António Silva ou João
Villaret ou de brasileiros que passavam,
então, por Lisboa, como Maria Della Costa
ou Erico Veríssimo, foi emitido entre Outubro de 1954 e
Novembro de 1960. A censura acabou por proibir o "Perfil"
depois de uma entrevista de Caeiro ao escritor Manuel
Mendes.
O
Fátima e revolução soviética
Igrejas Caeiro gostava de dizer que tinha nascido num ano
de contrastes: 1917, o ano da revolução soviética e, simultaneamente, o do aparecimento da Virgem de Fátima.
Quando morreu, em 19 de Fevereiro deste ano, com 94
anos, foi referido como "um nome marcante e dos mais
populares da rádio, do teatro, do cinema e da televisão em
Portugal". Assim foi de facto. Igrejas Caeiro (Francisco), filho
de gente humilde, aos 10 anos já trabalhava como paquete
numa firma para ajudar ao sustento da família. Caeiro contava, com alguma graça, que foi exactamente por essa altura que a mãe lhe fez umas calças compridas. Paquete durante o dia, estudos à noite e ainda arranja tempo para se interessar por teatro frequentando um curso da arte de dizer e
representar. Tinha então 17 anos.
À procura de um actor
Aos 22 anos, Caeiro cumpria o serviço militar em Tavira
mas não desligava do que se passava em Lisboa e foi assim
que, regressado à capital, decidiu concorrer ao concurso "À
procura de um actor", iniciativa do "Diário de Lisboa", com
a colaboração da Emissora Nacional e do Teatro Nacional D.
Maria II. De eliminatória em eliminatória, Caeiro conseguiu
o primeiro lugar. Em 8 de Maio de 1940, Francisco Igrejas
Caeiro, 23 anos, pisa o palco do primeiro Teatro do país
interpretando a peça de Ramada Curto, "O Caso do Dia". Foi
o início de uma grande e feliz carreira que se estenderia ao
cinema, à rádio, à televisão. E sempre ajudando a família.
A rádio aparece na vida do actor quando um dirigente da
Emissora Nacional lhe pergunta se não quer ser locutor. Era
o tempo de grandes nomes como João da Câmara, Maria de
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Resende, Olavo d'Eça Leal. Como diria um dos intérpretes
de "Casablanca", para Igrejas Caeiro foi o início de uma bela
e longa amizade. Rádio e Caeiro unidos para sempre.
Zequinha e Lelé
Um encontro com Irene Velez deu em casamento e, três anos
depois, deu em "Zequinha e Lelé". Nelson de Barros e Anibal
Nazaré escreviam os diálogos e o casal namorava à moda
antiga: ela, a "Lelé" à janela e ele, o "Zequinha", na rua. Os
diálogos eram divertidos mas Vasco Santana, o "Zequinha",
tinha um processo de representar que desmanchava o mais
sisudo. Igrejas Caeiro dizia que uma das razões para o grande êxito dos diálogos ficava a dever-se àquele ar característico que o Vasco, o "Zequinha", sabia imprimir em contraste
com o tom de ingénua de Irene Velez, a "Lelé".
Uma nota de quinhentos…
Primeiro foi "Portugal a Cantar", a seguir o "Comboio das
seis e meia", depois a "Volta a Portugal em Bicicleta" e, finalmente, o grande êxito que arrastaria multidões e seria o
ponto máximo da carreira de Caeiro. Falo de "Os
Companheiros da Alegria", um espectáculo ao vivo que se
apresentava por Portugal inteiro com Igrejas Caeiro na apresentação, bons artistas de variedades e um concurso chamado "À procura de uma estrela", onde Caeiro dava uma
nota de quinhentos aos concorrentes. Por essa altura, anos
50, os portugueses repetiam a toda a hora o slogan inventado pelo apresentador: "Uma nota de quinhentos não se pode
deitar fora…" O espectáculo ia percorrendo o País e acabou
por ser transmitido pelo Rádio Clube Português. O êxito foi
tal que se dizia que Igrejas Caeiro ainda ia ser candidato à
Presidência da República… A verdade é que o apresentador
e empresário reconhecia que a sua popularidade estava no
auge, que ganhava muito dinheiro e as lotações esgotadas
repetiam-se. E três anos passados, com os bolsos cheios,
Igrejas Caeiro decide alugar o Teatro da Trindade para, além
do programa "Os Companheiros da Alegria", apresentar teatro todas as noites. É quando chega o despacho ministerial
a proibir Caeiro de trabalhar em qualquer actividade dependente da Direcção de Espectáculos. Motivo? A resposta a
um inquérito onde Caeiro elogiava Nehru, chefe do
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Governo da União Indiana, quando já se preparava a
invasão de Goa, Damão e Diu.
Nasce o "Perfil de um Artista
Impedido de apresentar "Os Companheiros da Alegria" ao
vivo, Igrejas Caeiro recorre à Rádio produzindo programas
infantis, teatro, e criando o já citado "Perfil de um Artista".
Ficaram para a História cerca de 300 entrevistas com personalidades da cultura, do desporto, do espectáculo. Entre
Outubro de 1954 e Novembro de 1960, Caeiro entrevistou
muita gente de todos os quadrantes (do Padre Raul
Machado e Bibi Ferreira a Cardoso Pires ou Tónia Carrero).
Igrejas Caeiro reconhece que trabalhar no Rádio Clube
Português num programa como o "Perfil" só foi possível porque Marcelo Caetano tinha chegado à Presidência. Foi ele
que lhe levantou a suspensão. "Era um homem afável e inteligente". Entre todos os entrevistados do "Perfil", Caeiro destacava Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro e José Cardoso
Pires, mas também António Sérgio e Fernando Namora.
O cinema e o teatro na vida de Caeiro
Igrejas Caeiro numa apresentação no antigo cinema Mundial. Em baixo,
com Santos Fernando e Ferro Rodrigues, uma famosa dupla de Humoristas
Pode dizer-se que Igrejas Caeiro foi um verdadeiro "homem
dos sete instrumentos", pois entretanto já participara em filmes de Leitão de Barros ("Camões"), de António Lopes
Ribeiro ("Amor de Perdição"), de Manuel Guimarães ("O
Trigo e o Joio") e ,desde há muito, que pensava em ter um
teatro onde pudesse apresentar peças e autores do seu agrado. Aconteceu em 1969. Fundou então o Teatro Maria Matos
que inaugurou com "O Tombo no Inferno", de Aquilino
Ribeiro, seguida de "A Relíquia", de Eça de Queiroz. Seguemse as proibições e os cortes da Censura. Caeiro perde muito
dinheiro e decide desfazer a sociedade. "Desfeita a sociedade, proibido de trabalhar em público, julguei que estava perdido. Foram momentos muito tristes da minha vida."
A festa do 25 de Abril
O 25 de Abril apanha Caeiro na Emissora Nacional e, quando o convidaram para ser deputado da Assembleia
Constituinte, contou ele, até chorou. "Era a alegria imensa de
poder contribuir para a reconstrução do país, em liberdade".
Foi deputado, dirigente do Partido Socialista, vereador da
Câmara Municipal de Cascais, director de programas da
Emissora Nacional. Reformado, já sem teatro, sem rádio, sem
televisão, aceitou a presidência da Fundação Sara Beirão que
ajudava os mais idosos, principalmente artistas. A Sociedade
Portuguesa de Autores atribuiu-lhe o Prémio de Consagração
de Carreira em 2005 e a Medalha de Honra em 2007.
Francisco Igrejas Caeiro morreu no dia 19 de Fevereiro
deste ano. Tinha 94 anos. n
Maria João Duarte
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Olho Vivo
Catatua engenhosa
Uma catatua austríaca, de seu nome
Fígaro, criada em cativeiro em Viena,
está a surpreender os zoólogos por ser
capaz de construir ferramentas,
habilidade que as suas congéneres na
natureza nunca demonstraram ter.
Fígaro usa o bico e as garras para cortar
paus que lhe permitem chegar a
objectos desejados que estejam fora do
alcance. As capacidades de Fígaro estão
a ser estudadas por cientistas de Oxford
que têm filmado a ave em pleno fabrico
e utilização dos utensílios.
Animação
contra
a ansiedade
As crianças que vêem desenhos animados antes de serem
anestesiadas e operadas denotam menos ansiedade face à intervenção
cirúrgica, segundo um estudo publicado na revista da associação
Internacional de Anestesistas IARS. A experiência foi feita na Coreia
do Sul e os desenhos animados reduziram a ansiedade em 130
pacientes com idades entre os 3 e os 7 anos, que iam ser submetidas
a pequenas intervenções cirúrgicas como a extração das amígdalas.
Elefante que fala
Um elefante asiático chamado Koshik
consegue imitar a fala humana,
proferindo várias palavras em coreano
que são imediatamente entendíveis
pelas pessoas. O animal enfia a
tromba na boca para proferir os sons.
O paquiderme está a ser estudado por
uma equipa da universidade de
Viena.
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Bactérias
falantes
As bactérias falam umas
com as outras através de
moléculas que produzem
para comunicar. O
fenómeno é importante na
propagação de uma
infecção. Agora, cientistas
suecos estão a afirmar que
as células do nosso corpo
também se "avisam" umas
às outras dos perigos de
infecção e ataques das
bactérias. O estudo é da
universidade de
Linköping e foi publicado
na revista PLoS
Pathogens. A descoberta
pode melhorar o
tratamento de infecções
resistentes aos
antibióticos.
Bebés
de Verão
Um estudo da faculdade
de economia da
universidade da Columbia
Britânica revela que a
data de nascimento de
uma pessoa pode afetar a
sua ascensão até ao topo
da hierarquia de uma
empresa. Dos 500
presidentes de conselhos
de administração
estudados, só 6,13 por
cento nasceram em Junho
e apenas 5,97 em Julho.
Em comparação, 12,53
por cento da amostra
nasceram em Março e
10,67 por cento em Abril.
As razões ainda estão por
descobrir.
