Universidade Federal do Ceará
Faculdade de Direito
Programa de Pós-Graduação em Direito
Curso de Mestrado em Direito
Área de Concentração em Ordem Jurídica Constitucional
A penhora on line e o direito à tutela jurisdicional efetiva
Andrea Joffily Parahyba
Fortaleza
2011
Andrea Joffily Parahyba
A penhora on line e o direito à tutela jurisdicional efetiva
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Ceará para obtenção do
grau de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana
Fortaleza
Agosto – 2011
2
© Universidade Federal do Ceará
Biblioteca da Faculdade de Direito
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Camila Morais de Freitas CRB -3/1013
P222p Parahyba, Andrea Joffily
A penhora on line e o direito à tutela jurisdicional efetiva / Andrea
Joffily Parahyba. – Fortaleza: 2011.
150 p.
Orientador: Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana.
Área de Concentração: Direito Constitucional.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Ceará,
Faculdade de Direito, Fortaleza, 2011.
1. Tutela jurisdicional - Brasil. 2. Execuções (Direito) - Brasil. 3.
Penhora (Direito) - Brasil. 4. Processo civil – Brasil. I. Viana, Juvêncio
Vasconcelos (orient.). II. Universidade Federal do Ceará - Mestrado em
Direito. III.Título.
CDD 347.9
Dedico esta dissertação àqueles que, mesmo pelo
modo mais sutil, participaram desta empreitada, em
especial, à minha família, Batista, mamãe, papai,
Yvan Neto, Claudinha e Floyd.
AGRADECIMENTOS
O trabalho científico exige dedicação, tempo e compromisso para que surta os efeitos
dele esperados no mundo acadêmico. Durante o período em que é elaborado, passa-se por
muitas renúncias, vivenciam-se ansiedades e superam-se vários obstáculos. Com efeito, ciente
de que somente pela intercessão divina podemos enfrentar os conflitos da vida, é a Deus que,
em primeiro lugar, devo minha maior gratidão.
Agradeço ao meu esposo, João Batista, que me fez compreender que o amor é a maior
força que impulsiona o ser humano. Agradeço a ele também pelos incentivos e por nunca
permitir que eu desista dos meus sonhos.
Ao meu pai, Yvan, por me ensinar que o mais importante em uma pessoa está no seu
ser, e não no ter. Ainda, por instruir que a felicidade e satisfação interiores só dependem de
nós mesmos, independentemente de qualquer fator externo. À minha mãe Marília, pela
serenidade, paciência, solidariedade e disponibilidade de ouvir todas as angústias, choros e
decepções que me visitaram durante o período do mestrado e os anos a ele anteriores. Por
compartilhar os momentos de alegria, a sensação das conquistas e o prazer do sucesso.
Aos meus irmãos Yvan Neto e Claudinha, pelo companheirismo e amizade de sempre e
por me darem a certeza de que a família é o que há de mais precioso neste mundo.
Agradeço ao Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará,
em especial ao Prof. Dr. João Luís Nogueira Matias, nosso Coordenador, pelo empenho e
dedicação ao curso, e a Marilene, pela atenção e carinho com todos os alunos.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana, pelos seminários realizados
em sua disciplina, que muito contribuíram para meu aperfeiçoamento profissional e
acadêmico.
A Prof. Dra. Denise Lucena Cavalcante, que prontamente se dispôs a compor a banca
examinadora. Os debates em sala de aula e em seu local de trabalho auxiliaram bastante no
desenvolvimento do tema.
Ao Prof. Dr. Samuel Mirada Arruda, que gentilmente se disponibilizou a participar da
banca avaliadora. Grata pela contribuição que sua obra “O direito fundamental à razoável
duração do processo” proporciona aos estudiosos da efetividade da tutela jurisdicional.
Às colegas e amigas da Procuradoria do Estado, com as quais divido minhas
experiências diárias e que acompanharam esta caminhada desde o início.
“... a verdade não deixa de ser verdade por se não
saber ao certo quem a proferiu, como a folha que
caiu da árvore não receberá contestação de sua
queda por não se conhecer a abelha ou o pássaro que
a provocou.”
Irinêo Joffily
RESUMO
A crise de inefetividade da prestação da tutela jurisdicional, mormente no que se refere à
tutela executiva, ensejou significativas modificações no diploma processual civil brasileiro, as
quais redefiniram instrumentos executivos já superados pela ineficácia e que embaraçavam a
obtenção de um resultado efetivo. O objetivo geral desta dissertação é investigar de que modo
o instituto da penhora on line se relaciona com a superação desta crise e, por conseguinte,
com a concretização do direito à tutela jurisdicional. Para tanto, procura-se analisar os
fundamentos constitucionais deste instrumento processual, no contexto dos princípios do
acesso à justiça, da efetividade da tutela jurisdicional e da proporcionalidade. Demais disso,
busca-se a origem do instituto no BACEN JUD, bem como se estuda a constante evolução
deste sistema, sempre com vistas a identificá-lo com a efetividade do processo. Para o
desenvolvimento deste trabalho, é adotada a pesquisa bibliográfica e a jurisprudencial, além
de buscas no site do Banco Central do Brasil e do constante apoio da mesa de suporte desta
autarquia. Volta-se, ainda, a atenção para as normas positivadas, em especial para o Código
de Processo Civil, relacionadas à execução por quantia certa contra devedor solvente e ao ato
judicial da penhora. Ressalta-se a imprescindibilidade de o intérprete e o aplicador do Direito
se utilizarem do princípio da proporcionalidade quando estiverem diante de um conflito entre
os interesses do credor e a menor onerosidade do devedor, com o intuito de harmonizar os
direitos envolvidos e resguardar o conteúdo essencial do direito fundamental restringido. A
penhora on line de valores deve ser interpretada sob o contexto da efetividade da tutela
jurisdicional executiva, evitando-se, desse modo, mecanismos protelatórios durante o trâmite
processual e garantindo a efetivação do acesso à justiça.
Palavras-chave: Tutela jurisdicional executiva. Crise de inefetividade. Penhora on line.
Efetivação.
ABSTRACT
The crisis of ineffectiveness of the judicial review provision, particularly in relation to
executive protection, raised significant changes in the Brazilian civil procedural law, which
redefined instruments executives have overcome the inefficiencies and hindered the
achievement of an effective result. The overall objective of this dissertation is to investigate
how the institute's online attachment relates to overcome this crisis and, therefore, realizing
the right to judicial executive. To do so, seeks to analyze the roots of that constitutional
procedural tool, focusing on the principles of access to justice, the effectiveness of judicial
protection and proportionality. Further, it seeks to institute the origin of the BACEN JUD, as
well as studying the constant evolution of this system, all with a view to identify it with the
effectiveness of the process. To develop this work, we adopted the case law and literature, and
searches on the site of the Central Bank of Brazil and the constant support of the table support
this autarchy. It addresses also the attention to the rules positivists, especially for the Code of
Civil Procedure related to running a certain amount against a solvent debtor and the judicial
act of seizure. We stress the indispensability of the interpreter and enforcer of law if they use
the principle of proportionality when they face a conflict of interest between the creditor and
the lowest burden of the debtor, in order to harmonize the rights involved and to protect the
essence of the right key restricted. The online attachment of values must be interpreted in the
context of judicial review of executive effectiveness, avoiding thus procrastinating
mechanisms for service of process and ensuring effective access to justice.
Keywords: Jurisdictional tutelage executive board. Crisis of improvedin. Attachment online.
Effectivation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 13
2 O MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL............................................ 18
2.1 Acesso à justiça........................................................................................................................ 19
2.1.1 Acepção tradicional do termo e sentido atual...................................................................... 20
2.2 Direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva................................................................... 24
2.2.1 Direito fundamental à tutela executiva................................................................................ 27
2.3 O processo como instrumento de efetivação da tutela jurisdicional....................................... 30
2.4 O princípio da proporcionalidade........................................................................................... 32
2.4.1 Subprincípios da proporcionalidade..................................................................................... 34
3
EXECUÇÃO
POR
QUANTIA
CERTA
CONTRA
DEVEDOR
SOLVENTE.................................................................................................................. .............. 36
3.1 Responsabilidade patrimonial................................................................................................. 39
3.2 Penhora.................................................................................................................................... 43
3.2.1 Conceito............................................................................................................................... 43
3.2.2 Efeitos materiais e processuais da penhora.......................................................................... 45
3.3 Leis nos. 11.232/2005 e 11.382/2006: alterações e inovações no que tange à penhora de
dinheiro......................................................................................................................................... 47
3.3.1 Lei no. 11.232/2005.............................................................................................................. 50
3.3.2 Lei no. 11.382/2006.............................................................................................................. 53
4 PENHORA ON LINE.............................................................................................................. 61
4.1 Terminologia adotada ............................................................................................................. 62
4.2 Bloqueio de valores no CPC e no projeto de NCPC (PLS no. 166/2010).............................. 65
4.3 Sistema BACEN JUD............................................................................................................. 69
4.3.1 Conjuntura anterior ao surgimento do sistema.................................................................... 69
4.3.2 Conceito e funcionalidades.................................................................................................. 72
4.3.3 Breve escorço histórico........................................................................................................ 74
4.3.4 Acesso e funcionamento...................................................................................................... 76
4.3.5 Versões do sistema............................................................................................................... 80
4.3.5.1 BACEN JUD 1.0............................................................................................................... 82
4.3.5.2 BACEN JUD 2.0............................................................................................................... 84
4.4 Constitucionalidade da medida .............................................................................................. 86
4.5 Aplicação da penhora on line: obrigatoriedade ou discricionariedade?.................................. 88
4.5.1 Da expressão “preferencialmente por meio eletrônico”....................................................... 92
5 A PENHORA ON LINE NO CONTEXTO DA EFETIVIDADE........................................ 95
5.1 Bloqueio de valores e princípio da menor onerosidade.......................................................... 95
5.1.1 Paralelo entre os dispositivos legais do CPC: art. 612 x art. 620 x art. 655........................ 98
5.2 Penhora sobre o faturamento de empresa............................................................................... 102
5.2.1 Penhora on line de dinheiro das pessoas jurídicas............................................................... 108
5.3 A penhora on line e o sigilo bancário..................................................................................... 110
5.3.1 Intimidade e vida privada do devedor.................................................................................. 110
5.3.2 Requisição de informações e quebra do sigilo bancário...................................................... 112
5.3.3 Atos atentatórios à dignidade da justiça e dever de cooperação.......................................... 120
5.4 Devido processo legal e penhora on line................................................................................ 124
5.4.1 O princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa............................................ 128
5.4.2 O contraditório na execução civil........................................................................................ 130
5.4.3 Bloqueio de valores por meio eletrônico x contraditório e ampla defesa na
execução........................................................................................................................................ 131
5.4.4 Arresto on line...................................................................................................................... 136
6 CONCLUSÃO.......................................................................................................................... 140
REFERÊNCIAS............................................................................................ ............................. 144
1 INTRODUÇÃO
A crise de inefetividade da prestação da tutela jurisdicional, constatada tanto na fase
de conhecimento quanto na fase executiva, de há muito inquieta e atormenta, não somente os
operadores do Direito, como também os jurisdicionados e a sociedade em geral.
Referida inquietação aflige os magistrados, os quais, não obstante diligenciarem no
sentido de conferir o necessário andamento aos processos e, consequentemente, atribuir-lhes
um fim com a devida entrega da tutela jurisdicional, encontram-se numa crítica situação de
assoberbamento processual.
Desse modo, reféns de uma justiça lenta e morosa, desprovida de aparatos técnicojurídicos aptos a satisfazer a pretensão almejada pelo titular do Direito, os juízes se acham
incapacitados e até desacreditados de si mesmos, visto que incumbidos de uma função para a
qual não conseguem cumprir de maneira eficiente, apesar do esforço empregado, de forma a
não poderem desfrutar da sensação de “dever cumprido”. 1
Os jurisdicionados, por sua vez, são os mais atingidos pelo problema da deficiência na
prestação da tutela jurisdicional. Imbuídos de um completo sentimento de descrédito e
desamparo, muitos não se socorrem do Poder Judiciário para buscar a satisfação do seu
direito; de outro lado, aqueles que procuram uma resposta do Estado, por vezes, não
conseguem obtê-la de maneira célere e hábil a recompor o direito lesado.
Foi com a constatação dessa crise na entrega do provimento jurisdicional que se efetuou
a realização de várias reformas processuais legislativas, no sentido de institucionalizar
mecanismos aptos a concretizar o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. A
inserção de instituto que tutelasse a efetividade na prestação jurisdicional foi igualmente
realizada no âmbito constitucional, por meio da Emenda no. 45/2004, que acrescentou ao rol
dos direitos fundamentais a razoável duração do processo.
Percebeu-se, portanto, que não era suficiente a simples previsão de direitos em leis
materiais ou na Carta Magna, ou seja, a mera positivação dos direitos não se mostrava
1
Piero Calamandrei destaca o árduo papel dos juízes ao lidar com leis que não atendem de maneira efetiva ao
propósito da Constituição: “Pode-se perceber como é difícil a situação do juiz e do jurista diante desse grito de
guerra que parte da própria Constituição contra o ordenamento jurídico ainda em vigência; aqueles devem
aplicar leis desacreditadas pela Constituição, devem manejar com sua lógica para manter de pé um ordenamento
a respeito do qual a Constituição promete a destruição”. CALAMANDREI, Piero. A crise da justiça. Trad.
Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, p.22.
14
bastante a materializá-los, de forma que se fazia necessário o estabelecimento de institutos
capazes de concretizar a declaração desses direitos.
Destarte, não cabe afirmar que existe carência na declaração de direitos por parte da
Constituição Federal; correto seria asseverar que referida carência está relacionada à
efetivação dos direitos previstos na Lei Maior.2
Em verdade, observa-se inefetividade social da norma jurídica que ampara o direito à
tutela jurisdicional. Os efeitos sociais decorrentes desse preceito normativo ainda estão muito
distantes dos propósitos jurídicos que motivaram a previsão do mencionado direito na seara
constitucional.
Seguindo a concepção sociológica de Constituição, cujo principal expoente é Ferdnand
Lassale, os fatores sociais devem influenciar na elaboração dos preceitos constitucionais, sob
pena de a Constituição ser considerada uma simples “folha de papel”. 3
O ordenamento jurídico processual brasileiro não acompanhou, de maneira satisfatória, o
desenvolvimento do direito material, motivo pelo qual a falta de efetividade do processo se
tornou um dos fatores contributivos para acentuar a gravidade da crise de inefetividade. 4
Hodiernamente, percebe-se que o distanciamento entre o Direito material e o Direito
processual configura obstáculo à presteza da tutela jurisdicional. Com efeito, há que coletar
meios que possibilitem a ampliação do acesso à justiça pelos jurisdicionados, entendida a
justiça como obtenção de uma tutela jurisdicional célere e efetiva, sem olvidar do respeito ao
devido processo legal e seus consectários.
2 De acordo com a doutrina de Cruz e Tucci, “de nada valeria a projeção do ideal de definir os direitos
individuais do ser humano – indubitavelmente, uma das mais importantes conquistas do século XVIII, e
segundo o mesmo ensinamento –, se a respectiva declaração não se fizesse provida de meios aptos à sua
realização por uma das atividades do Estado, autônoma e independentemente das demais”. TUCCI, Rogério
Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz. Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias constitucionais
do processo. São Paulo: Saraiva, 1989, p.7.
3
Na visão do autor, “de nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores
reais e efetivos do poder”. LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição? Trad. Hiltomar Martins
Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 68.
4
Sabe-se que a lentidão observada na prestação da tutela jurisdicional não se restringe apenas ao distanciamento
entre os direitos processual e material; são vários os fatores que contribuem para a crise de inefetividade, a
exemplo da não aplicação de recursos para aparelhamento do Poder Judiciário ou o não conhecimento da lei pela
grande maioria dos cidadãos.
15
Não é suficiente que a norma tenha eficácia apenas no âmbito jurídico, fazendo-se
necessário que ela se mostre eficaz também no âmbito social, ou seja, os efeitos da
efetividade da norma devem ser sentidos por toda a sociedade.
Assim, a efetividade do processo deve ser vista como uma realização do Direito,
desempenhando concretamente sua função social. Ela corresponde à materialização dos
preceitos normativos no mundo dos fatos, consubstanciando, assim, maior aproximação entre
o dever-ser normativo e o ser da realidade. 5
O processo deve se mostrar compatível com os resultados que visa a alcançar. Objetivase entregar a tutela dos direitos de modo mais eficiente e adequado, possibilitando o alcance
do bem jurídico tutelado num período de tempo razoável. Busca-se a célere satisfação do
direito posto em litígio, porém sem que se deixe de observar os valores relacionados à
segurança jurídica. 6
Nesse âmbito de inefetividade da tutela jurisdicional que, como já afirmado, não se
trata de novidade no sistema processual brasileiro, passou-se a estudar e compreender a
garantia de acesso à justiça sob um enfoque mais peculiar.
Referida garantia começou a ser vista, não apenas como a possibilidade de bater às
portas do Judiciário com vistas à obtenção de um provimento para a recomposição do direito
lesionado. Ele passou a ser compreendido sob uma perspectiva mais ampla; como a
possibilidade de se obter, em um período de tempo razoável, uma decisão útil à satisfação do
direito.
O grande desafio que se insurgiu, a partir de então, foi reunir instrumentos capazes de
atribuir maior celeridade ao trâmite processual, de forma a propiciar a fruição de uma tutela
jurisdicional mais efetiva, considerando-se a efetividade como decorrência da utilidade e da
tempestividade. Fez-se necessário desenvolver técnicas processuais que possibilitem a
abreviação da tutela jurisdicional, de maneira que o direito lesionado seja recomposto num
espaço de tempo mais conciso.
5 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades
da Constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 82-83.
6
Tucci destaca a necessidade da ocorrência de “um equilíbrio desses dois regramentos - segurança/celeridade”,
sem o qual não se alcança a efetiva justiça no caso concreto. TUCCI, José Rogério Cruz e (Cood.). Garantias
constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.237.
16
Esse desafio ainda se mostra presente nos dias atuais, a despeito de todo o
empreendimento de esforços por parte da doutrina e dos aplicadores do Direito no sentido de
colher mecanismos tendentes a salvaguardar os direitos fundamentais constitucionalmente
estabelecidos. Trata-se de obstáculo a ser superado, com o escopo de alcançar um processo
em que a celeridade e, por consequência, a efetividade sejam asseguradas, porém, sem que se
distancie das garantias processuais de ordem constitucional. 7
O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva está diretamente relacionado à
concretização da garantia do acesso à justiça, sendo possível afirmar que o primeiro constitui
decorrência lógica da segunda. De nada adianta, no entanto, para o jurisdicionado ter a
certeza de que obterá uma decisão do Poder Judiciário se essa não vier a ser proferida em
tempo útil a produzir os resultados dela esperados.
Foi ante tal conjuntura que o legislador, sensível ao tema, regulamentou o instituto da
penhora on line, com o relevante escopo de imputar mais celeridade ao trâmite processual e,
consequentemente, atribuir maior efetividade e justiça às decisões judiciais.
A evolução dos recursos eletrônicos, disponibilizados pela nova Era da Informática,
pode ser verificada em todos os aspectos da vida contemporânea, revelando-se presente nos
contornos econômicos, culturais, pessoais e sociais.
O Direito e, notadamente, o Poder Judiciário, deve se adequar a essas inovações
tecnológicas, com o nobre escopo de conferir maior efetividade na concretização do direito
material. As inovações tecnológicas possibilitam a realização de atos processuais de maneira
mais célere, econômica e eficaz, especialmente no que tange aos atos executórios.
Com suporte nessas considerações, infere-se que a institucionalização da penhora on line
de dinheiro em depósito ou em aplicações financeiras significou um grande avanço na
posição do legislador processual brasileiro, no sentido de imputar maior efetividade na
prestação da tutela jurisdicional.
Impõe-se, por conseguinte, a necessidade de compreender o instituto da penhora on line
sob a ótica do direito fundamental relativo à prestação da tutela jurisdicional efetiva,
7 Para Cândido Rangel Dinamarco, “a efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua
almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de
educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da
sociedade e assegurar-lhes a liberdade”. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo.
12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.331.
17
analisando sua contribuição para a celeridade do trâmite processual e elucidando eventuais
dúvidas referentes à sua aplicação e funcionalização.
Desse modo, faz-se mister apreciar as recentes reformas processuais legislativas 8 ,
sucedidas com o propósito de superar os entraves decorrentes da falta de presteza do
provimento jurisdicional, com vistas a atender os reclames de justiça da sociedade atual.
8 Como bem ressalta José Miguel Garcia Medina, “reconhecidamente têm ocorrido, nas legislações processuais
modernas e, no Brasil, de um modo especial, reformas significativas que alcançam não apenas os procedimentos,
como também alguns institutos importantes do direito processual civil. Fala-se em modificações de
procedimentos porque uma das principais preocupações dos idealizadores de tais reformas é a celeridade,
buscada, mais das vezes, com a abreviação do iter processual por meio da supressão de alguns atos processuais
ou com a criação de mecanismos que possibilitem alcançar, com maior rapidez, aquele bem que o demandante
espera obter ao final da atividade jurisdicional”. MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios
fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 55.
2 O MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL
A entrada em vigor da Carta Constitucional de 1988 trouxe consigo a necessidade de
reinterpretar à luz da nova Constituição o ordenamento jurídico até então existente, visto que
o fundamento que o embasava restou completamente modificado. 1 Impunha-se uma releitura
da ordem jurídica de forma que a tutela dos direitos fosse realizada não somente com
respaldo em regras expressas, mas em valores constitucionalmente consolidados.
Sabe-se que “a não jurisdicidade da autodefesa e a conveniência do não cabimento da
coatividade da autocomposição levam o Estado a assumir a condição de julgador”. 2 Nesse
sentido, o Estado tomou para si a responsabilidade de solucionar os litígios decorrentes da
violação aos direitos fundamentais, tornando-se, desse modo, o detentor do monopólio da
jurisdição e proibindo, por via de consequência, a recomposição desses direitos pelo
exercício da autotutela.
Desta nova perspectiva do processo civil, portanto, a tutela dos direitos pelo Estado,
exercida por intermédio da jurisdição, não se resume apenas à previsão normativa dos
direitos, pois abrange igualmente sua efetiva concretização no mundo fático.
A previsão e, com maior ênfase, a efetivação dos direitos fundamentais passou a ser
observada com maior cautela pelo Estado. Por sua vez, previsto como direito fundamental
pelo constituinte originário, o processo ganhou posição de maior relevância, na medida em
que sua função de realizador dos demais direitos fundamentais foi revigorada. Vincou-se,
nesse contexto, um fortalecimento da relação entre a Constituição e o processo. 3
A ideia de processo como instrumento de realização do direito material leva ao princípio
do devido processo legal, que representa o vetor substancial da constitucionalização do
1
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5 ed. São Paulo: RCS
Editora, 2007, p. 27.
2
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.74.
3
Sublinhe-se que essa perspectiva do processo como instrumento de efetivação dos direitos constitucionalmente
estabelecidos não constitui novidade na esfera doutrinária, visto que, no século XIX, já havia autores que
perceberam esta ligação entre a Constituição e o processo. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira assim pondera:
“Significativamente, no final do século XIX era presente entre nós a compreensão da influência da norma
constitucional no processo, especialmente como meio para a efetividade e segurança dos direitos. Para João
Mendes Júnior, o processo, na medida em que garante os direitos individuais, deita suas raízes na lei
constitucional”. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos
fundamentais. Revista Forense. Vol.372. março/abril, 2004, p.77-86, Rio de janeiro: Forense, p.77. No mesmo
sentido, Paulo Roberto de Gouvêa Medina, além de se referir a João Mendes de Almeida Júnior, cita ainda outro
autor brasileiro, João Barbalho. MEDINA, Paulo Roberto Gouvêa de. Direito processual constitucional. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p.10.
19
processo civil. A cláusula do devido processo legal está intimamente relacionada à noção de
processo justo, entendido esse como um processo cujos resultados, verdadeiramente efetivos,
sejam alcançados mediante o respeito e aplicação das garantias constitucionalmente
preceituadas.
Desse modo, provocado o Judiciário por meio do direito de ação, o Estado, por
intermédio da jurisdição, tem o poder-dever de assegurar a efetividade da prestação
jurisdicional, observados o devido processo legal e seus consectários. 4
O preceito estabelecido pelo inciso XXXV, do art. 5º da Constituição Federal de 1988, o
qual assevera que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”, elege o direito de ação como direito fundamental e remete, por conseguinte, à
inafastabilidade da jurisdição ou garantia de acesso à justiça.
Destarte, ante a constitucionalização do processo, a garantia de acesso à justiça deve ser
enxergada sob a óptica da efetividade, daí a enorme relevância de um estudo mais
aprofundado acerca do processo de resultados com o escopo de reunir mecanismos que o
auxiliem a concretizar o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
2.1 Acesso à justiça
O acesso à justiça representa uma das mais importantes garantias processuais
asseguradas pelo Estado Democrático de Direito visto ser ele o instrumento pelo qual se
concretizam os direitos fundamentais constitucionalmente previstos. 5
É referida garantia que torna possível à pessoa se valer da jurisdição exercida pelo
Estado-Juiz, com vistas a obter uma solução capaz de recompor o direito do qual afirma ser
titular. Trata-se da possibilidade de recorrer ao Judiciário em busca de uma resposta para o
conflito de interesses apresentado perante esse Poder.
4
Corroborando o entendimento ora explicitado, Rogério Lauria Tucci assevera que “a invocação de tutela
jurisdicional, preconizada na Constituição, deve efetivar-se pela ação do interessado que, exercendo o direito à
jurisdição, cuide de preservar, pelo reconhecimento (processo de conhecimento), pela satisfação (processo de
execução) ou pela assecuração (processo cautelar), direito subjetivo material violado ou ameaçado de violação.
TUCCI, Rogério Lauria. Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias constitucionais do processo.
São Paulo: Saraiva, 1989, p. 13.
5
José Alfredo de Oliveira Baracho sustenta que “as proclamações de direito dependem de instrumentos hábeis
que as tornam eficazes. A própria palavra garantia é usada como sinônimo de proteção jurídico-política. O
conceito vem do direito privado, de onde decorre sua acepção geral e seu conteúdo técnico-jurídico; garantir
significa assegurar de modo efetivo”. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p.138.
20
A garantia de acesso à justiça funciona como salvaguarda de todos os direitos
fundamentais, podendo ser considerada, portanto, “como o requisito fundamental - o mais
básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende
garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”. 6
O Poder Judiciário é encarregado de apresentar soluções para dirimir os conflitos
resultantes da complexidade das relações sociais. Referido Poder constitui o único
competente para reconhecer o direito de maneira definitiva no caso concreto.
Ocorre que a função jurisdicional exercida pelo Estado-Juiz deve ser entendida não
apenas como o poder-dever de dizer o direito, mas engloba também a necessidade de
efetivação do direito reconhecido. 7 Para tanto, deve dispor de instrumentos aptos que o
possibilitem decidir o direito de forma justa e executá-lo pela maneira mais adequada.
A constitucionalização do processo civil incitou a renovação do comportamento do
legislador no sentido de editar regras processuais que viabilizassem a concretização dos
direitos fundamentais. No mesmo sentido, chamou a atenção do intérprete e do aplicador do
Direito para a necessidade de interpretar o ordenamento jurídico à luz dos preceitos
constitucionais.
Assim, a própria garantia constitucional de acesso à justiça, como salvaguarda dos
direitos fundamentais, passou a ser estudada sob um enfoque que implicasse maior
concretização do direito à efetividade da tutela jurisdicional.
2.1.1 Acepção tradicional do termo e sentido atual
A primeira preocupação referente à garantia de acesso à justiça manifestou-se no sentido
de agregar mecanismos que possibilitassem ao jurisdicionado recorrer ao Estado com vistas a
alcançar uma solução para o conflito de interesses apresentado. Consistia tão somente na
possibilidade de submeter à apreciação, pelo Poder Judiciário, de uma lesão ou ameaça de
lesão a direito previsto no ordenamento jurídico.
6 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p, 12.
7
Segundo ensinamento de Chiovenda, a jurisdição pode ser compreendida como a “função do Estado que tem
por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da
atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la
praticamente efetiva”. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. vol. II. 3. ed.
Campinas: Bookseller, 2002, p. 8.
21
Não é correto afirmar que essa percepção da garantia do acesso à justiça tenha se
esvaziado com o decorrer da evolução da processualística constitucional. Ao contrário, essa
perspectiva do acesso ainda é tema de inúmeras discussões e debates doutrinários e
jurisprudenciais, sempre no sentido de alcançar um alargamento da porta de acesso dos
jurisdicionados ao Estado-Juiz, propiciando meios para que aludido acesso seja assegurado a
todos da maneira mais ampla possível. 8
Em verdade, ocorre hodiernamente que o jurisdicionado não busca apenas uma solução
para seu conflito de interesses, mas uma solução que se mostre efetiva e adequada ao caso
concreto apresentado.
Então, houve apenas uma mudança de enfoque no que se refere ao acesso à justiça.
Mencionada garantia antes era vista apenas como a possibilidade de recorrer ao Judiciário
para que esse Poder proferisse uma solução para o litígio, ou seja, era tida como a
oportunidade concedida ao titular do direito de obter uma decisão emanada pelo Estado.
Atualmente, o acesso à justiça é também estudado sobre outra acepção, qual seja, a de
encontrar uma solução de maneira que ela seja deveras justa e efetiva, na medida em que
entrega ao titular do direito tudo aquilo que ele realmente tem o direito de obter.
A garantia do acesso à justiça não pode mais ser entendida apenas como o acesso aos
tribunais, ou seja, simplesmente, como o direito de peticionar ao Estado uma decisão para a
demanda perante ele apresentada. Deve-se entender como acesso à justiça o direito de obter
uma tutela jurisdicional justa, efetiva, tempestiva e, portanto, que seja apta a recompor os
prejuízos sofridos pelo titular do direito, em decorrência do não cumprimento espontâneo das
normas de Direito material que preveem o respectivo direito violado.
8 Ao analisar os pontos de vital importância para a superação de um processo incapaz de atingir os resultados
dele esperados, Cândido Rangel Dinamarco elege a ‘admissão em juízo’ como um dos quatro aspectos
fundamentais de interesse para esta proposta. Nesse estudo, o doutrinador reforça a contemporaneidade da
preocupação em superar os óbices que impedem o acesso à justiça, compreendido em seu sentido tradicional. De
acordo com o autor, “a universalidade da tutela jurisdicional constitui acentuadíssima tendência generosa da
atualidade e está presente nas preocupações e nos movimentos dos processualistas mais modernos. As
tradicionais limitações ao ingresso na Justiça, jurídicas ou de fato (econômicas, sociais) são óbices graves à
consecução dos objetivos processuais e, do ponto-de-vista da potencial clientela do Poder Judiciário, constituem
para cada qual um fator de decepções em face de esperanças frustradas e insatisfações que perpetuam; para a
sociedade, elas impedem a realização de práticas pacificadoras destinadas ao estabelecimento de clima
harmonioso entre os seus membros; para o Estado, é fator de desgaste de sua própria legitimidade e da dos seus
institutos e do seu ordenamento jurídico”. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo.
12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.335.
22
O acesso à justiça não constitui termo cujo sentido seja de fácil interpretação. Ele serve,
no entanto, a dois propósitos fundamentais no contexto de uma sociedade imbuída de
complexos conflitos sociais. Nesse lance, Mauro Capelleti e Bryant Garth entendem o acesso
à justiça como “ o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver
seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro o sistema deve ser igualmente acessível a
todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos”. 9
A expressão “acesso à justiça” deve ser interpretada pela doutrina sob duas diferentes
concepções, ambas válidas e não excludentes, atuando em complementaridade. Pela primeira
interpretação, extrai-se a idéia de que o acesso à justiça significa o mesmo que acesso ao
Judiciário; a segunda percebe a expressão desde uma visão axiológica e compreende o acesso
à justiça como o acesso a uma ordem estabelecida de valores e direitos fundamentais para o
ser humano. 10
Percebe-se que essa mudança de enfoque implica uma abordagem mais peculiar,
quando se trata de aferir o sentido de justiça da decisão. Destarte, decisão justa, na segunda
acepção da garantia de acesso à justiça, não mais é pensada como aquela que confere o
direito a quem realmente o demonstre possuir.
A decisão somente será considerada efetivamente justa se for proferida num espaço de
tempo razoável, em que o titular do direito lesado ainda tenha a possibilidade de usufruir os
efeitos que a tutela requerida judicialmente poderia oferecer, caso não houvesse que se falar
em descumprimento de prestação.
É evidente que não há como restabelecer de maneira perfeitamente análoga o status
quo ante configurado no momento imediatamente anterior à violação do direito. O quadro
circunstancial não é restaurado por inteiro, visto que o desgaste e os danos psicológico
sofridos por quem participa de um trâmite processual, quer seja ele célere ou moroso, jamais
são recompensados.
Quando se alude a restituir uma situação ao antigo estado em que se encontrava, por
meio da intervenção do Poder Judiciário, entende-se que o direito lesionado deve ser
reparado da forma que mais se aproxime da pretensão requerida, ou seja, de maneira que o
9 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Ellen Gracie Northfleet (trad.). Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p.8.
10 RODRIGUES, Horácio Wanderley. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo:
Acadêmica, 1994, p.29.
23
direito seja recomposto no sentido de proporcionar os mesmos efeitos almejados por seu
titular, caso a prestação não houvesse sido descumprida.
A carência de meios aptos a efetivamente concretizar o direito fundamental à tutela
jurisdicional enseja uma negação da garantia de acesso à justiça de modo a enfraquecer a
função jurisdicional do Estado.
Em sua relevante obra “Acesso à justiça”, Mauro Cappelletti propõe soluções para
superar os obstáculos à efetivação do acesso à justiça. As três proposições básicas, que o
autor denominou de ondas reformistas, surgiram em ordem cronológica, das quais a primeira
se preocupou em garantir assistência judiciária aos pobres.
Por meio dessa proposição, constatou-se a essencialidade do advogado público, na
medida em que ele atua em nome dos mais necessitados, levando os conflitos a juízo e
auxiliando na reivindicação dos seus direitos.
O segundo movimento tendente a superar os entraves ao acesso à justiça enfrentou a
representação dos interessas difusos, os chamados interesses coletivos ou grupais. Desde a
referida onda, diligenciou-se com vistas a encontrar soluções para a representação em juízo
dos litígios de Direito público em busca de uma eficiente reivindicação dos direitos dos
grupos.
A terceira onda se caracterizou por uma mudança de enfoque na compreensão do acesso
à justiça, passando a entendê-lo desde uma concepção mais ampla do que a mera
representação em juízo.
Essa nova perspectiva ensejou a premência de se instituírem regras de processo civil ou,
simplesmente adaptar as existentes, de maneira a abranger as diferentes espécies de litígios
decorrentes da complexidade das relações sociais.
A reforma dos procedimentos judiciais e a especialização de institutos previstos no
ordenamento jurídico processual constituem medidas, por meio das quais se busca efetivar o
acesso à justiça, percebido esse como o direito de obter um provimento jurisdicional idôneo,
de modo a concretizar o direito fundamental a tutela justa, tempestiva e efetiva.
24
A realização concreta dos direitos fundamentais depende de maneira intrínseca da
efetivação da garantia de acesso à justiça, visto que ela funciona como salvaguarda daqueles
direitos, consoante asseverado em linhas anteriores. 11
2.2 Direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva
O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva - ou como preferem chamar os
processualistas, a efetividade da tutela jurisdicional - possui estreita relação com a garantia de
acesso à justiça e o direito ao processo sem dilações indevidas.
Pode-se assegurar que a tutela jurisdicional só pode ser considerada realmente efetiva
quando se constatar a ampliação e democratização do acesso à justiça, tendo em vista que é
por meio dessa garantia que se salvaguardam todos os direitos previstos constitucionalmente.
Destarte, a tutela de direitos somente é alcançada se primeiramente for assegurada a
acessibilidade ao Judiciário. 12
Alhures, afirmou-se que o acesso à justiça não deve ser interpretado como a simples
possibilidade de recorrer ao Estado com vistas à obtenção de um provimento jurisdicional
para o litígio posto em juízo.
Com suporte nessa exposição, verificou-se que a decisão será considerada justa quando
for proferida num espaço de tempo que a torne apta a produzir os mesmos efeitos que
ocorreriam caso não houvesse que se falar em qualquer lesão a direito. No mesmo sentido, a
tutela somente será reputada efetiva se, ao mesmo tempo, atender aos requisitos da utilidade e
da brevidade, entendida essa última como a razoabilidade temporal do processo.
Assim,
infere-se
que
a
efetividade
determina
que
os
direitos
declarados
constitucionalmente sejam postos em prática, ou seja, que eles sejam executados de modo
11
Acerca da íntima ligação entre o acesso à justiça e a realização dos direitos materiais, J.J. Canotilho explicita:
“A interconexão entre ‘direito de acesso aos tribunais’ e ‘direitos materiais’ aponta para duas dimensões básicas
de um esquema referencial: (1) os direitos e interesses do particular determinam o próprio fim do direito de
acesso aos tribunais, mas este, por sua vez, garante a realização daqueles direitos e interesses; (2) os direitos e
interesses são efetivados através dos tribunais, mas são eles que fornecem as medidas materiais de proteção por
esses mesmos tribunais”. CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da
Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.496-497.
12
Sob a óptica processualista, a efetividade da tutela jurisdicional corresponde, de acordo com Cândido Rangel
Dinamarco, ao terceiro período metodológico do Direito processual, a qual foi por ele denominado de
instrumentalista. Segundo o autor, “chegou o terceiro momento metodológico do direito processual,
caracterizado pela consciência da instrumentalidade como importantíssimo pólo de irradiação de idéias e
coordenador dos diversos institutos, princípios e soluções”. DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.22.
25
concreto e efetivo e de maneira que satisfaça suficientemente a pretensão do titular desses
direitos. Não basta a simples certificação de um direito, fazendo-se necessária também a sua
realização, a qual apenas será atingida se o provimento judicial se der em tempo hábil a
produzir os resultados que dele se espera. 13
Nesse ponto, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva se encontra
intrinsecamente relacionado ao direito à razoável duração do processo, o qual foi inserido no
inciso LXXVIII, do art.5o da Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional no.
45/2004. Conforme estabelece aludido preceito constitucional: “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação”.
Desde a elevação desse direito a status constitucional, as atividades dos legisladores e
dos aplicadores do Direito em geral tiveram que prestar maior obediência ao referido
preceito.
As propostas legislativas devem estar vinculadas à efetivação da tutela jurisdicional e,
portanto, necessitam prever mecanismos e institutos processuais que possibilitem a entrega
da prestação jurisdicional de maneira mais célere e efetiva.
Do mesmo modo, aos aplicadores do Direito compete analisar as normas processuais, de
maneira que se extraia delas a melhor interpretação, no sentido de não apenas reconhecer o
direito em prazo razoável, como também entregá-lo num espaço de tempo em que ao titular
seja possível desfrutar dos mesmos efeitos, caso não houvesse qualquer violação.
Em respeito ao processo célere e efetivo, os juízes, como presidentes dos processos
administrativos e judiciais, devem assegurar o direito material das partes envolvidas no
litígio; entretanto, para o alcance desse objetivo, urge uma desburocratização dos
procedimentos e atos a serem efetuados, na busca pela maior eficácia e qualidade das
decisões judiciais.
13
Samuel Miranda Arruda se refere à concretização do acesso à justiça, a qual somente é realizável se forem
previstos instrumentos para tal, não bastando a mera previsão do direito. Nos dizeres do autor, “A previsão
constitucional do direito de acorrer aos tribunais é importante, mas surge apenas como ponto inicial da complexa
tarefa de ampliar seu alcance e dar-lhe efetividade. Como se vem paulatinamente reconhecendo, a simples
existência de um dispositivo constitucional com essas características é condição necessária, mas não suficiente à
plena consecução dos valores que uma sociedade baseada na observância dos direitos fundamentais professa”.
ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. Brasília: Brasília
Jurídica, 2006, p.63.
26
Com efeito, Robert Alexy ensina que é "condição de uma proteção jurídica efetiva que o
resultado do procedimento proteja os direitos fundamentais envolvidos". 14
A tutela jurisdicional veio a ser estudada, portanto, sob a óptica da celeridade e da
efetividade, na medida em que aquela somente poderia ser considerada justa se atendesse,
concomitantemente, a esses dois pressupostos.
A recomposição do direito lesado deve se dar em momento tal que ainda seja possível ao
seu titular usufruir dos resultados dele provenientes, implicando uma máxima coincidência
possível no âmbito da tutela. Assim, a efetividade da tutela jurisdicional “traduz-se na
necessidade de que o resultado do processo judicial corresponda, o máximo possível, à
atuação espontânea do ordenamento jurídico. 15
É relevante observar que houve questionamentos acerca da real necessidade de incluir
a garantia à razoável duração do processo ao Texto Constitucional como garantia autônoma,
uma vez que ela já estaria inserida no âmbito da garantia de acesso à justiça.
José Afonso da Silva garante que o acesso à justiça já abrangeria uma prestação
jurisdicional em tempo hábil e tendente a assegurar a obtenção da tutela requerida, mas a
morosidade do Poder Judiciário impedia tal desiderato. Desse modo, a criação de outra
garantia que assegure a tutela jurisdicional efetiva serviria apenas para que as frustrações se
avolumassem, pois não basta a declaração formal de um direito, fazendo-se necessária a
criação de instrumentos que o efetivem. 16
Corroborando o pensamento retromencionado, Araken de Assis entende que a
normatividade do preceito inserido no Texto Constitucional podia ser aferida antes mesmo da
sua constitucionalização, visto que já prevista na Convenção Americana de Direitos
Humanos. 17
14 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008, p.488.
15
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.55.
16 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008,
p.432.
17 O jurista ensina que “Não se pode emprestar à explicitação do princípio da razoável duração do processo o
caráter de novidade surpreendente e, muito menos, de mudança radical nos propósitos da tutela jurídica prestada
pelo Estado brasileiro. Estudo do mais alto merecimento já defendera, baseado em argumentos persuasivos, a
integração ao ordenamento brasileiro do direito à prestação jurisdicional tempestiva, por meio da incorporação
do Pacto de São José da Costa Rica ou Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Em síntese, o art.8º, 1,
do Pacto, prevendo tal direito, agregou-se ao rol dos direitos fundamentais, a teor do art. 5º, §2º, da CF/1988”.
ASSIS, Araken de. Duração razoável do processo e reformas da lei processual. In: Processo e Constituição-
27
A despeito dos ilustres posicionamentos, defende-se a ideia de que a inclusão desse
dispositivo no rol dos direitos e garantias fundamentais foi acertada, visto que se pôde dar
maior conhecimento à referida garantia e, por via de consequência, ensejar sua maior
exigibilidade por parte de quem tem o direito.
2.2.1 Direito fundamental à tutela executiva
No contexto do modelo constitucional do processo civil, cita-se ainda o direito
fundamental à tutela jurisdicional executiva. Assim, o processo de execução para os títulos
executivos extrajudiciais e a fase executiva, concernente aos títulos judicialmente
reconhecidos, devem outorgar ao exequente as mesmas consequências que resultariam do
cumprimento espontâneo da prestação pelo executado.
Sucede que, por circunstâncias diversas, nem sempre se mostra possível a consecução
desse objetivo, exigindo-se nessas hipóteses o emprego de meios de coerção mais efetivos,
com vistas a satisfazer o direito do credor e, desse modo, concretizar, o direito fundamental à
tutela jurisdicional, previsto constitucionalmente.
Ao tratar do direito à execução das decisões dos tribunais, J.J. Canotilho assevera que:
A existência de uma proteção jurídica eficaz pressupõe o direito à execução das
sentenças (fazer cumprir as sentenças) dos tribunais através dos tribunais (ou de
outras autoridades públicas), devendo o Estado fornecer todos os meios jurídicos e
18
materiais necessários e adequados para dar cumprimento às sentenças do juiz.
A execução forçada, por sua vez, caracteriza-se por “atuar praticamente a norma jurídica
concreta, satisfazendo o credor, independentemente da colaboração do devedor, e mesmo
contra a sua vontade, que se despe de qualquer relevância”. 19
Por meio da execução forçada, busca-se satisfazer o crédito exequendo; no entanto,
ela somente poderá ser considerada verdadeiramente efetiva se for apta a garantir ao credor a
tutela almejada nos estritos termos em que requerida. Destarte, no que concerne à execução
Estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. FUX, Luiz; NERY JÚNIOR, Nelson;
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.195.
18
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003, p.500.
19 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento.
25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 227.
28
por quantia certa, o processo de execução ou a fase executiva apenas serão tidos por efetivos
se entregarem ao exequente a quantia a que faz jus, num intervalo de tempo razoável. 20
A entrega da prestação jurisdicional não pode mais consistir no mero reconhecimento do
direito por parte do juiz. Ela deve ser vista sob perspectiva diversa. Desse modo, não se
mostra bastante a simples certificação da existência de um título judicial líquido, certo e
exigível; para a definitiva satisfação do objeto da lide, necessário se faz o desenvolvimento
de institutos hábeis a concretizar a entrega da prestação jurisdicional.
Nesse panorama, no que concerne à fase executiva, entendida essa no sentido amplo do
termo, a inquietação do legislador torna-se ainda mais significativa, na medida em que a
efetividade do processo e, por conseguinte, a credibilidade do Poder Judiciário dependem
diretamente do bom funcionamento da execução.
Ante a impossibilidade de se materializar a decisão do juiz, a análise e a resolução do
direito discutido no processo se afigura demasiadamente inútil. Da mesma maneira, havendo
carência de mecanismos legais e satisfatórios, ao Judiciário se torna dificultoso traduzir para
o contexto social aquilo que se encontra consubstanciado no título executivo extrajudicial. 21
Destarte, tanto no âmbito do processo de execução, fundamentado em título executivo
extrajudicial, como naquele que pretende a realização do objeto do conflito de interesses
solucionado pelo juiz e determinado na decisão, o obstáculo concernente à efetividade do
processo necessita ser superado.
Nesse lance, o direito fundamental à tutela executiva pode ser entendido como a
manifestação da máxima coincidência possível no âmbito executivo. Nas palavras de
Marcelo Guerra, “no que diz com a prestação de tutela executiva, a máxima coincidência
traduz-se na exigência de que existam meios executivos capazes de proporcionar a satisfação
integral de qualquer direito consagrado em título executivo”. 22
20 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,
vol. II, p. 155.
21 Antônio Cláudio da Costa Machado enfatiza a importância do processo de execução para a efetivação de um
direito: “Por meio dele, não se busca a declaração de direitos, mas a realização efetiva e material desses, o que
se dá pela invasão do patrimônio jurídico do devedor, em seu mais amplo sentido, pelo Estado. MACHADO,
Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo:
leis processuais civis extravagantes anotadas. 2. ed. São Paulo: Manole, 2008, p.1037.
22
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.102.
29
Significa que a interpretação das normas regulamentadoras da tutela executiva deve ser
realizada de modo a se extrair a maior efetividade possível; o juiz deve utilizar seu poderdever para deixar de aplicar uma norma que estabeleça uma restrição a um meio executivo,
toda vez que essa restrição não possa ser justificada pela proporcionalidade, como forma de
proteção a outro direito fundamental; o juiz tem o poder-dever de aplicar os meios executivos
que se mostrem indispensáveis à total prestação da tutela executiva. 23
O direito fundamental à tutela executiva, referente à execução para o pagamento de
quantia em dinheiro, somente se materializa com a verdadeira restituição do crédito e não
apenas por meio de sua simples declaração. 24
A crise de inefetividade da tutela jurisdicional executiva, no que se refere à execução por
quantia certa contra devedor solvente, influenciou, sobremaneira, a utilização, pelos
magistrados, em geral, da penhora de dinheiro em contas ou em aplicações financeiras.
Percebeu-se que a penhora na “boca do caixa”, efetuada por intermédio do oficial de justiça,
era mais efetiva, na medida em que evitava a incessante e infrutífera procura de bens móveis
ou imóveis a serem penhorados pelo oficial de justiça.
Era de fácil constatação, no âmbito dos processos executivos, a existência de certidões dos
oficiais de justiça, certificando não haver encontrado bens penhoráveis na residência ou
estabelecimento empresarial do executado. Quando do cumprimento das ordens judiciais de
penhora, os oficiais de justiça sentiam enorme dificuldade em encontrar bens passíveis de
garantir o juízo e, consequentemente, satisfazer a execução.
A dificuldade reside no fato de os devedores se furtarem ao cumprimento da prestação e,
para tanto, empregarem diversas espécies de artimanhas, dentre as quais podem ser citadas: a
ocultação de bens do próprio devedor, a indicação de bens de alienação difícil ou transferência
de bens do devedor para o nome de terceiros.
A crise da execução ou crise de efetividade, portanto, está intimamente relacionada com
a execução por quantia certa contra devedor solvente, na medida em que, nela, a satisfação do
23 GUERRA, op. cit., p.103-104.
24 Sobre o assunto, é importante a consideração de Humberto Theodoro Júnior: “Nessa ótica de encontrar a
efetividade do direito material por meio dos instrumentos processuais, o ponto culminante se localiza, sem
dúvida, na execução forçada, visto que é nela que, na maioria dos processos, o litigante concretamente
encontrará o remédio capaz de pô-lo de fato no exercício efetivo do direito ameaçado ou violado pela conduta
ilegítima de outrem. Quanto mais cedo e mais adequadamente o processo chegar à execução forçada, mais
efetiva e justa será a prestação jurisdicional. THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código
de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.99.
30
direito de crédito depende, diretamente, do resultado eficiente da busca por bens penhoráveis
do devedor. Assim, é nessa modalidade de execução que está o maior obstáculo à efetivação
do direito fundamental à tutela executiva.
2.3 O processo como instrumento de efetivação da tutela jurisdicional
Perante a constitucionalização do processo civil, fenômeno pelo qual o processo passou a
ser interpretado, sob o prisma constitucional, ao mesmo tempo como direito e garantia
fundamental, foi possível perceber a importância que ele representava para a concretização do
direito à tutela jurisdicional efetiva.
Assim sendo, com origem nessa posição constitucional e no reconhecimento do processo
como instrumento para a efetivação dos demais direitos fundamentais, tendência essa
consubstanciada na instrumentalidade do processo, o ordenamento jurídico processual até
então vigente se mostrou carente de institutos capazes de se adequar à nova concepção.
O processo é visto como instrumento de pacificação social; logo, nesse âmbito, referir-se
à instrumentalidade do processo não se resume somente a relacioná-lo ao Direito material, ou
seja, ele não pode ser considerado “apenas esse instrumento técnico de aplicação aos casos
concretos do Direito Substancial, mas também um poderoso instrumento ético voltado a servir
à sociedade e ao Estado”. 25
Partindo-se dessa perspectiva social-pacificadora do processo, assevera-se que o Estado
se afigura como “o responsável pelo bem estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem:
e, estando o bem estar social turbado pela existência de conflitos entre pessoas, ele se vale do
sistema processual para, eliminado os conflitos, devolver à sociedade a paz desejada". 26
O Direito processual, portanto, passou a ser considerado como sustentáculo do Direito
material, visto que esse se perfaz apenas por intermédio do primeiro. Acerca do vínculo
existente entre esses dois direitos, Juvêncio Vasconcelos Viana assevera, com acuidade, que
“O Direito Processual, sem o Direito Substancial, estaria destinado a operar no vazio; este,
25
VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética,
2003, p. 17.
26
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria
geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.41.
31
sem aquele, restaria ineficaz toda vez que violado. Os dois vivem em relação de estreita
interdependência e necessidade recíproca, uma relação quase simbiótica”. 27
Nessa conjuntura, as normas processuais tiveram que ser readaptadas, com vistas a se
tornarem suficientes e satisfatórias a acompanhar os efeitos decorrentes do fenômeno da
constitucionalização
do
processo
civil.
As
alterações
legislativas
da
sistemática
processualística, assim como as políticas de concretização dos institutos porventura
positivados, eram bastante necessárias.
Desse modo, partindo-se da premissa de que o processo civil deve ser interpretado e
aplicado em estrita observância à ordem constitucional 28 , propensão implementada pela onda
neoconstitucionalista 29 , não bastava mais a mera declaração formal dos direitos ou sua
simples positivação, mostrou-se indispensável a reunião de mecanismos que possibilitassem a
sua efetiva materialização. 30
Destarte, com a interpretação do processo como meio de efetivação dos demais direitos,
fez-se imprescindível a realização de mudanças em todo o arcabouço estrutural que o
fundamentava.
Passou-se a entender que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva somente
poderia ser concretizado se a garantia da inafastabilidade da jurisdição e o direito à razoável
27
VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética,
2003, p. 17.
28
Ao estudar a relação interdisciplinar entre o Direito Processual Constitucional e a Teoria Geral do Processo,
Paulo Roberto de Gouvêa Medina atesta que hodiernamente se mostra “impossível compreender o processo em
sua exata dimensão fora da perspectiva constitucional”. MEDINA, Paulo Roberto Gouvêa de. Direito
processual constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.7.
29
Eduardo Cambi explica que: “A efetividade da Constituição encontra, pois, no processo um importante
mecanismo de afirmação dos direitos nela reconhecidos. A Constituição Brasileira de 1988 não somente pela sua
posição hierárquica, mas pela quantidade e profundidade das matérias que disciplinou, está no centro do
ordenamento jurídico, não se podendo compreender o processo, sem antes, buscar seus fundamentos de validade
– formal e material – na Lei fundamental. A expressão ‘neo’ (novo) permite chamar a atenção do operador do
direito para mudanças paradigmáticas. Pretende colocar a crise entre dois modos de operar a Constituição e o
Processo, para, de forma crítica, construir ‘dever-seres’ que sintonizem os fatos sempre cambiantes da realidade
ao Direito que, para não se tornar dissociado da vida, tem de se ajustar – sobretudo pela hermenêutica – às novas
situações ou, ainda, atualizar-se para apresentar melhores soluções aos velhos problemas”. CAMBI, Eduardo.
Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Revista do programa de pós-graduação em direito da
Universidade Federal da Bahia, ano 2008, n.17, p. 93-130, Salvador, p.93.
30 No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno diz que “o processo civil deve ser lido e relido à luz da
Constituição Federal. Há uma correlação necessária entre ambos e uma inegável dependência daquele nesta.
Tutela jurisdicional não é só dizer o direito; é também realizá-lo. Ao lado de uma ‘jurisdição’ tem que haver
uma ‘juris-satisfação’”. BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil:
comentários sistemáticos às leis nos. 11.187, de 19/10/2005 e 11.232, de 22/12/2005. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p.323.
32
duração do processo fossem, igualmente, realizados, na medida em que esses últimos
constituem o substrato do primeiro.
Gilmar Ferreira Mendes defende a indissociabilidade da proteção judicial efetiva e a
prestação jurisdicional em prazo razoável e, nesse sentido, enuncia:
A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma
direta a idéia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a
proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a
31
transformação do ser humano em objeto dos processos estatais.
2.4 O princípio da proporcionalidade
O período pós-positivista ensejou a adoção dos princípios constitucionais como
principais vetores do ordenamento jurídico regente do Estado Democrático de Direito. Com o
surgimento do pós-positivismo, superou-se a fase positivista na qual os anseios da sociedade
se limitavam às leis positivadas.
Elevou-se consideravelmente, portanto, o grau de importância dos aspectos
principiológicos da Constituição, os quais passaram a ser vistos como preceitos de ordem
fundamental, haja vista representarem fonte de orientação para a realização dos escopos da
Magna Carta. 32
Com efeito, considerando-se o período no qual se encontra o constitucionalismo, é
inquestionável a consideração dos princípios como normas jurídicas, ou seja, é manifesta a
normatividade dos princípios do Direito, de modo que eles passaram a integrar o arcabouço
interno do ordenamento jurídico.
Com arrimo neste pressuposto, urge destacar o fato de que os princípios não
constituem a única espécie de normas jurídicas; o gênero abrange ainda o conceito de regras
31
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO,
Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.420.
32
Celso Antônio Bandeira de Mello destacou a relevância da função que os princípios assumiram diante de um
sistema jurídico. De acordo com o autor, define-se o princípio como "mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. BANDEIRA DE
MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.807-808.
33
jurídicas. Destarte, “atualmente, não se questiona a idéia de que o ordenamento jurídico está
formado tanto por regras (ou normas em sentido estrito), como por princípios gerais”. 33
O critério fundamental e mais utilizado para estabelecer a diferença entre essas duas
espécies de normas jurídicas consiste no grau de abstração ou generalização que rege cada
uma. Assim, “segundo esse critério, princípios são normas com grau de generalidade
relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo”. 34
Os princípios jurídicos são o resultado, positivado ou não, dos valores eleitos como
fundamentais por uma sociedade e, por conseguinte, devem ser observados por todo o
ordenamento jurídico. Para tanto, às regras cabe a função de concretizar os princípios
fundamentais da ordem jurídica, visto que esses “são normas que ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes”. 35
Sucede que, ante determinada situação, dois princípios podem entrar em colisão, caso
em que se deverá decidir qual deles irá preceder o outro. Surge nesse contexto uma norma
jurídica orientadora dessa ponderação ou sopesamento, qual seja, o princípio da
proporcionalidade.
Referido princípio não se encontra expressamente positivado na Constituição Federal
de 1988, porém decorre do §2o do art. 5o da Constituição Federal de 1988, o qual, segundo
acentua Paulo Bonavides:
[...] abrange a parte não-escrita ou não expressa dos direitos e garantias da
Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da
natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios
36
que este consagra e que fazem inviolável a unidade da Constituição.
Assim, não se afigura acertado concluir que a norma não está inserida no ordenamento
jurídico, visto que se revela um imprescindível instrumento de limitação dos direitos
fundamentais em conflito, ao mesmo tempo em que age como garantia de respeito a esses
mesmos direitos por parte do Estado.
33
MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética,
1999, p.19.
34
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008, p.87.
35
ALEXY, op. cit., p. 90.
36
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, 436. No mesmo
sentido, observa Willis Santiago Guerra Filho que “a ausência de uma referência explícita ao princípio no texto
da nova Carta não representa nenhum obstáculo ao reconhecimento de sua existência positiva [...]”. GUERRA
FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5.ed. São Paulo: RCS Editora,
2007, p.106.
34
Sob esse último aspecto, a proporcionalidade exige que toda intervenção estatal no
âmbito dos diretos fundamentais “se dê por necessidade, de forma adequada e na justa
medida, objetivando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos fundamentais
concorrentes”. 37
O princípio da proporcionalidade é constituído por três subprincípios ou elementos
parciais. Essa subdivisão é amplamente reconhecida pela doutrina alemã 38 , destacando-se
Robert Alexy 39 , e também, pela brasileira como Willis Santiago Guerra Filho 40 e Paulo
Bonavides 41 .
2.4.1 Os subprincípios da proporcionalidade
Como suscitado alhures, a proporcionalidade se revela sob três elementos parciais,
quais sejam, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
O primeiro subprincípio da proporcionalidade é aferido pela adequação do meio eleito
para o alcance do resultado pretendido, ou seja, refere-se à relação adequada entre o resultado
pretendido e o meio utilizado para atingir esse resultado. Assim, para satisfazer o intuito de
alcançar o fim almejado, é imperioso que “a medida seja suscetível de atingir o resultado
escolhido”. 42
A segunda manifestação do princípio da proporcionalidade se reporta à necessidade,
elemento que implica a verificação se o meio escolhido para o alcance do resultado
pretendido se afigura como o menos gravoso dentre os existentes para satisfazer o mesmo
resultado. Sob a óptica do aludido subprincípio da proporcionalidade, também conhecido
como máxima do meio mais suave 43 , a medida empregada deve se limitar ao indispensável a
atingir e conservar o fim aspirado, de modo que a restrição aos direitos fundamentais seja a
mínima possível.
37
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das
leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p.89.
38
BARROS , op. cit., p. 72.
39
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008, p.116-117.
40
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5 ed. São Paulo: RCS
Editora, 2007, p.88.
41
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 396-398.
42
PHILIPPE, Xavier Le controle de proportionnalité dans les jurisprudence constitucionelle et administrative
françaises. Aix-Marseille, 1990, p.44 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005, p. 397.
43
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: RCS
Editora, 2007, p.88.
35
O último subprincípio da proporcionalidade se situa na proporcionalidade em sentido
estrito, a qual envolve a constatação de que os benefícios trazidos com a realização do
resultado pretendido são justificáveis em face da limitação aos direitos fundamentais. As
vantagens decorrentes da concretização do fim legítimo superam as desvantagens
provenientes da restrição do direito.
Em síntese, o princípio da proporcionalidade, entendido em seu sentido mais amplo,
abrange o meio adequado e menos gravoso para o alcance do resultado pretendido de maneira
que as vantagens auferidas se sobreponham aos inconvenientes originados.
3 EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE
A ideia de jurisdição como o poder de atuar a lei de maneira concreta pelo Estado – Juiz,
em substituição à vontade das partes, não está atrelada unicamente à perspectiva processual
cognitiva, mas se refere também ao aspecto executivo do processo. Nesse sentido, “é
jurisdição também a execução; e, em verdade, na execução se efetiva, a rigor, a atuação da lei
mediante uma substituição de atividade”. 1
O processo de execução tem por fim precípuo a realização forçada do direito do
exequente, consubstanciado em título executivo, em detrimento do executado. Partindo-se
dessa premissa, o Estado-Juiz se serve dos recursos disponibilizados pelo sistema executivo
para satisfazer a pretensão inicialmente aduzida e não cumprida de forma espontânea pelo
devedor. 2
Para a consecução de tal desiderato, o Estado utiliza-se do método da sub-rogação, o qual
consiste na substituição do executado pelo juiz, a fim de que esse efetue no lugar do primeiro
a prestação devida, fazendo uso dos bens pertencentes ao patrimônio do inadimplente. 3
Nessa perspectiva, a execução por quantia certa contra devedor solvente consiste na
expropriação forçada de bens do patrimônio do executado, com a finalidade de satisfazer o
direito de crédito do exequente. 4
Por meio do referido procedimento expropriatório, o Estado, detentor da jurisdição,
insurge-se contra o patrimônio do devedor para restringir o direito desse de dispor de seus
próprios bens, alienando-os ou ocultando-os, em total prejuízo à satisfação do direito de
1 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. vol. II. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2002,
p. 20.
2
De acordo com o ensinamento de Carnelutti, “la finalidad característica del proceso ejecutivo consiste, pues, en
procurar al titular del derecho subjetivo o del interés protegido la satisfación sin o contra la voluntad del
obligado. En el proceso ejecutivo se contraponem tambiém, como em el jurisdiccional, dos partes, y entre ellas
se interpone un tercero, que esel órgano del proceso (...)”. CARNELUTTI, Francisco. Sistema de derecho
procesal civil. vol. I. Tradução de Niceto Alcalá-Zamora y Castilho, Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires:
Utélia Argentina, 1944, p.218.
3 Não se olvida, entretanto, que “sempre que a utilização de outro meio, sobretudo um meio coercitivo, possa
conduzir à prestação de tutela executiva de forma mais rápida, menos onerosa e, portanto, mais eficaz, aquela
medida executiva, a expropriação forçada, repita-se, resulta inadequada a prestar a tutela jurisdicional devida,
caracterizando-se assim também como uma situação de insuficiência do sistema de tutela executiva”. GUERRA,
Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003, p.149.
4 Dispõe o art. 646 do CPC que: “A execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a
fim de satisfazer o direito do credor (art. 591)”.
37
crédito. O papel do Estado caracteriza-se, portanto, como uma típica atividade substitutiva,
pois é ele quem realiza o pagamento do credor, por intermédio dos bens do devedor.
Aludido pagamento se perfaz na entrega, ao credor, de dinheiro proveniente da
alienação de bens por iniciativa do próprio devedor, da alienação destes em hasta pública ou
do usufruto de bem móvel ou imóvel pertencente ao executado. Assim, o objetivo dos dois
primeiros meios de expropriação é transformar os bens do devedor em dinheiro para posterior
satisfação do direito de crédito, enquanto o terceiro consiste na entrega de quantia
proveniente de usufruto. 5
Destaque-se o fato de que há apenas uma exceção ao pagamento da obrigação em
dinheiro, a qual ocorre quando a satisfação do credor se realiza por meio da adjudicação do
bem do devedor em favor do próprio credor ou das pessoas relacionadas no parágrafo 2º, do
art. 685-A. 6 Logo, a adjudicação consiste na apropriação direta dos bens do devedor para
pagamento do crédito.
No regime anterior, a adjudicação só poderia ser realizada mediante a prévia
frustração da tentativa de alienação dos bens em hasta pública. 7 Sucede que, na maioria dos
casos, esse meio se mostrava ineficaz por não haver pessoas interessadas em adquirir os bens
e, além disso, a hasta pública demandava mais recursos com a publicação de editais e com a
realização dos leilões e praças.
Foi com a referida constatação que o legislador, albergado no direito fundamental à
tutela jurisdicional efetiva, elegeu como prioridade da fase expropriatória a adjudicação dos
bens do devedor, na medida em que a utilização desse meio diminui consideravelmente o
tempo empregado no procedimento de expropriação, se comparado às demais modalidades.
5 Conforme explicita Elpídio Donizetti, o pagamento do credor “pode ocorrer de três formas: pela entrega do
dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, ou pelo usufruto de bem móvel ou imóvel”. Registra ainda o
autor que “o usufruto de empresa não mais é contemplado no sistema em vigor, reformulado pela Lei no
11.382/2006, conforme se extrai da leitura dos arts. 647 e 716. Apenas por lapso do legislador não se alterou a
redação do art.708, o qual, no inciso III, prevê como uma das modalidades de pagamento do credor o ‘usufruto
de bem imóvel ou de empresa’”. DONIZETTI, Elpídio. O novo processo de execução. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2009, p.324.
6 Art. 685-A, § 2º, CPC: Idêntico direito pode ser exercido pelo credor com garantia real, pelos credores
concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem, pelo cônjuge, pelos descendentes ou ascendentes do
executado.
7 A antiga redação do art.714, cujo texto foi revogado pela lei no. 11.382/2006, rezava que “finda a praça sem
lançador, é lícito ao credor, oferecendo preço não inferior ao que consta do edital, requerer lhe sejam
adjudicados os bens penhorados”.
38
Desse modo, além de favorecer a concretização do direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva, mormente no que concerne à tutela executiva, a adjudicação observa
ainda o princípio da economia processual, haja vista que poupa os gastos que seriam
empregados na realização dos demais atos processuais de expropriação. 8
A satisfação do objeto da tutela executiva pela adjudicação ocorre, portanto, mediante o
deslocamento de bem pertencente ao patrimônio do devedor, para a esfera de titularidade do
credor, passando eles a exercer todos os direitos sobre aludido bem.
Por outro lado, igualmente, satisfaz-se a prestação por meio da entrega do dinheiro
proveniente da alienação particular ou em hasta pública de bem do devedor ou do usufruto de
bem móvel ou imóvel dele. Nesse momento, finda-se a fase “satisfativa”.
Ciente de que o regular funcionamento da execução por quantia e, por via de
consequência, seu eficiente resultado estão intimamente relacionados à efetiva existência de
bens na esfera patrimonial do executado, suficientes para satisfazer o crédito do exequente, o
legislador procurou reunir instrumentos que auxiliassem na constrição do patrimônio e
impedissem que o executado se desfizesse dos referidos bens.
Nessa conjuntura, percebeu-se a necessidade e notou-se a importância de municiar o
Poder Judiciário com mecanismos que possibilitassem a constrição patrimonial dos bens do
executado de maneira mais célere e efetiva, de modo a salvaguardar o êxito da execução por
quantia certa contra devedor solvente e concretizar o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva.
Ante a constatação de mencionada necessidade, o legislador introduziu no sistema
processual brasileiro a penhora on line, como meio capaz de atribuir efetividade na constrição
8 Marcelo Abelha admite o estabelecimento, pelo legislador, de uma ordem de preferência acerca dos meios de
expropriação de bens ao afirmar que “o legislador coloca, ele mesmo, uma ordem de preferência entre as
técnicas expropriatórias finais, e deixa isso à mostra não só na ordem dos incisos arrolados no artigo 647, mas,
especialmente, na redação dos arts. 685-A, 685-C e 686, em que se lê uma ordem de preferência pela
adjudicação de bem penhorado, em seguida a alienação por iniciativa particular e posteriormente a alienação em
hasta pública. Já quanto ao usufruto de bem imóvel ou móvel, embora seja uma técnica expropriatória, a sua
‘escolha’ acaba sendo condicionada pelo bem que foi objeto de penhora, posto que deverá recair sobre algo que
forneça frutos e rendimentos que proporcionem a expropriação pelo instituto do artigo 716 do CPC”; porém,
logo a seguir o autor se manifesta favorável a não obediência à ordem legalmente estipulada quando o caso
concreto assim o exigir. ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2008, p.301-302. O mesmo entendimento é perfilhado por Cássio Scarpinella Bueno: “É correto
entender que com relação aos três primeiros há uma inegável sucessividade entre eles”. BUENO, Cássio
Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. vol. 3. São Paulo:
Saraiva, 2008, p.271. O magistrado, pautado no conhecimento jurídico que lhe é peculiar, deve utilizar o meio
executivo adequado para melhor satisfazer o direito fundamental à tutela executiva efetiva.
39
judicial de bens, na medida em que a ordem que a consolida é repassada de maneira mais
célere, visto que realizada por meio eletrônico.
Destarte, a introdução desse instituto representou significativo avanço normativojurídico no sentido de combater as condutas ardilosas das quais se utiliza o executado para
frustrar os fins da execução.