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A n t ó n i o C o s t a S a n t o s ( t ex t o s )
O bocejo
dos cachorros
E o cabelo crescerá
O medicamento americano para o glaucoma, bimatoprost, causa o
reaparecimento de cabelo nas pessoas calvas. Tem sido explorado
comercialmente para fazer crescer as pestanas, mas os dados
publicados na revista Faseb são os primeiros a mostrar que a droga
pode fazer recrescer cabelo humano a partir do couro cabeludo mais
liso. Este tratamento para a calvície está a ser estudado por uma
equipa da universidade britânica de Bradford.
Que o bocejo é contagioso toda a
gente sabe. E que o ser humano
vai ficando progressivamente mais
susceptível ao contágio, à medida
que cresce e envelhece, também.
Agora, um estudo publicado na
revista científica Cognição Animal
prova que essa susceptibilidade ao
bocejo dos outros também não
afecta os cachorros de tenra idade,
aumentando à medida que o cão
se torna adulto. Segundo o estudo,
o bocejo por contágio é um sinal
de empatia com os próximos,
ausente nos bebés humanos e nas
crias caninas.
Figurinha milenar
Arqueólogos da Universidade de
Barcelona descobriram na gruta
de Can Sadurni, em Begues, a
mais antiga figurinha humana da
Península Ibérica, um torso com
um braço completo e metade de
outro, que foi datada de há 6500
anos. Há alguns meses, os
mesmos arqueólogos revelaram na
zona os mais antigos vestígios da
produção de cerveja.
Medo diminui a distância
Cientistas ingleses publicaram uma investigação na revista Current
Biology que indica que o medo afecta a nossa percepção da distância a
que se encontra o que nos provoca esse receio. Os psicólogos que
estudam as fobias concluíram que julgamos mais perto do que está
efectivamente qualquer objecto que constitua uma ameaça à nossa
integridade.
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A Casa na árvore
Susana Neves
Azinhas
de Natal
Árvore sagrada dos celtas, o azevinho
sempre cresceu na lentidão.
N
uma crónica de 1889, publicada no
Jornal de Horticultura Prática, Eduardo
Sequeira sugere que se adopte um
ramo de laranjeira ornamentado com
luzes, brindes e flores de camélia como "árvore do
natal" portuguesa, em vez de se usar o pinheiro e o
azevinho. Uma sugestão que fundamenta em
razões geográficas e culturais: "Mas no norte,
n`aquellas regiões onde a neve impera, cobrindo
desde bem cedo tudo com o seu branco lençol, os
vegetaes resistentes, e por isso os vegetaes sagrados, os vegetaes queridos, são o pinheiro e o azevinho (…) Mas entre nós, o azevinho e o pinheiro
não teem as tradicções do norte, e tanto podem
elles servir para árvore do natal, como outra qualquer".
Através destas afirmações é possível deduzir
que apesar do azevinho (Ilex aquifolium L.) ser um
símbolo da quadra natalícia em muitos países
europeus, reminiscência das Saturnália – festividades romanas de culto a Saturno que se realizavam
no mês de Dezembro e implicavam troca de presentes, entre eles ramos de azevinho – em Portugal,
no final do século XIX era um "símbolo importado", destinando-se esta Aquifoliaceae sobretudo a
outras práticas. Evidentemente, a adopção desta
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moda estrangeira agravou a tendência para a
extinção do azevinho (sobretudo a "árvore fêmea",
que produz as atractivas e tóxicas bagas vermelhas) tornando-se necessário implementar medidas
legais que o protegessem, como veio a efectivar-se
a 4 de Dezembro de 1989, através do Decreto-Lei
nº 423/89, que proíbe e penaliza com pesadas coimas o corte do azevinho espontâneo.
O abate de azevinho em Portugal estava então
ancestralmente ligado a outras práticas e celebrações, como é possível confirmar pela leitura
de "Tradições Populares e Portugal", de 1882.
Escreve o seu autor, o linguista, arqueólogo e
etnógrafo José Leite de Vasconcellos: "A`meianoute do S. João vae muita gente colher o azevinho; andam em roda d`elle a dançar, a tocar
violas e a cantar: "Azevinho, meu menino, /Aqui
te venho colher, /Para que me dês fortuna/No
comprar e no vender, /E em todos os negócios/Em
que me eu me metter." Nesta ocasião deitam-lhe
vinho em borrifos; depois cortam-no e põem-no à
entrada de casa, ou em sítio escondido." E o prolífico investigador, acrescenta ainda: "Quando
troveja, é também bom queimá-lo".
A atribuição de poderes benignos, protectores e
mágicos a esta "planta relíquia" que poderá ter aparecido na Terra há cerca de 15 milhões de anos, coexistia em Portugal com o seu aproveitamento na
pecuária. Numa edição de "O Archivo Rural", de
1860, exalta-se o seu uso na alimentação dos animais, sobretudo enquanto "forragem verde" das
vacas leiteiras. Conhecedor da agricultura da
Bretanha, Olímpio Leite escreve: "Este azevinho dáse aos animaes tres vezes por dia, triturado e misturado com feno. (…) As vacas leiteiras exigem de
150 a 200 kilogrammas, 4 por cento do peso bruto
de feno, para serem convenientemente nutridas".
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Fotos: Susana Neves
O primeiro nome
científico "ilex"
resulta da
semelhança entre
as folhas do
azevinho e da
azinheira (Quercus
ilex L.);
"aquifolium" quer
dizer folha com
agulha
O reconhecimento do valor nutricional das
jovens folhas de azevinho justificava ainda a sua
utilização na ementa dos cavalos destinados "a
acções de natureza militar".
(Fernando Catarino, "Do Castanheiro ao Teixo", FLAD, Público,
2007). E quando a mobilização
dos animais por via nutricional
não era suficiente utilizavam-se
os ramos flexíveis da árvore
como chibatas para os forçar ao
trabalho.
Outra utilização perversa do
azevinho aparece descrita na
bibliografia oitocentista: apanhar passarinhos com o visco
da casca. O processo de
extracção e a aparência do
visco sugeriu aos autores uma
adjectivação fortemente visual
e repulsiva, veja-se o texto de
"Flora Pharmaceutica", 1825: "A casca interior
bem limpa da exterior, reduzida a pasta por
meio da contusão mettida em hum vaso, e posta
de parte até apodrecer, e então lavada para se
lhe separarem as fibras lenhosas dá o optimo
visco aucupario, que he huma massa resinosa,
verde, mollissima, plastica, hum tanto fluida,
tenacissima, ductil em compridissimos fios,
adhesiva".
A todas estas utilizações (sem falar das artesanais e medicinais), a árvore
sagrada dos celtas sobreviveu.
Em Portugal, sobretudo no
norte, é possível ainda encontrar alguns espécimes isolados
de grande porte, mas somente
nas serras do Gerês (na mata
do Ramiscal), Monchique e
Sintra sobrevivem vários espécimes juntos, ou seja, é possível ver um azival, azevinhal
ou aziveiro, possível sub-bosque de um antigo carvalhal.
O azevinho não se importa de viver à sombra dos carvalhos ou de outras árvores
cuja companhia aprecia.
Toda a sua aplicação está em
crescer um centímetro por ano para atingir uma
longevidade multissecular. As agulhas das folhas dos ramos inferiores (razão do seu segundo
nome científico) e o veneno das bagas (a que são
imunes as aves disseminadoras das sementes)
foram algumas das suas sábias estratégias para
viver no prazer da lentidão. n
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CONSUMO Mais segurança na circulação rodoviária é o objectivo da nova
regulamentação comunitária sobre veículos automóveis e pneus. Pág. 46 l
LIVRO ABERTO Em destaque, o novo livro de António Lobo Antunes, "Não É
Meia Noite Quem Quer", e "Citações e Pensamentos de Camilo Castelo
Branco", Pág. 48 l ARTES As obras de João Vieira, falecido em 2009, voltam a
ser mostradas até 31 de Janeiro próximo, na Galeria Valbom, em Lisboa. Pág. 50
l MÚSICAS Com "Rui Veloso e Amigos", o autor e intérprete "revisita", com
outros cantores, 13 dos seus mais popularizados temas. Pág. 52 l NO PALCO
"Timão de Atenas", de Shakespeare, no Teatro de
Almada, assinala o regresso de Joaquim Benite à
encenação. Pág. 54 l CINEMA EM CASA Três
excelentes documentários em foco: É na Terra Não é
na Lua, de Gonçalo Tocha, sobre a ilha do Corvo;
Women are Heroes; e Oceanos. Pág. 55 l GRANDE ECRÃ "Amor", de Michael
Haneke, premiado em Cannes, retrata de forma sóbria e ao mesmo tempo
dura e subtilmente comovente o drama de um casal de octogenários. Pág. 56 l
INFORMÁTICO A PT lança, este mês, o cloudPT um serviço de cloud storage
onde podem ser armazenados e geridos todos os documentos digitais. Pág. 58 l
AO VOLANTE À semelhança das evoluções a que assistimos nos produtos
tecnológicos do dia-a-dia, o novo modelo 208 da Peugeot marca um
verdadeiro salto de gerações. Pág. 59 l SAÚDE Os sintomas – tosse, febre,
expectoração e dores musculares que não cedem, ou se agravam – devem
alertar-nos para uma eventual pneumonia. Pág. 60 l PALAVRAS DA LEI Em
questão, um caso de doação com reserva de usufruto em inventário com
reclamação da relação de bens apresentada. Pág. 61
l
BOAVIDA
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Boavida|Consumo
Automóveis mais seguros
Assegurar mais segurança na circulação rodoviária é o objectivo da nova regulamentação comunitária
sobre veículos automóveis e pneus que entrou em vigor no pretérito dia 1 de Novembro.
Carlos Barbosa de Oliveira
E
ntrou em vigor, no dia 1 de Novembro, um conjunto de regras que impõem novas regras de segurança
para os veículos a motor.
Entre as medidas agora tornadas obrigatórias –
resultantes da entrada em vigor do regulamento geral de
segurança aprovado em 2009 – merecem destaque:
Sistema de alerta para o cinto de segurança. O assento
do condutor estará equipado com um sistema de alerta (visual ou auditivo) de esquecimento do cinto de segurança, que
avisará o condutor que deve apertar o cinto de segurança.