Antes de adentrar o tema da penhora, mais especificamente no que se refere à penhora on
line, procede-se a uma breve exposição a respeito da responsabilidade patrimonial, com o
propósito de identificar quais são os bens do devedor passíveis de ser alvo da constrição
judicial e, com isso, assegurar a posterior satisfação do objeto da tutela executiva.
3.1 Responsabilidade patrimonial
A responsabilidade do devedor origina-se no momento em que ele descumpre uma
obrigação previamente estabelecida com o titular do direito de crédito. Configurada a
situação de inadimplência, surge para o credor o direito de recorrer ao Estado para que esse,
se utilizando do método da sub-rogação, mediante a execução forçada, transfira a titularidade
dos bens pertencentes ao patrimônio do executado para a esfera de patrimonialidade do
exequente ou entregue a esse a quantia proveniente da alienação de referidos bens ou do
usufruto de bem móvel ou imóvel.
Desse modo, a apreensão dos bens do devedor mediante a execução forçada se mostra
necessária quando o direito de crédito não houver sido satisfeito por ato deliberativo
espontâneo de quem estava obrigado a fazê-lo.
A responsabilidade patrimonial corresponde, portanto, ao estado de sujeitabilidade em
que se encontram os bens do devedor ou de um terceiro responsável, com o propósito de
assegurar posterior constrição judicial e viabilizar futura expropriação. É instituto que torna
legítima a apreensão de bens do executado por parte do Estado. 9
9 Luiz Fux, ao discorrer sobre o tema da responsabilidade patrimonial, ensina que: “A obrigação assumida pelo
devedor gera-lhe um vínculo com o credor que adquire, por força da mesma, o direito de exigir o implemento da
prestação convencionada. É o que se denomina, ao ângulo material de ‘crédito’ e ‘débito’, respectivamente. À
míngua do cumprimento espontâneo da prestação, surge para o credor o direito secundário de exigir que a
obrigação seja satisfeita às custas do patrimônio do devedor. Essa submissão dos bens do devedor à satisfação
da obrigação, sujeitando-os até à expropriação, para que, com o produto da alienação judicial, se implemente a
prestação, é que se denomina de ‘responsabilidade’.” FUX, Luiz. O novo processo de execução. Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p.75.
40
Em razão da própria nomenclatura atribuída ao instituto, depreende-se, sem muita
dificuldade, que a responsabilidade do devedor incide apenas sobre os bens pertencentes ao
seu patrimônio material, e não sobre sua pessoa. Nesse sentido, não há que se pensar em
caráter pessoal da execução, ou seja, a obrigação do devedor deve possuir a característica da
patrimonialidade ou, de outra maneira, a responsabilidade tem caráter puramente patrimonial.
O aspecto patrimonial concernente à responsabilidade do devedor representou grande
avanço na esfera dos direitos fundamentais, sobretudo no que diz respeito à dignidade da
pessoa humana e ao direito de locomoção, na medida em que a liberdade individual passou a
não mais ser restringida para forçar o cumprimento da obrigação com o pagamento da dívida,
como o era antigamente. 10
Como exceção à característica da patrimonialidade, cita-se a hipótese da prisão do
devedor, em decorrência do não cumprimento de obrigação fundamentada em dívida de
caráter alimentício. 11 Mesmo nesse caso, no entanto, a pressão que se exerce contra a pessoa
do executado tem cunho psicológico, de maneira a forçá-lo a satisfazer aquilo pelo qual se
obrigou. 12
Vale ressaltar, todavia, que as recentes reformas do CPC procuram mitigar o princípio
da patrimonialidade, na medida em que admite a prática de atos executivos incidentes não
10 Na Roma antiga, o devedor que não honrasse o pagamento de sua dívida deparava-se com a restrição de sua
liberdade individual e se tornava propriedade do credor, que poderia forçá-lo judicialmente a trabalhar para ele
até que o fruto proveniente do trabalho fosse suficiente a cobrir o valor do débito ou o credor poderia vendê-lo
como escravo e, com o produto da venda, satisfazer uma parte ou a integralidade do seu crédito. No mesmo
sentido, Antônio Carlos de Araújo Cintra em: ARAÚJO CINTRA. Antônio Carlos de. Comentários ao código
de processo civil. vol. IV. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.363.
11 Antes de o Supremo Tribunal Federal proferir julgamento no recurso extraordinário n. 466.343-1, verificavase a possibilidade da realização da prisão civil por dívida, em se tratando de depositário infiel. Referido
entendimento foi modificado em virtude de os tratados internacionais ratificados pelo Brasil somente admitirem
a prisão civil por dívida de natureza alimentícia, não obstante a Carta Constitucional estender essa previsão para
o caso do depositário infiel. Nesse sentido: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária.
Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das
normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento
conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade do depósito. (RE 466343/SP – TRIBUNAL PLENO – Relator (a): Min. CEZAR
PELUSO, Julgado em 03/12/2008, DJ 05/06/2009).
12 Araken de Assis sustenta a indispensável contribuição trazida pela prisão civil do devedor de prestação
alimentícia para a efetivação do direito fundamental à tutela jurisdicional de alimentos. Nas palavras do autor:
“contra o meio executório da coação pessoal se opõe tenazmente a força do preconceito, ignoradas a utilidade e
a natureza do mecanismo. Entretanto, o estudo científico dos meios executórios, avaliados e pesados como
expedientes práticos, predispostos com o único propósito de realizar as operações materiais destinadas ao
implemento executivo da eficácia sentencial condenatória, revela a verdade. A prisão civil do alimentante não
merece a pátina de coisa obsoleta, entulho autoritário e violento só a custo tolerado e admitido no ordenamento
jurídico contemporâneo”. ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 6. ed. São Paulo:
RT, 2004, p. 157.
41
apenas sobre o patrimônio, e sim sobre a vontade do executado, de forma que a ele seja mais
benéfico o cumprimento da determinação judicial do que se submeter à atividade subrogatória. Constituem exemplos dessa mitigação as multas estipuladas pelos parágrafos 4º a
6º do art. 461; a multa do caput do art.475-J e a redução dos honorários do advogado,
prevista no parágrafo único do art. 652-A. 13
Não obstante constatar-se a mitigação da patrimonialidade, por meio da previsão de
medidas coercitivas, não se deve entender que esse fato configure retrocesso para o princípio
da dignidade da pessoa humana, visto que referidas medidas incidem apenas sobre a vontade
do executado e não sobre sua liberdade de locomoção.
Conforme estabelece o art. 591 do CPC, preceito normativo que disciplina o instituto
da responsabilidade patrimonial, “o devedor responde, para o cumprimento de suas
obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em
lei”.
Infere-se dessa norma processual que, enquanto o devedor não satisfizer por completo
o objeto da tutela executiva, ficará passível de sofrer constrição judicial de todos os seus
bens, presentes e futuros, não sendo permitido que ele se desfaça deles, sob pena de
configurar fraude à execução.
Resta saber qual o propósito do legislador ao se utilizar do fator temporal para
identificar os bens que se encontram no estado de sujeitabilidade para com a satisfação do
direito de crédito, ou seja, qual foi o intuito que norteou o legislador ao determinar que a
responsabilidade patrimonial incidisse sobre os bens presentes e futuros.
Em verdade, não há que se falar em qualquer relação de contemporaneidade entre a
sujeição patrimonial do devedor e o momento em que a obrigação foi contraída. Ocorre é
que, enquanto a obrigação não se encontrar inteiramente satisfeita, qualquer acréscimo que
vier a se suceder no patrimônio do devedor restará comprometido com a satisfação do direito
de crédito. 14
Destarte, mesmo que o devedor assuma uma obrigação em momento no qual não
possua patrimônio suficiente a satisfazê-la, seus bens estarão sujeitos a sofrer constrição
13 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva.
vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.19.
14 FUX, Luiz. O novo processo de execução. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.78.
42
judicial se, após o transcurso do tempo, ele vier a adquirir outros bens e a obrigação ainda
não houver sido cumprida. O bom resultado da execução por quantia certa, portanto, depende
diretamente da existência de bens no patrimônio do devedor, sejam eles presentes ou futuros.
Sucede que o simples fato de o devedor possuir bens em seu patrimônio não é
suficiente para garantir a satisfação do direito de crédito postulado em juízo.
O direito fundamental à dignidade da pessoa humana atua no processo executivo no
sentido de impedir que o devedor e sua família sejam privados dos bens necessários a lhes
proporcionar uma existência digna. Assim, aplicando-se a dignidade à sistemática da
execução, deve-se entender que se deve preservar o direito do devedor de viver dignamente
na sociedade.
Desse modo, a responsabilidade patrimonial enunciada pelo art. 591 não pode ser
absoluta, e o legislador reconheceu esse fato, ao estabelecer uma exceção no próprio
dispositivo, o qual determina que nem todos os bens pertencentes ao patrimônio do devedor
são passíveis de penhora, visto que enquadrados no rol dos bens considerados impenhoráveis.
A regra geral da impenhorabilidade estabelece que os bens considerados impenhoráveis
ou inalienáveis por determinação legal não podem estar sujeitos à execução. 15 O propósito do
art. 649 16 , ao arrolar os bens considerados absolutamente impenhoráveis, está intimamente
relacionado à concretização, no âmbito executivo, do princípio da dignidade da pessoa
humana, na medida em que objetiva preservar os valores reconhecidamente importantes para
a existência digna do ser humano. Nesse sentido, “a impenhorabilidade de bens tem por
15 Art. 648. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.
16 Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não
sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado,
salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de
vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os
vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e
montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família,
os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste
artigo; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis
necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para
obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei,
desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação
compulsória em educação, saúde ou assistência social; X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a
quantia depositada em caderneta de poupança; XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos
termos da lei, por partido político.
43
fundamento a tendência histórica da humanização da execução, a proteção da dignidade do
cidadão, da pessoa humana”. 17
A impenhorabilidade relativa, por sua vez, constitui atributo de alguns bens que em
princípio são tidos por impenhoráveis, mas que podem abandonar essa característica quando
estiverem diante de determinadas circunstâncias em que não haja outros bens sobre os quais
possa recair a ordem judicial de penhora. Nesse sentido, como estabelece o art. 650, “podem
ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se
destinados à satisfação de prestação alimentícia”.
Em qualquer dos casos de impenhorabilidade ora descritos, quando o magistrado estiver
diante do caso concreto que lhe for apresentado, deve se valer da ponderação de interesses
para solucionar o impasse eventualmente observado entre o mínimo de dignidade necessária
a assegurar uma existência íntegra ao devedor e a dignidade do credor em receber o direito
que lhe foi reconhecido.
A responsabilidade patrimonial do devedor, portanto, deve ser avaliada em conformidade
com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva do credor, na medida em que a
concretização desse direito deriva substancialmente da existência de bens pertencentes ao
patrimônio do devedor, suscetíveis de responder pelo cumprimento da obrigação.
A penhora consiste, justamente, no instituto responsável pela apreensão dos bens do
devedor e, em vista disso, responde em grande parte pela concretização da efetividade da
tutela jurisdicional executiva. Em verdade, a execução por quantia certa somente se torna
realizável por meio da constrição patrimonial de bens. É precisamente sobre esse relevante
instrumento que passam a tratar os parágrafos seguintes.
3.2 Penhora
3.2.1 Conceito
O Estado, como ente encarregado da jurisdição e, portanto, da realização do direito
reconhecido judicialmente ou formalizado em título executivo extrajudicial, se vê compelido
a reunir meios propícios de assegurar a execução forçada, com vistas a satisfazer o objeto do
litígio submetido à apreciação. Visa, por conseguinte, a garantir a satisfação do direito
17 PUCHTA, Anita Caruso. Penhora de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009, p.99.
44
fundamental do credor à tutela executiva, diante da inércia do devedor no que tange ao
cumprimento da obrigação.
A penhora configura o primeiro ato de coação da execução por quantia certa e constitui o
instrumento que possibilita o alcance do resultado almejado nessa espécie de execução, qual
seja, a expropriação dos bens pertencentes ao patrimônio do executado para posterior
satisfação do direito do exequente.
Logo, pode ser conceituada como o ato executivo por meio do qual o Estado se apossa
dos bens do devedor, com o objetivo de garantir, mediante ulterior adjudicação ou alienação,
a realização do direito de crédito. 18 Trata-se de apreensão judicial de bens do executado em
quantidade suficiente a garantir o pagamento do principal atualizado, juros, custas e
honorários advocatícios. 19
Lembre-se de que o ato processual da penhora não deve ser confundido com o penhor,
pois, não obstante possuírem nomenclaturas semelhantes, compreendem institutos
completamente distintos.
O penhor constitui garantia oferecida pelo devedor, a qual incide sobre coisa móvel
pertencente ao seu patrimônio ou de terceiro (nesse caso, exige-se anuência do terceiro), com
o objetivo de assegurar o futuro cumprimento de obrigação. Na escorreita lição de Elpídio
Donizetti, “distingue-se penhora de penhor. Penhora é o ato executivo que cria direito de
preferência. Penhor é direito real de garantia, regulado no direito material. O bem constrito na
execução denomina-se bem penhorado; já o objeto do penhor denomina-se bem apenhado”. 20
Da mesma forma, a penhora não pode ser confundida com o arresto, visto que, a despeito
de possuírem a semelhante finalidade de conservação de bens, a primeira configura ato
18 De acordo com ensinamento de Dinamarco, “Penhora é o ato pelo qual se especifica o bem que irá responder
pela execução. De todos os bens que respondem pelas obrigações do executado, um é escolhido e separado dos
demais, ficando a partir de então afetado à execução forçada, ou seja, comprometido com uma futura
expropriação a ser feita com o objetivo de satisfazer o direito do exequente; penhorar é, portanto, predispor
determinado bem à futura expropriação no processo executivo”. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições
de direito processual civil. Vol.IV. São Paulo: Malheiros, 2004, p.520. Por sua vez, Araken de Assis entende
ser a penhora “o ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e
torna os atos de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo”. ASSIS, Araken. Manual do
processo de execução. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.604.
19 Art.659 do CPC: A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal
atualizado, juros, custas e honorários advocatícios.
20 DONIZETTI, Elpídio. O novo processo de execução. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p.271.
45
propriamente executivo 21 enquanto esse se caracteriza por ser medida cautelar. 22 O arresto
constitui ato de apreensão judicial de bens com vistas a resguardar a eficiência de um
processo de execução por quantia certa. É um ato preparatório da penhora.
Como instrumento de apreensão judicial de bens, a penhora possui fundamental
relevância para a concretização do direito à tutela executiva; a importância do instituto
decorre de sua própria finalidade ou efeito dele decorrente, qual seja, a individualização e
apreensão de bens pertencentes ao patrimônio do devedor que se destinam a satisfazer o
direito de crédito, por meio da expropriação.
A penhora se manifesta, igualmente, na conservação dos bens apreendidos na exata
situação em que se encontram, evitando que sejam danificados ou transferidos a terceiros, em
total prejuízo para a execução.
3.2.2 Efeitos materiais e processuais da penhora
Não obstante já se tenha reportado anteriormente a alguns efeitos da penhora, o que se
fez necessário para sua conceituação e para a compreensão de sua natureza jurídica, impõe-se
relacioná-los de maneira a melhor assimilar a importância desse instrumento processual para
a efetivação do direito à tutela executiva.
O primeiro efeito material da penhora consiste em destituir o executado da condição de
possuidor dos bens, permanecendo ele apenas com a posse indireta. No caso, a posse direta é
transferida para o Estado-Juiz, o qual, mediante um depositário judicial, tem o dever de
conservar o bem e evitar o seu perecimento, sob pena de prejudicar a execução.
O efeito material seguinte se caracteriza por tornar sem eficácia em relação ao exequente
qualquer ato de disposição sobre o bem penhorado, ou seja, a alienação ou a instituição de
ônus que eventualmente venham a incidir sobre o bem apreendido judicialmente será
considerada totalmente ineficaz em relação ao exequente.
21 Acerca da natureza jurídica da penhora, Humberto Theodor Júnior assevera que “o entendimento dominante
na melhor e mais atualizada doutrina é o de que a penhora é simplesmente um ato executivo (ato do processo de
execução), cuja finalidade é a individualização e preservação dos bens a serem submetidos ao processo de
execução”. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – Processo de execução e
cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Vol.II. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 293.
22
Colhe-se da doutrina de Liebman que a penhora possui “em parte função conservativa. Sua afinidade com o
arresto é evidente. Diferencia-se, todavia, dele por ser ato do processo de execução, o que não acontece com o
arresto”. LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1966, p.191.
46
É válido enfatizar que a constrição relaciona-se apenas ao exequente, não devendo ser
confundida com privação judicial que impeça o executado de exercer o poder de disposição
sobre o bem. Desse modo, “a proibição de alienar os bens apreendidos é consequência que
excede a finalidade desejada, porque o que interessa é que o bem não seja subtraído à
execução, não sendo para isso indispensável que permaneça no patrimônio do devedor”. 23
No que se refere aos efeitos processuais da penhora, o primeiro deles se reporta à
individualização dos bens do executado que serão objeto de expropriação por parte do
Estado, com vistas a satisfazer a tutela executiva. Somente os bens discriminados pela
penhora poderão ser submetidos à expropriação.
Ainda como efeito de ordem processual do ato de constrição de bens, cita-se a garantia
do juízo da execução. Com a individualização dos bens, torna-se possível conferir maior
segurança no que concerne ao resultado positivo da entrega da tutela executiva. 24
A última, porém não menos importante, consequência processual da penhora se reflete
no direito de preferência, por meio do qual se atribui ao credor a prioridade sobre o bem
penhorado, em detrimento de outros credores que eventualmente venham a exercer, por meio
executivo, os respectivos direitos de crédito sobre o bem objeto de penhora anteriormente
efetivada.
Destarte, recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, o credor que houver
precedido aos demais no ato de realização da constrição judicial obterá o direito de
preferência sobre o recebimento do objeto da prestação. Em seguida, caso ainda reste algum
saldo disponível, proveniente do procedimento de expropriação do bem penhorado, o
próximo credor receberá o que lhe corresponder e, assim, sucessivamente.
A preferência decorrente da penhora não subsiste, no entanto, quando se tratar de
insolvência civil do executado, na qual os credores quirografários participarão do concurso de
credores em igualdade de condições, independentemente de haver penhora em favor deles. 25
23
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1966, p.195-196.
24 Para José Frederico Marques, “a penhora é elemento de segurança da execução, uma vez que, com a
apreensão de bens do devedor, a tutela executiva encontra garantias para atingir seus objetivos”. MARQUES,
José Frederico. Manual de direito processual civil. vol IV, Campinas: Bookseller, 1997, p.187. Segundo
Barbosa Moreira, a garantia do juízo se refere à “função cautelar da penhora, que nem por isso a reduz à
condição de providência essencialmente cautelar”. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil
brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 243.
47
Ora, inexistindo saldo suficiente para satisfazer todos os direitos de crédito, não é certo
que o pagamento se realize de acordo com a ordem de preferência previamente estabelecida,
visto que pelo menos o último credor restará prejudicado. 26
Com a elucidação dos efeitos da penhora e da compreensão do propósito do instituto,
pode-se afirmar que esse ato de constrição é indispensável para a realização do direito
fundamental à tutela executiva.
Foi justamente com o objetivo de aperfeiçoar a constrição judicial de bens e atribuir
celeridade à fase executiva e ao processo de execução, que as últimas reformas processuais
do Código de Processo Civil se manifestaram, de maneira acertada, sobre os novos
mecanismos relacionados à penhora.
3.3 Leis nos. 11.232/2005 e 11.382/2006: alterações e inovações no que tange à penhora de
dinheiro
O processo executivo brasileiro é objeto de um fenômeno intitulado crise da
execução 27 , que se caracteriza pela ineficácia ou ineficiência do resultado que socialmente se
espera da tutela jurisdicional. Igualmente, pode-se falar em crise de inefetividade, haja vista
que, após longa espera por uma tutela jurisdicional efetiva, o que se observa é a prolação de
decisões injustas e inúteis.
A injustiça da decisão decorre diretamente da morosidade que atinge o desenrolar
processual. Essa delonga judicial acarreta um obstáculo ao Poder Judiciário, que se mostra
impedido de exercer uma correta atividade interpretativa de subsunção dos fatos às normas.
Decorrido longo período, não há mais como o magistrado apreciar adequadamente, os
fatos e as provas pertinentes ao caso. Assim, as decisões são também inúteis por não mais
corresponderem às circunstâncias apresentadas na fase inicial do processo.
25 Conforme determina o art. 612 do CPC: Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o
concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o
direito de preferência sobre os bens penhorados.
26 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento.
25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 266.
27
Acerca da crise de execução, Paulo Henrique dos Santos Lucon assevera não se tratar apenas de um problema
nacional, estende-se também a outros ordenamentos jurídicos. Consoante o autor, “A efetividade do processo de
execução é um problema mundial. O ambiente sociológico alterou-se. Nos dias de hoje, ser devedor não é mais
um grande defeito e não pagar as próprias dívidas deixou de ser um sinal de vergonha. A facilidade na obtenção
de crédito e a intensificação dos negócios jurídicos criaram condições excelentes para os devedores”. LUCON,
Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p.424-425.
48
Araken de Assis, ao se reportar à crise da justiça, declara que “a prestação
jurisdicional prometida pelo Estado, no Brasil e alhures, tarda mais do que o devido,
frustrando as expectativas dos interessados”. 28
Nesse âmbito, o processo deve se mostrar apto a entregar ao titular do direito o que
ele realmente tem o direito de obter. Referido axioma relaciona-se de maneira intrínseca com
o movimento direcionado à efetividade processual e objetiva advertir acerca da adoção de
posicionamentos que importem a inutilidade das medidas judiciais. 29
Perante essa crise de execução, hodiernamente, o que se busca é a obtenção de um
processo em que a celeridade e, por consequência, a efetividade sejam asseguradas, sem
olvidar o respeito às garantias processuais de ordem constitucional.
Necessário se faz a análise de modo mais minucioso e aprofundado das normas
processuais, com o escopo de reformular os institutos tradicionais e conceber novos
mecanismos para que o processo se harmonize à realidade sociojurídica para a qual foi criado
e, com tal concepção, efetivar o acesso à justiça, previsto constitucionalmente. 30
Em face desse quadro social, as “minirreformas”
31
processuais surgiram para atribuir
celeridade ao trâmite processual e garantir a efetividade das decisões, sem que se deixasse de
observar o princípio do devido processo legal.
As leis nos. 11.232/2005 e 11.382/2006 redefiniram modalidades de instrumentos
executivos já superados pela ineficácia a eles inerentes e que embaraçavam, sobremaneira, a
obtenção de um resultado efetivo, como decorrência da prestação jurisdicional.
28 ASSIS, Araken de. Duração razoável do processo e reformas da lei processual. In: Processo e ConstituiçãoEstudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. FUX, Luiz; NERY JÚNIOR, Nelson;
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.196.
29 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria
geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.35.
30 Cassio Scarpinella Bueno, em estudo sobre os princípios constitucionais do processo civil, assevera que o
acesso à justiça constitui garantia que “convida para uma renovada reflexão – e correspondente sistematização –
do direito processual civil como um todo (e do processo em particular) com vistas a que o exercício da função
jurisdicional proteja – por imposição constitucional adequada, eficaz e rapidamente – situações de ameaça a
direito como situações de lesão a direito”. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito
processual civil: teoria geral do processo civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.103.
31 Fala-se em “minirreformas”, tendo em vista que a onda processual reformista se desenvolveu de maneira
lenta, em alterações pontuais no texto do diploma processual civil. Ao comentar a forma como se deu a
sequência operacional de reforma, Juvêncio Vasconcelos Viana relata que as alterações ao Código “se deram, em
verdade, através de ‘minireformas’, ou seja, apenas melhorando seu texto, visando, segundo a própria comissão
revisora, localizar os pontos de estrangulamento da prestação jurisdicional e, de conseqüência, remover óbices
existentes à efetividade do processo”. VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da
Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 23.
49
Além da modificação de institutos em curso, houve também a inserção de novos
mecanismos tendentes a imputar maior celeridade processual, em nítida oposição à
morosidade então dominante no quadro do Poder Judiciário brasileiro.
Superar um processo executivo imbuído pela morosidade foi a razão que incentivou
os legisladores a elaborarem os diplomas legislativos reformistas anteriormente mencionados
e, pela lei no. 11.382/2006, inserir no diploma processual civil a possibilidade de o magistrado
encaminhar as ordens judiais de bloqueio de valores por meio eletrônico, como medida de
suma relevância para a efetivação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Assim, a posição assumida pelos legisladores, ao introduzir a penhora on line na
sistemática processual civil, objetivou combater a situação confortável em que se encontrava
o devedor, em virtude da procrastinação do feito, a qual inviabilizava a tão almejada
obtenção de uma tutela efetiva em prol do credor.
Os devedores contumazes, valendo-se da prática de não colocar bens em seu próprio
nome, ocultarem-nos ou mesmo oferecer bens de comercialização difícil, obstaculizavam o
regular trâmite processual e, por meio da adoção das mencionadas condutas, ofendiam o
direito fundamental à razoável duração do processo.
É exatamente nesse contexto de ênfase no combate à inefetividade das tutelas
jurisdicionais que o encaminhamento das ordens de bloqueio de valores por meio eletrônico,
mais conhecido como penhora on line, revela-se como uma inovação capaz de superar os
obstáculos impostos pela burocracia e pelas formalidades observadas na fase executiva e/ou
no processo de execução.
Na realidade, não se trata especificamente de inovação, mas de uma oficialização do
instituto que já vinha sendo empregado desde a formalização do convênio que originou o
sistema BACEN JUD, em 2001. Assim, depreende-se que a lei no. 11.382/2006, no que
concerne ao bloqueio de valores em depósito ou aplicação financeira por intermédio do meio
eletrônico, serviu para legitimar a utilização do instituto. 32
32 A respeito do tema, vale transcrever as palavras de Humberto Theodoro Júnior: “A penhora de dinheiro em
depósito bancário ou aplicação financeira não é novidade no direito processual civil brasileiro.
Inquestionavelmente, quando o antigo texto do artigo 655 do CPC colocava o dinheiro no primeiro grau de
preferência para a penhora, na expressão legal tanto se incluía o dinheiro em caixa como o dinheiro recolhido em
conta bancária”. THEODORO JÚNIOR. Humberto. A penhora on line e alguns problemas gerados pela sua
prática. Revista de processo, v.34, n.176, p. 11-35, out. 2009, p.18.
50
3.3.1 Lei no. 11.232/2005
A reforma processual operada pela lei no. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, teve
como principal objetivo reduzir o tempo despendido na tramitação dos processos judiciais,
primando pela efetividade da tutela jurisdicional executiva.
Com efeito, no que tange ao pagamento de quantia certa, a edição do diploma
normativo foi motivada pela necessidade de concretizar o direito fundamental à tutela
jurisdicional e, com base na referida necessidade, passou a enxergar a execução de sentença
não mais como um processo autônomo, distinto do conhecimento, mas como fase executiva
de processo único.
Na execução por quantia certa contra devedor solvente, duas diferentes espécies
processuais executivas puderam ser identificadas, a depender de cada caso concreto. Destarte,
fala-se em fase executiva quando se estiver diante de execução por quantia certa formalizada
em título executivo reconhecido judicialmente, a qual se realiza por meio do cumprimento de
sentença e encontra-se positivada nos arts. 475-J e seguintes do diploma processual civil. Se a
execução por quantia certa for fundamentada em título executivo extrajudicial, o
procedimento a ser seguido é o que consta no art. 646 e posteriores do CPC. 33
Percebeu-se que não bastava reconhecer o direito ao crédito; necessário se faz
concretizá-lo de modo que o exequente satisfaça sua pretensão da maneira mais efetiva
possível. 34
Dessa perspectiva, a lei instituiu mecanismos que visam a restringir as atitudes
adotadas pelo devedor renitente no intuito de se esquivar da satisfação do direito de crédito.
Logo, as alterações instituídas por aludida norma legislativa modificaram substancialmente o
33 Seguindo as lições de Antônio Carlos Cintra, depreende-se que, em decorrência da lei no. 11.232/2005,
“atualmente só se pode falar em autonomia do processo de execução quando esta se fundamenta em título
executivo extrajudicial e nos casos de cumprimento (civil) de sentença penal condenatória, de sentença arbitral e
de sentença estrangeira homologada”. ARAÚJO CINTRA. Antônio Carlos de. Comentários ao código de
processo civil. vol. IV. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.363.
34 De grande pertinência a colocação de Cassio Scarpinella Bueno sobre o tema: “O problema, pois, não é só o
de conhecer o direito, saber quem tem razão, quem não o tem e com que grau de certeza. O problema é também
saber o que fazer para aquele que tem razão e quer se satisfazer sem ficar sujeito ao tempo inerente à atividade
jurisdicional que se faz necessária também para a realização concreta do direito tal qual reconhecido pelo
Estado-juiz. Assim como no reconhecimento do direito, o tempo é inimigo também da concretização do que foi
reconhecido como ‘o’ direito”. BUENO, Cassio Scarpinella. Variações sobre a multa do caput do art.475-j do
CPC na redação da lei 11.232/2005. In: WAMBIER. Teresa Arruda Alvim. (Org.) Aspectos polêmicos da nova
execução - 3: de títulos judiciais – Lei 11.232/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.133-134.
51
modelo processual de execução fundada em títulos executivos judiciais, além de trazer
institutos de significativa contribuição para a concretização do direito do credor.
Eis que, em decorrência desse panorama caracterizado pela crise de inefetividade da
tutela executiva, a lei em destaque apresentou ao ordenamento processual civil o art. 475-J, o
qual estabelece uma multa no valor de 10% sobre o valor da condenação para as situações em
que o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixado em liquidação, não o
efetue no prazo de 15 dias.
A multa instituída por esse dispositivo, não obstante ser considerada relativamente
baixa para alguns ou mesmo insuficiente35 a propiciar o alcance do resultado pretendido,
surgiu com o propósito de exercer uma pressão psicológica sobre o devedor como meio de
forçá-lo a efetivar a satisfação do direito do credor e, ao mesmo tempo, puni-lo pelo não
cumprimento da obrigação. 36
Como se percebe, a imposição da multa, como forma de coerção do devedor ao
pagamento de quantia em dinheiro, contribuiu para combater a ineficiência do sistema
processual.
Um sistema processual que contribui para o inadimplemento das obrigações em
prejuízo do lesado ofende os direitos fundamentais constitucionalmente previstos, em
especial o direito de proteção de todo o cidadão e, dessa maneira, mostra-se flagrantemente
inconstitucional. A não percepção desse fato estimula os infratores, os quais continuarão a
entender que a observância dos direitos é menos conveniente do que ser executado. 37
35 Pérsio Thomaz Ferreira Rosa obtempera “que a Lei 11.232/2005 certamente trará benefícios com a imposição
de maiores penalidades aos devedores como um todo, mas isso não é suficiente, haja vista que não nos parece
suficiente a multa fixada ex lege em 10% para a hipótese de descumprimento de sentença”. ROSA, Pérsio
Thomas Ferreira. Apontamentos críticos sobre algumas inovações imprimidas pela Lei 11.232/2005. In:
WAMBIER. Teresa Arruda Alvim. (Org.) Aspectos polêmicos da nova execução - 3: de títulos judiciais – Lei
11.232/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 479.
36 Adota-se a posição que entende ser a multa prevista na disposição normativa em tela de caráter híbrido, ou
seja, assume o aspecto punitivo e o coercitivo, não obstante a existência de opiniões noutro sentido. Sobre a
natureza da multa prevista no art.475-J do CPC, verbera Cássio Scarpinella Bueno que “entender que a natureza
da multa prevista o caput do art.475-J é coercitiva significa dizer que sua finalidade é a de compelir o devedor a
cumprir o julgado, atendendo ao que determinado (ordenado) na decisão (título executivo judicial), e não
sancioná-lo ou puni-lo pelo não cumprimento”. BUENO, Cassio Scarpinella. Variações sobre a multa do caput
do art.475-j do CPC na redação da lei 11.232/2005. In: WAMBIER. Teresa Arruda Alvim. (Org.) Aspectos
polêmicos da nova execução 3: de títulos judiciais – Lei 11.232/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006,
p.155.
37 MARINONI, Luiz Guilherme. A efetividade da multa na execução da sentença que condena a pagar
dinheiro. Disponível em www.marinoni.adv.br. Acesso: 10 de jan. 2011.
52
Outra relevante novidade acrescentada pela lei no. 11.232/2005 ao sistema processual
vem igualmente consubstanciada no art. 475-J, o qual preceitua em seu parágrafo 3º, que “o
exequente poderá em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados”.
Anteriormente à edição dessa regra, ao executado cabia nomear os bens sobre os quais
incidiria a ordem judicial de penhora e, apenas em momento posterior, o exequente era
intimado para se pronunciar a respeito da escolha realizada.
Com a introdução de referida disposição normativa ao CPC, o direito à nomeação de
bens deixou de pertencer ao executado e passou a ser exercido pelo exequente, no momento
em que for pleitear o pagamento da quantia reconhecida judicialmente.
Não efetuada a escolha dos bens pelo credor, cabe ao oficial de justiça encarregado do
cumprimento da ordem de penhora realizar essa incumbência, penhorando tantos bens quanto
bastem à satisfação do objeto da tutela executiva. O não exercício desse direito por parte do
credor não o transfere ao devedor, por ausência de expressa disposição normativa que assim o
preveja.
Em verdade, “o que se passa com as alterações trazidas pela Lei n.11.232/2005 é que
o que era direito do executado passou a ser mera faculdade, que só prevalecerá na medida em
que haja expressa concordância do exequente e do juízo”. 38
O direito de nomeação dos bens sobre os quais recairá a constrição judicial também
foi atribuído ao credor de título executivo extrajudicial, pela lei no. 11.382/2006. Para tanto, o
credor deverá indicar os bens a serem penhorados quando da petição inicial que instrui o
processo executivo, de acordo com o que dispõe o parágrafo 2º, do art. 652.
Caso não haja indicação de bens pelo credor, o oficial de justiça procederá de
imediato à penhora e à avaliação daqueles que forem encontrados no patrimônio do devedor,
assim como ocorre com os títulos executivos judiciais.
A transferência, ao exequente, do direito de indicar bens aptos a satisfazer a execução
constituiu medida diretamente consentânea com o princípio da celeridade processual, visto
38 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva.
vol.3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.187.
53
que buscou evitar a adoção de condutas fraudulentas pelo executado, consubstanciadas no
oferecimento de bens de alienação difícil. 39
Da mesma forma, essa posição adotada pelo legislador contribuiu, sobremaneira, para
a concretização do direito fundamental à tutela executiva, na medida em que favoreceu a
entrega do objeto da execução de maneira mais célere.
Ainda sobre essa modificação introduzida pela reforma, consistente na possibilidade
de indicação de bens pelo exequente, faz-se necessário ressaltar a grande contribuição trazida
pelo instituto da penhora on line, no sentido de concretizar a faculdade estabelecida nos
parágrafos 3º e 2º, dos arts. 475-J e 652, respectivamente.