Cadeiras para bebé. Os veículos deverão estar equipados
pelo menos com dois pontos de encaixe para as cadeiras de
bebé (ISOFIX), que deverão estar totalmente integrados nos
assentos traseiros. Estes pontos de encaixe podem ser utilizados com as cadeiras de bebés compatíveis, o que permitirá
uma melhor estabilidade para a cadeira do bebé;
Indicadores de mudança de velocidade. Os automóveis
terão de ser equipados com indicadores de mudança de
velocidade, de molde a ajudar os condutores a economizar
carburante e a reduzir as emissões de CO2.
Segurança da bagagem. Os assentos traseiros contíguos à
mala bagageira deverão ser suficientemente resistentes para
proteger os passageiros contra a movimentação da bagagem
em caso de uma colisão.
Alerta para perda de ar dos pneus. Os pneus dos veículos de passageiros deverão estar equipados com um
sistema de controlo da pressão dos pneus que detecte
toda a perda de pressão de ar e o assinale ao condutor.
O risco de furo será assim reduzido de maneira significativa. Os furos podem causar graves acidentes,
pelo que a boa pressão dos pneus irá garantir
também obter-se uma distância de travagem mais curta, mais economia de
combustível e uma redução das emissões
de CO2.
A preocupação com uma melhor
segurança dos pneus está igualmente patente no
Regulamento 1222/2009,
sobre rotulagem de pneus, que
entrou também em vigor no pretérito
46
TempoLivre
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dia 1 de Novembro.
Assim, desde aquela data, os pneus novos destinados a
veículos ligeiros, comerciais e pesados comercializados na
UE (independentemente da sua origem) terão nova rotulagem/etiquetagem obrigatória reflectindo os respectivos
níveis de desempenho.
Pretende-se, com a nova rotulagem, clarificar a qualidades dos pneus, especificamente quanto a três atributos: a
resistência ao rolamento; a aderência em piso molhado e o
ruído exterior de rolamento
Esta informação irá permitir uma maior e melhor informação sobre o produto a adquirir, ajudando a fazer melhores
escolhas e uma maior sensibilização sobre a importância dos
pneus na segurança rodoviária.
A nova rotulagem/etiqueta apresenta algumas semelhanças com as etiquetas de eficiência energética que já existem nos electrodomésticos e abrange três áreas específicas:
(ver caixa Interpretação das etiquetas)
Eficiência energética (consumo de combustível). O pneu
é classificado de A a G, de acordo com a resistência ao rolamento e que pode resultar numa poupança de até 7,5% de
combustível;
Segurança. A classificação do pneu é igualmente estabelecida de A a G, de acordo com a distância de travagem
em piso molhado, que se pode traduzir numa diminuição de
até 18 metros na travagem 80 km/h-0 km/h;
Conforto acústico.O pneu é classificado através da representação das ondas sonoras e do valor absoluto em dB do
ruído exterior de rolamento.
A informação agora disponibilizada ao consumidor permitirá comparar mais facilmente os pneus entre si e, desse
modo, influenciar as decisões de compra dos consumidores, no sentido de escolher pneus mais
seguros, mais silenciosos e mais eficientes em
termos energéticos.
É importante, no entanto, pedir o aconselhamento do revendedor para conhecer o
desempenho global do pneu que pretende
adquirir. Normalmente é um
profissional especializado
que o poderá ajudar a fazer
a escolha mais apropriada
para o seu veículo. n
JOSÉ ALVES
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Como interpretar a etiqueta/rótulo do pneu
A primeira informação
A segunda informação
A terceira e última
apresentada (à esq. da
(à dir. da etiqueta)
informação (na parte
etiqueta) está
refere-se à aderência
inferior da etiqueta) é
relacionada com a
em piso molhado. Está
de carácter ambiental,
resistência ao rolamento à qual está
associada a um ícone retratando
relacionado com o ruído exterior de
associada um ícone de uma bomba
condições climatéricas adversas
rolamento. A informação aqui
de combustível, e vai de uma escala
(nuvens e chuva), e vai igualmente de
prestada está associada ao ícone de
de A (verde) a G (vermelho),
uma escala de A a G, significando que
um altifalante emitindo umas ondas
significando A uma maior eficiência
um pneu de classe A garante uma
(num máximo de três) e medido em
e/ou uma menor resistência ao
distância mais curta de travagem
decibéis. A um maior n.º de ondas
rolamento. Quanto menor for a
(uma melhor prestação em termos de
coloridas corresponderá um pneu
resistência, menor será a energia
travagem, portanto).
mais ruidoso (podendo produzir até
despendida e a quantidade de
mais 6 decibéis de ruído do que um
combustível gasto.
pneu com apenas uma onda
colorida).
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Boavida|Livro Aberto
António Lobo Antunes, Camilo,
a ideia de Deus e tempo de biografias
Já com um livro pronto para publicar em 2014, António Lobo Antunes, mantendo o pendular ritmo de
produção de um grande escritor profissional, lançou "Não É Meia Noite Quem Quer" (D. Quixote), para
muitos um dos seus melhores livros e aquele que aparenta ter uma maior carga autobiográfica,
embora, na realidade, todos os romances a tenham, de uma maneira ou de outra.
José Jorge Letria
E
ste é o 28º livro de uma das mais importantes
vozes de sempre e uma das mais justamente
internacionalizadas da literatura portuguesa,
por conseguir retratar de forma ao mesmo
tempo lírica, épica e trágica o Portugal que fomos e
somos.
Em época de comemorações camilianas, a Casa das
Letras acaba de lançar "Citações e Pensamentos de
Camilo Castelo Branco", com organização de Paulo
Neves da Silva, mais um título para enriquecer uma
colecção de referência que inclui citações, pensamentos
e aforismos de alguns dos maiores nomes da literatura
mundial, de Jorge Luís Borges a Eça de Queirós. Um
livro para ter à cabeceira e para ir lendo e relendo, ao
mesmo tempo que se descobre ou redescobre a obra do
autor de "A Queda dum Anjo".
Do exaustivo, rigoroso e fascinante trabalho de
reflexão filosófica e teológica do Padre Carreira das
Neves, membro da Academia das Ciências, nasceu
"Deus Existe? Uma Viagem Pelas Religiões" (Editorial
Presença), obra de cerca de 450 páginas na qual
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Carreira das Neves nos revela de que forma a ideia
de Deus atravessa civilizações, culturas e épocas,
sintetizando e aprofundando tudo aquilo que, no
Homem, é inquietação, ansiedade, desejo de imorta lidade e temor da morte. Um livro que, muito mais
do que dar respostas, abre caminho para novas meditações e perguntas. A não perder, por crentes e não
crentes.
Em matéria de textos biográficos de qualidade,
destaque para "Rómulo de Carvalho/ António Gedeão Príncipe Perfeito" (Editorial Estampa), uma viagem de
lembranças e afectos pela vida do poeta e cientista
cumprida pela sua filha, a escritora Cristina Carvalho,
que escreveu uma obra vinda do coração mas que abre
portas para quem queira ter um conhecimento mais
detalhado e profundo da obra e da vida do autor de
"Lágrima de Preta". Destaque também, com a chancela
da Oficina do Livro, para uma nova edição de Maria
Barroso – Um Olhar sobre a Vida", da autoria da jornalista e escritora Leonor Xavier, também biógrafa de Raul
Solnado e do ex-ministro de Marcelo Caetano, Rui
Patrício.
Para quem se interessa pelo período dramático da
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Guerra Colonial que, na recta final da ditadura, custou
a vida a dezenas de milhares de portugueses e
africanos, a Oficina do Livro editou "Heróis do
Ultramar - Histórias de Bravura nos Campos de
Batalha da Guerra Colonial", de Nuno Castro, e "Os
Que Vieram de África - O Drama da Nova Vida das
Famílias Chegadas do Ultramar", de Rita Garcia.
Depois de mais de três décadas de quase silêncio e
preconceito sobre este tempo e este drama histórico
assiste-se à profusão, quase moda, de edições sobre a
guerra e o fenómeno do retorno, sendo conveniente
que o preconceito ideológico que gerou a longa omissão não dê agora origem a uma glorificação apologética
de um período da História Contemporânea que deverá
ser abordado e analisado com serenidade, rigor e distanciamento e nunca com ligeireza e inclinação para o
"fait-divers". Não será esse o caso dos dois títulos aqui
mencionados, mas nunca é de mais deixar o alerta,
pois a matéria, mesmo havendo no governo uma quase
maioria de ministros e secretários de Estado com
origem nas ex-colónias, continua a ser sensível, controversa e marcada por formas várias de ressentimento
a que a política e a ideologia não costumam ser
alheias.
Destaque, por outro lado, para duas obras de ficção
narrativa de qualidade, a ter em conta nas escolhas para
o Natal: "O Bairro da Estrela Polar" (Casa das Letras), do
escritor, criminalista e autarca Francisco Moita Flores, e
ainda para "A Ilha" (D. Quixote), do grande escritor húngaro do século XX Sándor Márai.
As Edições Sílabo deram à estampa "A Fenomenologia Enquanto Lugar Total da Vida – Diálogo poéticoamoroso entre Merleau-Ponty e alguns pensadores e
artistas", da escritora e ensaísta Gilda Nunes Barata,
autora de uma obra já extensa e diversificada que também incluir a literatura infantil. O presente ensaio acessibiliza ao público a tese de doutoramento da autora em
Filosofia na Universidade Nova de Lisboa.n
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Boavida|Artes
O Corpo e a Letra de João Vieira
na Galeria Valbom, em Lisboa
Três anos após a sua morte, as obras do artista plástico João Vieira voltam a ser mostradas até 31 de
Janeiro próximo, na Galeria Valbom, em Lisboa, o que foi o seu espaço preferencial durante os seus
últimos anos de vida.
Rodrigues Vaz
A
presentada em jeito de homenagem pelo seu
filho, o conhecido músico Manuel João Vieira,
ele próprio igualmente artista plástico, esta
exposição, que se intitula Década e integra um
conjunto de peças produzidas entre 1985 e 2008, traduz
com eficácia as grandes linhas da sua obra, que se desenvolveu ao longo de mais de cinco décadas fundamentalmente sob o signo do experimentalismo interdisciplinar
em torno de duas temáticas: o corpo e a letra. Do corpo,
especialmente ligado aos primeiros trabalhos e aos actos
performativos então realizados em Portugal como pioneira
manifestação, João Vieira chega à letra, registando a partir
da forma do corpo as possibilidades gráficas da sua transformação em letra.