Assim, se ao exequente é conferido o direito de indicar bens pertencentes ao
patrimônio do executado sobre os quais recairá a ordem de penhora, nada mais salutar do que
a previsão de um instrumento que possibilite ao primeiro tomar conhecimento da efetiva
existência de bens ou valores em nome do executado e quais as suas respectivas localizações.
3.3.2 Lei no. 11.382/2006
A lei no 11.382, de 06 de dezembro de 2006, acarretou diversas modificações nos
institutos processuais já disciplinados pela sistemática processual civil, além de introduzir
uma série de inovações concernentes ao ato processual da penhora de bens.
Referida norma legislativa apenas deu continuidade à onda reformista iniciada pelas
leis nos. 10.352/01, 10.358/01, 10.444/02 e 11.232/05. O processo de reforma teve como
principal escopo a unificação do processo de conhecimento e do processo de execução,
quando se tratasse de títulos executivos judiciais, com vistas a constituir o chamado processo
sincrético. 40
39 Athos Gusmão Carneiro relata que “o novo sistema aboliu, pois, o instituto da ‘nomeação de bens pelo
devedor’, o qual, como bem sabido pelos operadores do processo, revelou-se fonte de inúmeros percalços
(indicação de bens sem liquidez, ou situados em lugar longínquo, ou de propriedade questionada etc.), capazes
de muito empecer e procrastinar o andamento das execuções”. CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da
sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.65.
40 Reconhecendo que hodiernamente as atividades de cognição e de execução podem ser realizadas num mesmo
processo, José Miguel Garcia Medina exara que “essa situação tende a se tornar preponderante, de modo que já
se pode falar, atualmente, na existência de um princípio que representa esta nova configuração da relação entre
cognição e execução, a que denominaremos de princípio do sincretismo entre cognição e execução”. MEDINA,
José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 216.
54
As alterações trazidas pela lei no 11.382/2006, no entanto, voltaram-se para o processo
de execução propriamente dito, ou seja, aquele pelo qual os títulos executivos extrajudiciais
são executados. A alteração protagonizada por aludida norma “busca ‘fechar’ o ciclo de
efetividade da execução, tornando essa uma atividade realmente em favor do credor e não um
‘processo do devedor’, como às vezes se testemunha na prática forense”. 41
Desse modo, a título de exemplificação, cita-se a possibilidade de o oficial de justiça
proceder, na mesma oportunidade, à execução da ordem de penhora e promover de imediato
a avaliação dos bens, no caso de o executado, devidamente citado, não efetuar o pagamento
no prazo de três dias. 42 Menciona-se, também, a possibilidade conferida ao executado de
apresentar embargos à execução sem a necessidade de, previamente, garantir o juízo ou,
ainda, a não atribuição imediata do efeito suspensivo aos embargos apresentados.
Volta-se, a partir de agora, a estudar algumas modificações realizadas pela lei no.
11.382/2006, no que tange especificamente ao instituto da penhora, visto que está relacionado
ao tema central deste trabalho.
A primeira delas se refere aos atos atentatórios à dignidade da justiça, os quais eram
regidos, no sistema anterior, pelo art. 600, que dispunha, em seu inciso IV, que era
considerado atentatório à dignidade da justiça o ato do devedor que não informasse ao juiz o
local em que se encontravam os bens suficientes a satisfazer a execução.
A atual redação do preceito normativo prevê a intimação do executado 43 para que
indique ao juiz, no prazo de cinco dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos a
penhora, bem como seus respectivos valores. Se o executado assim não proceder, configurarse-á ato atentatório à dignidade da justiça, o que acarretará a fixação de uma multa não
superior a 20% do valor atualizado do débito exequendo, de acordo com o que estabelece o
art. 601 do CPC.
Destaca-se aí mais uma disposição normativa que visa a atribuir eficiência à fase de
execução dos direitos reconhecidos judicialmente ou daqueles fundamentados em títulos
41
VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Nova execução civil. Fortaleza: Pouchain Ramos, 2007, p. 54.
42 De acordo com o disposto no art. 652, § 2º: “Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do
mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e sua avaliação, lavrando-se o respectivo
auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado”.
43 Repare-se que a atual redação, diversamente da anterior, faz referência a ato do executado, e não do devedor.
Aludida alteração intencionou apenas aprimorar a nomenclatura, não ensejando maiores efeitos processuais.
55
executivos extrajudiciais, na medida em que estabelece um lapso para a indicação dos bens
pelo devedor, o lugar em que eles se encontram e os respectivos valores.
Verbera Humberto Theodoro Junior que “a norma, como se achava no texto primitivo,
era de escassa utilidade para o processo executivo” 44 . Continua o autor, explicando que “a
sanção dos arts. 600, IV, c/c art.601 somente atingiria situações de conduta comissiva, como
a de intencional ocultação de bens com o objetivo de frustrar a tutela satisfativa”. 45
A segunda modificação trazida pela reforma da execução de título extrajudicial teve
por escopo amparar o processo executivo contra a fraude à execução. Assim, conforme
disposto no art. 615-A do CPC, ao exequente foi conferida a faculdade de requerer uma
certidão comprobatória do ajuizamento da execução, a ser exercida no momento da
distribuição.
Referida certidão tem por fim atribuir publicidade, por intermédio do registro de
imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto, ao fato
de existir um processo de execução por quantia certa instaurada contra o devedor solvente. A
publicidade desse fato depende da vontade do exequente, já que se trata de uma faculdade e
não de um dever.
O ato de averbação deverá ser comunicado ao juiz da execução no prazo máximo de
dez dias e será válido tão somente até a formalização da penhora sobre bens suficientes para
cobrir o valor da dívida (parágrafos 1º e 2º).
O acréscimo desse dispositivo ao sistema processual se mostrou deveras relevante no
sentido de obstaculizar o emprego de medidas ardilosas pelo executado, consubstanciadas na
alienação ou oneração de bens pertencentes ao seu patrimônio, em total prejuízo para a
satisfação do direito do exequente ou mesmo prejudicando um terceiro adquirente de boafé. 46
44
THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma da execução do título extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense,
2007, p.29.
45 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p.29.
46
Dispõe o parágrafo 3º, do art. 615-A que: Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens
efetuada após a averbação (art.593). Sobre referido preceito normativo, Antônio Cláudio da Costa Machado
assevera que: “Opera-se, destarte, com o presente § 3º, a antecipação do momento em que as alienações (ou
onerações de bens) se tornam vedadas ao executado, o que significa indubitável progresso do sistema em
direção a maior efetividade do processo de execução”. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de
processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo: leis processuais civis extravagantes
anotadas. 2. ed. São Paulo: Manole, 2008, p.1101.
56
Outra alteração efetuada pelo processo reformista fundamentado na lei no.
11.382/2006 refere-se à ordem de preferência estabelecida pelo art. 655 do diploma
processual civil. A gradação legal disciplinada no referido preceito é regulada pela liquidez
do bem, ou seja, pressupõe-se que a satisfação do crédito deve ocorrer da maneira mais
eficiente e célere, para que o direito à efetividade da tutela executiva seja verdadeiramente
concretizado.
Em sua redação anterior, mencionada regra dispunha que o dinheiro encabeçava a
lista de preferência dos bens a serem penhorados. A essa previsão inicial foram acrescentadas
as expressões “em espécie”, “em depósito” e “aplicação em instituição financeira”.
A partir da mencionada inclusão, não apenas o dinheiro em espécie, como também o
valor encontrado em depósito ou o financeiramente aplicado passaram a deter preferência de
penhora sobre todos os demais bens arrolados no art. 655.
A nova redação deu fim à controvérsia ainda existente no que se refere ao
enquadramento do dinheiro constante em depósito ou aplicado em instituição financeira, nas
hipóteses previstas no retromencionado dispositivo normativo.
Desse modo, pelo regime anterior, não se achava resolvida de maneira definitiva a
dúvida sobre se o dinheiro em depósito ou o aplicado em instituição financeira se
equiparavam ao dinheiro em espécie para efeitos de liquidez, ou se o mesmo vinha definido
como crédito e, nesse caso, restava previsto no inciso que se referia a “direitos e ações”, o
qual se encontrava em último lugar da lista de preferência.
Sucede que, mesmo antes da institucionalização do sistema BACEN JUD, o qual teve
sua origem em Convênio de Cooperação Técnico Institucional formalizado entre o Banco
Central do Brasil, o Conselho da Justiça Federal e o Superior Tribunal de Justiça, no ano de
2001, a penhora sobre dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira já vinha
sendo praticada por uma grande maioria dos aplicadores do Direito.
Do contexto então vigente, não havia mais no que se cogitar qualquer justificativa
plausível para defender a subsistência da controvérsia anteriormente explanada, na medida
em que a previsão do instituto da penhora on line objetivou conferir maior efetividade e
celeridade para o ato de constrição judicial dos bens pertencentes ao patrimônio do
executado.
57
Destarte, a penhora incidente sobre dinheiro em depósito ou em aplicação financeira
não configurou novidade trazida pela lei no. 11.382/2006. Mesmo na vigência do texto
anterior, em que a expressão legal fazia referência tão somente ao dinheiro, já era possível
constatar na prática a realização de penhora sobre o dinheiro em caixa ou recolhido em conta
bancária. 47
Ora, se o pagamento da dívida em dinheiro se caracteriza como a melhor forma de
satisfazer a execução por quantia certa contra devedor solvente, nada mais salutar do que
equiparar ao dinheiro em espécie àquele que é objeto de depósito ou aplicação em instituição
financeira.
A previsão do dinheiro como prioridade em relação aos demais bens a serem
penhorados obedece aos princípios da celeridade e da economicidade processual, na medida
em que entrega de imediato ao credor o objeto da execução, tornando desnecessárias
posteriores avaliações e alienações incidentes sobre aludidos bens. 48
Nessa linha de pensamento, afirma-se que uma das alterações mais significativas,
introduzida pela lei em exame, refere-se à inserção no CPC da disposição normativa
consubstanciada no art. 655-A, aplicável tanto ao processo executivo fundamentado em título
executivo extrajudicial quanto em relação à fase executiva de crédito reconhecido
judicialmente.
De acordo com o preceito estabelecido pela referida disposição normativa, para que a
realização da penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira seja possível, o
juiz requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio
eletrônico e mediante requerimento do exequente, que se diligencie no sentido de obter
47 No entender de Humberto Theodoro Júnior, “O que fez a Lei 11.382/2006 – a par de clarear o enunciado do
inc. I do art.655 – foi apenas disciplinar em texto legal o que já se praticava no foro, em matéria de penhora de
saldos bancários do executado. A dificuldade prática se situava na busca desses saldos, embaraço esse que a
Justiça Federal procurou contornar mediante convênio com o Banco Central para propiciar, por via eletrônica, a
informação de que o juízo da execução dependia para formalizar a penhora do numerário mantido pelo
executado em custódia ou aplicação junto a alguma instituição financeira”. THEODORO JÚNIOR. Humberto. A
penhora on line e alguns problemas gerados pela sua prática. Revista de processo, v.34, n.176, p. 11-35, out.
2009, p.18.
48
Em reforço ao entendimento perfilhado, calha transcrever as nobres lições de Francesco Carnelutti que, ao
tratar da figura da penhora no Direito italiano, considera que o processo de execução será mais efetivo se a
constrição recair sobre o dinheiro. De acordo com o autor, “já que o embargo visa a garantir a provisão do
dinheiro necessário para a satisfação do credor, quando se embarga um bem diverso do dinheiro, interessa à
rapidez e ao bom termo da execução que a tal bem substitua o dinheiro, sempre que este chegue à soma
necessária para cobrir plenamente os créditos, pelos quais se procede, e as custas; tal substituição por dinheiro de
outro bem embargado recebe o nome de conversão do embargo”. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do
processo civil. Trad. Adrian Sotero De Witt Batista. vol.III. São Paulo: Classic Book, 2000, p.47.
58
informações sobre a existência de quantias em nome do executado e, em caso afirmativo,
poderá o juiz determinar de imediato a indisponibilidade do valor eventualmente encontrado,
até o limite da execução.
A previsão legal dessa regra traduziu demasiada contribuição no que diz respeito à
efetivação do direito fundamental à tutela executiva, na medida em que dissipou qualquer
argumento contrário a não utilização do instituto da penhora on line por considerá-la carente
de legítimo substrato legal.
Se o dinheiro sempre encabeçou a regra da gradação legal estabelecida pelo CPC e
pela Lei de Execuções Fiscais 49 , não havia respaldo sólido para sustentar que o simples fato
de o dinheiro se encontrar depositado em conta-corrente configurava embaraço para a efetiva
constrição judicial do valor.
Registre-se ainda o fato de que a recente onda processual reformista teve origem na
premente necessidade de imprimir efetividade ao processo e, a partir desse movimento,
concretizar o acesso à justiça, entendido esse em seu sentido mais moderno.
Desse modo, afigura-se acertada a prática consubstanciada na realização do bloqueio
de ativos financeiros em nome do executado como prioridade sobre os demais bens, mesmo
que ainda não existisse disposição normativa expressa nesse sentido. 50
Ante tais considerações, mostra-se claro que, mesmo antes da edição da lei no
11.382/2006, responsável pela resposta legislativa que equiparou o dinheiro em depósito ou
aquele aplicado em instituição financeira ao dinheiro em espécie, a prática cotidiana,
respaldada na jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça 51 , já se mostrava
49 Art. 11 da lei 6.830/1980 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem: I - dinheiro; II - título
da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa; III - pedras e metais preciosos; IV
– imóveis; V - navios e aeronaves; VI - veículos; VII - móveis ou semoventes; e VIII - direitos e ações.
50 Esse já era o entendimento destacado por Luiz Guilherme Marinoni, anteriormente à positivação da
possibilidade da penhora incidir sobre dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira: “Ainda que
existam bens penhoráveis, o credor tem o direito de penhorar, diante da ordem legal do art. 655, dinheiro – que
evidentemente jamais deixará de ser dinheiro por estar depositado em banco. Se é assim, pouco importa que
existam bens além de dinheiro. Se o credor possui suspeita fundada de que o devedor possui dinheiro – que pode
ser penhorado – depositado em banco, é claro que cabe sua penhora e, por esse motivo, requisição ao Banco
Central ou determinada instituição financeira”. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos
direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 650.
51 Entendendo que a previsão prioritária do dinheiro no rol dos bens a serem penhorados se estendia,
igualmente, a dinheiro em depósito: “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. NOMEAÇÃO DE IMÓVEL DE
DIFÍCIL VENDA. GRADAÇÃO LEGAL. PENHORA DE NUMERÁRIO À DISPOSIÇÃO DA
EXECUTADA. ADMISSIBILIDADE. Indicado bem imóvel pelo devedor, mas detectada a existência de
numerário em conta-corrente, preferencial na ordem legal de gradação, é possível ao juízo, nas peculiaridades da
59
favorável à incidência da penhora sobre esses valores como bem preferencial sobre os
demais.
O novo texto significou respeitável avanço no que se refere a alcançar uma tutela
executiva mais célere e efetiva, tendo em vista que normatizou instituto ágil, eficaz e
econômico para o bloqueio de valores pertencentes ao patrimônio do executado.
Levando-se em consideração a relevância da penhora on line para a concretização do
direito à tutela jurisdicional efetiva, esse tema será, em momento oportuno, objeto de estudo
mais detalhado, o qual tenderá a abranger seu conceito, origem e implicações.
Outra modificação de grande relevância, no que tange à penhora de dinheiro, vem
disciplinada pelo art. 668 do CPC. De acordo com o que estabelece aludido preceito
normativo, o executado poderá, no prazo de dez dias contados da intimação da penhora sobre
bens pertencentes ao seu patrimônio, requerer sua substituição, desde que comprove, de
forma cabal, que esse procedimento não acarretará qualquer prejuízo à satisfação do direito
de crédito objeto da execução. Demais disso, o executado deve demonstrar ainda que a
substituição do bem implique execução menos onerosa para ele. 52
A antiga redação do art. 668 não determinava prazo para que o devedor requeresse a
substituição do bem penhorado; bastava que o requerimento fosse efetuado antes da
arrematação ou alienação. A não estipulação de prazo para solicitar mencionada permuta ia
de encontro ao princípio da celeridade processual e, consequentemente, impedia que a
satisfação do direito a tutela executiva se desse de modo mais efetivo.
A substituição, sob a égide do texto anterior, não podia ser realizada por nenhum
outro bem previsto na ordem de preferência estabelecida pelo art. 655, à exceção do
dinheiro. 53 Não obstante a proibição instituída pela antiga regra, a jurisprudência já se
espécie, penhorar a importância em dinheiro, nos termos dos arts. 656, I, e 657 do CPC. Recurso especial não
conhecido.” (Resp. 537667/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em
20/11/2003, DJ 09/02/2004).
52 Art. 668 do CPC: O executado pode, no prazo de 10 (dez) dias após intimado da penhora, requerer a
substituição do bem penhorado, desde que comprove cabalmente que a substituição não trará prejuízo algum ao
exeqüente e será menos onerosa para ele devedor (art. 17, incisos IV e VI, e art. 620).
53 Art. 668, com a redação anterior à lei no. 11.382/2006: O devedor, ou responsável, pode, a todo tempo, antes
da arrematação ou da adjudicação, requerer a substituição do bem penhorado por dinheiro; caso em que a
execução correrá sobre a quantia depositada.
60
manifestava no sentido de possibilitar a substituição do bem por outro que não fosse o
dinheiro. 54
Esse entendimento jurisprudencial já evidenciava a grande preocupação com a
satisfação do direito de crédito e coadunava-se com o art. 612 do CPC, o qual estabelece que
a execução deva ser realizada com vistas a concretizar o interesse do credor.
Desse modo, não havia óbice algum para o credor em aceitar o bem oferecido em
substituição pelo devedor, se o bem sobre o qual houvesse recaído a penhora fosse de menor
liquidez e não houvesse qualquer montante em dinheiro a ser penhorado.
54 No sentido da possibilidade de substituição do bem penhorado por outro que não o dinheiro: PROCESSO
CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. ERRO MATERIAL EVIDENTE. EFEITO INFRINGENTE.
SUBSTITUIÇÃO DOS BENS PENHORADOS POR TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA CONTRA A
VONTADE DO CREDOR. INADMISSIBILIDADE. ART. 668, CPC. RECURSO PROVIDO. I - Nos termos
da legislação processual civil, art. 668, o devedor ou o interessado pode, a qualquer tempo antes da arrematação
ou da adjudicação, requerer a substituição do bem penhorado, exclusivamente por dinheiro. Sobre a quantia
oferecida, que deve abranger o principal e acessórios, correrá a execução. II – Todavia, nada veda a substituição
do bem penhorado por outro que não seja dinheiro, desde que a mesma seja também conveniente para o credor.
(EDcl no REsp 279513/TO, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA,
julgado em 22/03/2001, DJ 28/05/2001).
4 PENHORA ON LINE
O processo de execução para o pagamento de quantia em dinheiro, como já estudado em
tópico anterior, tem a finalidade precípua de satisfazer o direito de crédito reconhecido
judicialmente ou fundamentado em título executivo extrajudicial. É através da execução que o
Estado se sub-roga na pessoa do devedor, com o fim de realizar a prestação não
espontaneamente satisfeita por esse. 1
A penhora consiste num ato do processo executivo por meio do qual se realiza a apreensão
judicial de bens pertencentes ao patrimônio do executado, perfazendo a sujeição patrimonial a
que se submete o sujeito passivo da execução. Trata-se de um dos atos mais importantes do
processo executivo, visto que é por meio dele que se torna possível a realização da fase
expropriatória dos bens do devedor, com vistas a satisfazer o direito material do exequente.
Como ato judicial de fundamental importância para o desenvolvimento do processo de
execução e para a concretização do direito à tutela executiva, a penhora de bens deve ser
sempre um dos principais focos de preocupação por parte do legislador quando se estiver
tratando de aprimoramento da execução para o pagamento de quantia.
A incessante busca pelo aperfeiçoamento do ato de constrição judicial de bens é
conduta que não deve ser abandonada, na medida em que os tradicionais métodos de apreensão
não se mostram suficientemente aptos a realizar de maneira efetiva o objeto da prestação
jurisdicional.
Verifica-se certa precariedade no modelo clássico de sub-rogação por não atender de
forma satisfatória e efetiva os interesses do credor. O antiquado modo de cumprimento da
ordem judicial de penhora, consistente na ida do oficial de justiça ao local onde se encontra o
bem configura impedimento a uma entrega célere e efetiva do direito ao seu titular.
O tradicional método de apreensão de valores atentava contra o direito fundamental à
tutela jurisdicional efetiva, na medida em que sua realização se dava de maneira
demasiadamente lenta, o que ensejava a adoção, por parte do devedor, de condutas
fraudulentas com o objetivo de obstaculizar o regular andamento da execução.
1 Não se deve olvidar que o Estado poderá se utilizar de medidas coercitivas dentro da típica atividade de subrogação.
62
Ciente desse contexto, caracterizado pela inefetividade da prestação jurisdicional
executiva, o legislador ordinário inseriu no art. 655-A, do diploma processual civil brasileiro, o
instituto da penhora on line, cuja previsão primeira, como já afirmado em tópico anterior, se
deu por ocasião do Convênio de Cooperação Técnico Institucional firmado entre o Superior
Tribunal de Justiça, o Conselho da Justiça Federal e o Banco Central do Brasil (BACEN JUD),
em 2001.
A instituição da chamada penhora on line dificultou a prática das medidas adotadas
pelos devedores com o intuito de se furtarem ao cumprimento da prestação a qual estavam
obrigados, visto que a ordem de bloqueio de valores passou a ser encaminhada por meio
eletrônico, encurtando significativamente o tempo decorrido entre a expedição da ordem de
apreensão judicial e o seu efetivo cumprimento.
Ressaltando a eficiência do instituto, no sentido de oposição às condutas fraudulentas
utilizados pelos executados no âmbito do processo executivo, Marcus Gonçalves registra que
“a penhora on-line tem sido instrumento eficaz para a localização dos bens do devedor, porque
não depende da colaboração dele, e, por sua rapidez, muitas vezes se consegue efetivar a
constrição antes que o devedor tenha tido tempo hábil para retirar o dinheiro, em detrimento do
credor”. 2
A atual conjuntura de combate à crise de inefetividade reclamou institutos processuais que
se mostrassem capazes de satisfazer de modo mais célere e efetivo os direitos materialmente
previstos. Nesse sentido, ciente de que a penhora on line, funcionalidade trazida pelo sistema
BACEN JUD, constitui mecanismo processual que atende a referido desiderato, passa-se a
estudá-la de maneira mais detalhada.
4.1 Terminologia adotada
Como é de conhecimento geral, a expressão “on line” reporta-se a diversos computadores
interligados ao mesmo tempo através de uma rede, além de expressar uma ideia de
instantaneidade.
2 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo processo civil: execução e processo cautelar. vol.3. São Paulo:
Saraiva, 2008, p.153.
63
Sucede que o bloqueio judicial de valores e a posterior transferência do montante
bloqueado não são realizados de forma instantânea e, igualmente, não são efetuados por meio
da internet.
Humberto Theodoro Júnior, ao avaliar de forma cautelosa a questão, extrai a interpretação
mais apropriada para o termo. Segundo o autor:
Na verdade, embora na linguagem corrente do foro se fale em penhora on line, dando
a impressão de que o ato executivo se efetive instantaneamente por meio puramente
eletrônico, o que o juiz da execução faz é apenas obter, por meio da Internet, uma
informação acerca de saldo do devedor que possa garantir a execução. Comprovada
tal existência, poderá o montante necessário ser bloqueado para que, posteriormente, e
dentro do processo, sobre ele venha a recair a penhora, a ser no momento certo
formalizada segundo as regras normais do Código de Processo Civil. 3
O que o sistema BACEN JUD faculta é tão somente a possibilidade de encaminhar ordens
judiciais de requisição de informações, de bloqueio de numerário e de transferência de valores
indisponíveis por meio eletrônico. A atribuição que antes da institucionalização do sistema
BACEN JUD competia ao oficial de justiça pertence, atualmente, ao juiz emissor da ordem. 4
Referindo-se à natureza da penhora on line, Elpídio Donizetti assevera que, na realidade,
“nem se trata de penhora, mas sim de informações sobre a existência de ativos em nome do
executado, isto é, depósito em conta corrente ou em caderneta de poupança e qualquer outra
aplicação no mercado financeiro, como os CDIs e os CDBs”. 5 O autor, no entanto, faz
referência a apenas uma funcionalidade do sistema BACEN JUD.
Nesse sentido, as ordens são encaminhadas pelos juízes através da internet, ou seja, on
line; porém, o seu cumprimento não se efetiva no exato instante do encaminhamento.
Necessário é, precipuamente, um procedimento interno de análise em cada setor perante o qual
3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A penhora on line e alguns problemas gerados pela sua prática. Revista de
processo. v. 34, n.177, p.11-35, nov. 2009, p.19.
4 Entendendo que a denominação “penhora em juízo” seria a mais adequada para definir o instituto da “penhora
on line”, Gabriel da Silva Fragoso: “No procedimento normal de penhora, o Estado-Juiz ‘determina’ que o Órgão
Auxiliar da Justiça, qual seja, o Oficial de Justiça, cumpra, através de mandado de penhora, por exemplo, uma
penhora na ‘boca do caixa’. Quando falamos que o Juiz ‘determina’ a penhora na ‘boca do caixa’, esta
determinação não é cumprida pelo próprio Juiz e sim pelo Órgão Auxiliar de Justiça, investido em tal competência
de acordo com o que dispõe o art. 143 do CPC. Destarte, nesta penhora é o Juiz que determina e quem cumpre é o
Oficial de Justiça. Se formos analisar bem o sistema do ‘Bacen Jud’, quem determina e cumpre com essa penhora,
não é o Órgão Auxiliar da Justiça e sim o próprio Juiz”. MACHADO, Gabriel da Silva Fragoso. Penhora on line:
Credibilidade e agilidade na execução trabalhista. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 395, 6 ago. 2004.
Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/5540>. Acesso em: 25 fev. 2011. Ivanoy Moreno Freitas
Couto compartilha do mesmo pensamento que Gabriel da Silva Fragoso, ao pronunciar que a penhora on line se
trata de “penhora do dinheiro depositado em contas bancárias do devedor, feita pelo próprio juiz, utilizando-se do
meio eletrônico, sem a interferência, portanto, do oficial de justiça”. COUTO, Ivanoy Moreno Freitas. Penhora
On Line: Princípios limitadores à sua aplicação. Rio de janeiro: Editora Lumen Júris, 2010, p.30.
5 DONIZETTI, Elpídio. O novo processo de execução. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p.280.
64
transcorrem as ordens judiciais de requisição de informações, de bloqueio de valores e de
transferência dos valores bloqueados.
Da mesma forma, não se mostram corretas as denominações: “penhora virtual”, “penhora
eletrônica” ou “penhora pela internet”; pois, como destacado alhures, apenas a ordem judicial é
encaminhada virtualmente, ou seja, através da internet, porém, o bloqueio em si é efetivado
pelas instituições financeiras.
Verifica-se, portanto, certa imprecisão nos termos utilizados para designar o mecanismo
do bloqueio ou indisponibilidade de valores. Em verdade, de forma errônea, emprega-se a
expressão “penhora on line” para se referir, indistintamente, tanto ao instituto do bloqueio
como ao próprio sistema BACEN JUD. Há que se destacar que o bloqueio de valores se refere
a apenas uma funcionalidade do sistema BACEN JUD.
Nesse âmbito, apesar de não ser a expressão “penhora on line” a mais adequada para
definir o mecanismo do bloqueio, mas por ser a mais difundida no meio forense, prosseguir-seá utilizando-se dessa terminologia, sem olvidar, contudo, que o simples emprego de
inapropriada denominação não possui o condão de desfigurar sua substância. 6
Não há que se falar, por conseguinte, em nova modalidade de penhora, originada pelo
sistema BACEN JUD e positivada no art. 655-A da norma processual civil, por meio da
reforma instituída pela lei no 11.382/2006.
A indisponibilidade de valores objeto do presente estudo difere da penhora tradicional pela
forma como a ordem judicial que a fundamenta é encaminhada. Assim, para o
encaminhamento das ordens judiciais de bloqueio, anteriormente à instituição do sistema
BACEN JUD, utilizava-se a expedição de ofícios, o que contribuía para o aumento da
morosidade e prejudicava sobremaneira a concretização do direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva.
A opinião doutrinária dominante segue o entendimento de que o sistema BACEN JUD não
constituiu nova modalidade de penhora, mas somente um instrumento mais efetivo para
6 Odete Grasselli esclarece que “a temática perde sua relevância diante da hodierna celeuma acerca do novel
procedimento, caracterizada, no mais das vezes, pelas críticas exacerbadas direcionadas aos doutrinadores
simpatizantes do sistema BACEN JUD. Originam-se, diversas, das penas de alguns estudiosos, todavia sem
qualquer subsistência”. GRASSELLI, Odete. Penhora trabalhista on-line. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.56.
65
realizar o bloqueio de valores. São filiados a essa doutrina Indira Chelini e Silva Pietoso 7 ,
Ivanoy Moreno Freitas Couto 8 e Odete Grasselli. 9
Em razão das precedentes reflexões acerca da penhora on line, mostra-se claro que a
operacionalidade do ato de constrição em si refere-se à já tradicionalmente aplicada no âmbito
executivo; a distinção reside apenas na maneira de encaminhamento da ordem, a qual é
realizada por meio eletrônico.
Superadas as discussões conceituais e estabelecidas as substanciais diferenças entre os
institutos em exame, pode-se afirmar que o sistema BACEN JUD representa instituto de
indispensável contribuição para a concretização da efetividade da tutela jurisdicional, na
medida em que possibilita o encaminhamento das ordens judiciais de bloqueio através da
internet.
A penhora on line permite que o objeto da tutela executiva seja entregue ao titular do
direito de maneira mais célere, em estrita obediência ao direito à razoável duração do processo,
o qual constitui corolário do acesso à justiça, considerado esse sob o aspecto mais atual do
termo.
Ciente de todas as vantagens oferecidas pelo sistema BACEN JUD, era de se esperar que a
totalidade dos juízes aplicasse os mecanismos por ele ofertados, com a finalidade de
proporcionar maior celeridade na satisfação da tutela executiva e a menor custo.
Sucede que alguns magistrados, erroneamente, ainda insistem em não adotar o instituto
como forma de constrição judicial ou apenas se utilizam dele quando for constatado o prévio
esgotamento das diligências empregadas na busca de outros bens penhoráveis do executado.
7 Segundo a autora “a penhora on line, nada mais é do que a constrição sobre dinheiro com o emprego de uma
tecnologia mais moderna e, por ser este o bem da mais alta liquidez, goza de prioridade na ordem de gradação
legal prevista no art.655, do Código de Processo Civil e sua penhora, por ser a forma mais conveniente, já era
possível na redação original do nosso código de processo”. PIETOSO, Indira Chelini e Silva. Penhora on line: o
uso da ferramenta e sua repercussão no mundo jurídico. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p.49.
8 De acordo com o que estabelece o autor, é a penhora on line “uma penhora já existente e tradicional na esfera
trabalhista, utilizando-se o juiz dos recursos modernos – a internet – para realizá-la. Muda-se apenas o modus
faciendi, e não a substância do ato”. COUTO, Ivanoy Moreno Freitas. Penhora On Line: Princípios limitadores à
sua aplicação. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2010, p.30.
9 Coadunando-se com o entendimento de que a penhora on line simplesmente consubstancia o ato comum de
apresamento de valores, não traduzindo, por conseguinte nova modalidade de penhora, Odete Grasselli destaca
que: “[...] longe está de configurar algum tipo ou modelo jurídico em si mesmo. Na realidade, trata-se de mera
penhora, como outra qualquer, efetivada via meios eletrônicos, fruto de um ‘poder informático’ recentemente
conferido aos Juízes do Trabalho [...]”. GRASSELLI, Odete. Penhora trabalhista on-line. 2. ed. São Paulo: LTr,
2007, p.57.
66
4.2 Bloqueio de valores no CPC e no projeto de NCPC (PLS no. 166/2010)
Conforme estabelece o art. 655-A do CPC, para que haja a possibilidade de penhorar
dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz deve requisitar à autoridade
supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações a respeito
da existência de ativos em nome do executado e, sendo positiva a resposta, determinar na
mesma oportunidade a indisponibilidade, até o valor suficiente a satisfazer o direito de crédito
exequendo.
Mencionado preceito normativo faz referência à penhora de valores, a qual é determinada
pelo juiz após a efetivação da indisponibilidade do montante porventura encontrado em conta
do executado. Infere-se da redação do dispositivo que, primeiramente, requisitam-se
informações concernentes à existência de saldo disponível para garantir a execução, em
seguida institui-se a indisponibilidade dos valores eventualmente encontrados e, somente em
momento posterior, lavra-se o respectivo termo, perfazendo-se a penhora do numerário.
Essa concisa explanação serve apenas para elucidar o que se deve entender por bloqueio
judicial de valores e, a partir daí, diferenciá-lo do ato judicial de penhora, tendo em vista que o
primeiro é comumente confundido com a segunda. Não se deve olvidar, entretanto, que a
penhora on line se refere à penhora tradicional, diferindo apenas pelo modo de
encaminhamento da ordem judicial às instituições financeiras.
Nesse lance, conforme estudado alhures, a penhora constitui ato pelo qual o Judiciário
submete ao seu poder imediato bens de propriedade do executado, fixando-se sobre eles o
propósito de posteriormente satisfazer o direito do exequente.10
Por sua vez, pela própria sistemática ínsita ao art. 655-A da Norma Processual Civil, podese inferir que o bloqueio se refere à indisponibilidade dos valores existentes nas contas do
executado. Por meio dele, o montante sobre o qual recai a ordem judicial fica indisponível na
conta até que seja emitida uma nova ordem, consistente no desbloqueio ou na transferência dos
valores bloqueados para conta à disposição do juízo. 11
Logo, o bloqueio de valores consiste tão somente na prévia indisponibilidade dos valores
do executado, os quais, em momento posterior, servirão para embasar a penhora de dinheiro. A
10 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, [s.d], p. 197.
De acordo com o § 5º, do art.810 do projeto de NCPC (projeto de lei no. 166/2010-Senado), a penhora dos
valores e, portanto, a respectiva lavratura do termo de penhora ocorre antes da ordem judicial de transferência.
11
67
penhora on line, portanto, é formada pelo bloqueio dos valores, cuja ordem é eletronicamente
encaminhada, e pela respectiva lavratura do termo de penhora. Nas palavras de Guilherme
Goldshimdt:
O bloqueio on-line é a primeira etapa para que se cumpra a ordem de penhora on-line,
por meio do sistema BACEN-JUD, haja vista que primeiro o magistrado, dotado de
uma senha criptografada, bloqueia o dinheiro do devedor que está disponível em
conta corrente, para, posteriormente, transferir a quantia bloqueada para uma conta
12
judicial, onde se efetiva a penhora.
Não há que se cogitar, ainda, no momento do bloqueio de valores, em lavratura de termo de
penhora, porquanto, “o termo que o escrivão lançará de forma simplificada nos autos referirá
ao cumprimento ou não da ordem de bloqueio em nada se assemelhando ao termo de penhora,
que deve conter os requisitos do art.665”. 13
Por ocasião do bloqueio judicial, o montante bloqueado permanece na conta do executado,
não podendo o mesmo dispor de referido valor; entretanto, mesmo nesse estado de restrição
com relação ao executado, referido numerário também não entra na esfera de disponibilidade
do Poder Judiciário, o qual somente terá acesso ao valor bloqueado quando esse for
efetivamente objeto de constrição judicial pela penhora.
A questão referente à diferenciação conceitual entre a indisponibilidade de valores,
representada pelo ato judicial de bloqueio e a penhora de numerário deixou de merecer
tamanha importância com a nova proposta de regime legal da penhora de dinheiro em depósito
ou em aplicação financeira, delineada pelo projeto de lei no. 166/2010 – Senado.
A disciplina do novo regime proposto encontra-se consubstanciada no art. 810 do
mencionado diploma normativo, o qual estabelece, em seu parágrafo 3º, que, intimado da
ordem judicial de bloqueio, pessoalmente ou através da pessoa de seu advogado, deve o
executado comprovar a impenhorabilidade da quantia bloqueada ou demonstrar que ainda há
indisponibilidade excessiva de ativos financeiros. 14
No caso de não ser aceita a comprovação apresentada ou, ainda, se não houver qualquer
manifestação do executado a respeito da ordem judicial de bloqueio, haverá a conversão da
12 GOLDSHMIDT, Guilherme. A penhora on line no direito processual brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p.59.
13 DONIZETTI, Elpídio. O novo processo de execução. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p.281.
14 Art. 810, § 3º, do PLS no. 166/2010: Incumbe ao executado, no prazo de cinco dias, comprovar que:
I - as quantias indisponibilizadas são impenhoráveis;
II – ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros.
68
indisponibilidade em penhora, da qual se lavrará o respectivo termo. Somente após a realização
desse procedimento, o montante penhorado será transferido para conta vinculada ao juízo da
execução. 15
Desse modo, o denominado bloqueio on line de valores consiste nessa prévia
indisponibilidade de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, cuja titularidade pertence ao
executado, e serve para resguardar uma futura ordem judicial de penhora.
Referida indisponibilidade, cuja origem se reporta ao sistema BACEN JUD, possui o nobre
escopo de implantar maior eficiência às ordens judiciais de apreensão de valores. Nesse
sentido, aludido mecanismo constitui medida de enorme importância, visto que contribui para
o combate a condutas fraudulentas empregadas pelos devedores, com vistas a se esquivar do
cumprimento da prestação e, no mesmo viés, ferir o direito fundamental do credor a uma tutela
executiva verdadeiramente efetiva.
Na mesma linha de raciocínio, há ainda que se estabelecer uma diferença conceitual entre a
penhora on line de valores e o sistema BACEN JUD, na medida em que não é dificultoso
constatar certa imprecisão no emprego de aludidos termos. 16
Com efeito, a penhora on line surgiu do Convênio de Cooperação Técnico Institucional
firmado entre o Banco Central do Brasil, o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho da Justiça
Federal, então denominado BACEN JUD, com objetivo de implantar eficácia às ordens
judiciais de apreensão de valores.
De maneira bastante apropriada, Odete Grasselli refere-se à fonte formal e material da
penhora on line na Justiça do Trabalho:
Em linhas gerais, tem sido apontada essa pactuação como sendo a gênese formal da
penhora on-line ou eletrônica. Acrescente-se, também, particularmente, como sendo
fonte originária material o ideal de Justiça, repousado na exigência, sempre presente,
15
Art. 810, § 5º, do PLS no. 166/2010: Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado, converter-se-á a
indisponibilidade em penhora, e lavrar-se-á o respectivo termo, devendo o juiz da execução determinar à
instituição financeira depositária que, no prazo de vinte e quatro horas, transfira o montante indisponível para
conta vinculada ao juízo da execução.
16
Discorda-se de Demócrito Reinaldo Filho que, ao definir o sistema BACEN JUD, equipara-o à penhora on line.
Segundo o autor, o sistema BACEN JUD “também conhecido como ‘penhora on line’, trata-se de sistema
informático desenvolvido pelo Banco Central que permite aos juízes solicitar informações sobre movimentação
dos clientes das instituições financeiras e determinar o bloqueio de contas-correntes ou qualquer conta de
investimento”. REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. A penhora on line: a utilização do sistema BacenJud para
constrição judicial de contas bancárias e sua legalidade. Revista magister de direito empresarial, concorrencial
e do consumidor, v. 2, n. 8, p. 5-21, abr./maio, 2006, p.5.
69
da obtenção de resultados úteis para quem os persegue, ladeado pelas inarredáveis
17
eficiência e efetividade do processo executivo.
O BACEN JUD constitui apenas o instrumento por meio do qual o bloqueio de valores e,
por conseguinte, a penhora on line se torna possível de ser operacionalizada, ou seja, mediante
o emprego de meios eletrônicos. Referido sistema foi instituído tanto com o fim de
operacionalizar a penhora on line, como para facilitar a transmissão de informações por meio
da internet, a qual ainda se realizava por meio do encaminhamento de ofícios em papel ou pelo
oficial de justiça do juízo.
Além dessas vantagens, o sistema trouxe celeridade, segurança e economia para o processo
e, como consequência, beneficiou o Poder Judiciário e a sociedade de modo geral.18
Superadas as discussões conceituais e estabelecidas as substanciais diferenças entre os
institutos em exame, pode-se afirmar que a penhora on line constitui ferramenta de
indispensável contribuição para a concretização da efetividade da tutela jurisdicional, na
medida em que possibilita o encaminhamento das ordens judiciais de bloqueio através da
internet. Essa ferramenta, entretanto, somente pode ser operacionalizada pelo sistema BACEN
JUD, instituto sobre o qual se debruçará a seguir.
4.3 Sistema BACEN JUD
4.3.1 Conjuntura anterior ao surgimento do sistema
O Poder Judiciário, o Banco Central do Brasil e as instituições financeiras do País
comunicavam-se, habitualmente, por meio de ofícios em papel, os quais eram encaminhados
por via postal ou por intermédio de oficial de justiça do juízo.
Tratava-se do meio de comunicação mais utilizado pelos magistrados, quando estivessem
diante da necessidade de obtenção de informações referentes a saldos de valores em dinheiro
eventualmente existentes em depósitos ou em aplicações financeiras, de titularidade de pessoas
sujeitas a processo judicial.
O mesmo procedimento era observado por ocasião do encaminhamento das respostas às
respectivas requisições de informação; as instituições financeiras deveriam fazê-lo por meio de
ofícios em papel, os quais eram remetidos diretamente ao juiz expedidor da ordem.
17 GRASSELLI, Odete. Penhora trabalhista on-line. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.55.
18 PIETOSO, Indira Chelini e Silva. Penhora on line: o uso da ferramenta e sua repercussão no mundo jurídico.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p.53.
70
Ressalta-se que o grande número de respostas negativas acarretava o aumento da atividade
do juízo, movimentando a máquina judiciária de forma morosa e dispendiosa, fato que corria
na contramão da celeridade e economia processuais. 19
Consoante aos ofícios de resposta provenientes dos bancos, acerca da existência ou não de
dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o magistrado deveria emitir ordem judicial de
bloqueio de valores, caso o saldo existente na instituição bancária fosse positivo, com vistas a
preservar o montante encontrado e fazer incidir sobre ele a característica da indisponibilidade.
A ordem de bloqueio, da mesma forma que ocorria com a requisição de informações, era
encaminhada via postal ou por meio de oficial de justiça vinculado ao juízo. Destarte, ao se
verificar a presença de numerário, em depósito ou aplicação financeira, nas agências bancárias
para as quais foram encaminhadas as requisições, o juiz expedia ordem de bloqueio a ser
efetuada, pessoalmente, por meio de oficial de justiça, caso restasse frustrada a tentativa pelos
correios.
Sucede que o bloqueio demandava muito tempo para ser efetivado, porquanto dependia de
instrumentos morosos para sua execução. A ordem de constrição de valores se deparava com
maior obstáculo quando o montante encontrado pertencia à instituição financeira não
submetida à mesma competência territorial do juiz emissor da ordem. Nesse caso, tornava-se
necessária a expedição de carta precatória com o objetivo de realizar, na comarca deprecada, a
penhora dos valores lá existentes, por meio de oficial de justiça submetido ao respectivo
juízo. 20
Não há dificuldade em se constatar que esse meio de comunicação, baseado no envio de
ofícios em papel, ofendia de maneira irrefutável o princípio da celeridade processual. A forma
pela qual se dava o encaminhamento dos ofícios era medida que atentava contra a razoável
duração do processo constitucionalmente prevista, na medida em que ocasionava um enorme
desperdício de tempo entre o momento da emissão da ordem e seu efetivo cumprimento.
19 PIETOSO, op. cit., p.53.
20 Perfilhando o mesmo entendimento, Anita Caruso Puchta acentua que “a situação se agrava quando o
executado só possui bens em comarca diversa do juízo da execução, fato que potencializa o ganho de tempo do
devedor, pois as cartas precatórias são manifestamente morosas, anti-econômicas, ineficazes, repletas de entraves
procedimentais, sendo que a penhora on-line evita expedição dessas cartas, pois a ordem de bloqueio pode ser
efetivada em qualquer agência bancária do sistema financeiro, ou seja, em comarca ou seção judiciária, e qualquer
município do País, independentemente da localização; portanto, possui âmbito nacional”. Finaliza a autora,
alegando que, em resumo “para penhorar dinheiro em agências bancárias fora da comarca ou seção judiciária, não
é necessário expedição de carta precatória, pois o bloqueio efetuado pelo Banco Central atinge qualquer
instituição financeira do País, independentemente da localização; portanto, possui âmbito nacional.” PUCHTA,
Anita Caruso. Penhora de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009, p.50.
71
A utilização da via postal constituía empecilho à célere efetivação das requisições judiciais
de informações, bem como das ordens judiciais de bloqueio de valores, por parte das
instituições financeiras.
A prática consistente na não utilização de meios eletrônicos vertiginosos e eficientes para
a comunicação entre o Poder Judiciário, o Banco Central e as instituições financeiras atentava
contra o direito à efetividade da tutela jurisdicional executiva, haja vista que a satisfação do
direito do credor dependia diretamente da existência de bens passíveis de penhora.
Para Ivanoy Couto, “a celeridade processual e a efetividade das execuções constituem os
dois pilares mais importantes buscados por toda a sociedade na satisfação do direito constante
do título exeqüendo”. 21
O antigo procedimento empregado para o envio das ordens judiciais de requisição de
informações e suas respectivas respostas, assim como a forma de encaminhamento das ordens
judiciais de bloqueio de valores, contribuía para a não concretização do acesso à justiça,
entendida essa garantia tanto em seu sentido tradicional como na perspectiva de acesso a uma
ordem jurídica justa. 22
A morosidade intrínseca ao trâmite processual e o elevado grau de recursos financeiros
empregados no desenvolvimento do processo constituíam sérios entraves à real efetivação do
acesso à justiça.
Destaque-se que a conduta anterior, consistente no envio de ofícios em papel entre o Poder
Judiciário e as instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional, elevava
consideravelmente os custos operacionais empregados na realização dos atos processuais
necessários à efetuação do bloqueio de dinheiro.
Essa medida ia de encontro ao princípio da economia processual, o qual “enseja a adoção,
no decorrer do processo, de meios menos onerosos e mais simples, a fim de que com o menor
esforço se obtenha o resultado mais proveitoso”. 23
21 COUTO, Ivanoy Moreno Freitas. Penhora On Line: Princípios limitadores à sua aplicação. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p.30.
22 Ordem jurídica justa é expressão da lavra de Kazuo Watanabe, o qual estuda a assistência judiciária e os
juizados especiais cíveis e criminais (então, juizados de pequenas causas) como forma de concretizar o acesso à
justiça. WATANABE, Kazuo. Assistência judiciária e o juizado de pequenas causas. In: WATANABE,
Kazuo. (Org.). Juizado especial de pequenas causas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985, p. 161-167.
23 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.40.
72
Foi nesse conceito de completo descrédito na efetivação da tutela jurisdicional executiva,
decorrente do excessivo tempo utilizado para alcançar a satisfação das ordens judiciais de
bloqueio de valores, que teve origem o BACEN JUD. Com o surgimento desse sistema,
tornou-se possível constatar maior agilidade no encaminhamento das ordens de bloqueio, fato
que contribuiu para a efetiva satisfação da tutela executiva, ou seja, para a entrega do objeto da
prestação jurisdicional a quem de direito. 24
4.3.2 Conceito e funcionalidades
Com a relevante incumbência de reduzir o tempo despendido entre a emissão das
requisições judiciais de informações e as respectivas respostas, e com o objetivo de abreviar o
longo trâmite empregado para o bloqueio de valores em depósito ou aplicações financeiras, foi
que se instituiu o denominado BACEN JUD.
A criação desse sistema também contribuiu, sobremaneira, para a diminuição dos recursos
materiais e humanos utilizados no procedimento de contrição judicial de valores. 25
Nessa esteira de pensamento, o sistema BACEN JUD pode ser entendido como o
instrumento que propicia a troca de informações por via eletrônica entre o Poder Judiciário e as
instituições financeiras existentes no País.
Aludida comunicação eletrônica é intermediada pelo Banco Central, tendo em vista que é
justamente essa autarquia que possui maior conexão com o Sistema Financeiro Nacional e, por
esse motivo, facilita a transmissão de dados referentes a saldos e contas, eventualmente
existentes, em instituições financeiras a ele vinculadas.
24 Demócrito Reinaldo Filho enfatiza a racionalização do procedimento de envio de ofícios entre o Poder
Judiciário e o Sistema Financeiro Nacional, proporcionada pelo sistema BACEN JUD, ao assinalar que: “o
sistema apenas permite que um ofício que antes era encaminhado em papel seja enviado eletronicamente, através
da Internet, racionalizando os serviços e conferindo mais agilidade no cumprimento de ordens judiciais no âmbito
do Sistema Financeiro Nacional”. REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. A penhora on line: a utilização do
sistema BacenJud para constrição judicial de contas bancárias e sua legalidade. Revista magister de direito
empresarial, concorrencial e do consumidor, v. 2, n. 8, p. 5-21, abr./maio, 2006, p.5.
25 Discorrendo sobre as vantagens oferecidas pelo novo sistema eletrônico, Indira Chelini e Silva Pietoso certifica
que “houve admirável redução no tempo de tramitação das ordens judiciais e nos custos com recursos humanos e
materiais, vez que com a implantação do sistema, tornou-se desnecessária a triagem, classificação e digitação dos
ofícios em papel, bem como o reenvio das solicitações às instituições financeiras”. PIETOSO, Indira Chelini e
Silva. Penhora on line: o uso da ferramenta e sua repercussão no mundo jurídico. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2009, p.53.
73
O sistema foi idealizado com a função primordial de funcionalizar e racionalizar a penhora
on line de ativos financeiros, na medida em que permite que as ordens judiciais de bloqueio e
de eventual desbloqueio de valores sejam encaminhadas, utilizando-se a via eletrônica. 26
Marcelo Lima Guerra reforça o grande avanço decorrente da institucionalização do
sistema BACEN JUD, ao declarar que “foi dado um grande passo, concretizando um avanço
significativo no aprimoramento dos meios de que pode se valer o juiz na investigação dos bens
sujeitos à execução, sobretudo o mais difícil de ser apreendido, a saber, dinheiro”.27
É notória a utilidade proporcionada pelo sistema BACEN JUD, no que concerne à
constrição judicial de dinheiro hábil a possibilitar a satisfação do objeto da pretensão
executiva. Cuida-se de instrumento eficiente no combate aos meios ardilosos empregados pelos
executados no sentido de se eximirem do cumprimento da prestação ao qual estão obrigados.
Destarte, esse sistema de informática tem como finalidade evitar que pessoas, submetidas
a um processo de execução, desobedeçam ao que foi determinado em sentença judicial ou
descumpram o estabelecido em título executivo extrajudicial, ofendendo, assim, o direito
fundamental do credor de obter uma tutela jurisdicional efetiva.
O BACEN JUD propicia maior facilidade na busca por quantias pertencentes ao devedor,
passíveis de garantir o juízo e satisfazer a execução, haja vista a enorme dificuldade verificada
na localização de outros bens penhoráveis. Logo, mais eficiente é a execução se a penhora
recai sobre dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, visto que o tempo empregado na
fase de apreensão judicial de bens resta sobremodo reduzido.
O sistema viabiliza, de forma bem mais efetiva, o bloqueio da quantia em dinheiro de
titularidade de pessoas físicas ou jurídicas obrigadas ao cumprimento de uma prestação de
pagar quantia.
26 O Convênio BACEN/STJ/CJF/2001 esclarece, de forma precisa, o que se deve entender por sistema BACEN
JUD e qual o seu objetivo. Nesse sentido, dispõe a cláusula primeira do convênio que “O presente instrumento
tem por objetivo permitir ao STJ, ao CJF e aos Tribunais que vierem a aderi-lo conforme cláusula sexta e
mediante assinatura de Termo de Adesão, o acesso, via Internet, ao Sistema de Solicitações do Poder Judiciário ao
Banco Central do Brasil, doravante denominado simplesmente BACEN JUD.” O parágrafo único do aludido
dispositivo estabelece que “por intermédio do sistema BACEN JUD, o STJ, o CJF e os Tribunais signatários de
Termo de Adesão, poderão, dentro de suas áreas de competência, encaminhar às instituições financeiras e demais
instituições autorizadas a funcionar pelo BACEN, solicitações de informações sobre a existência de contas
correntes e aplicações financeiras, determinações de bloqueio e desbloqueio de contas e comunicações de
decretação e extinção de falências envolvendo pessoas físicas e jurídicas clientes do Sistema Financeiro Nacional,
bem como outras solicitações que vierem a ser definidas pelas partes”.
27
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.159.
74
Por meio dessa medida, verifica-se diminuição das fraudes realizadas pelos devedores 28 ,
no intuito de frustrar a satisfação do direito lesionado, na medida em que ficam
impossibilitados de efetivar qualquer movimentação financeira sobre o valor constrangido
judicialmente. O montante permanece na conta do titular até o instante em que for determinada
sua transferência para outra conta, pertencente ao Poder Judiciário.
A possibilidade de encaminhar ordens judiciais de requisição de informações sobre saldos
e contas existentes em instituições financeiras, a eficácia do bloqueio dos valores
eventualmente encontrados, bem como o seu desbloqueio, e ainda a eficiente transferência dos
valores bloqueados para conta oficial do juízo, constituem funcionalidades do sistema BACEN
JUD que, inegavelmente, o afirmam como um instrumento de grande importância para a
concretização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
4.3.3 Breve escorço histórico
O sistema BACEN JUD surgiu, em 2001, por meio de um Convênio de Cooperação
Técnico-Institucional formalizado entre o Banco Central do Brasil, o Superior Tribunal de
Justiça e o Conselho da Justiça Federal, com a nítida intenção de emprestar mais agilidade no
encaminhamento da ordem judicial de bloqueio de valores e, consequentemente, possibilitar a
satisfação da tutela jurisdicional de modo mais célere e efetivo.
Na mesma oportunidade, aderiram ao Convênio os tribunais regionais federais. Os
tribunais de justiça dos estados poderiam aderir ao Convênio mediante assinatura do Termo de
Adesão, o que somente se deu em etapa posterior.
Em 2002, ou seja, um ano após a formalização do Convênio entre BACEN, o STJ e o CJF,
o Tribunal Superior do Trabalho e os tribunais regionais do trabalho manifestaram sua adesão,
com o intuito de imputar maior efetividade na execução dos créditos trabalhistas. O convênio
firmado entre o Banco Central e o Tribunal Superior do Trabalho possuía as mesmas
características do convênio de 2001 e compartilhava do mesmo objetivo.
28 Nesse sentido, Reinaldo Filho declara que “a realização de ordens de bloqueio pela via do sistema Bacen-Jud
não somente elimina o uso de papel e do correio tradicional, gerando economia de tempo e racionalização dos
serviços de comunicação entre o Judiciário e as entidades integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Ele confere
mais eficácia às ordens judiciais de bloqueio de contas bancárias, na medida em que fica mais difícil de o devedor
prever quando terá sua conta bloqueada”. REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. A penhora on line: a utilização
do sistema BacenJud para constrição judicial de contas bancárias e sua legalidade. Revista magister de direito
empresarial, concorrencial e do consumidor, v. 2, n. 8, p. 5-21, abr./maio, 2006, p.6.
75
Constatada forte resistência por parte das instituições financeiras, dos juízes e dos
tribunais do trabalho em se valerem do sistema para o encaminhamento e cumprimento das
ordens judiais de bloqueio de valores, a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho editou o
provimento 01/2003, o qual determinava a utilização do sistema BACE JUD como prioridade
sob as demais formas de constrição judicial. Estabelecia, portanto, a obrigatoriedade no
emprego do instituto pelos juízes, em substituição aos ofícios em papel.
Dessa forma, o objetivo do provimento foi corroborar o emprego do sistema BACEN JUD
nas varas do trabalho e dar instruções sobre a sua utilização.
Sobre o Provimento 01/2003, Ivanoy Freitas Couto assevera que o mesmo “instrui o
magistrado sobre a utilização do Sistema BACEN/JUD, inclusive alerta sobre a resistência por
alguns da sua não utilização, sejam juízes, gerentes de agências bancárias etc.” 29
Outro móvel que determinou a edição do Provimento 01/03 foi a conduta praticada pelos
gerentes das respectivas instituições financeiras, consistente em alertar os clientes a retirarem
de suas contas os valores que se encontravam na iminência de sofrer a constrição.
Ainda na seara trabalhista, e no mesmo ano, surgiu o Provimento 03/2003, o qual
promoveu significativo avanço no que tange ao chamado bloqueio múltiplo de valores ou
multiplicidade de bloqueios.
Por meio desse provimento, permitiu-se que empresas de grande porte cadastrassem,
perante o Tribunal Superior do Trabalho, uma só conta apta a suportar os eventuais bloqueios
de valores que viessem a receber.
O bloqueio múltiplo ocorre porque a ordem judicial de bloqueio de valores é
encaminhada, ao mesmo tempo, a todas as instituições financeiras vinculadas ao Sistema
Financeiro Nacional. Assim, considerando que o cumprimento da ordem é efetuado,
concomitantemente, pelas instituições financeiras requisitadas, se o executado possuir mais de
uma conta na mesma instituição ou em instituições diferentes, todos os ativos financeiros
existentes serão bloqueados.
O bloqueio recai sobre o montante suficiente a satisfazer o objeto da execução, porém, se
essa medida é realizada por todos os bancos requisitados, é possível constatar um excesso no
29 COUTO, Ivanoy Moreno Freitas. Penhora On Line: princípios limitadores à sua aplicação. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Júris, 2010, p.30.
76
bloqueio. A causa desse inconveniente reside no fato de os bancos não possuírem informações
a respeito do saldo de clientes existente em outras instituições financeiras.
O provimento 03/2003, no entanto, foi revogado pelo provimento 05/2006. A mais
significativa alteração permitiu que não somente as empresas de grande porte indicassem uma
conta especial apta a receber as ordens judiciais de bloqueio e posterior penhora de valores;
referida possibilidade se estendeu a todas as demais pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas fato
esse que demonstrou um relevante avanço contra as críticas incidentes sobre o sistema BACEN
JUD, no que tange à multiplicidade de bloqueios. 30
O Superior Tribunal Militar, em 2003, manifestou adesão ao convênio com o Banco
Central do Brasil, com vistas a obter acesso ao sistema BACEN JUD.
Por fim, em 2005, o Banco Central, o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho da Justiça
Federal firmaram novo Convênio de Cooperação Técnico-Institucional com o objetivo de
instituir a versão 2.0 do sistema BACEN JUD, e, ainda, para estabelecer normas de
operacionalização da versão mais moderna.
Aderiram a esse convênio o Tribunal Superior do Trabalho, o Superior Tribunal de Justiça
e o Superior Tribunal Militar.
O BACEN JUD, sistema que torna possível a efetiva comunicação entre o Poder
Judiciário e o Sistema Financeiro Nacional, encontra-se em constante fase de aprimoramento.
Os inconvenientes técnicos dele originados são estudados com o objetivo de aperfeiçoar o
cumprimento das ordens judiciais de bloqueio e desbloqueio de valores, de modo a concretizar
o direito fundamental do credor à tutela jurisdicional efetiva, sem olvidar, no entanto, os
direitos fundamentais pertencentes ao devedor.
4.3.4 Acesso e funcionamento
30 A respeito das constantes críticas que incidem sobre a generalização dos bloqueios, Odete Grasselli relata:
“Fala-se em invasiva sucessão de atos constritivos eletrônicos, caracterizada, segundo críticos, pelos bloqueios
generalizados, alcançando toda sorte de contas ou investimentos mantidos pelo devedor nas várias agências e/ou
instituições financeiras, pouco importando as suas respectivas localizações territoriais, bem como sobre todo o
numerário estratégico ali existente, inclusive sobre o capital circulante, atitudes apontadas como despóticas,
arbitrárias e desmedidas, que sempre culminam por inviabilizar o funcionamento empresarial”. GRASSELLI,
Odete. Penhora trabalhista on-line. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.79.
77
O acesso ao sistema BACEN JUD torna-se viável apenas se o Tribunal ao qual o juiz
estiver vinculado houver manifestado e formalizado sua adesão prévia ao Convênio, por meio
de cadastramento no Sistema de Informações do Banco Central - Sisbacen.
Após o cadastramento do Tribunal, o juiz deve requerer seu credenciamento junto ao
sistema, através da internet, com o objetivo de obter uma senha pessoal e intransferível, sem a
qual o acesso não é possível. Aludido credenciamento é realizado por intermédio do gerente
setorial de Segurança da Informação, então denominado Master, cabendo a esse a
responsabilidade sobre todos os acessos efetuados.
De posse da senha própria, o magistrado poderá acessar o sistema e enviar requerimentos
às instituições financeiras, com vistas a obter informações a respeito da existência de ativos
financeiros em nome de pessoas físicas ou jurídicas que sejam parte em processos judiciais. 31
As ordens judiciais de requisição de informações serão encaminhadas eletronicamente às
instituições financeiras participantes 32 , por intermédio do Banco Central do Brasil. De posse
das requisições, os bancos verificarão se há quantia existente em conta ou aplicação de
titularidade do executado e, não sendo o caso, simplesmente afirmarão que não há saldo a
bloquear.
As respostas serão enviadas ao Banco Central que, por sua vez, as encaminha aos juízes
emissores da ordem. Com as respostas às requisições, o juiz fará uma análise destas 33 e, em
seguida, verificando-se a existência de valor passível de constrição, o magistrado expedirá, por
31 De acordo com o Manual do Sistema BACEN JUD 2.0, disponibilizado no site do Banco Central do Brasil, a
ordem judicial de requisição de informações obedece às seguintes etapas procedimentais: a) ingresso no sistema
BACEN JUD, por meio de duas maneiras distintas: através do endereço eletrônico www.bcb.gov.br, clicar no
item Sistema Financeiro Nacional e, em seguida, clicar em sistema BACEN JUD, ou diretamente, pelo endereço
www.https://www3.bcb.gov.br/bacenjud2/indexEstatico.jsp; b) no item Minutas do menu principal, escolher a
opção Incluir Minuta de Requisição de Informações; c) informar a comarca ou município e a vara/juízo ao qual
está vinculado o juiz solicitante e, em seguida, incluir o número do processo e o tipo ou natureza da ação; d)
completar com o nome do autor ou exequente da ação (o preenchimento do CPF/CNPJ é facultativo); e) ato
contínuo, informar o CPF/CNPJ das pessoas físicas ou jurídicas a serem pesquisadas. Após o preenchimento desse
formulário, o próprio sistema efetuará a conferência do número digitado no cadastro da Secretaria da Receita
Federal e informará o nome do titular para conferência ou se o número requisitado é inválido ou inexistente.
Posteriormente, preenchem-se os campos de objeto da pesquisa, ou seja, saldos, endereços, relação de agências e
contas, extratos e pesquisas de relacionamentos encerrados.
32 Entende-se por instituição participante, nos termos do art. 3º, IV, do Regulamento: “aquela que é responsável
pelo cumprimento da ordem. São instituições participantes: o Banco do Brasil, os bancos comerciais, os bancos
comerciais cooperativos, a Caixa Econômica Federal, os bancos múltiplos cooperativos, os bancos múltiplos com
carteira comercial, os bancos comerciais estrangeiros – filiais no País, os bancos de investimentos, os bancos
múltiplos sem carteira comercial e outras instituições que vierem a ser incorporadas ao BACEN JUD 2.0, com a
expansão do alcance do Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS).”
33 Seguindo instruções do Manual do Sistema BACEN JUD, a consulta às respostas à ordem judicial de
requisição de informações é realizada pelo número de protocolo da ordem, número do processo judicial ou por
Juízo.
78
meio eletrônico, uma ordem judicial de bloqueio do montante encontrado, com vistas a
possibilitar o resultado positivo de uma futura ordem de penhora. A ordem judicial de bloqueio
de valores tem o propósito de bloquear apenas a importância especificada, suficiente para
garantir a execução. 34
Ocorre que a ordem cronológica anteriormente descrita de medidas procedimentais a
serem seguidas pelos magistrados e pelo Banco Central do Brasil, entretanto, não é absoluta e,
na maioria das vezes, não é observada.
Assim, a ordem judicial de bloqueio de valores pode ser determinada em momento
anterior ao da expedição da ordem judicial de requisição de informações. Essa conduta se deve
ao fato, comumente testemunhado, de devedores empregarem numerosos artifícios com o
intuito de se furtarem ao cumprimento da prestação, dificultando, sobremaneira, a
recomposição do direito lesionado e ofendendo o direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva.
O tempo gasto entre o envio da ordem judicial de requisição de informações e a
disponibilidade das respostas provenientes das instituições financeiras é de aproximadamente
vinte e quatro horas. Nesse ínterim, o devedor pode tomar conhecimento da expedição da
ordem e se antecipar na retirada de eventuais valores subsistentes nas instituições financeiras
requisitadas, ou pode, simplesmente, encerrar a conta no banco, obstaculizando, dessa forma, a
posterior e efetiva entrega da prestação jurisdicional a quem de direito.
Destarte, o magistrado opta por expedir a ordem judicial de bloqueio antes de tomar
conhecimento da real existência de quantias disponíveis. A imediata expedição da ordem de
indisponibilidade de valores se faz necessária, como já enfatizado, com vistas a evitar que o
devedor tome conhecimento do possível e iminente bloqueio antes mesmo que ele seja
efetuado.
Procura-se impedir que o devedor, com a nítida intenção de procrastinar o feito executório,
transfira a importância depositada ou aplicada para outra localidade, impedindo, assim, a
obtenção de um resultado satisfatório decorrente da ordem de bloqueio judicial.
34 A ordem judicial de bloqueio de valores segue alguns procedimentos empregados para a ordem judicial de
requisição de informações, portanto, a inclusão dos réus ou executados ocorre de forma semelhante. Indica-se em
campo próprio o valor a ser bloqueado, como também se o bloqueio deve recair em conta específica ou sobre
todas as contas existentes nas instituições financeiras, em nome do titular.
79
Com essa prática, consubstanciada na expedição da ordem de bloqueio anteriormente à
requisição de informações, pode-se constatar, em alguns casos, a ocorrência de excesso de
bloqueio, ou seja, é possível que a constrição judicial recaia sobre valor superior ao
efetivamente necessário a satisfazer a execução.
O Regulamento do BACEN JUD 2.0, por intermédio de seu art. 13, esclarece que as
ordens judiciais emitidas por intermédio do sistema possuem como uma de suas finalidades o
bloqueio de ativos até o limite das importâncias especificadas, abrangendo os saldos existentes
em contas de depósitos à vista (contas correntes), de investimento e de poupança, depósitos a
prazo, aplicações financeiras e demais ativos sob a administração e/ou custódia da instituição
participante.
Sucede que a ordem de bloqueio, como destacado alhures, pode incidir sobre ativos
excedentes. Nesse caso, cabe ao magistrado emitir uma ordem judicial de desbloqueio de
valores a ser imediatamente cumprida pelas instituições financeiras. Se o juiz assim não
proceder, o bloqueio demasiado dos valores poderá causar graves prejuízos às pessoas físicas
ou jurídicas que tiveram suas quantias bloqueadas a maior, na medida em que a constrição
judicial impossibilita a realização de qualquer movimentação financeira sobre as mesmas.
A ordem judicial de desbloqueio de valores também deve ser expedida nas situações em
que for verificada a efetivação de bloqueio sobre valores considerados impenhoráveis. É certo
que o bloqueio de valores tende a assegurar uma posterior ordem judicial de penhora; dessa
forma, os bens considerados impenhoráveis pela lei ou por sua própria natureza não estão
sujeitos a referidas constrições.
Não sendo o caso de bloqueio de valores excedentes ao necessário a garantir a execução
ou não se verificando que ele tenha recaído sobre quantia impenhorável, a próxima medida a
ser adotada é a expedição, por meio eletrônico, de ordem judicial de transferência dos valores
anteriormente bloqueados. 35
Após a elucidação de todas as etapas procedimentais a serem seguidas pelo magistrado
com vistas a efetivar o bloqueio de valores existentes em depósitos ou aplicações financeiras e,
ainda, verificada a diminuição considerável do tempo empregado para a realização desse
35
Válido é lembrar que no PLS no. 166/2010 – Senado (NCPC), a transferência do montante indisponível para
conta vinculada ao juízo da execução realiza-se somente após a conversão da indisponibilidade em penhora e a
lavratura do respectivo termo. (art.810, § 5º).
80
propósito, pode-se afirmar que o sistema BACEN JUD é instrumento de fundamental
importância para a efetivação do direito à tutela jurisdicional. 36
Essa ferramenta confere maior grau de racionalização e eficiência na comunicação entre
o Poder Judiciário, o Banco Central do Brasil e as instituições financeiras, facilitando, dessa
forma, o envio e cumprimento das ordens judiciais de requisição de informações, de bloqueios,
de desbloqueios e de transferências de valores eventualmente bloqueados para conta indicada
pelo respectivo juiz emissor da ordem.
Nesse sentido, o BACEN JUD foi criado especificamente com o propósito de atribuir
maior celeridade ao trâmite processual, na medida em que reduz significativamente o tempo
utilizado para a efetivação da ordem judicial de bloqueio de valores e, por conseguinte, da fase
de apreensão de bens do devedor. Depreende-se, portanto, que esse sistema contribui,
sobremaneira, para a concretização do direito fundamental à razoável duração do processo.