Como diz no excelente e completo catálogo Paulo
Simões Rodrigues, "À semelhança do que sucede com as
máscaras, rostos reduzidos à estilização dos seus elementos estruturantes mais simples – as cores, os tons, as texturas, os traços e as formas –, as imagens apropriadas não
deixam de ser reconhecíveis. Mas é esse "efeito de semelhança", como foi notado atrás, que afirma, precisamente,
a autonomia da recriação, projecção no mundo de um
olhar sobre a pintura do passado – reforçada pela alteração irónica dos títulos."
ARMANDA PASSOS NA GALERIA SÃO MAMEDE
Por seu turno, igualmente a galeria São Mamede apresenta um peso pesado da arte em Portugal, a artista portuense
Armanda Passos a Lisboa, que regressa com a exposição
intitulada Óleos de Pequeno Formato, que ali vai estar
patente até 15 de Janeiro de 2013. Natural de Peso da
Régua, Armanda Passos vive e trabalha no Porto, onde se
licenciou em Artes Plásticas pela Escola Superior de Belas
Artes. A sua pintura coloca-se num lugar sem precedência
tanto pelos temas plásticos elegidos – as famosas "mulheres de Armanda" – como pelos acentos do respectivo
tratamento. Daí a sua forte e tão sedutora originalidade no
quadro das tendências da pintura atual.
50
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Pinturas de João Vieira
(em cima) e Armanda
Passos
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Como salienta a historiadora de Arte Sylvie DeswarteRosa no texto de apresentação do catálogo, "Mais do que
histórias, Armanda cria, direi eu, "quadros poéticos", ou
antes como explica Lessing no Laokoon (Berlim, 1766),
"fantasmas poéticos" ou "sonhos acordados". Afinal, qualquer um de nós é provavelmente capaz de ter sonhos
acordados, se ficarmos atentos e nos prepararmos para
isso. Mas só muito poucos o fazem. Fê-lo Opicinus de
Canistris no século XIV nas imagens cartográficas
antropomorfas criadas em segredo ao longo da noite em
Avinhão durante o Grande Cisma; fê-lo Hieronymus
Bosch no século XV nos Países Baixos em vastas visões
delirantes como o tríptico das Tentações de Santo Antão
do Museu das Janelas Verdes, em Lisboa. Armanda Passos
entra nesta genealogia de artistas."
METÁFORAS
Por sua vez, o Centro Cultural de Cascais apresenta até 30
do corrente uma exposição de Mariam Nowinski, professor na Academia de Belas Artes de Varsóvia e reitor da
Faculdade de Artes
Visuais e Design do
Instituto Polaco-Nipónico
de Tecnologia da
Informação de Varsóvia,
intitulada A Metáfora no
Cartaz e no Desenho.
Trata-se de uma exuberante colecção de cartazes e desenhos caracterizados por visualidade e
imaginação surpreendentes da qual ressalta a
criatividade pura deste
mestre designer polaco. A sua arte já circulou por toda a
Europa culta, foi às Américas e ao Extremo-Oriente,
chegando finalmente a Portugal sob o patrocínio da
Embaixada da Polónia em Lisboa, numa iniciativa conjunta da Fundação D. Luís I e do Pelouro da Cultura da
Câmara Municipal de Cascais. n
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Boavida|Músicas
Rui Veloso e Vicente Palma: o presente
e o futuro da música portuguesa
Em tempo de crise, o CD acaba por ser uma alternativa menos dispendiosa para as prendas de Natal.
Em defesa da cultura e da indústria nacionais, aqui se sugerem dois trabalhos de autores portugueses
e/ou uma oferta economicamente mais arrojada, para os apreciadores de ópera.
Vítor Ribeiro
A
primeira
chamada de
atenção vai
para o álbum
"Rui Veloso e Amigos",
no qual o autor e intérprete parte à "revisitação"
de 13 dos seus mais popularizados temas, na
companhia de oficiais do
mesmo ofício.
Rui Veloso consegue surpreender-nos não só no plano
formal, designadamente no que se refere à natureza dos
arranjos musicais, mas também na escolha dos amigos
convidados, oriundos de "escolas" e gerações muito
diversificadas.
No material de promoção fornecido à Comunicação
Social destacam-se os duetos com os Expensive Soul e
com Camané, nos temas "Mr. Dow Jones" e "Conceição",
respectivamente.
Mas os melómanos podem ainda ser surpreendidos
pelas intervenções de gente tão diversa como Jorge
Palma, Afonso Pais, Luís Represas, Rão Kyao, Carlos do
Carmo, Dany Silva, Maria João e Mário Laginha, JP
Simões, Bernardo Sassetti, Ricardo Ribeiro, Tito Paris e
Zeca Medeiros.
Este encontro de Rui Veloso com amigos encerra com
"Fado Pessoano", no qual intervêm Manuel João Vieira,
Boss AC, Ana Sofia Varela, Paulo Flores, Lura, Tcheka,
Zé Ricardo, Manecas Costa e Luanda Cozetti.
"PARTO" DE VICENTE PALMA
Não menos surpreendente é o álbum de estreia do cantor e compositor Vicente Palma, cerca de 30 anos, com o
título genérico "Parto".
Este primeiro trabalho de grande fôlego de Vicente
integra 14 temas, 13 dos quais com textos e músicas do
próprio cantor. A excepção é "Para Rosalía", cantiga de
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José Niza e Curro Enríquez popularizada por Adriano
Correia de Oliveira.
Filho do cantautor Jorge Palma, Vicente trabalhou ao
longo dos anos com o pai, cujas naturais influências o
jovem músico não renega, antes pelo contrário.
Vicente foi, no entanto, trilhando o seu próprio caminho e é hoje, sem dúvida e com mérito, um compositor de invulgar consistência e um intérprete de voz
segura e cristalina.
"Parto" não será talvez um trabalho de fácil adesão
por parte do chamado grande público. Constata-se, de
resto, que Vicente Palma não optou pela via da facilidade, ao conceber um CD que o coloca no patamar dos
nossos melhores jovens compositores. O futuro próximo
da música portuguesa passa por este Vicente Palma.
VOZES DA ÓPERA ITALIANA
No âmbito do catálogo EMI Classics, acaba de publicarse a colectânea "Voices of Italian Opera", uma caixa com
um total de cinco CDs.
Mais de quatro dezenas de cantores imortais interpretam outros tantos temas de entre os mais emblemáticos da ópera italiana, gravados no século XX.
Os melómanos poderão encontrar ali as vozes de,
entre outros, Carlo Bergonzi, Montserrat Caballé, Maria
Callas, José Carreras, Enrico Caruso, Beniamino Gigli,
Tito Gobbi, Alfredo Kraus, Mario del Monaco…n
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Boavida|No Palco
De “O Grande Salão” à 'lição' de Timão…
Facebook, a rede social mais famosa e utilizada no mundo, é o ponto de partida para a encenação de "O
Grande Salão", com estreia marcada para 19 do corrente no Teatro Municipal de São Luiz.
Patrícia Carreira; Som/luz: Nuno Barracas; Direcção técnica:
Mafalda Oliveira; Produção: ZDB, Materiais Diversos
"A MÃE", DE TREMBLAY…
Maria Mesquita
I
maginemos uma sala de "chat"… uma das actuais
janelas dialogantes da Net, mas em vez de funcionar
por um computador, ser mesmo uma sala, grande,
com várias pessoas, muitas pessoas, todas diferentes
e todas iguais. Cada uma com os seus ideais, maneira de
ser e interesses próprios, falando de futebol, música,
política, dos filhos, dos cães e gatos, revelando façanhas
ou inventando uma vida que, simplesmente, não é real.
Esta é a história de "O Grande Salão", um local que se
espera complexo e ao mesmo tempo supérfluo, onde todos
querem saber da vida uns dos outros, mas depois dizem
que não, que existe uma grande falta de privacidade e que
as pessoas se expõem cada vez mais. Será acima de tudo
um espaço de lazer, onde se pode dizer tudo, expressar
qualquer coisa, tanto como forma de declaração universal
de felicidade, como de pena e purga. Um espaço onde se
fala, sobretudo, da vida neste planeta, mas à escala
humana e instantânea.
"Pelo prazer de a voltar a ver" é a peça em cena no Teatro
Aberto até 23 de Dezembro. Obra autobiográfica do canadiano Michel Tremblay com várias representações internacionais, a peça é um hino às relações mãe/filho, sem
nos deixar levar pela vaga sensação, um quanto bizarra,
por vezes, do complexo de Édipo. Nesta encenação, as
atenções focam-se sobretudo na mãe do narrador, uma
mulher cheia de vida, provocando risos e lágrimas a todos
os que se encontram na plateia, e a quem está ao lado
dela, evocando a sua presença, em palco. É ela que rouba
a cena, com os seus monólogos e diálogos com o filho, tal
como as nossas mães o fazem quando estão presentes em
qualquer sala. É acima de tudo uma homenagem de amor
a quem nos deu a vida e nos criou.
FICHA TÉCNICA: Autor: Michel Tremblay; Versão, Dramaturgia
e Encenação: Marta Dias; Cenário: Rui Francisco; Figurinos:
Bernardo Monteiro; Realização: Vídeo Nuno Neves; Luz: Tasso
Adamopoulos; Interpretação: Luís Barros e Sílvia Filipe
UMA 'LIÇÃO' EM ALMADA
"Timão de Atenas", de Shakespeare, estreia a 20 de
Dezembro no Teatro Municipal de Almada, regressando
depois em Janeiro, para uma apresentação mais prolongada. É o regresso de Joaquim Benite à encenação com a
história exemplar de um mecenas, homem de bem, generoso, mas ingénuo que constata – ao ver-se arruinado – a
indiferença, e até escárnio, dos outrora beneficiários da
sua generosidade…Timão saberá, no entanto, dar-lhes, aos
falsos 'amigos' (e a todos nós) espectadores a devida lição.