Não se deve olvidar ainda que o BACEN JUD, igualmente, concorre para a diminuição
dos recursos materiais e humanos empregados no envio e cumprimento das ordens judiciais de
bloqueio de dinheiro em depósito ou aplicado em instituição financeira, respeitando, dessa
maneira, o princípio da economia processual.
Realizadas as considerações a respeito do acesso ao sistema e funcionamento do BACEN
JUD, assim como sua essencial importância para a concretização do direito fundamental à
razoável duração do processo e, consequentemente, do direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva, urge estudar as duas versões pelas quais percorreu o sistema, com vistas
ao seu aprimoramento. É o que se passa a fazer no tópico seguinte.
4.3.5 Versões do sistema
A comunicação perpetrada entre o Poder Judiciário, o Banco Central do Brasil e as
instituições financeiras era considerada ineficiente, visto que realizada por meio de ofícios em
papel enviados pelo correio, quando se tratasse de requisição judicial de informações e envio
das respostas às ordens requisitadas.
36 Marcelo Pinto destaca a importância dessa funcionalidade do sistema BACEN JUD, consistente no
encaminhamento da ordem de bloqueio de valores do executado, por meio eletrônico. Obtempera o autor que “a
concepção de haver um processo civil de resultados, como aquele que apresenta a necessária eficiência e a devida
efetividade da justiça perseguida, foi a matriz originária da penhora eletrônica, conhecida com penhora on line, na
qual o juiz acessa a conta bancária do devedor via internet”. PINTO, Marcelo. Precatório e penhora on line.
Revista do direito trabalhista, v.10, n.3, p. 22-26, mar. 2004, p.25.
81
De igual modo, o cumprimento das ordens judiciais de bloqueio de valores em
instituições bancárias, por oficial de justiça, demandava tempo demasiado, pois dependia da
disponibilidade do servidor para efetuar tais ordens.
O acúmulo de papéis decorrente da remessa de grande massa de ofícios judiciais
causava embaraços ao perfeito andamento funcional dos entes envolvidos no procedimento de
requisição de informações e bloqueio de valores. O Banco Central, como intermediador desse
provimento de dados referentes a pessoas físicas ou jurídicas, encontrava-se assoberbado de
ofícios para dar cumprimento.
Não se deve olvidar ainda o moroso trâmite do procedimento administrativo realizado no
âmbito do próprio Banco Central e das instituições financeiras, desde o encaminhamento da
ordem judicial de requisição de informações por parte da autarquia até o efetivo cumprimento
da ordem de bloqueio de valores pelos bancos.
Assim, o recebimento dos ofícios, a análise destes por parte dos servidores encarregados e
o respectivo encaminhamento acarretavam excessivo dispêndio de tempo e recursos materiais e
humanos. Preponderavam a burocracia e a morosidade no envio e análise dos ofícios enviados.
A demora, observada na transmissão das informações e na expedição e cumprimento das
ordens judiciais de bloqueio de valores, favorecia a realização de medidas fraudulentas por
parte dos devedores, no sentido de se adiantarem e retirarem as quantias existentes nas
instituições financeiras antes que a constrição judicial recaísse sobre elas. Essa conduta
prejudicava demasiadamente a satisfação da tutela executiva. 37
Com todos esses entraves, foi desenvolvida pelo Banco Central do Brasil uma ferramenta que
facilitasse a comunicação entre os entes envolvidos na transmissão de informações e na
efetuação dos bloqueios, de maneira mais célere e eficaz. Assim, foi nesse panorama
desfavorável à efetiva satisfação da tutela jurisdicional que surgiu o sistema BACEN JUD, em
sua primeira versão.
37 Nesse mesmo sentido, Indira Chelini: “O procedimento era notavelmente moroso e grande era o lapso temporal
existente entre a ordem de bloqueio e seu efetivo cumprimento, o que por si só possibilitava ao devedor efetuar
manobras para desviar as quantias eventualmente existentes em suas contas bancárias, frustrando o êxito da
penhora”. PIETOSO, Indira Chelini e Silva. Penhora on line: o uso da ferramenta e sua repercussão no mundo
jurídico. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p.51-52.
82
4.3.5.1 BACEN JUD 1.0
Originada em 2001, como asseverado alhures, por meio do Convênio de Cooperação
Técnico-Institucional firmado entre o Banco Central do Brasil, o Superior Tribunal de Justiça e
o Conselho da Justiça Federal, a versão 1.0 do sistema BACEN JUD proporcionou
significativos avanços no que tange à efetivação da ordem judicial de bloqueio e atribuiu, dessa
forma, maior celeridade ao processo executivo judicial.
Referido convênio disponibilizou ao Poder Judiciário um instrumento capaz de conferir
maior celeridade e eficácia ao procedimento de constrição patrimonial de bens do devedor, em
especial a que recai sobre dinheiro em depósito ou aplicado em instituição financeira.
Por meio desse acordo, tornou-se possível a satisfação do objeto da tutela executiva de
modo mais eficiente. Não obstante todas as vantagens proporcionadas pela versão 1.0 do
BACEN JUD, foi possível constatar ainda algumas imperfeições no sistema.
Na primeira versão, as ordens judiciais de requisição de informações sobre a existência de
contas e aplicações financeiras nas agências vinculadas ao Sistema Financeiro Nacional eram
efetuadas de forma eletrônica.
Não havia que se falar ainda em requisição de informações referentes à existência de
saldos, extratos e endereços das pessoas físicas e jurídicas sujeitas ao processo de execução. A
requisição de referidos elementos somente se tornou possível com a versão 2.0 do sistema
BACEN JUD.
As respostas das instituições financeiras referentes às informações requisitadas por meio
da versão 1.0, no entanto, se realizavam por meio de ofícios em papel.
Observada a existência de valores a serem bloqueados, o juiz solicitante expedia a
respectiva ordem de bloqueio por meio digital ao Banco Central do Brasil que, por sua vez,
enviava eletronicamente as ordens aos bancos. Sucede que, da mesma forma que se procedia
com as respostas das instituições financeiras relacionadas à requisição de informações, as
respostas sobre o êxito na efetivação da ordem de bloqueio também eram enviadas por meio de
ofícios em papel.
A longa demora observada no envio dos ofícios de resposta ensejava grave prejuízo à
parte executada, na medida em que ficava impossibilitada de exercer qualquer espécie de
83
movimentação financeira sobre os valores porventura bloqueados em excesso. Essa situação
danosa ao executado perdurava até que o juiz tomasse conhecimento do bloqueio, o qual, em
muitas circunstâncias, poderia levar meses.
Uma vez ciente da ocorrência de bloqueio múltiplo ou em excesso e do bloqueio de
quantias impenhoráveis, o juiz expedia ordem de desbloqueio de valores a ser encaminhada por
ofícios em papel.
Não há dificuldade em se perceber que a versão 1.0 do sistema BACEN JUD representou
significativo progresso no que concerne à racionalização e funcionalidade do encaminhamento
da ordem judicial de requisição de informações e de bloqueio de valores. Ocorre que se
referidas ordens judiciais eram encaminhadas através da internet, o mesmo não sucedia com a
ordem judicial de desbloqueio nem com a ordem de transferência dos valores devidamente
bloqueados.
Explica-se. As instituições financeiras encaminhavam, por meio de ofícios em papel, as
respostas atinentes à ordem judicial de bloqueio de valores. No caso em que se verificasse a
efetiva ocorrência de bloqueio, o magistrado expedia ordem judicial de transferência dos
valores bloqueados para a instituição financeira oficial do juízo ou outra que ele considerasse
conveniente. Essa ordem, no entanto, era enviada através de ofícios em papel.
Durante todo o tempo decorrido entre a expedição da ordem judicial de transferência até o
recebimento e seu consequente cumprimento por parte das instituições financeiras, os valores
permaneciam bloqueados na conta do titular, sem que sobre eles incidisse qualquer espécie de
remuneração. 38
Esse expediente serve para consolidar o entendimento de que o envio das ordens judiciais
por meio de ofícios em papel, assim como as respectivas respostas por parte das instituições
financeiras, acarretava sérios prejuízos a ambas as partes do processo de execução.
Com o objetivo de superar os inconvenientes observados na versão 1.0 do BACEN JUD, o
Banco Central do Brasil, em conjunto com os tribunais superiores e os representantes do
Sistema Financeiro Nacional, desenvolveram a segunda versão para o sistema.
38 Conforme dispõe o Regulamento BACEN JUD 2.0, no parágrafo 7º do art. 14: “Enquanto bloqueados, os
valores não são remunerados em favor do Poder Judiciário pela instituição participante. Após transferidos, tais
valores observarão o regime estabelecido para o respectivo depósito judicial”.
84
4.3.5.2 BACEN JUD 2.0
A versão 2.0 do sistema BACEN JUD originou-se da necessidade de atribuir maior
racionalização e funcionalização no procedimento de bloqueio e desbloqueio de valores. Por
meio dela, foi possível reduzir significativamente o tempo transcorrido 39 durante o
cumprimento das ordens judiciais de requisição de informações, bloqueio, desbloqueio e
transferência dos valores bloqueados.
O contínuo aprimoramento do sistema concorre para a concretização do direito à tutela
jurisdicional efetiva, na medida em que proporciona maior celeridade e eficiência na fase de
apreensão judicial de bens e, por conseguinte, na satisfação do direito de crédito.
Com a instituição da versão 2.0 do sistema BACEN JUD, ao juiz tornou-se possível
efetuar a visualização eletrônica das respostas provenientes das instituições financeiras, ou
seja, permitiu-se que as respostas fossem encaminhadas pelo próprio sistema, tal como já
ocorria com o envio das ordens judiciais de bloqueio.
Outra novidade trazida pela versão em destaque consistiu na possibilidade de
encaminhamento, por via eletrônica, das ordens judiciais de transferência de valores
bloqueados para conta de depósito judicial. Destarte, ante a resposta eletrônica concernente à
realização do bloqueio, o magistrado pode remeter ordem de desbloqueio de valores,
eletronicamente, ou determinar que a quantia bloqueada seja transferida para conta especial à
disposição do juízo, igualmente, por meio eletrônico.
A nova versão do sistema BACEN JUD não eliminou a possibilidade de o bloqueio recair
sobre diversas contas do executado, ou seja, não excluiu a ocorrência do chamado bloqueio
múltiplo.
39 O Regulamento BACEN JUD 2.0 disciplinou, nos arts. 7º a 11, o procedimento da troca de arquivos e a
operacionalização do sistema. Com a leitura de referidos dispositivos, pode-se apreender que a redução do tempo
utilizado na comunicação entre o Poder Judiciário, o Banco Central do Brasil e as instituições financeiras foi,
efetivamente, considerável. Em apertada síntese, importa traçar alguns pontos específicos do procedimento. Desse
modo, as ordens judiciais de bloqueio de valores, protocolizadas até as 19 horas de dias úteis bancários, serão
recebidas pelo sistema e encaminhadas conjuntamente às instituições financeiras até as 23h30min do mesmo dia;
entretanto, se as ordens judiciais não forem encaminhadas até as 19 horas ou se forem expedidas em dias não
úteis, somente serão encaminhadas no dia útil imediatamente posterior. Um dia após o recebimento da ordem
judicial de bloqueio, as instituições financeiras verificarão a possibilidade de efetivá-lo e, em seguida,
encaminharão ao Banco Central as respostas eletronicamente, até as 23h59min. A autarquia, por sua vez,
disponibilizará no sistema as respostas para o juiz expedidor da ordem, até as 08h00min do dia seguinte, em se
tratando de dia útil. O magistrado analisará o bloqueio eventualmente efetivado e determinará, de imediato, que os
valores sejam transferidos a uma conta à disposição do juízo; no entanto, se for verificado que houve bloqueio em
excesso ou que ele recaiu sobre valores considerados impenhoráveis, o juiz determinará o desbloqueio.
85
Há que se levar em consideração, entretanto, o fato de que a versão 2.0 reduziu
excessivamente o tempo empregado no cumprimento da ordem judicial de desbloqueio de
valores, permitindo, dessa forma, que os valores indevidamente bloqueados sejam liberados em
espaço curto de tempo, de modo que seus titulares não sofram prejuízos decorrentes da
indisponibilidade.
Lembre-se, ainda, de que já era possível constatar a ocorrência de excesso no bloqueio de
valores por ocasião do antigo método de encaminhamento das respectivas ordens judiciais, o
qual se dava por meio de ofícios em papel.
Logo, mesmo antes do surgimento da versão 1.0 do sistema BACEN JUD, o juiz deveria
expedir ordem judicial de desbloqueio dos valores, quando verificasse o excesso de
indisponibilidade; contudo, a ordem não era enviada eletronicamente. 40
Com essas reflexões, não é dificultoso perceber que o surgimento da versão 2.0 do sistema
BACEN JUD traduziu expressivo avanço para a satisfação do objeto da tutela executiva, visto
que objetivou infligir maior presteza à ordem judicial de bloqueio de valores. 41 Esse instituto
traduz importante contribuição para a concretização do direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva.
40 PIETOSO, Indira Chelini e Silva. Penhora on line: o uso da ferramenta e sua repercussão no mundo jurídico.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p.67. Do mesmo modo, entendendo que o BACEN JUD 2.0 representou
relevante progresso no que tange ao desbloqueio de valores, Demócrito Reinaldo assevera que “a possibilidade de
ocorrência de excesso de penhora de conta corrente, quando efetivada eletronicamente, não deve servir de causa
para justificar a não utilização do sistema Bacen-Jud. A nova versão do sistema reduz drasticamente o tempo
necessário para a liberação da conta bloqueada. Se o procedimento de desbloqueio é muito mais rápido, houve um
avanço significativo nesse ponto. Nunca é demais lembrar que a penhora de contas bancárias sempre foi feita pelo
Judiciário, para garantir o processo de execução; apenas era realizada por meio da emissão de mandado e
cumprimento da ordem pelo Oficial de Justiça. Mesmo nessa forma tradicional havia possibilidade de penhora
excessiva e uma contra-ordem de desbloqueio demorava para ser cumprida”. REINALDO FILHO, Demócrito
Ramos. A penhora on line: a utilização do sistema BacenJud para constrição judicial de contas bancárias e sua
legalidade. Revista magister de direito empresarial, concorrencial e do consumidor, v. 2, n. 8, p. 5-21,
abr./maio, 2006, p.7.
41 O Conselho Nacional de Justiça inventaria algumas melhorias e funcionalidades apresentadas pela versão 2.0
do sistema BACEN JUD, dentre as quais podem ser destacadas: “a) Requisição de informações onde o magistrado
poderá obter dados bancários de clientes do Sistema Financeiro Nacional: existência de contas, saldos, extratos e
endereços; b) Automação do processo de transferência de valor bloqueado para conta de depósito judicial e outras
melhorias para facilitar o uso do sistema pelo usuário do Poder Judiciário; c) Inserção dos bancos de
investimentos e bancos múltiplos sem carteira comercial no rol das instituições que recebem os arquivos do
sistema Bacen Jud 2.0 contendo ordens judiciais; d) Cadastro atualizado de varas/juízos e de nomes dos
representantes
das
instituições
financeiras”.
Disponível
em:
http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8456&Itemid=1024. Acesso em: 02 fev.
2011.
86
4.4 Constitucionalidade da medida
Não obstante a dissolução da crítica concernente à violação do princípio da legalidade
pela penhora on line, o que se deu por meio da inserção do art. 655-A no CPC, pela lei no
11.382/2006, oportuno é registrar o fato de que, antes de sua inclusão no ordenamento
processual civil, o instituto era considerado, por muitos, como inconstitucional. 42
O fundamento consistia no fato de o sistema BACEN JUD e, consequentemente, a
penhora on line de valores haverem sido criados por convênios nulos, eis que formalizados
entre o Poder Judiciário e o Banco Central do Brasil.43
Com efeito, no ano de 2003, contra o instituto da penhora on line foi ajuizada a Ação
Direta de Inconstitucionalidade n.3091 pelo então Partido da Frente Liberal (PFL), sob o
argumento de que o Convênio celebrado em 2002 pelo Banco Central do Brasil e o Tribunal
Superior do Trabalho estaria violando o princípio da Separação dos Poderes, insculpido no art.
2º da atual Carta Magna.
Desse modo, o Convênio BACEN/TST/2002 estaria criando instituto processual civil
novo, atitude que ia de encontro ao preceito constitucional consubstanciado no art. 22 da
Constituição Federal de 1988 que, em seu inciso I, confere competência exclusiva à União para
legislar sobre referida matéria. 44
Arguiu-se, igualmente, a inconstitucionalidade dos provimentos editados pela
Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, os quais disciplinavam a utilização do instituto,
fato esse que configuraria extrapolação legislativa.
Alegou-se que o órgão da Justiça do Trabalho teria legislado erroneamente em matéria
processual ao estabelecer alteração do rito processual das ações trabalhistas, determinando a
42 São essas as palavras de Marcelo Pinto sobre o tema, “a penhora eletrônica (on line), além da sua total e
absoluta ilegalidade afrontando os preceitos processuais específicos da execução e da sua inconstitucionalidade,
atropelando os princípios constitucionais da legalidade e com a privação dos bens sem o devido processo legal,
promove uma crescente preocupação doutrinária [...]”. PINTO, Marcelo. Precatório e penhora on line. Revista do
direito trabalhista, v.10, n.3, p. 22-26, mar. 2004, p.25.
43 PIETOSO, Indira Chelini e Silva. Penhora on line: o uso da ferramenta e sua repercussão no mundo jurídico.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p.69.
44 Partidário da corrente que afirma ter a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho editado norma configuradora
de extrapolação legislativa, Kyoshi Harada declara que: “A origem da penhora on-line está no convênio firmado
pelo Tribunal Superior do Trabalho com o Banco Central, à época em que o Ministro Almir Pazzianoto presidia
aquela Corte de Justiça. Com base nesse convênio, que claramente implicava usurpação de competência
legislativa do Congresso Nacional, as maiores atrocidades processuais vinham sendo perpetuadas fora do âmbito
da Justiça do Trabalho, destinatária do aludido convênio”. HARADA, Kiyoshi. Penhora on-line. Consulex:
revista jurídica, v. 11, n. 257, p. 26-27, set. 2007, p.26.
87
utilização da penhora on line pelos juízes do trabalho, sem que houvesse prévia lei autorizadora
para tanto. Desse modo, a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho estaria atuando como
legislador positivo.
Padece de substrato a alegação de que o Convênio BACEN/TST/2002 estaria
instituindo instrumento novo, na medida em que, como já afirmado, a penhora on line em nada
difere da constrição tradicional, com exceção do veículo utilizado para o encaminhamento das
respectivas ordens. Nesse sentido, “o convênio não criou novas normas para o processo de
execução, limitou-se apenas a utilizar recursos de informática para dinamizar procedimentos já
amparados por lei”. 45
Da mesma forma, a arguição de inconstitucionalidade sobre a possível extrapolação
legislativa jamais poderia prosperar, tendo em vista que a Norma Processual Civil já previa, no
art. 655, o dinheiro como bem preferencial dentre aqueles sobre os quais pudesse recair a
penhora.
Por sua vez, a posição adotada pela Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho ao impor
a utilização do instituto da penhora on line pelos juízes trabalhistas apenas se identificou com a
conjuntura de inefetividade da prestação jurisdicional então vigente à época da edição dos
provimentos.
Os juízes trabalhistas, assim como os juízes de Direito que relutavam e, atualmente,
ainda se esquivam de utilizar método tão eficaz de constrição de valores atentam contra a
instrumentalidade do processo, além de ofenderem mais uma vez o direito material já objeto de
lesão anterior. 46
Apesar de referida ADI ainda se encontrar pendente de julgamento, não há mais razão, para
se discutir a constitucionalidade da medida no que tange ao fundamento ora apresentado, visto
45 MEIRELES. Indira Fábia dos Santos. Penhora on-line: Avanço ou temeridade? Consulex: revista jurídica, Ano
XII, n. 278, p.63-65, ago. 2008, p.64.
46 Luiz Guilherme Marinoni evidencia, de maneira bastante apropriada, a relevância que o instituto ora em estudo
representa para a efetivação do direito à tutela jurisdicional, ao mesmo tempo em que defende ser inescusável a
não utilização do instrumento por motivos que não merecem respaldo. Segundo o autor: “O direito à penhora on
line é corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Lembre-se que o direito de ação ou o direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva tem como corolário o direito ao meio executivo adequado à tutela do
direito material. Não há dúvida de que a penhora on line é a principal modalidade executiva destinada à execução
pecuniária, razão pela qual não se pode negá-la ao exeqüente, argumentando-se, por exemplo, não ter o órgão
judiciário como proceder a tal forma de penhora ou não possuir o juiz da causa senha imprescindível para tanto.
Como é evidente, qualquer uma dessas desculpas constituirá violação do direito fundamental do exeqüente e falta
de compromisso do Estado ao seu dever de prestar justiça de modo adequado e efetivo”. MARINONI, Luiz
Guilherme. Penhora on line. Revista jurídica, Porto Alegre, v.56, n.365, p.45-52, mar. 2008, p. 51.
88
que a lei no 11.382/2006 legitimou o instituto, por meio da propícia introdução do mesmo no
ordenamento jurídico processual brasileiro.
Desse modo, suplantado o impasse repousado na violação do princípio da legalidade, resta
apreciar, a partir desse momento, se a penhora on line deve ser empregada como medida
preferencial sobre as demais formas de constrição de bens ou se a aplicação desta deve
respeitar a discricionariedade do juiz.
4.5 Aplicação da penhora on line: obrigatoriedade ou discricionariedade?
A forma de encaminhamento das ordens judiciais de bloqueio de valores por meio do
correio tradicional mostrou-se ineficiente no combate aos meios ardilosos empregados pelo
devedor com vistas a frustrar o regular andamento da execução.
O longo caminho percorrido pela ordem, consistente na saída do juízo, intermediação pelo
Banco Central e posterior encaminhamento às instituições financeiras, dava azo a que o
devedor tomasse conhecimento, previamente, de possível e iminente bloqueio a incidir sobre o
dinheiro depositado em sua conta ou em aplicação financeira. Ciente de todo esse
procedimento, o devedor se antecipava e promovia a retirada da quantia existente, conduta essa
ofensiva aos direitos material e processual do credor.
Diante de tal conjuntura, a penhora on line de dinheiro representou importante instrumento
capaz de minimizar
47
as consequências oriundas desse comportamento procrastinatório e
ludibriante que o devedor adota para se esquivar do cumprimento da obrigação assumida
perante o credor.
Sucede que, antes da entrada em vigor da lei no 11.382/2006 e inclusão da penhora on line
na sistemática processual civil por intermédio do mencionado diploma normativo, constatou-se
certa divergência no que concerne à aplicação do instituto.
A controvérsia residia no fato de saber se o bloqueio de valores pelo sistema BACEN JUD
deveria ser empregado de maneira prioritária sobre as demais formas de constrição ou se ele
apenas seria cabível diante do prévio esgotamento das diligências empregadas na busca de
outros bens penhoráveis pertencentes ao patrimônio do executado.
47
Utiliza-se a expressão “minimizar”, pois, como bem ressalta Samuel Miranda Arruda, “Por mais completo e
bem estruturado que seja o sistema processual e por mais cuidadosos e diligentes que sejam os magistrados, é
impossível pôr cobro de forma definitiva às manobras dilatórias”. ARRUDA, Samuel Miranda. O direito
fundamental à razoável duração do processo. Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p.274.
89
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça manifestava-se no sentido de condicionar
a requisição de informações e posterior penhora on line de valores ao prévio esgotamento, pelo
exequente, de todos os meios de obtenção de informações sobre o executado e sobre seus bens
e, ainda, que as diligências de busca restassem infrutíferas. 48
Mencionado conflito foi corroborado pela redação prevista no art. 185-A que, introduzido
no Código Tributário Nacional pela LC no. 118, de 09 de fevereiro de 2005, disciplinou o
bloqueio de valores em matéria tributária.
De acordo com o que estabelece referido preceito normativo, a indisponibilidade dos bens
e direitos do devedor somente pode ser decretada pelo juiz da execução se preenchidos os
seguintes requisitos: citação do devedor tributário, não pagamento da dívida ou não
apresentação de bens à penhora e, ainda, se não houverem sido encontrados outros bens do
devedor passíveis de constrição judicial. 49
Desse modo, a expedição eletrônica das ordens judiciais de bloqueio de valores em
depósito ou em aplicação financeira somente seria cabível quando se constatasse a preliminar
frustração dos demais meios para a localização de bens do devedor passíveis de assegurar o
bom resultado do processo executivo. 50
Napoleão Nunes garante que referida sequência deve ser obrigatoriamente observada e que
“o atropelamento de qualquer de suas etapas ou fases acarreta a imediata nulidade do ato
48 “PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - INFORMAÇÕES SOBRE BENS A SEREM
PENHORADOS - OFÍCIO AO BACEN – SIGILO BANCÁRIO - QUEBRA - ESGOTAMENTO DOS MEIOS
POSSÍVEIS PARA LOCALIZAÇÃO - NECESSIDADE.
1. A jurisprudência do STJ só admite a quebra do sigilo bancário, quando o credor-exeqüente já esgotou os
meios possíveis à localização de bens do devedor-executado. Precedentes.
2. Regimental improvido.” (Ag no REsp. 341365/SP Rel. Ministro HUMEBRTO GOMES DE BARROS,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/11/2003, DJ 24/11/2003).
49 Art. 185-A do CTN: Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens
à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de
seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que
promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades
supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam
cumprir a ordem judicial.
50
Nesse sentido, sublinha Hugo de Brito Machado Segundo que “é preciso, em outras palavras, que o sujeito
passivo da relação tributária, tendo sido executado, saiba da existência da execução, e propositadamente se
mantenha inerte, não procurando solver a dívida nem oferecer garantias para discuti-la. E ainda: é preciso que o
exeqüente e o juízo da execução tenham tentado encontrar bens penhoráveis e não os tenham localizado”.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 275.
90
judicial respectivo, controlável, inclusive, pela via excepcional do mandado de segurança, dada
a sua aberta desconformidade com a ordem jurídica (teratologia objetiva).” 51
Esse era o entendimento aplicado para as execuções dos créditos tributários e, por
analogia, para as execuções de créditos provenientes de obrigações cíveis, tendo em vista que
ainda não existia disciplina legal que regesse esses últimos.
Mesmo após a entrada em vigor da lei no 11.382/2006, responsável pelas reformas
legislativas que objetivaram atribuir mais celeridade e efetividade ao trâmite processual
executivo, ainda restaram dúvidas a respeito da prioridade na utilização da penhora on line
sobre as demais modalidades de constrição judicial. 52
O Superior Tribunal de Justiça, todavia, por ocasião do julgamento do Recurso Especial
n.1112943-MA, em regime de recurso repetitivo (art.543-C do CPC), firmou orientação no
sentido de que a aplicação da penhora on line através do sistema BACEN JUD prescinde do
prévio exaurimento dos meios de busca por outros bens penhoráveis do executado.
De acordo com o posicionamento dessa Corte, a ordem de penhora on line expedida em
momento anterior à entrada em vigor da lei no 11.382/2006 se caracterizava como medida
excepcional, tornando-se possível apenas diante do prévio esgotamento dos outros meios de
busca dos bens do devedor.
Por outro lado, posteriormente a referido marco legislativo, para que o magistrado possa
utilizar o sistema BACEN JUD e, por meio dele, determinar a penhora on line de dinheiro, não
há mais a necessidade de exaurir as demais vias extrajudiciais no sentido de localizar bens
livres e desembaraçados de titularidade do devedor. 53
A adoção, pelo Superior Tribunal de Justiça, dessa nova linha de entendimento prestigia a
concretização do direito fundamental à tutela executiva e a efetividade processual, pois
51
MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A constrição patrimonial eletrônica e os direitos do executado na execução
fiscal. Revista dialética de direito processual, Brasília, DF, n.43, p.105-119, out. 2006, p.105.
52 Humberto Theodoro Júnior registra que, não obstante ter ocorrido a legitimação da penhora on line de
dinheiro pelo mecanismo disciplinado pelo art. 655-A do CPC, remanesceram “resistências de juízes e tribunais,
a pretexto de que estes não estariam constrangidos a firmar convênio com o Bacen, e aqueles não seriam
obrigados a adotar senha de acesso ao sistema informatizado instituído para tal finalidade”. THEODORO
JÚNIOR. Humberto. A penhora on line e alguns problemas gerados pela sua prática. Revista de processo, v.34,
n.176, p. 11-35, out. 2009, p.22.
53 REsp 1112943/MA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/09/2010, DJ
23/11/2010.
91
estabelece o emprego prioritário de instrumento célere e ágil para o bloqueio e constrição
judicial de valores, com vistas a satisfazer o direito do exequente. 54
Ora, nada mais salutar do que instituir a prioridade na utilização da penhora on line, na
medida em que a lei no 11.382/2006 modificou a redação do inciso I, do art. 655, do CPC, para
equiparar o dinheiro em depósito ou em aplicação financeira ao dinheiro em espécie, como
bem preferencial do devedor a ser excutido. 55
Não se deve olvidar ainda que o objetivo do preceito estabelecido pelo art. 655-A do CPC
foi atribuir efetividade à tutela jurisdicional e a redação nele prevista não faz referência ao
esgotamento de diligências concernentes à localização de bens do devedor, mostrando-se
inaceitável que o intérprete estabelece exigência não determinada pela legislação. 56
A jurisprudência atual observa o princípio insculpido no art. 612, do diploma processual
civil, que estabelece ser a execução realizada no interesse do credor. Assim, é inadmissível ao
credor, em prol de quem deve se desenvolver a execução, além de arcar com as despesas
referentes à contratação de advogado e a custas processuais, ainda se ver constrangido a
suportar os prejuízos oriundos do exaurimento dos meios de busca por bens do devedor. 57
A penhora on line de dinheiro revela, na realidade, até mesmo excelente benefício para o
devedor, na medida em que despenderá menos recursos para arcar com as despesas
provenientes do processo de execução, tais como, custos com a formalização da penhora,
honorários de avaliador e leiloeiro e publicação de editais. 58
54
Cassio Scarpinella Bueno entende que a penhora on line está em estreita harmonia com o modelo
constitucional do processo civil, ao afirmar “que a regra é inequivocamente inspirada em razões de interesse
público, de maior eficiência da prestação jurisdicional, não havendo razão para relegá-la à disponibilidade das
partes e, menos ainda, para um ‘segundo plano’, como se a penhora online tivesse como pressuposto, por
qualquer razão, o malogro de outras tentativas de penhora sobre outros bens do executado”. BUENO, Cássio
Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. vol.3. São Paulo:
Saraiva, 2008, p.244-245.
55 Anita Caruso Puchta, em absoluta consonância com o novo entendimento adotado pelo Superior Tribunal de
Justiça, enfatiza a imprescindibilidade de interpretar o art. 185-A do CTN à luz da Constituição Federal e das
recentes reformas processuais no bojo das execuções. De acordo com a autora, “as normas processuais não
prevêem a penhora de dinheiro como medida excepcional e, sim, como prioridade. Portanto, o art. 185-A do
CTN necessita ser adaptado e interpretado de acordo com os preceitos constitucionais do prazo razoável, tutela
efetiva e as normas processuais de penhora de ativos financeiros como dos arts. 655, inc. I, 655-A do CPC.
Também deve ser interpretado de acordo com o § 3º do art. 475-J que prevê a nomeação de bens pelo credor.”
PUCHTA, Anita Caruso. Penhora de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009, p.138.
56 PIETOSO, Indira Chelini e Silva. Penhora on line: o uso da ferramenta e sua repercussão no mundo jurídico.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p.82.
57 PIETOSO, op. cit., p.82.
58 Araken de Assis relaciona como um dos princípios da execução o princípio do resultado, por meio do qual “a
execução, meio executório assaz divulgado nas usanças do tráfico, se realiza em proveito do credor”. Mais
92
Desse modo, não há razão que justifique a não utilização desse mecanismo célere,
eficiente e assegurador de benefícios, tanto para o exequente quanto para o executado,
principais protagonistas do processo executivo.
Adotando isso como pressuposto, não deve o Judiciário se esquivar do emprego de
grandes avanços tecnológicos. Referido Poder tem a função primordial de pôr termo aos
conflitos existentes no meio social e, além disso, resolver as divergências com a maior
brevidade possível, sob pena de as soluções apresentadas para o caso concreto não se
mostrarem passíveis de estabelecer a justiça.
4.5.1 Da expressão “preferencialmente por meio eletrônico”
Sobre a obrigatoriedade da utilização do instituto da penhora on line para a constrição de
valores, faz-se necessário ainda tecer alguns comentários a respeito da expressão
“preferencialmente por meio eletrônico”, prevista no caput, do art. 655-A do CPC.
Conforme prescreve aludido dispositivo, “Para possibilitar a penhora de dinheiro em
depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à
autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico [...]”. A
dicção chegou a suscitar dúvida acerca da melhor interpretação a ser adotada para o caso
concreto.
A questão suscitada não mais se refere à obrigatoriedade da utilização do sistema BACEN
JUD sobre as demais formas de localização de bens, tais como a pesquisa em cartórios de
registros de imóveis, em repartições de trânsito ou na declaração de imposto de renda por
exigência da Receita Federal; cinge-se apenas a compreender se o comando estabelecido pelo
art. 655-A reporta-se a uma faculdade do juiz ou a uma precedência na utilização do meio
virtual, quando este for disponibilizado.
Então, o emprego da dicção “preferencialmente por meio eletrônico” ensejava incerteza
sobre se o envio da ordem de bloqueio de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, através
do sistema BACEN JUD, deveria ser medida preferencial em relação ao encaminhamento da
ordem por meio de ofícios de papel.
adiante, o autor assevera que “paralelamente, o princípio do resultado, que sintetiza várias tendências
convergentes, tutela ao executado. Nenhum ato inútil, a exemplo da penhora de bens de valor insignificante e
incapazes de satisfazer o crédito (art.659, §2o), poderá ser consumado”. ASSIS, Araken. Manual do processo de
execução. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.116.
93
A controvérsia estava em saber se a utilização do BACEN JUD configurava opção ou, de
outro modo, uma prioridade sobre a forma tradicional de encaminhamento das ordens judiciais
para a constrição de bens.
Sucede que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, amparado pela garantia de
acesso à justiça e pela razoável duração do processo, mais uma vez, serviu de paradigma para
nortear a interpretação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.1043759/DF, entendeu-se que a melhor
interpretação para o termo “preferencialmente”, previsto no caput, do art. 655-A do CPC, seria
considerá-lo como obrigatório; a utilização do sistema BACEN JUD restaria superada apenas
quando, em circunstâncias excepcionais, restasse demonstrada a impossibilidade de adoção da
referida medida. 59
Desse modo, em decorrência do posicionamento albergado pelo Superior Tribunal de
Justiça, a redação prevista no caput, do art.810 do PLS no. 166/2010 60 , o qual estabelece uma
novel disciplina para o instituo da penhora on line, mostrou-se sobremaneira apropriada ao não
inserir a expressão “preferencialmente por meio eletrônico”, tendo em vista que já superada a
questão atinente à equivocidade do termo. 61
59 “Processual civil. Recurso especial. Ação de execução de título extrajudicial. BACENJUD. Obrigatoriedade
de cadastramento do magistrado. Art. 2º da Resolução n.º 61/08 do CNJ. Precedência da utilização do sistema
eletrônico sobre os demais meios disponíveis para a realização das providências do art. 655-A do CPC.” (REsp.
1043759/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/11/2008, DJ
16/12/2008).
60
Art.810 do projeto de NCPC: Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira,
o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições
financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional,
que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao
valor indicado na execução.
61 Nesse ensejo, relevante é colacionar trecho do voto bastante esclarecedor de lavra da Ministra Relatora Nancy
Andrighi, ao se manifestar sobre o acórdão em apreço: “[...] Segundo a tese adotada pelo Juiz de Primeiro Grau
de Jurisdição, e que restou confirmada pelo TJDFT na presente hipótese, a referida expressão indicaria que a
utilização do meio eletrônico seria mera faculdade do julgador, que, se entendesse conveniente, poderia realizar
a requisição de informações à autoridade supervisora do sistema bancário por meio distinto do eletrônico. A
outra interpretação do mencionado excerto do art. 655-A do CPC, defendida pelo recorrente, sugere que o
aludido dispositivo, ao mencionar a palavra ‘preferencialmente’, teria o intuito de determinar que a utilização do
meio eletrônico seria obrigatória sempre que ele estivesse disponível, possibilitando o uso de outros mecanismos
para a obtenção de informações sobre a existência de ativos em nome do executado e determinação de bloqueio
de quantias depositadas em instituições financeiras apenas quando falhas operacionais impedissem o uso do
meio eletrônico. Esta segunda interpretação, ao nosso sentir, mostra-se mais coerente com a opção feita pelo
legislador que, ao inserir o art. 655-A no CPC, buscou tornar a execução mais célere e efetiva, assegurando da
forma mais breve possível o acesso do exeqüente ao bem da vida pretendido. Destaque-se ainda, que caso a
expressão ‘preferencialmente’ fosse suprimida do texto legal, a utilização de qualquer meio diverso do eletrônico
estaria vedada sempre que houvesse uma eventual falha operacional do sistema, impedindo assim que as
providências mencionadas no art. 655-A do CPC fossem tomadas, ainda que por mecanismos menos velozes. A
94
Apenas para corroborar a escorreita posição do legislador, destaca-se a Resolução
nº61/2008, do Conselho Nacional de Justiça, a qual estabelece por meio do seu art. 2º, a
obrigatoriedade do cadastramento dos magistrados brasileiros no sistema BACEN JUD
quando, no desempenhar de suas respectivas funções jurisdicionais, necessitarem consultar
informações sobre a existência de recursos financeiros ou efetivar o seu bloqueio.
preferência a que faz alusão a redação do artigo não deve ser entendida como sinônimo de predileção, mas sim
de precedência, primazia e prioridade. Logo, conclui-se que o meio eletrônico precederá qualquer outro para a
realização das providências previstas no art. 655-A do CPC”.
5 A PENHORA ON LINE NO CONTEXTO DA EFETIVIDADE
A tutela executiva tem o objetivo precípuo de conferir ao credor, titular de direito
materializado em título executivo, os efeitos práticos ou os que mais se aproximem em
equivalência daqueles que decorreriam do cumprimento espontâneo pelo devedor da
obrigação previamente estipulada. 1
Desse modo, a concretização da efetividade da tutela jurisdicional, em especial no que
se refere à tutela executiva, está intimamente relacionada com a eficiência da execução
forçada. Assim, a fase executiva do cumprimento de sentença ou o processo de execução dos
títulos executivos extrajudiciais deve desenvolver-se de maneira a melhor atender os
interesses do credor, conforme preceptivo consubstanciado no art. 612 do CPC.
Partindo-se dessa premissa, a recente onda processual reformista preocupou-se em
estabelecer mecanismos que observassem a diretriz referente à efetividade processual, razão
pela qual inseriu o instituto da penhora on line no diploma processual civil brasileiro, sem
olvidar, no entanto, os princípios que norteiam a execução. Destarte, se por um lado a
execução desenvolve-se de maneira a efetivamente alcançar a satisfação do direito de crédito,
sob outra perspectiva, deve preservar o direito que o devedor possui de ser executado pelo
meio menos gravoso.
5.1 Bloqueio de valores e princípio da menor onerosidade
Preceitua o art. 620 do CPC brasileiro que, “quando por vários meios o credor puder
promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.
Inferência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da menor
onerosidade possui como escopo a preservação dos bens necessários a propiciar uma
existência digna, de maneira que o devedor não possa sofrer medidas nitidamente mais
gravosas se outras mais brandas existirem e, igualmente, possibilitarem a satisfação do direito
de crédito.
Também chamada de favor debitoris, essa norma orienta a atividade jurisdicional de
execução, na medida em que o juiz deve tomar providências no sentido de determinar que os
atos executivos não ocasionem gravame desnecessário ao executado. Dessa forma, o princípio
1 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p.17.
96
do menor sacrifício possível do executado deve ser observado “quando se pretenda fazer a
atividade executiva incidir sobre parcela do patrimônio do executado que esteja, em linha de
princípio, sujeita a ela”. 2
O princípio da menor onerosidade ainda 3 leva alguns estudiosos do Direito a
entenderem ser a utilização da penhora on line de dinheiro em depósito ou em aplicação
financeira medida que afronta diretamente a prescrição por ele estabelecida.
De conformidade com referido princípio, somente seria cabível a penhora on line de
dinheiro nos casos em que ela se mostrasse absolutamente necessária para satisfazer o objeto
da execução. Os argumentos mais comumente utilizados por aqueles que sustentam ser a
penhora on line medida que ofende a menor onerosidade, prevista no art. 620 do diploma
processual civil, são o bloqueio indiscriminado dos valores e a penhora on line incidente sobre
o faturamento da empresa. 4
Por ocasião do estudo acerca do sistema BACEN JUD, já foram tecidas algumas
considerações acerca da possibilidade de o bloqueio de valores incidir sobre numerário
2 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol.II. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris,
2005, p.156. O autor elucida o princípio ao exemplificar que “se a penhora incide sobre um bem que é capaz de
garantir a satisfação do crédito, e o devedor tem outro, também capaz de garantir tal satisfação, mas que – uma
vez apreendido – traria a ele menor gravame, deverá a penhora incidir sobre este, e não sobre aquele primeiro
bem”.
3 A utilização do termo “ainda” se justifica porque, mesmo que o Superior Tribunal de Justiça já tenha se
manifestado no sentido de não ser mais necessário o prévio esgotamento dos meios de busca por outros bens
penhoráveis antes da utilização da penhora on line, operadores do Direito entendem ser a medida empregada de
forma excepcional, sob pena de ofender o princípio ora em estudo. Esse foi o entendimento firmado no seguinte
julgamento: “AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. PENHORA ON LINE. EXPECIONALIDADE
NÃO-CONFIGURADA. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE AO DEVEDOR. Não é absoluta a ordem
legal de incidência da penhora, prevista no art. 655 do CPC, que deve, na espécie, ser relativizada. É medida
excepcional a penhora on line de dinheiro, cabível apenas quando não forem localizados outros bens do devedor
passíveis de penhora. Credor que não comprovou ter esgotado todas as diligências no sentido de localizar outros
bens do devedor passíveis de constrição judicial. Assim, nenhum motivo para onerar o agravado com o bloqueio
dos valores existentes em contas-correntes ou aplicações financeiras, em nome do Princípio da Menor
Onerosidade ao Devedor (art. 620 do CPC). DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS, TENDO EM VISTA A AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CAPAZES DE ALTERAR A
CONVICÇÃO FORMADA. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. UNÂNIME”. (Agravo
Nº 70036337145, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga,
Julgado em 24/06/2010)
4
Sobre a ofensa ao princípio da menor onerosidade pela penhora on line, Napoleão Nunes Maia Filho assevera
que “essa determinação de bloqueio alcança a totalidade das contas do devedor, independentemente do quantum
objeto da execução, o que resulta num verdadeiro excesso de execução a priori. Desse modo, extrapolam-se os
contornos e os limites do título executivo, onerando de logo e sobremaneira o executado, haja vista que tal
procedimento pode afetar valores destinados ao pagamento de outras obrigações, até mesmo de natureza
alimentar, sem assinalar que os recursos depositados em contas bancárias servem ao pagamento de salários dos
empregados, de créditos de fornecedores de bens e serviços e, ainda, de tributos correntes”. MAIA FILHO,
Napoleão Nunes. A constrição patrimonial eletrônica e os direitos do executado na execução fiscal. Revista
dialética de direito processual, Brasília, DF, n.43, p.105-119, out. 2006, p.113.
96
97
existente em diferentes contas do executado, ou ainda, de alcançar verbas cobertas pelo manto
da impenhorabilidade, o que acarretaria demasiado transtorno ao executado.
Nessa oportunidade, verificou-se incumbir ao executado demonstrar por simples
petição que os valores eventualmente bloqueados não podem servir de objeto para garantir a
execução, por se tratarem de bens impenhoráveis. Pode o executado, ainda, indicar outros
bens à penhora, alternativamente aos ativos financeiros tornados indisponíveis.
O art. 655-A, em seu parágrafo 2º, determina competir ao executado demonstrar que
os valores depositados na conta corrente se referem à hipótese prevista no inciso IV, do caput
do art. 649 ou que estão enquadradas em outra forma de impenhorabilidade. 5 Assim, efetuada
a indisponibilidade dos valores do executado, ele terá o ônus de comprovar que as quantias
bloqueadas são impenhoráveis. 6
Como não é possível ao juiz verificar, antecipadamente, se o valor a ser bloqueado se
refere ou não a bem impenhorável, é salutar que se conceda essa oportunidade ao executado
para que ele demonstre e comprove a impenhorabilidade.
No mesmo ensejo, constatou-se que o tempo transcorrido entre o encaminhamento da
ordem judicial de desbloqueio dos valores eventualmente bloqueados e o efetivo cumprimento
da ordem por parte das instituições financeiras, com a versão 2.0 do sistema BACEN JUD,
reduziu de maneira excessiva.
De acordo com o preceito normativo determinado pelo §8º, do art. 810 do PLS no.
166/2010, o cancelamento da indisponibilidade dos valores excessivamente bloqueados
deverá ser realizado em, no máximo, vinte e quatro horas, a contar da resposta encaminhada
pelas instituições financeiras a respeito da ordem de bloqueio.
O preceptivo estabelecido por esse novel dispositivo apenas corrobora a intenção do
legislador em efetivar o direito fundamental à tutela executiva, por meio da previsão de
mecanismos céleres e eficientes para a satisfação do direito de crédito, sem olvidar, no
5 Art. 649 do CPC: “São absolutamente impenhoráveis: IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários,
remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade
de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários
de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo”.
6 Referida incumbência também consta do §3º, do art. 810 do projeto de Novo código de processo civil (PLS no.
166/2010).
97
98
entanto, o respeito às demais normas processuais respaldas na legislação infraconstitucional e
na própria Constituição Federal.
Nesse lance, a alegação de que a penhora on line atenta contra o preceito estabelecido
pelo princípio da menor onerosidade ou do menor sacrifício possível para o executado não
merece prosperar sob pena de sacrificar outra regra de não menos importância, a qual
determina ser a execução desenvolvida com vistas a satisfazer os interesses do credor.
Imprescindível é consignar ainda que o princípio previsto no art. 612 do CPC possui
respaldo em norma de maior abrangência, visto que constitui decorrência direta do princípio
da inafastabilidade da jurisdição, cujo preceptivo constitucional que o representa se encontra
consubstanciado no inciso XXXV, do art. 5º da Constituição Federal.
5.1.1 Paralelo entre os dispositivos legais do CPC: 612 x 620 x 655
O cotejo entre as prescrições estabelecidas pelos arts. 612, 620 e 655 parte da
inevitável necessidade de elucidar a questão atinente às criticas efetivadas contra a penhora on
line, as quais são fundamentadas no princípio da menor onerosidade. Relevante é ressaltar, no
entanto, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se mostra pacífica, no que tange
à possibilidade de a penhora on line incidir sobre dinheiro depositado em conta ou em
aplicação financeira, sem que tal medida incorra em ofensa a norma insculpida no art. 620. 7
O princípio da menor onerosidade, assim como qualquer outro princípio, não pode ser
considerado absoluto, ou seja, o primeiro não enseja superioridade sobre os demais princípios
que igualmente informam o processo de execução, sobretudo no que se refere ao instituído
pelo art. 612.
Desse modo, ante os casos em que se mostrar oportuna a utilização da penhora on line,
cabe ao magistrado avaliar, com substrato em seus conhecimentos jurídicos, qual princípio
deve prevalecer para a melhor realização dos interesses envolvidos. O juiz deve fazer uso da
ponderação de interesses entre as normas disciplinadas nos arts. 612 e 620, ou seja, entre o
7 Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO FISCAL - PENHORA PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE (ART. 620 DO CPC) - REEXAME DE MATÉRIA FÁTICOPROBATÓRIA - SÚMULA 7/STJ. 1. É inadmissível o recurso especial se a análise da pretensão da recorrente
demanda o reexame de provas. 2. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido da possibilidade da penhora
recair sobre dinheiro em conta corrente sem que isso implique ofensa ao princípio da menor onerosidade. 3.
Agravo regimental não provido”. (STJ, AgRg no Ag 1220646 / RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON. 2.T., DJ
06/06/2010).
98
99
direito do credor em ver sua pretensão satisfeita e o direito do devedor de ser preservado
contra medidas mais danosas ao seu patrimônio.
Na referida situação, na qual se apresentam normas aparentemente conflitantes entre
si, o princípio da proporcionalidade surge como instrumento de fundamental relevância para
solucionar tal impasse.
Assim, por meio de juízos comparativos de valor, realiza-se uma ponderação dos
interesses envolvidos no caso concreto a ser solucionado, harmonizando-os, por meio da
limitação do campo de aplicação de qualquer deles ou de ambos. 8 A essa “concreta
compatibilização dos dois princípios fundamentais no curso do processo executivo dá-se o
nome de execução equilibrada”.9
O princípio do favor debitoris também deve ser interpretado em consonância com o
preceituado no art. 655 do diploma processual civil, o qual estabelece a ordem de preferência
na penhorabilidade dos bens, em favor do credor e da efetividade da tutela executiva.
Sabe-se que o dinheiro em espécie sempre liderou o rol de preferências fixado pelo
referido preceito normativo e que, com a entrada em vigor da lei no 11.382/2006, o dinheiro
em depósito ou o aplicado em instituição financeira foi equiparado ao primeiro, não obstante a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já caminhar nesse sentido.
A gradação estabelecida por esse dispositivo, no entanto, não pode ser considerada
rígida, sob pena de ferir o princípio da menor onerosidade. Partindo-se desse suposto, ao
devedor cabe demonstrar que a incidência da penhora sobre determinado bem lhe causará
graves prejuízos. Na mesma oportunidade, o executado pode requerer a substituição do bem
8 Acerca do conflito entre princípios, Robert Alexy colaciona a seguinte lição: “Se dois princípios colidem – o
que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido,
um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado
inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos
princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da
precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos
concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com maior peso têm precedência.” ALEXY,
Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p.9394.
9 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEDINA, Flavio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso
avançado de processo civil. vol.2. Processo de execução. 7. ed. São Paulo: 2005, p.131.
99
100
penhorado por outro, desde que essa medida não se efetive em detrimento da execução, como
estabelece o art.668 do CPC. 10
Diferentemente da substituição estatuída pelo art. 656 11 , a permuta estabelecida pelo
art. 668 se “funda apenas numa razão de conveniência baseada na ausência de prejuízo e na
menor onerosidade”. 12 Trata-se, portanto, de medida excepcional que apenas se mostra
cabível diante da comprovação dos requisitos previstos nesse preceito normativo. 13
O princípio da proporcionalidade deve ser aplicado como forma de elucidar o caminho
a ser seguido pelo aplicador do Direito, de maneira que a constrição judicial imposta ao
devedor não exceda os limites da execução; 14 no entanto, não se deve olvidar que a penhora
on line representa instrumento de efetivação do direito do credor à tutela executiva e que o
princípio maior da execução forçada se refere à satisfação do direito de crédito.
Desse modo, deve-se realizar uma contraposição entre os princípios da celeridade e da
efetividade processual e o princípio do menor sacrifício para o executado, sob pena de ensejar
uma sobreposição desse último sobre os demais e acarretar uma espécie de impenhorabilidade
de bens não prevista em norma legal. Cândido Rangel Dinamarco preconiza:
É imperioso, portanto, estar atento a uma indispensável linha de equilíbrio entre o
direito do credor, que deve ser satisfeito mediante imposição dos meios executivos,
e a possível preservação do patrimônio do devedor, que não deve ser sacrificado
além do necessário. Mas, em casos concretos, não havendo um modo de tratar o
devedor de modo mais ameno, deve prevalecer o interesse daquele que tem um
10 Aludida possibilidade, consubstanciada no art. 668 do CPC, já foi objeto de análise por ocasião do estudo
sobre as modificações introduzidas pelas leis nos. 11.232/2005 e 11.382/2006, no que tange à penhora de
dinheiro.
11 A substituição prevista nesse dispositivo refere-se a situações em que o bem penhorado não se mostra
suficiente a satisfazer a execução por motivos de natureza objetiva, ou seja, inexiste no caso a necessidade de
comprovar ofensa a menor onerosidade ou a inexistência de prejuízos para a execução.
12 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo
por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. 2. ed. São Paulo: Manole, 2008, p.1191.
13 Nesse mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL.
EXECUÇÃO FISCAL. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE. ABRANGÊNCIA. 1. A regra do art. 620
do CPC não constitui autorização genérica dotada de aptidão para subverter a ordem preferencial listada no art.
655 do CPC e no art. 11 da Lei 6.830/1980. É indispensável que a executada demonstre, em concreto, como e
por que o meio utilizado é o mais oneroso. (...)”. (STJ, AgRg no Ag 1091502/SP, Rel. Ministro Herman
Benjamin, 2.T., julgado em 24/03/2009, DJ 20/04/2009)
14 Cassio Scarpinella, com o esmero que lhe é peculiar, destaca o aspecto impositivo da ressalva estabelecida
pelo art.655, no que concerne à aplicação do preceito à normalidade dos casos. Segundo o processualista,
“entender que a lei pretenda resolver, em definitivo, todas e quaisquer situações práticas que se ponham na
frente do magistrado é hipertrofiar o papel do legislador em detrimento da Constituição Federal. O ‘modelo
constitucional do direito processual civil’ sempre leva à flexibilização da letra da lei – mesmo que a lei não seja
clara –, consoante sejam as necessidades e os valores a ser prestigiados em cada caso concreto”. BUENO,
Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. vol.3. São
Paulo: Saraiva, 2008, p.230.
100
101
crédito a receber e não pode contar senão com as providências do Poder
15
Judiciário.
Anteriormente, foi destacado que a ordem legal de preferência dos bens penhorados
não pode ser considerada absoluta, sob pena de ferir o princípio da menor onerosidade,
cabendo ao executado apontar outros bens penhoráveis de seu patrimônio e comprovar que a
substituição não acarretará prejuízos à satisfação do direito de crédito.
A flexibilidade desse rol, entrementes, se mostra igualmente favorável ao credor, na
medida em que a ele é conferido o direito de recusar bem oferecido pelo devedor, por não
atender de maneira eficiente ao objeto da execução. A recusa pode estar fundamentada na
baixa liquidez dos bens oferecidos à penhora 16 ou na difícil localização dos bens indicados,
ou, ainda, na facilidade de sua deterioração.
O credor, por conseguinte, pode não aceitar a nomeação do bem à penhora e indicar
outro bem do devedor, mesmo que a indicação não obedeça à ordem legal de preferência 17 ou,
se preferir, poderá indicar o dinheiro, com vistas a satisfazer de modo mais célere a prestação
a que tem direito.
Ora, se o dinheiro em depósito ou em aplicação financeira lidera o rol de preferência
dos bens sujeitos a constrição judicial, nada mais salutar do que se valer de instrumento célere
e eficaz para satisfazer o objeto da execução. Se o magistrado assim não proceder, a satisfação
do direito do exequente se tornaria completamente impraticável.
Conforme entendimento perfilhado por André de Luizi Correia,
15 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. IV. São Paulo: Malheiros,
2004, p.57.
16 AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. EXECUÇÃO. RECUSA À NOMEAÇÃO
DE BENS À PENHORA. TÍTULO DA DÍVIDA PÚBLICA. Na execução, deve-se levar em conta a harmonia
entre o objetivo principal, que é a satisfação do crédito, e a forma menos onerosa para o devedor. Não obstante, a
penhora de título da dívida pública dificulta a satisfação do interesse do credor, dada a dificuldade de liquidez
ante a baixa demanda no mercado, além de não observar a ordem do art. 655 do CPC, razão suficiente para
viabilizar a recusa à nomeação, tornando-a sem efeito. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70019155480, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 09/04/2007).
17 Cita-se o seguinte exemplo com o propósito de elucidar aludida situação. Caso o devedor indique à penhora
um automóvel alienado fiduciariamente (veículos de via terrestre encontram-se em segundo lugar na lista dos
bens penhoráveis, ou seja, no artigo 655, II), o credor poderá recusar tal indicação e requerer que a constrição
judicial recaia sobre bem imóvel de fácil alienação e situado na comarca em que se desenvolve o processo de
execução (os bens imóveis situam-se em quarto lugar no rol dos bens sujeitos à penhora e, portanto, colocam-se
em posição posterior aos veículos de via terrestre). Compartilhando do mesmo entendimento: WAMBIER, Luiz
Rodrigues; ALMEDINA, Flavio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil.
vol.2. Processo de execução. 7. ed. São Paulo: 2005, p.131.
101
102
A penhora on-line em nada viola o princípio da menor onerosidade, não somente
porque sua correta exegese não é aquela que lhe atribuem os opositores do sistema
BACEN JUD, como também – e principalmente – porque referido princípio perdeu
muito espaço após as reformas processuais que, seguindo uma tendência mundial,
intensificaram o valor efetividade, que não mais pode ser dissociado do próprio
18
conceito de acesso à Justiça.
Assim, partindo-se da premissa de que o dinheiro ocupa o primeiro lugar na lista dos
bens penhoráveis, o não obedecimento dessa ordem legal de preferência configura “ato
manifestamente ilegal, inconstitucional, atentatório à dignidade da justiça e aos direitos
fundamentais do autor que tem razão e a sua dignidade”. 19
5.2 Penhora sobre o faturamento de empresa
A tormentosa questão acerca da penhora sobre o faturamento de empresa está
intimamente relacionada com o aparente conflito entre os princípios constitucionais da
inafastabilidade da jurisdição e o da função social da empresa. O direito fundamental do
credor consistente na célere e efetiva obtenção de um provimento jurisdicional surge como
suposta contraposição à função social exercida pela empresa executada.
A ordem econômica, como estabelece o art. 170 da Constituição Federal de 1988,
“fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Ainda de acordo com o
aludido preceito normativo, para que a ordem econômica seja realmente efetivada, torna-se
imprescindível a observância dos princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da
função social da propriedade, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do
meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais, da busca do pleno emprego
e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Infere-se do mencionado preceptivo constitucional que a ordem econômica possui como
diretriz precípua a busca da justiça social, realizada por meio da garantia de busca do emprego
pleno e na redução das desigualdades sociais. 20
18
CORREIA, André de Luizi. Em defesa da penhora on line. Revista de processo. v. 30, n.125, jul. 2005, p.123.
(92-152).
19 PUCHTA, Anita Caruso. Penhora de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009, p.169.
20 Como bem preconiza André Ramos Tavares, a justiça social “deve ser adotada como um dos princípios de
finalidade comunitarista expressos da Constituição de 1988, a interferir no contexto da ordem econômica,
visando ao implemento das condições de vida de todos até um patamar de dignidade e satisfação, com o que o
102
103
Neste ensejo, percebe-se o relevante papel que a empresa representa nesse contexto, na
medida em que o alcance dos seus objetivos econômicos se torna possível apenas mediante o
oferecimento de empregos a determinada parcela da população, sem olvidar, no entanto, o
respeito às condições dignas de trabalho que preservem a dignidade da pessoa humana.
No mesmo sentido, a oferta de emprego por parte da sociedade empresária ou pelo
empresário individual contribui para o decréscimo do índice de desemprego que assola o País,
da mesma forma que concorre para a atenuação das disparidades de níveis sociais. Além das
mencionadas colaborações para a consecução dos objetivos da ordem econômica
constitucional, a empresa possibilita a aquisição de propriedade privada por aqueles que
passaram a auferir rendimentos ou mesmo intensificar seus ganhos.
Por sua vez, a livre iniciativa se presta a robustecer a posição social da empresa, visto que,
com a intensificação da concorrência, toda atividade empresarial tenderá a munir-se de
condutas que visem ao lucro, fato que proporcionará o crescimento econômico e o
desenvolvimento social do País.
Ressalte-se, todavia, que a atuação empresarial na busca pela obtenção de lucros deve se
pautar na licitude das ações, sob pena de agir na contramão da função social prevista na Carta
Magna, além de acarretar prejuízos materiais a toda a sociedade. 21
Nesse panorama, o estudo acerca da penhora sobre o faturamento de empresa traduz
significativa relevância, porquanto tenciona harmonizar a função social a que se propõe a
empresa e o direito fundamental do credor à tutela jurisdicional verdadeiramente efetiva,
mormente no que concerne à tutela executiva.
Com vistas a possibilitar a melhor compreensão a respeito do assunto, cumpre salientar,
de início, que a penhora incidente sobre o faturamento da empresa não se confunde com a
penhora que recai sobre o estabelecimento comercial, prevista no art. 677 do CPC, segundo o
caráter social da justiça é-lhe intrínseco”. TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed.
São Paulo: Editora Método, 2006, p.130.
21 A lei no. 8.884, de 11 de junho de 1994, disciplina regras sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a
ordem econômica. Mencionado diploma normativo repudia condutas lesivas ao regular desenvolvimento da
economia e prevê sanções a empresas que extrapolem os limites do princípio constitucional da livre
concorrência. Nesse diapasão, Eros Roberto Grau anota que as regras estabelecidas por referida lei consolidam
os princípios insculpidos no art. 170 da Constituição Federal, conformando-os uns aos outros, de maneira a
possibilitar a convivência harmônica entre si. Assim, de acordo com o ensinamento do autor, “o princípio da
liberdade de concorrência ou da livre concorrência assume, no quadro da Constituição de 1988, sentido
conformado pelo conjunto dos demais princípios por ela contemplados; seu conteúdo é determinado pela sua
inserção em um contexto de princípios, no qual e com os quais subsiste em harmonia”. GRAU, Eros Roberto. A
ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.213.
103
104
qual, “quando a penhora recair em estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem
como em semoventes, plantações ou edifício em construção, o juiz nomeará um depositário,
determinando-lhe que apresente em 10 (dez) dias a forma de administração”. 22
No mesmo ensejo, a penhora sobre o faturamento difere da penhora on line que incide
sobre o dinheiro em depósito ou o aplicado em instituição financeira, também de titularidade
da pessoa jurídica. 23
A definição de estabelecimento vem prescrita no Código Civil de 2002, que em seu art.
1.142, considera “estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da
empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. 24
Entende-se, então, que o estabelecimento compreende o conjunto de bens corpóreos e
incorpóreos necessários ao desenvolvimento da atividade empresarial. Corpóreos são aqueles
bens materiais integrantes do estabelecimento comercial e consubstanciados em mobiliários,
utensílios, maquinaria ou instalações; por sua vez, os incorpóreos compreendem os bens
imateriais, ou seja, aqueles relacionados aos direitos da pessoa jurídica, a exemplo do nome,
da patente, do know-how e do ponto.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 451, a qual estabelece
ser legítima a penhora que incide sobre a sede do estabelecimento comercial. Referida súmula
apenas ratificou o entendimento que vinha sendo adotado pela Corte, no sentido de
possibilitar a constrição judicial da sede do estabelecimento empresarial, desde que não
houvesse outros bens passíveis de penhora.
22 Antônio Cláudio da Costa Machado assevera que a modalidade de penhora prevista pelo §3º do art. 655-A
distingue-se da penhora da própria empresa, disciplinada pelo Código nos arts. 677 e 678. Na mesma
oportunidade, o autor elenca algumas semelhanças entre as duas espécies de penhora. A primeira semelhança
concerne à nomeação de depositário a ser realizada após a lavratura do auto de penhora pelo oficial de justiça. A
segunda consiste na ouvida das partes acerca da nomeação do depositário e a forma como esse administrará a
constrição judicial. A última semelhança se refere à incumbência de submeter à apreciação do juiz, a forma
como a empresa será administrada. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil
interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. 2. ed.
São Paulo: Manole, 2008, p.1165.
23 Anita Caruso Puchta demonstra consonância com o entendimento ora defendido, segundo o qual a penhora
sobre o faturamento e a que recai sobre dinheiro constituem institutos diferenciados, visto que a primeira
“alcança rendimentos futuros e a penhora de dinheiro atinge somente os valores já existentes”. PUCHTA, Anita
Caruso. Penhora de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009, p.170.
24 De conformidade com Fábio Ulhoa Coelho, “estabelecimento empresarial é o conjunto de bens reunidos pelo
empresário para a exploração de sua atividade econômica”. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito
comercial. Vol. I: direito de empresa. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.97.
104
105
Trata-se, portanto, de uma excepcionalidade, subsistindo apenas quando a sede da
empresa for o único bem penhorável do devedor e, ainda, quando não se trate de bem de
família. 25
Ora, o art. 649 do Código de Processo de 1973 não prevê hipótese de
impenhorabilidade de imóvel; referido preceito normativo faz referência, no inciso IV, tão
somente aos livros, máquinas, ferramentas, utensílios, instrumentos ou outros bens móveis
necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão.
Dessa forma, mostra-se desprovida de fundamento jurídico a tentativa de se
estabelecer qualquer espécie de impenhorabilidade sobre bem imóvel, ressalvadas as
impenhorabilidades já previstas pelo ordenamento jurídico processual.
Além desse aspecto, aludido entendimento jurisprudencial observa o princípio do
menor sacrifício para a empresa executada, na medida em que determina ser possível a
penhora sobre o estabelecimento comercial tão somente quando verificado o preenchimento
de alguns requisitos, quais sejam, a não existência de outros bens penhoráveis no patrimônio
do devedor, o imóvel não configurar bem de família e a observância da disciplina prevista no
art. 677.
No que tange à penhora sobre o faturamento de empresa executada, não obstante tal
conduta se manifestar há algum tempo na prática forense, foi somente com a edição da lei no
11.382/2006, que se deu a previsão da penhorabilidade sobre referida hipótese no art. 655, o
qual preceitua a ordem de preferência dos bens a serem penhorados. A disciplina dessa
espécie de constrição judicial também foi acrescentada pelo mencionado diploma normativo e
encontra-se prevista no §3º, do art. 655-A. 26
Desse modo, é necessário debruçar-se de modo mais aprofundado sobre referida
penhora, haja vista que sua regulamentação se encontra disposta no preceito normativo que
25 PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C,
DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. IMÓVEL PROFISSIONAL. BEM ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEL.
NÃO CARACTERIZAÇÃO. ARTIGO 649, IV, DO CPC. INAPLICABILIDADE. EXCEPCIONALIDADE DA
CONSTRIÇÃO JUDICIAL. (Resp. 11114767/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX. CORTE ESPECIAL, julgado em
02/12/2009, DJ 04/02/2010)
26
Nessa esteira, Cassio Scarpinella Bueno registra que “o inciso VII do art.655, novidade trazida pela Lei
n.11.382/2006, era amplamente conhecido da doutrina e da jurisprudência. Medida executiva atípica porque não
prevista em lei até o advento daquele diploma legal, a providência era amplamente utilizada com excelentes
resultados”. Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva.
vol.3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.234.
105
106
introduziu o bloqueio eletrônico de valores na sistemática processual civil, objeto deste
trabalho.
Assim, de acordo com o que estabelece o parágrafo §3º do aludido preceito normativo,
quando a penhora recair sobre percentual de faturamento da empresa, o juiz deverá nomear
um depositário com a incumbência de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da
constrição, além de prestar contas mensalmente, repassando ao exequente as quantias
recebidas, com o objetivo de serem imputadas no pagamento da dívida.
Deve-se entender por faturamento, para fins do estudo em apreço, a receita bruta
auferida pela empresa na consecução de sua atividade-fim, ou seja, a receita proveniente da
atividade para a qual a empresa foi constituída. A receita bruta compreende a quantia
resultante da venda de mercadorias ou da prestação de serviços, sem o destaque das despesas
referentes aos encargos trabalhistas, ao pagamento dos tributos ou aos gastos empregados para
o desenvolvimento da atividade empresarial.27
Como destacado alhures, a penhora sobre o faturamento difere da penhora on line
sobre saldos em contas de titularidade da empresa executada; aquela se refere à constrição de
numerário futuro a ser auferido como retorno da atividade empresarial; essa, por sua vez,
relaciona-se com o dinheiro existente em instituição financeira e à disposição da executada. 28
A penhora sobre o faturamento da empresa, assim como a incidente sobre a sede do
estabelecimento comercial, é medida de caráter excepcional. Desse modo, para que a
constrição judicial recaia sobre o faturamento, revela-se necessário o atendimento de algumas
condições, cuja inobservância caracterizaria ofensa ao princípio do menor sacrifício do
executado.
27
Calha transcrever as palavras de Napoleão Nunes Maia Filho acerca do conceito de faturamento: “Com efeito,
o faturamento de uma empresa representa o conjunto das receitas diretamente decorrentes de sua atividade
econômica (de produção de bens ou de comercialização de serviços e mercadorias), antes de deduzidos os
custos inerentes aos insumos (como matéria-prima, salários, aluguéis, tributos etc.), ou seja, parte do capital
econômico-jurídico próprio da empresa ou de terceiros é destinado à elaboração desses bens e serviços (na
proporção do custo de produção), o que equivale dizer que tal se reflete e se projeta no faturamento obtido”.
MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A constrição patrimonial eletrônica e os direitos do executado na execução
fiscal. Revista dialética de direito processual, Brasília, DF, n.43, p.105-119, out. 2006, p.113.
28 “TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA.
SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. 1. A penhora sobre o faturamento da empresa não é sinônimo de penhora
sobre dinheiro, razão porque esta Corte tem entendido que a constrição sobre o faturamento exige sejam tomadas
cautelas específicas discriminadas em lei. Isto porque o art. 620 do CPC consagra o favor debitoris e tem
aplicação quando, dentre dois ou mais atos executivos a serem praticados em desfavor do executado, o juiz deve
sempre optar pelo ato menos gravoso ao devedor”. (REsp. 1135715/RJ. Rel. Ministro Luiz Fux. PRIMEIRA
TURMA. Julgado em 27/10/2009. DJ. 02/02/2010).