Uma peça didáctica em tempo de sombras e desilusão…
FICHA TÉCNICA: Direcção: Martim Pedroso; Dramaturgia:
Martim Pedroso, Nelson Guerreiro; Co-criação e Interpretação:
FICHA TÉCNICA: Autor: William Shakespeare; Encenação:
Catarina Guerreiro, Chullage, Elmano Sancho, Hugo
Joaquim Benite; Interpretação: Luís Vicente, Marques
Bettencourt, Inês Rosado, Íris Cayatte, João Villas-Boas, Juana
D'Arede, Paulo Matos, Ivo Alexandre, André Gomes, Alberto
Pereira da Silva, Manuel Sá Pessoa, Maria Ana Filipe, Maria
Quaresma, Manuel Mendonça, Miguel Martins, João Farraia,
Stattmiller, Marina Albuquerque, Miguel Damião, Paula Só,
Pedro Walter, Celestino Silva, Teresa Gafeira, Joana
Paulo Duarte Ribeiro, Pedro Castanheira, Sandra Simões,
Francampos, Jeff de Oliveira; Versão dramatúrgica: Yvette K.
Sofia Ferrão, Tânia Leonardo; Assistência à encenação:
Centeno; Cenário: Jean-Guy Lecat.
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Boavida|Cinema em Casa
Do Corvo às crianças de Tóquio...
Três excelentes documentários dominam esta selecção mensal: É na Terra Não é na Lua de Gonçalo
Tocha sobre a ilha do Corvo; Women are Heroes do fotógrafo J.R dedicado à condição feminina e
Oceanos sobre a vida marinha assinado por uma dupla em grande forma. A fechar um grande filme
japonês, baseado num facto real e insólito: Ninguém sabe de Hirokazu Koreeda sobre quatro crianças,
sozinhas, num apartamento em Tóquio. Sérgio Alves
É NA TERRA NÃO É NA LUA
WOMEN ARE HEROES
OCEANOS
NINGUÉM SABE
Documentário longo e origi-
Estreado no final do último
Oceanos é um trabalho docu-
Esta é história de quatro cri-
nal realizado na pequena ilha
Verão, Womens are Heroes é
mental que procura captar a
anças que durante semanas
do Corvo, no arquipélago dos
um filme inovador assente no
realidade dos oceanos numa
viveram sozinhas num
Açores, em
trabalho do fotógrafo J.R, que
perspectiva ambiental.
pequeno apartamento.
pleno Oceano
captou rostos de mulheres
Realizado em autênticos san-
Deixadas pela mãe, ausente por
Atlântico. Olhar
inscritos em painéis nas ruas
tuários marinhos, o filme, pro-
motivos de trabalho numa
fresco assinado
de alguns dos locais mais
duzido pela Disney, é assinado
outra cidade, as crianças procu-
pelo jovem rea-
pobres do mundo. Das favelas
por uma dupla de realizadores,
ram sobreviver, com pouco
lizador Gonçalo
do Rio de Janeiro, passando
Jacques Perrin e Jacques
dinheiro e comida,
Tocha que nos
pelo Quénia e pelas ruas da
Cluzaud, que viajou por mais
sem se fazerem
de 70 locais distintos.
notar no prédio
transporta para o dia-a-dia da
Índia, até ao
população local, os seus
Cambodja, o
Oferecendo uma visão
hábitos e tradições e a difícil
filme é uma
única sobre os mares do pla-
condição insular. Depois da
belíssima
neta, o filme segue a rota das
sua primeira obra, Balaou
homenagem
baleias, acompanha a busca
Drama insólito, eivado de
(2007), Gonçalo Tocha assina
às mulheres.
de alimento das gaivotas,
humanismo, Ninguém Sabe é
agora um filme mais eficaz,
Seleccionado
observa as
um trabalho sensível que abor-
onde vivem. Mas,
a sobrevivência
tem um custo …
em forma de registo diário da
para a semana da crítica do
inúmeras
da com rigor o quotidiano
sua passagem pela remota
festival de Cannes de 2010 e
espécies mari-
árduo destes jovens. Inspirado
ilha açoriana. Com um olhar
com uma passagem tímida
nhas e deixa
num facto real – que ficou co-
atento, o realizador recorre à
pelas salas nacionais, o filme
um retrato
nhecido como o "caso das qua-
voz off para fazer avançar a
é o resultado do material fil-
completo da
tro crianças abandonadas de
narrativa, bem como a
mado enquanto o autor
vida dos
Nishi-Sugamo, em 1988 – e
fotografias antigas da ilha
fotografava e entrevistava as
mares.
assinado pelo realizador
para ajudar a compreender a
mulheres nos diferentes
Vencedor do César para me-
nipónico, Hirokazu Koreeda, é
evolução desta ilha única.
locais por onde passou. Nas
lhor documentário em 2011, e
um filme belíssimo que conta
TÍTULO ORIGINAL:
palavras sábias foi uma tenta-
nomeado para outros
com um elenco de jovens
É na Terra
não é na Lua; REALIZADOR:
tiva de "captar a essência da
prémios, o filme é o resultado
actores competente num regis-
Gonçalo Tocha;
humanidade" na paisagem
de um apurado e complexo
to impressionante (Yagira Yuya,
Documentário; Portugal,
urbana através de murais com
processo de produção, dadas
que interpreta o mais velho dos
180m, Cor, 2011; EDIÇÃO:
imagens poderosas.
as dificuldades enfrentadas
quatro irmãos, ganhou o
Alambique
TÍTULO ORIGINAL:
pela equipa na rodagem do
Prémio de Melhor Actor em
Cannes). Imperdível!
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Women are
Heroes; REALIZAÇÃO: J.R;
documentário.
Documentário; França, 80m,
TÍTULO ORIGINAL:
Cor, 2011; EDIÇÃO: Leopardo
REALIZAÇÃO:
Filmes
Jacques Cluzaud; Docu-
Koreeda; COM: Yuya Yagira,
mentário; França/Suiça/
Ayu Kitaura, Hiei Kimura;
Espanha, 104m, Cor, 2009;
Japão, 141m, cor, 2004;
EDIÇÃO:
EDIÇÃO: Leopardo
Oceans;
Jacques Perrin e
Zon Lusomundo
TÍTULO ORIGINAL: Dare
mo
Shiranai; REALIZAÇÃO: Hirokazu
Filmes
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Boavida|Grande Ecrã
Modos de ver
Vem aí "O Hobbit", último filme do neo-zelandês Peter Jackson, a insistir, suspeita-se, num modelo
estafado de entretenimento. Valha-nos Haneke e Hitchcock!
Joaquim Diabinho
N
ão valerá a pena chover no molhado, isto é,
lamentar que as opções de Jackson tenham
sucumbido a uma visão pós-moderna que vê
no recurso sistemático às imagens computorizadas o meio por excelência para atingir o fim: a criação
de um outro modelo de cinema que sacrifica quase tudo o
resto, como ficou bem patente há anos no híper exibicionismo visual que empestou "King Kong", o "remake" do
célebre clássico de 1933, realizado por Merian Cooper e
Ernest Schoedsack. Seguirá "Hobbit" o mesmo caminho?
Na dúvida, se verá lá mais para o meio do mês.
Conhecida que é a predilecção de Michael Haneke pelo
universo humano e os tempos que vivemos, não surpreenderá de todo o seu particular interesse pelo envelhecimento e a morte que estão no cerne de "Amor", seu último
filme premiado em Cannes este ano. O que é surpreendente é a solidez da sua narrativa, a forma sóbria e ao
mesmo tempo dura e subtilmente comovente como
Haneke põe em cena o drama de um casal de octogenários
– George e Anne, professores de música clássica – desencadeado pela enfermidade de um deles, a proximidade
inexorável do sofrimento e da morte. O que surpreende
ainda é o modo como Haneke nos dá a ver – em planos
sequência captados praticamente num único décor – o
mundo dos personagens, George e Anne. E, se olharmos
bem, bem no fundo, "Amor" reflecte uma visão de muito
daquilo que também sabemos serem pedaços da nossa
realidade.
E que dizer do regresso, este mês, às salas de "Vertigo –
A Mulher que Viveu Duas Vezes", eleito este ano o melhor
filme de todos os tempos pela revista de cinema britânica
Sight & Sound? Antes do mais, que os filmes de
Hitchcock não envelhecem, pelo contrário continuam a
causar um permanente e invulgar interesse, – não apenas
pelas histórias mas fundamentalmente pela forma como
elas nos são contadas – que não cessa de mexer com o
espectador mais exigente. Isto quer dizer também que a
totalidade da obra de Alfred Hitchcock permanece viva, e bem –, para além dos tempos. De modo que, ao rever
"Vertigo", em cópia restaurada (obrigado, Midas Filmes), o
público cinéfilo de hoje vai ter o enorme privilégio de
olhar/ver um certo cinema do passado e nele descobrir a
força do poder da imagem, com os seus mistérios, sombras e paixões, que nunca mais esquecerá. E isso é belo,
porque não só desejará prolongar esse prazer visual, como
se sentirá tentado a fixá-lo na retina da memória como um
dos grandes momentos, raros e sublimes, da história do
cinema. n
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Boavida|Tempo Informático
Soluções de armazenamento:
Nuvem ou SuperDisco rígido
Quem se lembrar dos tempos em que guardávamos ficheiros em disquetes, entretanto descontinuadas,
e também das Zips e Jazes, com 120, 250 e 1000 megabytes, também hoje obsoletas, à medida que os
ficheiros iam sendo cada vez maiores, depara agora com outros dispositivos e formas para armazenar
aquilo que não quer perder: vídeos, fotografias, backups, etc.
Gil Montalverne
E
[email protected]
tudo isso ocupa cada vez mais espaço. E tudo
isso queremos guardar. Nada queremos perder.
Pois bem. Podemos
fazê-lo.
As empresas aproveitaram as
modernas tecnologias para nos
fornecer dois meios diferentes:
Um em suportes físicos de
grande capacidade e o outro em
suporte virtual, a que foi dado o
nome de "cloud" ou nuvem,
sendo garantido que qualquer
deles é seguro de forma a não
perdermos o que neles
guardamos. Discos externos de grande capacidade estão
fisicamente junto de nós e é possível trabalhar com dois
em paralelo de forma a tudo o que é gravado num seja ao
mesmo tempo gravado no outro (sistemas NAS). A probabilidade de avaria nos dois ao mesmo tempo é quase nula.
O alojamento na "cloud" existe algures em grandes servidores com réplicas espalhadas em diversos locais. Teremos
acesso aos nossos ficheiros onde quer que nos encontremos e com qualquer dispositivo de ligação à Net. A
opção dependerá das nossas preferências: espaço
necessário, facilidade de acesso e respectivos custos. O
espaço na nuvem é gratuito numa variedade de ofertas,
cuja lista indicamos no final desta página, mas sempre
limitado a 5, 7 ou 10 gigas de capacidade. Para mais
espaço, paga-se uma pequena mensalidade. Teoricamente
e fazendo registo em todas elas seria possível ter mais de
100 gigas.
Entretanto a Portugal Telecom anunciou o lançamento
para Dezembro da cloudPT um serviço de cloud storage
que permitirá que todos os portugueses tenham 16 Gb de
espaço na "nuvem" onde poderão armazenar e gerir todos
os seus documentos digitais. Como dissemos a vantagem
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da nuvem é a disponibilidade de acedermos aos nossos
ficheiros em qualquer lugar com qualquer dispositivo
ligado à Net. Para mais espaço e menos acessibilidade,
apenas quando estivermos junto ao disco externo em
casa ou no local para onde o
transportarmos, o que não é
muito cómodo, pagaremos
por um preço que pode
oscilar entre os 250 e 360
Euros. Fabricantes como
Iomega ou a dLink apresentam soluções de dois discos
NAS, para a gravação em
paralelo. O Iomega
StorCenter ix-200 possui
dois discos rígidos que trabalham em conjunto. Existe nas configurações de 1T, 2T
e 4T sendo essa a soma da capacidade de armazenamento dos dois discos. Possui também uma porta de rede
gigabit, uma porta USB e o transformador de energia. O
novo D-Link Cloud NAS DNS 320L tem dois discos de 1
Terabyte mas podem ser instalados 2 discos de 3
Terabytes. Ligado ao router oferece a funcionalidade
Cloud da dLink para acesso e sincronização remota. n
Procurar no Google por "free cloud storage"( Skydrive,
Google drive, DropBox, Media Drive, Symform, etc)
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Boavida|Ao volante
Novo Peugeot 208
O despertar dos sentidos
À semelhança das evoluções a que assistimos nos produtos tecnológicos do dia-a-dia,
o novo modelo 208 da Peugeot marca um verdadeiro salto de gerações.
Carlos Blanco
C
ompacto, ágil e eficiente, o 208 está à frente do
seu tempo. A sua ergonomia e o seu espírito
intuitivo projectam-no sempre para mais modernidade. Encarnação de uma regeneração
desejada pela marca do leão, sob todos os ângulos, o novo
208 concretiza e sublima os novos códigos estéticos da
marca e suscita instantaneamente a emoção. Grelha flutuante, assinatura luminosa, faróis traseiros em boomerang,
cada detalhe foi desenhado em total coerência. Com linhas
esculpidas e atléticas, simultaneamente puro e sofisticado,
o seu estilo projecta a marca francesa para uma modernidade renovada e sedutora.
O interior do novo 208 desmultiplica a promessa de
inovação do estilo exterior. O seu design apurado e definitivamente contemporâneo reflecte-se num habitáculo original e moderno, que alia conforto, elegância e tecnologia.
Com o seu posto de condução intuitivo e uma habitabilidade generosa, a vida a bordo do 208 proporciona um sentimento de bem-estar imediato.
Com o 208, a ergonomia do interior foi inteiramente
repensada e simplificada. O painel de bordo integra um
Touch Screen que está posicionado de forma ideal ao
alcance dos nossos dedos. A partir do nível Active, o condutor tem acesso às diversas funções (rádio, kit mãos
livres Bluetooch, leitura de ficheiros de música através da
ligação USB ou em streaming áudio). Conectividade e
espírito intuitivo enraízam assim o 208 no seu tempo e
reforçam a ligação íntima e natural entre o automóvel e o
seu condutor.
Com a aplicação Peugeot Connect Apps, o 208 propõe
ainda uma chave 3G dedicada a cada condutor com GPS
integrado. Mediante pagamento de uma mensalidade, os
ocupantes do 208 têm acesso à Internet a partir do seu
veículo através de um abrangente portal multi-serviços e
aplicações práticas e seguras que simplificam o dia-a-dia.
Informações de trânsito ViaMichelin, estado dos estacionamentos mais próximos, estações de serviço mais
baratas, meteorologia, guias Michelin, função de roadbook,
call center da Peugeot, enfim toda uma panóplia que
disponibiliza uma oferta rica de serviços conectados.
O novo 208 conseguiu a façanha de ser compacto
aumentando a sua habitabilidade, com espaço nos lugares
traseiros e um porta-bagagens mais generoso, aliado a um
rendimento a nível da arquitectura muito optimizado. O
tecto panorâmico (opcional) em vidro desmultiplica a sensação de espaço e contribui para o bem-estar dos passageiros.
O 208 que ensaiámos proporciona uma regeneração da
experiência de condução. Incorpora as noções de agilidade e de eficiência. Para uma redução máxima do peso
do veículo, foi levada a cabo uma verdadeira "caça ao
excesso de peso", para gerar, de uma forma global, uma
"espiral virtuosa", em benefício do domínio do consumo,
das emissões de CO2, da segurança passiva e dos desempenhos do automóvel.
No que respeita a motorizações, a nova geração de
motores de três cilindros (diesel e gasolina) permite obter
uma verdadeira melhoria em termos de consumo e de
emissões de CO2, proporcionando ao mesmo tempo um
bom nível de desempenho. As versões de 1.0 e 1.2 VTi
permitem ao 208 propor versões a gasolina com emissões
de CO2 de 99g/km e de 104g/km. As suas potências variam entre os 68 e os 115 cavalos.
Os preços do novo Peugeot 208 em Portugal (disponível em versões de 3 e 5 portas) variam entre os 12.700
euros e os 21.550 euros. n
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Boavida|Saúde
Pneumonias adquiridas
na comunidade
Os sintomas – tosse, febre, expectoração e dores musculares que não cedem, ou se agravam, com o
tratamento habitual da gripe – devem alertar-nos para a eventualidade de estarmos perante uma
pneumonia. Neste caso, é necessário que o doente seja rapidamente observado pelo médico.
M. Augusta Drago
O
medicofamí[email protected]
doente com pneumonia tem dificuldade em
respirar, porque os seus pulmões estão inflamados e infectados. Os líquidos retidos nos
alvéolos pulmonares impedem que se realizem
as trocas gasosas que aí têm normalmente lugar. A respiração é difícil e a baixa na concentração de oxigénio em
circulação provoca a sensação de falta de ar, cianose
(lábios e unhas roxas), o doente tem tosse com expectoração abundante, dor torácica acutilante quando inspira e
a temperatura sobe causando suores e calafrios.
A pneumonia adquirida na comunidade, no inverno,
durante os surtos de gripe, é uma doença aguda, causada
por bactérias claramente identificadas e para as quais há
tratamento. No entanto, não deixa de ser uma grande preocupação para os profissionais de saúde, pois é a primeira
causa de internamento hospitalar entre a população mais
idosa e também a responsável por um número significativo de óbitos que aumenta com a idade dos doentes e com
a presença de patologias crónicas, frequentes nestes grupos etários.
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As pneumonias no idoso institucionalizado são quatro
vezes mais frequentes do que no idoso a viver na comunidade. Neste grupo etário, esta doença pode apresentarse com sintomas diferentes do adulto jovem. Os idosos
muitas vezes queixam-se de falta de apetite, prostração e,
com frequência, de alterações do estado mental.
O risco de pneumonia no idoso aumenta na presença
de desnutrição, tabagismo, doença respiratória crónica
(bronquite, asma, enfisema, etc.), insuficiência cardíaca,
insuficiência renal, diabetes, doença psiquiátrica e todas
as doenças debilitantes ou malignas.
Os agentes responsáveis pela pneumonia tanto podem
ser vírus como bactérias ou fungos. No entanto, as
infecções por bactérias são as mais frequentes. A maior
parte das bactérias que causam pneumonia são habitantes
usuais das nossas vias respiratórias. Mantêm-se inofensivas, enquanto o sistema imunitário do seu hospedeiro se
encontrar íntegro, mas no momento em que este fica
debilitado as bactérias potencialmente patogénicas ganham força, multiplicam-se e difundem-se pelo organismo, causando a pneumonia.
A pneumonia tem tratamento e este depende do agente
ou agentes patogénicos que estão na sua origem. Quanto
mais precocemente se iniciar o tratamento, melhor será o
prognóstico. Mas, como sempre, o melhor tratamento é a
prevenção e esta reveste-se da maior importância, dada a
gravidade destas infecções em especial naquele grupo de
pessoas, acima referidas, com maior risco.
Duma maneira geral, a prevenção deve ser feita a
partir dos 50 anos com a vacinação anual
contra a gripe. Para as pessoas com
mais de 65 anos deve juntar a essa a
vacina contra o pneumococo e não
esquecer os cuidados globais de saúde,
como a higiene oral, o posicionamento
correcto na cama, o controlo das
doenças crónicas, a conservação da
mobilidade, uma alimentação saudável
e o apoio familiar.n
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Boavida|Palavras da Lei
Doação com reserva de usufruto
em Inventário – Conferência
de Interessados
?
Uma tia minha, mulher de muitas posses e bens, fez-me
uma doação sob reserva de usufruto, devidamente
registada, sobre um seu imóvel até ao seu falecimento. A
minha tia faleceu, o meu tio casou de novo e, passados alguns
anos, faleceu. A sua viúva abriu Inventário e apresentou como
único bem na relação o imóvel sobre o qual recaia a doação
com reserva de usufruto. Reclamámos da relação de bens
apresentada, juntando registos que provavam a existência de
outros bens; no entanto, o advogado que nos representava, em
sede de conferência de interessados declarou que prescindia
da nossa reclamação. Nos autos ficou como único bem a
minha casa; pedi ao tribunal para aceitar de novo a
reclamação, o que me foi recusado.
Pode-se requerer a redução por inoficiosidade na parte da
casa, ou unicamente sobre o usufruto? E posso pedir
responsabilidades à advogada que prescindiu da reclamação,
apesar de estar com os documentos em causa?
Sócio devidamente identificado - Porto.
Pedro Baptista-Bastos
A
nalisando esta situação do nosso sócio, comecemos pela estranha decisão de, em sede de conferência de interessados, a minha colega ter prescindido da reclamação.
O nº 1 do artigo 1352º do Código de Processo Civil determina que: "resolvidas as questões suscitadas susceptíveis de
influir na partilha e determinados os bens a partilhar…" o
que significa que o juiz já deveria ter nos autos a oposição
por vós aduzida, bem como os registos dos outros bens
imóveis e/ou de crédito de acordo com o artigo 1343º do
C.P.C., quanto mais não fosse para dar cumprimento ao nº 3
do artigo 1353º do C.P.C, que nos diz que, em conferência de
interessados, o Juiz delibera sobre a "... forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança." Tivesse
ou não havido oposição tempestivamente apresentada no
prazo legal, a minha colega poderia, durante a conferência
de interessados, ter apresentado "quaisquer questões cuja
resolução possa influir na partilha", nos termos da alínea b)
do nº 4 do artigo 1353º do C.P.C., isto é, suscitado oficiosaJOSÉ ALVES
mente a junção dos documentos que determinariam a
existência doutros bens em questão.
Logo, deveria ter havido não só oposição ao inventário
assim como, durante a conferência, a apresentação de qualquer facto ou prova susceptível de influenciar, determinar e
resolver que bens entrariam na partilha, os documentos
referidos que determinariam não só a existência de outros
bens, assim como a prova pleníssima da existência da
doação sob reserva de usufruto sobre o imóvel.
Por isso, aconselho-o a ir ao Tribunal requerer certidão do
auto da conferência de interessados, de modo a verificar o
porquê da minha colega ter prescindido da reclamação.
Munido desse documento, pode exigir explicações à minha
colega e, se não ficar satisfeito, apresentar queixa ao
Conselho Distrital da Ordem dos Advogados da área.
A questão da redução por inoficiosidade da doação recai
sobre o lado da viúva; reduzir por inoficiosidade uma
doação é uma acto que defende quaisquer excessos que
afectem o montante da quota disponível que cabe a um
herdeiro legitimário, e ela vai, com certeza, requerer nos
autos a redução da doação efectuada sobre o único imóvel
que falsamente arrolou.
Daí que a questão final seja: como poderemos defender o
nosso sócio? Pode defender-se já nos termos do nº 2 do artigo 1365º, opondo-se à redução como donatário e fazendo ver
ao Tribunal que existem outros bens em causa; vai ser notificado para se opor antes das licitações sobre o imóvel. Além
disso, quer nos momentos processuais descritos no nº 2 do
artigo 1373º do C.P.C., e especialmente no nº 1 do artigo
1388º do C.P.C., pode o nosso sócio defender-se requerendo
a anulação da partilha, demonstrando que a viúva, sabendo
da existência de outros bens, ocultou-os com dolo e má fé.
No entanto, para agir adequada e rapidamente e saber em
pormenor o momento processual destes autos, aconselho-o a
entrar em contacto com outro advogado. n
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ClubeTempoLivre > Passatempos
Palavras Cruzadas | por José Lattas
VERTICAIS: 1-Moderados; Freguesia do concelho de Vila Real de
Santo António. 2-Prefixo que se emprega quando o radical começa
por b ou p; Elemento de composição que traduz a ideia de ombro;
Medida agrária; Analogia. 3-Consentimento; Certa. 4-Apelido; Barco
de pesca usado na zona de Setúbal. 5-Desaba; Bajula; Calor. 6-Planta
de onde se extrai um suco resinoso e amargo, que se utiliza em
medicina; Medida de tempo que corresponde à revolução da Terra
em torno do Sol; Chupe. 7-Nome feminino; Brotar. 8-Apelo; Lisonja.
9-Após; Galga (invertido). 10-Apelido; Serviços secretos de informação e espionagem dos Estados Unidos; Escutei. 11-Preposição;
Abastada; Vício. 12-Engenhos; Agrava. 13-Queima; Janota. 14Preposição; Marchará (invertido); Dono; Níquel (s.q.). 15-Escapavas;
Contusão (pl.).
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SOLUÇÕES
(Todas as letras nas HORIZONTAIS) 1-PIA; CAPTARA; ZEF. 2-AM;
VALA; TETA; MU. 3-R; AEIOU; RIERA; G. 4-COMI; ELVAS; TRAÍ. 5OMEGA; AOS; FEDRA. 6-SOMADA; Z; CASEIS. 7-UNO; TIR. 8-CAVALO; M; ATOLAM. 9-AREIA; GEO; ÂNIMO. 10-CERA; MELÃO; EROS
11-E: ALIAR; LUCRO; S. 12-LA; ARMA; AVIA; NA. 13-ARO;
AERÓBIO; LIS.
HORIZONTAIS: 1-Lavabo; Adquirira; Cidade onde esteve cativo D.
Fernando, após o desastre de Tanger, em 1437 (invertido). 2-Antes do
meio-dia (sigla); Fosso; Seio; Macho. 3-As primeiras letras ou rudimentos de qualquer arte ou técnica; Apelido do treinador chileno, que
em Portugal, treinou as equipas do Belenenses, do Benfica, do Porto e
do Sporting. 4-Manjei; Concelho do distrito de Portalegre; Apunhalei.
5-Fim; Preposição e artigo (pl.); Personagem de drama de Eurípides. 6Acumulada; Concilieis. 7-Singular; Transportes internacionais rodoviários (sigla). 8-Mamífero da família dos Equídeos; Enlodam. 9-Praia;
Prefixo de origem grega, que expressa a ideia de terra; Firmeza. 10Mandriice; Fruto com polpa suculenta, doce, branca ou amarelada;
Deus do amor, na mitologia grega. 11-Federar; Benefício. 12-Nota
musical; Meio; Despacha; Sódio (s.q.). 13-Circulo; Que tem necessidade de ar ou oxigénio livre, para viver; Rio que banha Leiria.
1
Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos
N.º 43
Preencha a grelha com os
algarismos de 1 a 9 sem
que nenhum deles se
repita em cada linha,
coluna ou quadrado
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SOLUÇÕES
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O Tempo e as palavras
M a r i a A l i c e Vi l a Fa b i ã o
Lamento por uma língua vexada
[…] E era uma vez um mar e em seus/ pergaminhos de esmeralda / os reis e os pontífices lavraram / a escritura das
ilhas, das antilhas / dos continentes com seus promontórios e seus vales. / […] Mar Oceano de Dionisios e do Infante
/ no fim do mar sem fim. / […] E os cavaleiros do mar galopam as águas / no sertão do mar […] E navegam o espaço
/ para onde? / E navegam o tempo / para quando? E navegam a espuma /para quê? […]
Nas espumas do mar só eu leio agora / seus nomes esquecidos / e celebro seus nomes marinheiros.[…]
Gerardo Mello Mourão, in: Invenção do Mar, Carmen Saeculare, Ed. Record, Rio de Janeiro, 1997
É
tempo de partida. Nervosas, as velas, pandas já, estremecem no vento na ânsia de zarpar. Gemem as enxárcias, retesadas pelo esforço de firmarem os altos mastros e os mastaréus, e os madeirames do bojo – pino
verde dos verdes pinos do rei Dinis – rangem suavemente sob
a carícia húmida da língua desse enganoso mar de beira-cais.
O mar. Mar Oceano. Mar nosso. Universo abissal devorador de homens e embarcações, morada do Leviatão, com
quem coabitam os monstros que ilustram as cartas de marear
dos imaginativos cartógrafos holandeses.
De Cristóforo Colombo, soubera ter visto três sereias a saltar bem alto no mar, tão feias, porém, com suas caras de
homem, que nem necessitara da ajuda divina para lhes resistir como Ulisses. Por Pero Roiz Soares, tivera notícia de “um
peixe que seu comprimento podia ser até dez léguas das de
Holanda” e cujos olhos distavam quase uma légua um do
outro e tinham cinquenta pés de diâmetro. Viera morrer à
praia, sufocado com uma ilha que engolira, à míngua de alimento. Quando se desfizera aquele corpo monstruoso e a ilha
se separara dele, vira-se que os seus habitantes se encontravam gelados nos matos de que ela estava coberta. No seu ventre, tinha ainda uma embarcação inteira e muitos pedaços de
outras, talvez perdidas em algum naufrágio.
De outros monstros assim ouvira relatos, de fenómenos
estranhos, como a de uma luz fantasmagórica que em noites
de tempestade se acendia no alto da mastreação, a que
davam o nome de Fogo de São Telmo, e de outros cuja lembrança o faz benzer-se três vezes, invocando o auxílio de S.
Jorge e S. Telmo, tactear com a mão direita e relíquia que a
mãe lhe pendurara ao pescoço e com a esquerda, o saquinho
com o poderoso pó de sapo virgem, que, a ocultas, lhe dera
a velha ama.
Como tantos outros antes dele e muito outros depois dele,
acompanha a expedição como língua, turgimão ou jurabaça
(do malaio jurubahasa), intérprete, co-artífice de vaga
expansionista como de outra jamais se falou, e fá-lo encap-
sulado nos seus medos, nas suas crenças e nas suas superstições.
A sua presença é indispensável para o êxito das missões; à
sua competência nas línguas autóctones se deve a implantação
do português, como língua franca onde quer que chegue. Não
obstante, semi-deus na Grécia antiga pela sua capacidade de
mediador linguístico, capaz de múltiplas tarefas simultâneas
(intérprete, assistente de governadores e de juízes, administrativo), não lhe é poupado qualquer dos sofrimentos do mais
humilde dos marinheiros da frota.
Por isso, no momento da partida, ele olha o mar e treme.
No ano da graça de 2012, tradutora de profissão, ainda que
não intérprete, preparo-me para escutar a estrangeira que das
germânicas paragens vem trazer-nos as missangas, os espelhos e as palavras de salvação, como, in illo tempore, os nossos álvares e tantos outros dos nossos levaram a outras gentes primitivas em terras ignotas. Deve ter-se enganado,
porém, na rota, a teutónica senhora, ou desconhecer (ela ou
os seus serviços diplomáticos – aterroriza-me a sugestão do
Mostrengo de que possam ter sido os nossos…) que é visita
de um país com uma língua soberana, talvez sombria como a
fome, mas com uma articulação própria, uma musicalidade
própria, toda em clave de Fá em quarta linha, porque é muito
diferente aqueloutra, sua filha, quente e luminosa, porém,
como o sol dos trópicos, gerada em duros trabalhos pelos
nossos cavaleiros do mar, em que a descuidosamente escolhida intérprete nos transmite as suas boas novas e nos fere o
legítimo orgulho na nossa língua vexada.
No país vizinho, eurocrata demasiado importante para
falar a sua língua, prefere, mais uma vez, afirmar-se num
fluente espanhol involuntariamente entremeado de envergonhadas palavras portuguesas… Por isso, oiço e tremo.
Quem defenderá a desprezada língua que os nossos línguas deram ao Mundo e por que os nossos cavaleiros do mar
deram a vida?
Feliz Natal, Senhoras e Senhores Leitores! n
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Os contos do
O homem de luto
À
porta lateral da igreja, a que dá acesso
às capelas mortuárias, o primeiro
encontro de quem chegava era com
os fumadores. Ao que dizem os médicos e as estatísticas, estão estes entre os primeiros
a transitar para o lugar central da reunião fúnebre
designada por velório. Silêncios, rostos fechados,
aqui e além conversas sobre as virtudes do falecido ou, mais amplas, acerca da triste inevitabilidade da morte.
Em ajuntamentos tais, no entanto, sobrevivem
outras preocupações e programas que suspendem a vénia a quem é riscado do número dos
vivos. Há olhares para os relógios, a medir o
tempo para se apresentar num jantar festivo,
outras cuidando de chegar a casa a horas de
assistir à transmissão de um jogo de futebol.
Uma mulher de vestido amarelo destoava um
pouco da mancha predominantemente escura
que assinalava a entrada. Destoava também pelas
risadinhas, de todo inadequadas na circunstância, com que sacudia conversas brandas. Alguém
comentou, ouvindo-a, que ela tinha sido namorada do morto na distante época da faculdade. E
lembrou, como nesses tempos, sim, eram naturais os risos e folguedos, mais não fosse pela
essencial alegria agora perdida pelo homenageado – alegria de viver.
Não era a mulher de amarelo, contudo, quem
despertava a maior curiosidade. Essa, apontava a
um homem vestido de luto total, dos sapatos ao
fato e à gravata. Todo de negro.
– Não sei. Mas para tão rigoroso luto será familiar, talvez residente em terra distante.
Passeando-se sozinho pelo pátio fronteiro, o
homem puxava fumaça e ia espreitando quem
chegava para, lépido, expressar a mágoa pelo
falecimento. Acontece que entre o vasto número
de amizades do extinto se encontrava gente a
quem se dá o mal pensado nome de figuras públicas. Então, o homem de preto aproximava-se,
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estendia ambas as mãos prendendo nelas a do
recém-chegado, e dizia, magoadamente:
– Que perda! Que perda!
Alguns o abraçavam, sem palavras, uma cantora famosa foi mais longe:
– Imagino a sua dor. Todos estamos chocados
por esta notícia horrível.
E o homem:
– Que perda! Que perda!
Entrou na capela e olhou a viúva, enrolada
com a filha num abraço de desgosto e de encorajamento para o suportar. Junto à urna, perfilado
como em sentido, um senhor alto permanece de
olhos fechados, dir-se-ia que recordava episódios
partilhados com quem se despedira do mundo
dos vivos.
Deveria ser alguém importante, deduziu o
homem de luto total, pois a ele se dirigiam outras
figuras importantes. E assim discorrendo, aproximou-se também ele abordou a figura hirta e
disse:
– Que perda! Que perda!
Com o tempo, a capela regurgitava de gente e
tanta gente pesarosa adensava a tristeza do
momento. Crescia, também, a cobertura de flores
colocadas junto à urna, como salpicos de festa de
um adeus definitivo.
O homem de luto completo voltara à rua, juntando-se aos pequenos grupos de fumadores ou,
simplesmente, dos que ali recordavam obras ou
qualidades humanas do agora inexistente. Viu
uma senhora a limpar ao lenço os olhos humedecidos e de pronto se aproximou a afirmar como a
entendia:
– Que perda! Que perda!
Puxou pelo maço de cigarros e afastou-se um
pouco quando um jovem o abordou, pedindo:
– O senhor desculpe o atrevimento, mas
importava-se de me dar um cigarro? Raramente
fumo, mas em alturas destas parece que um cigarro ajuda a suportar.
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– Ora essa – disse o senhor de luto perfeito
estendendo o pacote de cigarros. E logo acrescentou:
– Que perda! Que perda!
– Se há pessoas que deviam viver para sempre, o meu tio era uma delas – disse o rapaz.
– Ai era sobrinho? Bem compreendo. Mas
nem era necessário pertencer à família para pensar o mesmo. Que perda! Que perda!
Ainda esboçou o rapaz uma interrogação,
sobre quem era e de onde vinha aquele senhor
tão de luto, nunca o vira nas reuniões familiares
ou de companhias mais próximas. Desistiu,
porém, de prosseguir a conversa e foi sentar-se na
borda de um canteiro a saborear o fumo.
Levantou-se, de pronto, ao ver chegar o presidente da câmara, de quem recebeu condolências, tal
como as recebeu o próprio homem totalmente de
preto que correria a aproximar-se. Embora não o
conhecesse, o presidente da câmara não foi
JOSÉ ALVES
insensível ao trajar lutuoso do homem e apertouo num abraço.
– Que perda, senhor presidente! Que perda!
–Disse ele.
Choram-se os mortos mas é importante que os
vivos se tratem e na hora sacramental do jantar
foi-se esvaziando o templo. Em certo momento,
junto à urna, o homem esmeradamente de preto
notou apenas a figura quebrada da viúva com a
filha por companhia. Em respeitosos passos se
lhe acercou então e, de joelho em terra, seguroulhe as mãos e disse, em voz ainda mais magoada:
– Que perda! Que perda!
Respondeu a senhora com um choroso "obrigada" e o homem continuou a prendê-la pelas
mãos. E acrescentou:
– Sei que não é a melhor altura, mas o senhor
doutor devia-me uns dinheiros. Não se preocupe
agora, temos tempo. Depois do funeral, com sua
licença, irei visitá-la. n
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Crónica
António
Costa Santos
Um Ano Novo assim-assim
O
ano de 2012 ficará na História, entre
outras razões, porque houve quem
esperasse que ele trouxesse o fim do
mundo, segundo os intérpretes mais
competentes do calendário dos maias. Caso a
profecia se cumprisse, acabava-se a própria
História. Portanto, 2012 safou-se à tangente de
nunca mais ser recordado. Nem ele, nem ano
nenhum. Devemos estar contentes por isso, se
bem que os observadores portugueses mais cínicos afirmem que teria sido melhor que a profecia
maia se cumprisse, uma vez que 2012 é para
esquecer e 2013 será de susto. Mas isso são os críticos, uns pessimistas e exagerados.
Ao contrário dos profetas da desgraça, temos
provas do que afirmamos. E a melhor prova de
que o mundo não acabou é termos chegado a
imprimir esta crónica. Fôssemos acreditar na profecia e nem escrevê-la, quanto mais publicá-la.
Agora, o próprio leitor pode fazer o teste. Basta
guardar a revista até ao fim do mês e experimentar reler a presente crónica, digamos, no dia de
Natal, quando a consoada terminar e já não houver mais nada para fazer. Uma consoada em que
se divide meia posta de bacalhau e três batatas
por seis parentes come-se num foguete e as
crianças, como ficaram a chuchar no dedo no que
toca a presentes, vão querer deitar-se cedo para
irem experimentar de manhã os brinquedos do
chinês, antes que estes deixem de funcionar
como é costume.
O Pai Natal devia estar sem bateria e não leu
as SMS que lhe enviaram (os miúdos já não
escrevem cartas, mandam mensagens, ou deixam
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os pedidos no voice mail e, se por acaso se portaram mal, esperam que o Pai Natal não tenha
Facebook e, portanto, não haja visto as fotografias
que foram publicando: "O Zezinho a gozar com a
profa LOL"; "Eu a dar banho ao gato da minha
irmã e a ela LOL"). Por isso, não houve prendas
de jeito. Ou então foi porque o velhinho das barbas, emigrante na Lapónia, afinal é português e
não recebeu o décimo terceiro. Mas não falemos
de coisas tristes, neste mês da Popota, da paz e da
alegria.
P
ronto, como estávamos a dizer, se o leitor reler esta página nessa altura, é porque a vida humana não se extinguiu e
prossegue em 2013, ao contrário de
quatro feriadinhos, pois, devendo por isso ficar
agradecido à sorte.
É certo que o IRS do próximo ano vai ir-nos ao
bolso muito acima das nossas possibilidades; é
verdade que o desemprego vai aumentar mais do
que os subsídios e que qualquer dia um emprego
será o primeiro prémio do Totoloto e mesmo
assim só em semana de jackpot; é provável que
tenha de entregar a casa ao fisco, por conta do
IMI, e ir viver com a família para um campo de
refugiados no Iraque ou no Líbano – há sempre
sítios onde a vida é mais fácil que em Portugal,
basta que não ande por lá a troika –, mas, vendo
bem, o que é isso comparado com o fim do
mundo anunciado pelos maias?
Vá, um Natal Mais ou Menos para todos e um
2013 Assim-Assim, pelo menos. São os meus
votos – e não são em branco. n
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