106
107
Supondo-se desta forma, de início, a primeira condição a ser verificada pelo
magistrado ao expedir a ordem judicial de penhora sobre o faturamento de empresa consiste
em certificar-se de que a localização de outros bens penhoráveis do patrimônio do devedor
não obteve êxito. Ainda, caso referidos bens hajam sido localizados, deve-se constatar que se
tratam de bens de difícil alienação e, por conseguinte, atentam contra os princípios da
celeridade e da economia processuais.
A segunda exigência diz respeito ao cumprimento das regras estabelecidas pelo
parágrafo 3º do art. 655-A, ou seja, a nomeação de depositário que administre a forma como
se dará a efetivação da constrição judicial e a sua respectiva aprovação pelo magistrado. 29
O último requisito a ser satisfeito está relacionado com o não comprometimento da
solução de continuidade da atividade empresarial. A aferição do percentual do faturamento a
passar por constrição judicial deve ser alcançada mediante a realização de juízo de
ponderação entre os interesses envolvidos, para que não reste prejudicada a função social que
a empresa representa, assim como o direito pertencente ao credor de obter de maneira célere e
efetiva a satisfação do seu crédito. Imprescindível é, portanto, harmonizar os princípios do
menor sacrifício para o executado e o da maior efetividade do processo executivo. 30
Na visão de Cassio Scarpinella Bueno, “a melhor solução é a análise de cada caso
concreto para se verificar em que medida o percentual penhorado afeta, ou não, a subsistência
da empresa e o pagamento de seus encargos de todas as espécies”. 31
29 AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE EXECUÇÃO
DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA.
POSSIBILIDADE. Possível a penhora sobre o faturamento de empresa, desde que inexistam outros bens
passíveis de constrição e a medida não inviabilize o funcionamento da pessoa jurídica, devendo ser nomeado
depositário, o qual se incumbirá de prestar contas ao juízo. Entendimento assente no Superior Tribunal de
Justiça. Constrição de 10% sobre o faturamento líquido da empresa não inviabilizará seu funcionamento.
RECURSO IMPROVIDO EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70037262748, Décima
Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em 01/07/2010)
30 AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PENHORA. NOMEAÇÃO DE BENS. REJEIÇÃO PELA
CREDORA. ORDEM DE PREFERÊNCIA. DINHEIRO. FATURAMENTO DA EMPRESA. PONDERAÇÃO.
INEXISTÊNCIA DE EMBARAÇOS À ATIVIDADE ECONÔMICA. LEGALIDADE.
[...]
2. Não constitui irregularidade a determinação judicial de que, ante a rejeição pela credora dos bens nomeados
pela devedora, faça recair a penhora, ponderadamente, sobre percentual do faturamento mensal da sociedade
empresária, e desde que não embarace suas atividades econômicas, para assegurar a liquidez no pagamento da
dívida.
3. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (Agravo de Instrumento n. 47859200680600000, 1ª Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do Ceará, Relator Fernando Luiz Ximenes Rocha, julgado em 17/01/2011)
31
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva.
vol.3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.235.
107
108
Ressalte-se que o §3º do art. 655-A, ao regulamentar a penhora sobre o faturamento de
empresa, preocupou-se em atender o interesse do credor sem olvidar o princípio da menor
onerosidade para o devedor, nos termos do art. 620, visto que a penhora somente incide sobre
percentual que não prejudique a continuidade da empresa. 32
A parcela penhorável consiste naquela que pode ser subtraída do círculo produtivo da
empresa, sem que referida constrição implique o descumprimento das obrigações perante
fornecedores, empregadores ou tributos. 33 Assim, admite-se que a penhora incida no máximo
sobre vinte por cento do faturamento da empresa ou, excepcionalmente, sobre trinta por cento,
de modo que afete da maneira menos gravosa possível sua solução de continuidade. 34
No âmbito da Justiça do Trabalho, há jurisprudência firme que estabelece ser possível
a penhora sobre o faturamento de empresa, desde que a constrição não comprometa o regular
desenvolvimento de suas atividades. 35
5.2.1 Penhora on line de dinheiro das pessoas jurídicas
Por diversas oportunidades sucedidas ao longo do estudo acerca da penhora sobre o
faturamento de empresa, mencionou-se que referida constrição judicial difere do bloqueio dos
valores existentes nas contas das empresas executadas e, portanto, da posterior penhora
incidente sobre o dinheiro em depósito ou em aplicação financeira de titularidade da pessoa
jurídica. No mesmo sentido, como já declarado, manifesta-se a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça.
Ora, a penhora on line da quantia existente nas contas da empresa executada é medida
preferencial, visto que o dinheiro em espécie, em depósito ou o aplicado em instituição
financeira, figura em primeiro lugar no rol dos bens a serem penhorados.
32 PUCHTA, Anita Caruso. Penhora de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009, p.176. No mesmo sentido, ao
analisar a penhora sobre o faturamento de empresa, Ivanoy Moreno Freitas Couto assevera que “a jurisprudência
dominante tem entendido que ela não deverá exceder a 30% sobre o seu faturamento mensal, fundamentando-se
na preservação da atividade empresarial”. COUTO, Ivanoy Moreno Freitas. Penhora on line: Princípios
limitadores à sua aplicação. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2010, p.22.
33THEODORO JÚNIOR. Humberto. A penhora on line e alguns problemas gerados pela sua prática. Revista de
processo, v.34, n.176, p. 11-35, out. 2009, p.33.
34 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo
por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. 2. ed. São Paulo: Manole, 2008, p.1154.
35 OJ n.93 da SDI-2: MANDADO DE SEGURANÇA. POSSIBILIDADE DA PENHORA SOBRE PARTE DA
RENDA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. É admissível a penhora sobre a renda mensal ou
faturamento de empresa, limitada a determinado percentual, desde que não comprometa o desenvolvimento
regular de suas atividades.
108
109
Como elucidado em tópicos anteriores, a organização da lista prevista no art. 655 do
CPC fundamenta-se na maior liquidez do bem a passar pela constrição judicial. Sublinhe-se
que referida relação é utilizada por analogia, ao bloqueio de valores instituído pelo sistema
BACEN JUD, na medida em que essa indisponibilidade constitui ato anterior a eventual ato
judicial de penhora.
Do mesmo modo, destacou-se que se a penhora on line recair sobre quantia
impenhorável ou incidir sobre valor que excede ao suficiente para satisfazer a execução, ao
executado cabe comprovar a veracidade do fato e pleitear o desbloqueio dos valores. 36
Assim, suponha-se que determinada ordem de bloqueio judicial proveniente de
execução de crédito trabalhista haja tornado indisponível o numerário existente em duas ou
mais contas da executada, de maneira que impeça a empregadora de cumprir os
compromissos assumidos. Nesse caso, basta que a empresa apresente requerimento de
desbloqueio, para que o juiz, analisado o caso concreto, efetive o desbloqueio de maneira
imediata.
Além da possibilidade conferida à empresa executada, consistente em requerer o
levantamento da indisponibilidade sobre as quantias bloqueadas, é dada a ela a faculdade de
eleger uma conta única sobre a qual possam recair as ordens judiciais de bloqueio.
Diante dessa rápida digressão acerca da diferença entre o bloqueio de dinheiro em
depósito ou em aplicação financeira e a penhora incidente sobre o faturamento, pode-se
garantir que o primeiro deve ser aplicado pelo magistrado de forma preferencial sobre as
demais medidas de constrição, sem que tal conduta ocasione qualquer ofensa ao princípio
pelo qual se sustenta que a execução deve se dar da maneira menos onerosa para o devedor.
Por outro lado, a penhora sobre o faturamento de empresa é medida de caráter
excepcional que somente pode ser aplicada se preenchidos alguns requisitos, sob pena de
desrespeitar o menor sacrifício do executado.
Desse modo, a crítica consistente na afirmação de que a penhora on line de valores,
como medida preferencial, atenta contra a solução de continuidade da empresa, mostra-se
36 Lembre-se de que a versão 2.0 do sistema Bacen Jud muniu o Judiciário de ferramenta que possibilitasse o
desbloqueio de valores em curto espaço de tempo. Não se deve olvidar ainda que o PLS no 166/2010 estabelece
o prazo máximo de 24 horas, a contar da resposta acerca da indisponibilidade, para que o juiz determine o
cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva.
109
110
insubsistente e desprovida de fundamentação jurídica idônea. Trata-se de instituto peculiar,
que não se confunde com a penhora sobre o faturamento de empresa e exige acurada
apreciação ao ser empregado, com vistas a concretizar o direito fundamental do credor à tutela
executiva efetiva e harmonizá-lo com a menor onerosidade do devedor. 37
O próprio CPC diferencia o dinheiro em espécie, em depósito ou em aplicação
financeira, do faturamento de empresa. Ao reunir organizadamente os bens a serem
penhorados, no rol estabelecido pelo art. 655, o legislador preocupou-se em prever o dinheiro
no inciso I do aludido preceito normativo e dispor sobre a penhora de faturamento apenas no
inciso VII do mesmo artigo.
Assim, entender que o dinheiro da empresa existente em depósito ou em aplicação
financeira não pode ser objeto da penhora on line implica ir de encontro às recentes reformas
processuais que buscaram atribuir celeridade e efetividade na obtenção da prestação
jurisdicional.
5.3 A penhora online e o sigilo bancário
5.3.1 Intimidade e vida privada do devedor
A intimidade e a vida privada, assim como a honra e a imagem da pessoa humana,
constituem o direito à privacidade, o qual se encontra abrigado no rol dos direitos
fundamentais, estabelecido pela Constituição Federal de 1988. O art. 5º da Lei Maior
determina, por meio do inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação”.
Depreende-se da leitura do mencionado preceptivo constitucional que o direito à
privacidade deve ser resguardado, de modo que seja possível ao indivíduo, titular do
respectivo direito, repudiar qualquer ingerência de outras pessoas no âmbito de sua
particularidade ou fiscalizar as informações que a respeito dele sejam porventura propaladas.
A ofensa a esse direito, como decorre do preceituado na norma constitucional, enseja o direito
de indenização para o titular do bem violado.
37 Diversamente, Anita Caruso Puchta equipara a penhora sobre o faturamento de empresa à penhora on line de
valores, para efeitos de preferência na utilização da medida: “Entender como impenhorável, ou mesmo
penhorável como medida excepcional, faturamento ou outro dinheiro de empresa, é ficar na contramão das
recentes alterações do CPC, que prevêem expressamente a penhora sobre o faturamento”. PUCHTA, Anita
Caruso. Penhora de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009, p.170.
110
111
Não obstante a indistinta alusão aos institutos da vida privada e da intimidade da
pessoa humana, há que se ressaltar a existência de uma tênue diferenciação entre ambos;
porém, com isso, não se está a negar que mencionados aspectos da vida pessoal do indivíduo
guardam íntima relação de proximidade, ao ponto de um achar- se no campo de definição do
outro. 38
O que se impera vincar concerne apenas ao aspecto diferencial acerca da respectiva
esfera de atuação de cada instituto, com vistas a possibilitar o posterior cotejo entre a vida
privada e a penhora on line; mesmo porque não representa objetivo deste trabalho o
aprofundamento do direito fundamental ora referido.
Desse modo, a intimidade deve ser entendida como o mais recôndito ser de um
indivíduo, o qual engloba os pensamentos, as convicções, a sexualidade ou todos os aspectos
relacionados aos sentimentos interiores. A esfera íntima decorre das experiências da vida
pessoal de cada ser humano.
De outro lado, a vida privada possui caráter mais amplo do que a intimidade e envolve
os aspectos da pessoa humana, que são compartilhados, com maior desenvoltura, com aqueles
considerados mais próximos ou que se mostrem dignos de confiança. Relacionam-se com
informações próprias de cada indivíduo, mas que não dizem respeito à sociedade em geral,
tais como o regime de bens no qual a pessoa é casada. 39
À vista das considerações acerca da intimidade e da vida privada do devedor, é cabível
apreciar, então, a crítica incidente sobre o instituto da penhora on line no que concerne à
ofensa ao sigilo bancário.
38 Colhe-se do escólio de Paulo Gustavo Gonet Branco: “Embora a jurisprudência e vários autores não
distingam, ordinariamente sobre ambas as postulações – de privacidade e de intimidade –, há os que dizem que o
direito à intimidade faria parte do direito à privacidade que seria mais amplo”. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.420.
39 Nesse sentido, acerca do tema em apreço, ressalta-se a doutrina de Robert Alexy, que ao explicitar a Teoria
das Esferas, ensina que “é possível distinguir três esferas, com intensidade de proteção decrescente: a esfera mais
interior (‘último e inviolável âmbito de liberdade humana’, ‘âmbito mais interno (íntimo)’, ‘esfera íntima
inviolável’, ‘esfera nuclear da configuração da vida privada, protegida de forma absoluta’), a esfera privada
ampliada, que inclui o âmbito privado que não pertence à esfera mais interior, e a esfera social, que inclui tudo
aquilo que não for atribuído nem ao menos à esfera privada ampliada”. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos
fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p.360-361.
111
112
5.3.2 Requisição de informações e quebra do sigilo bancário
A possibilidade de decretação da quebra do sigilo bancário pelos magistrados quando
da utilização do sistema BACEN JUD constituiu um dos fundamentos, dentre outros já
apontados alhures, que ensejaram a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
3091-4/600-DF, em 2003.
Alega-se que os juízes estariam desrespeitando o sigilo conservado pelas instituições
financeiras, cuja responsabilidade pertence ao Banco Central do Brasil. Haveria no caso uma
violação da privacidade do devedor, porquanto, o juiz teria acesso a movimentações
financeiras dos executados e aos seus respectivos dados, ao expedir a ordem judicial de
bloqueio de valores. 40
Ao expor as resistências e objeções à penhora on line, Humberto Theodoro Júnior faz
referência ao direito à intimidade: “Outra objeção que se levantou contra o mecanismo da
penhora on line, no plano constitucional, seria a violação da garantia da intimidade prevista
no art. 5º, X, da CF, a qual incluiria em seu âmbito o sigilo bancário (LC 105/2001)”. 41
Antes, porém, de adentrar de maneira mais aprofundada o tema em estudo, urge trazer
à tona as diferentes funcionalidades oferecidas pelo sistema BACEN JUD. Como ressaltado
em tópicos anteriores, o bloqueio de valores e, portanto, a penhora on line, não constitui a
única funcionalidade do BACEN JUD.
O sistema permite requisitar e receber informações sobre a existência de ativos em
nome do executado, como também possibilita ao juiz efetuar o bloqueio dos valores e o
desbloqueio deles. Demais disso, a penhora on line não se confunde com o sistema BACEN
JUD, portanto, partindo-se da premissa de que ela consiste apenas no bloqueio de valores, não
há como explicitar qualquer movimentação financeira do devedor.
A penhora on line incide sobre valor específico, suficiente a satisfazer a execução;
todavia, caso inexista quantia bastante a realizar esse propósito, o bloqueio recairá sobre o
40 Josiane Martinelli Silva, ao discorrer sobre a penhora on line no âmbito da Justiça do Trabalho, assume ser o
instituto um mecanismo que atribui celeridade à execução trabalhista com vistas a satisfazer de maneira mais
efetiva o crédito do empregado; no entanto, aduz que “na busca de tornar ágil o processo, alguns princípios estão
sendo violados, como o devido processo legal e o sigilo bancário, ambos resguardados pela Constituição
Federal”. SILVA, Josiane Martinelli. A penhora on-line no âmbito da Justiça do Trabalho. Consulex: revista
jurídica, v. 11, n. 257, set. 2007, p.30.
41
THEODORO JÚNIOR, Humberto. A penhora on line e alguns problemas gerados pela sua prática. Revista de
processo, v.34, n.176, p. 11-35, out. 2009, p.22.
112
113
valor total existente na conta, não se cogitando na publicidade de qualquer lançamento ou
depósito que o titular eventualmente haja realizado.
Além da hipótese anteriormente mencionada, se a penhora on line não for efetivada
por ausência de saldo suficiente, o juiz receberá tão somente uma comunicação informando
que a requisição judicial de bloqueio não pôde ser concretizada, inexistindo, igualmente nesse
caso, qualquer divulgação acerca de eventuais movimentações financeiras por parte do
devedor.
Diante dessa rápida, porém necessária digressão, torna-se possível verificar que a
questão atinente à quebra do sigilo bancário relaciona- se, na realidade, tão somente com a
possibilidade que o magistrado possui de requisitar informações sobre a existência de valores
nas contas do executado, não guardando conexão direta com o bloqueio de valores ou com a
penhora on line.
Desse modo, com vistas a esclarecer a questão referente à ofensa do sigilo bancário
mediante a expedição da ordem judicial de requisição de informações, relevante é trazer a
lume a redação estabelecida pelo parágrafo 1º, do art. 655-A do CPC. De acordo com o
referido preceptivo legal, “As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou
aplicação até o valor indicado na execução”.
Para que a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira seja possível,
o juiz deverá requisitar informações sobre a existência de ativos financeiros em nome do
executado, as quais serão limitadas ao valor da execução.
Infere-se, portanto, do preceito estabelecido pela retromencionada disposição
normativa, que a resposta à ordem judicial de requisição de informações restringe-se a
comunicar sobre a existência ou não de valores nas contas do executado, ou seja, o juiz se
limita a conhecer informações referentes à existência de ativos em nome do executado.
Com efeito, supondo-se, de saída, que o juiz tem acesso apenas às informações
concernentes à existência ou não de valores a serem eventualmente bloqueados, falece a
alegação de que o sistema BACEN JUD atentaria contra o direito de sigilo bancário.
Sucede que, com a nova versão do sistema BACEN JUD, originada no ano de 2005,
aos juízes foi facultada a possibilidade de requisitar, além das informações acerca da
113
114
existência de saldos, informações sobre extratos referentes a contas correntes ou contas de
investimento, contas de poupança ou outros investimentos ou ativos. 42
Assim, nos casos em que a ordem judicial se referir a informações acerca de extratos e
saldos de contas do executado, poder-se-á falar em quebra de sigilo bancário pelo juiz
requisitante. Ocorre que, não obstante a possibilidade de quebra do sigilo bancário na hipótese
analisada, não seria correto alegar a inconstitucionalidade do sistema BACEN JUD com base
nesse fundamento.
Ora, antes da institucionalização do BACEN JUD, em 2001, já se afigurava possível
aos juízes requisitarem, por meio de ofícios em papel, informações a respeito da existência de
valores depositados em contas do executado ou aplicados em instituições financeiras.
Ressalte-se que as ordens judiciais de requisição e as respectivas respostas poderiam se
referir, inclusive, a informações relacionadas aos extratos das contas do devedor.
Nesse âmbito, é cabível afirmar que, mesmo em momento anterior à criação da versão
1.0 do BACEN JUD, a quebra do sigilo bancário já era realizada na prática pelos magistrados,
por meio do envio de ofícios em papel, quando presente a necessidade de encontrar valores a
serem bloqueados, com vistas a garantir uma futura ordem de penhora e a satisfação da
execução.
Pelo antigo método de requisição de informações, o juiz requisitante encaminhava
ofício, através do correio ou mediante o oficial de justiça, ao Banco Central que, por sua vez,
os enviava às instituições financeiras. O tempo decorrido entre o encaminhamento da ordem
judicial de requisição de informações a respeito dos saldos e extratos bancários do executado
às instituições financeiras e o recebimento das respectivas respostas pelo juiz margeava
sessenta dias.
Essa forma de encaminhamento das respostas referente às informações dos extratos
das movimentações financeiras do executado foi perpetuada pelo sistema BACEN JUD 2.0.
As requisições de extratos serão enviadas em até trinta dias, pelas instituições financeiras
participantes, por outro meio diverso do sistema BACEN JUD 2.0, de maneira mais segura e
42 Art. 17 do Regulamento BACEN JUD 2.0: O sistema BACEN JUD 2.0 permite ao Poder Judiciário requisitar
endereços e relação de agências/contas, limitados aos 3 (três) endereços mais recentes e a 20 (vinte) pares de
agências/contas por instituição participante, bem como as seguintes informações sobre os ativos do atingido que
estão sob administração e/ou custódia da instituição: I - saldo bloqueável até o valor indicado na ordem de
requisição; II - saldo bloqueável consolidado; e III - extratos, consolidados ou específicos, de contas
correntes/contas de investimentos, de contas de poupança e/ou de investimentos e outros ativos.
114
115
confidencial, com observância do sigilo bancário. 43 Assim, o juiz tem a faculdade de escolher
o envio pelo correio ou diretamente por fac símile. 44
Nesse lance, desprovida é de fundamento a arguição de inconstitucionalidade do
BACEN JUD por ensejar de maneira inidônea a quebra do sigilo bancário.
O modo de envio das informações sobre os extratos do executado já se efetivava pelo
correio antes mesmo da institucionalização do sistema 45 , portanto, não há razão para
questionar esse método de encaminhamento de respostas, pois não constitui particularidade do
BACEN JUD. Em verdade, o regulamento do BACEN JUD 2.0 contribui para a diminuição
do prazo de envio das respostas, na medida em que determinou que elas fossem encaminhadas
em até trinta dias.
É relevante salientar, no entanto, que a quebra do sigilo bancário mediante a
requisição de extratos pelo magistrado deve ocorrer apenas nos casos em que reste
comprovada a real necessidade da medida.
Não é comum aos magistrados requererem informações sobre extratos de
movimentações financeiras do executado para fins de instruir as execuções por quantia certa;
nesses casos, geralmente, já se afigura bastante a mera informação acerca de saldo de
titularidade do devedor, constante em depósito ou aplicado em instituição financeira.
Nesse âmbito, mostra-se inconsistente a asserção de que há violação à intimidade e à
vida privada do devedor quando o juiz toma conhecimento acerca da existência de valores
pertencentes ao devedor e suficientes para garantir a satisfação do direito de crédito.
Discorda-se aqui do posicionamento de Guilherme Goldshmidt que, ao analisar a
quebra do sigilo bancário pelo sistema BACEN JUD na seara da Justiça trabalhista, afirma
43 Art. 17, § 3º, do regulamento do BACEN JUD 2.0.
44 Indira Chelini e Silva Pietoso compartilha do mesmo entendimento de que a faculdade pertencente ao juiz de
requisitar extratos de contas de aplicações financeiras não viola o sigilo bancário. Obtempera a autora que “à
primeira vista, tal permissão parece ferir o sigilo bancário. Contudo, visando evitar a quebra do sigilo bancário,
o regulamento determina que os extratos sejam enviados de forma segura e confidencial, ou seja, somente terá
acesso a ele, as pessoas autorizadas, assim como acontece quando as declarações de imposto de renda dos
últimos 5 anos são enviadas a um processo”. PIETOSO, Indira Chelini e Silva. Penhora on line: o uso da
ferramenta e sua repercussão no mundo jurídico. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p.97-98.
45Ana Cláudia Redecker e Liza Bastos Duarte compartilham do mesmo entendimento: “Segundo informações
do Banco Central do Brasil, o sistema BACEN Jud não impacta a quebra de sigilo bancário das pessoas físicas e
jurídicas porque já é permitido aos juízes, por força de lei, determinar o bloqueio de ativos financeiros e obter de
entidades públicas ou privadas as informações necessárias para instrução de processos, respeitadas as regras
constitucionais e processuais vigentes”. REDECKER, Ana Cláudia; DUARTE, Liza Bastos. Penhora on-line:
constitucionalidade questionada. Síntese trabalhista, v. 15, n. 173, p. 147-154, nov. 2003, p.151.
115
116
que “a quebra de sigilo bancário sempre foi uma medida de exceção, que o convênio firmado
entre o TST e o BACEN pretende tornar uma regra geral, aplicável a processos de execuções
trabalhistas, afrontando o bom senso e a razoabilidade”. 46
Trata-se de direito do exequente, tendo em vista que a ele foi conferida a faculdade de
apontar bens do patrimônio do executado suscetíveis de constrição judicial, sem que essa
indicação constitua afronta ao princípio da menor onerosidade da execução. 47
A violação ao direito de privacidade do devedor, pela quebra do sigilo bancário, é
verificada somente nos casos em que a coleta de informações, necessárias e suficientes a
instruírem o processo de execução, seja utilizada como pretexto para a realização de uma
minuciosa análise sobre as movimentações financeiras nas contas do executado. 48 Pela
redação do parágrafo 1º do art. 655-A, infere-se que as informações deverão ser fornecidas na
medida necessária a satisfazer o direito do exequente.
Outrossim, não se deve olvidar ainda o fato de que o direito ao sigilo bancário,
fundamentado no direito à privacidade, não pode ter caráter absoluto nem deve ser
considerado ilimitado. O sigilo deve ser quebrado nos casos em que restar demonstrada a
necessidade de preservar outro valor amparado constitucionalmente e que se sobreleve diante
do interesse na conservação do sigilo. 49
Ao se deparar com os casos concretos em que seja constatado um aparente conflito
entre o direito fundamental à privacidade do devedor e o direito fundamental do credor à
46 GOLDSHMIDT, Guilherme. A penhora on line no direito processual brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p.78.
47 Luiz Guilherme Marinoni, não se descurando da efetividade da tutela jurisdicional, assevera que “é preciso
deixar claro que o exeqüente tem o direito de saber se o executado possui dinheiro depositado em instituição
financeira, pela mesma razão que possui o direito de saber se o executado é proprietário de bem imóvel ou
móvel. Ou seja, tal direito é conseqüência do direito à penhora, que é corolário do direito de crédito e do direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, CF). De modo que a requisição de informações ao
Banco Central objetiva apenas permitir a penhora, que é inquestionável direito daquele que tem direito de crédito
reconhecido em título executivo, particularmente em sentença condenatória não adimplida, nada tendo a ver com
alguma intenção de violar direito à intimidade.” MARINONI, Luiz Guilherme. Penhora on line. Revista
jurídica, Porto Alegre, v. 56, n. 365, p. 45-52, mar. 2008, p.49.
48
Nas palavras de Luciane Amaral Corrêa, “não há necessidade de solicitar um extrato bancário se o que se
pretende saber é se o devedor possui dinheiro em conta-corrente: basta que o julgador indique que pretende
conhecer o saldo e se há lançamento de débitos programados, não necessitando de informação acerca de seu
conteúdo, o que, desde já, afasta, ao menos em tese, qualquer possibilidade de violação da intimidade”.
CORRÊA. Luciane Amaral. O princípio da proporcionalidade e a quebra do sigilo bancário e do sigilo fiscal nos
processos de execução. In Ingo Wolfgang Sarlet (Org.). A Constituição concretizada. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 208.
49 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires
Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.420.
116
117
efetividade da tutela executiva, o magistrado deve se utilizar de um juízo de ponderação com
o propósito de alcançar a solução que menos restrinja um direito para que o outro se realize.
É valido ressaltar, no entanto, que o sigilo bancário não pode ser oponível nos casos
em que fique manifestado o interesse de atribuir efetividade às decisões do Poder Judiciário,
bem como o de salvaguardar os interesses do credor. Assim, o direito à privacidade dos dados
bancários do devedor é relativo e não pode inviabilizar a efetivação da tutela jurisdicional,
mormente quando se estiver diante de condutas fraudulentas ou atitudes protelatórias por
parte do devedor. 50
O acesso à justiça é verdadeiramente concretizado com a efetiva entrega da prestação
jurisdicional ao titular do direito lesado; para tanto, aquele possui íntima relação com o direito
à razoável duração do processo, na medida em que a tutela executiva só alcança efetividade
quando se der de forma célere.
O sistema BACEN JUD oferece mecanismos que buscam materializar a celeridade e a
efetividade no procedimento de constrição judicial dos bens do devedor e, dessa forma,
possibilitar a satisfação do credor com a maior brevidade possível.
Nesse lance, não se afigura razoável considerar inconstitucional um instrumento que
restrinja a utilização de meios ardilosos empregados pelo devedor, no intuito de se furtar ao
cumprimento de suas obrigações. Mencionados artifícios processuais atentam contra o regular
seguimento da execução e prejudicam a realização do direito de crédito já reconhecido por
decisão judicial ou consubstanciado em título executivo extrajudicial. 51
50 GRASSELLI, Odete. Penhora trabalhista on-line. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.82. Compartilhando do
mesmo entendimento, Anita Caruso apregoa que “no confronto de valores entre proteger dados bancários de
devedor executado inadimplente e efetivar direitos tutelados e não efetivados, prevalece o direito do lesionado
em seu direito material fundamental e/ou seu direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, efetiva e
tempestiva, e a seu direito fundamental de ação, tendo em vista o interesse público superior na credibilidade do
Poder Judiciário, que é fruto de históricas conquistas democráticas”. PUCHTA, Anita Caruso. Penhora de
dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009, p.89.
51 Nesse sentido se manifesta a jurisprudência do TJ do Rio Grande do Sul: “AGRAVO DE INSTRUMENTO.
NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. QUEBRA DE
SIGILO BANCÁRIO E PENHORA ON LINE. BACEN-JUD. EXCEPCIONALIDADE CONFIGURADA. O
bloqueio de contra corrente, com o fim de realizar penhora on line, somente é possível em casos excepcionais.
Excepcionalidade configurada na espécie, diante das reiteradas tentativas do devedor de frustrar a execução,
criando incidentes injustificados. Hipótese, ademais, em que presentes os requisitos para a aplicação de multa,
por ato atentatório à dignidade da justiça. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME”. (Agravo de
Instrumento nº 70037057890, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal
Pra, julgado em 19/08/2010, DJ 26/08/2010).
117
118
Insta invocar ainda a LC no. 105, de 10 de janeiro de 2001, apenas para enfatizar a
constitucionalidade do sistema BACEN JUD, no que tange à quebra do sigilo bancário e ao
direito à intimidade e à vida privada do devedor.
Mencionado preceito legal dispõe sobre o sigilo das operações de instituições
financeiras e estabelece, em seu art. 1º, que “as instituições financeiras conservarão sigilo em
suas operações ativas e passivas e serviços prestados”. Por sua vez, o parágrafo quarto da
referida disposição normativa excepciona o caput, ao determinar que “a quebra de sigilo
poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em
qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente os seguintes crimes [...]”.
Não obstante retromencionado preceito legal referir-se apenas a instruções em matéria
de inquéritos ou processos judiciais criminais, defende-se a ideia de que a interpretação não
pode ser restritiva, devendo se estender a outros casos em que estiver presente o interesse
público do Estado em concretizar o direito fundamental à tutela executiva. Importa destacar as
palavras de André de Luizi Correia acerca do tema:
[...] as hipóteses autorizadoras da quebra do sigilo bancário não são apenas aquelas
literalmente previstas na LC 105/2001, porquanto o próprio conceito contemporâneo
desse sigilo se assenta na idéia de que os bancos não podem revelar, sem justa causa
ou sem que assim exija o interesse público, as informações obtidas em virtude de
suas operações e serviços. 52
Depreende-se, portanto, que o sigilo bancário é atenuado, por exemplo, nos casos em
que o juiz decreta a quebra do sigilo fiscal ao expedir ordem judicial à Receita Federal,
requisitando informações a respeito da declaração de renda do devedor. 53
Atente-se para o fato de que o sigilo fiscal é amparado pelos mesmos preceitos
constitucionais que salvaguardam o sigilo bancário e a informação acerca das declarações de
52
CORREIA, André de Luizi. Em defesa da penhora on line. Revista de processo. v. 30, n.125, jul. 2005, p.140.
(92-152).
53 AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. REQUISIÇÃO DE
CÓPIAS DAS ÚLTIMAS DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA DA EXECUTADA À SECRETARIA
DA RECEITA FEDERAL PARA FINS DE LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA.
POSSIBILIDADE QUANDO, ENVIDADOS DILIGENTES ESFORÇOS DOS CREDORES NO SENTIDO DE
LOCALIZAR BENS DA DEVEDORA APTOS À SATISFAÇÃO DE SEU CRÉDITO, ESTES RESTARAM
INEXITOSOS. PROVIDÊNCIA QUE ENCONTRA RESPALDO NO PRINCÍPIO DA CELERIDADE DA
JUSTIÇA E EFICIÊNCIA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. EFETIVIDADE DO PROCESSO
EXECUTIVO QUE SE SOBREPÕE ÀS ALEGAÇÕES DE OFENSA AO SIGILO FISCAL, QUE NÃO TÊM
O CONDÃO DE FRUSTRAR O DIREITO DO CREDOR DE SATISFAZER O SEU CRÉDITO, MORMENTE
EM SE TRATANDO DE FEITO EXECUTIVO QUE JÁ TRAMITA HÁ MAIS DE QUATRO ANOS SEM
QUE HAJA NOTÍCIA DE GARANTIA DO JUÍZO. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. (Agravo de
Instrumento Nº 1859853200680600000, Relator: Francisco de Assis Filgueira Mendes, Segunda Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do CE, julgado em 01/09/2010, DJ 07/10/2010).
118
119
renda serve para identificar bens penhoráveis do patrimônio do devedor e, portanto, instruir o
processo de execução. 54
O art. 3º da LC no. 105/2001 prescreve que o Banco Central do Brasil, a Comissão de
Valores Mobiliários e as instituições financeiras devem prestar as informações requisitadas
pelo Poder Judiciário, devendo ser preservado o caráter sigiloso e limitado o acesso às partes,
as quais não deverão utilizar os dados para fins que não se coadunem com o objeto da lide.
Após a juntada das informações sigilosas aos autos, o juiz deverá determinar que o
processo corra em segredo de justiça a fim de resguardar a intimidade do devedor, conforme
ordena o art. 155 do CPC. De acordo com o preceituado no inciso I do aludido dispositivo
legal, os atos processuais são regidos pelo princípio da publicidade, correndo, entretanto, em
segredo de justiça os processos em que o interesse público exigir. 55
Deve-se entender por interesse público o interesse social previsto no preceito
constitucional estabelecido pelo inciso LX 56 , do art. 5º da Constituição Federal, ou seja, tratase do interesse, pelo qual o magistrado avalia cada caso concreto, de acordo com suas
convicções, com o propósito de determinar se o processo correrá ou não em segredo de
justiça. 57
Ante as considerações atinentes à relação entre o sistema BACEN JUD e o direito à
privacidade do devedor, sob os aspectos da intimidade, da vida privada e do sigilo bancário,
pode-se afirmar que inexiste ofensa a referido direito fundamental, visto que, assim como os
54 Anita Caruso Puchta, ao sustentar que o interesse público da informação prevalece sobre o sigilo bancário,
adverte que “o cidadão tem o dever de prestar contas de seu patrimônio ao Estado, anualmente, ou seja, o
cidadão necessita efetuar declaração de bens e rendimentos perante o Poder Executivo, ou, mais precisamente,
perante o Fisco, nos termos das normas tributárias”. Continua a autora, afirmando ser “imprescindível a visão
interdisciplinar no direito, para ensejar uma idônea prestação jurisdicional”. PUCHTA, Anita Caruso. Penhora
de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009, p.72-73.
55 Cássio Scarpinella critica o entendimento de que a pesquisa sobre eventual quantia do executado, depositada
ou aplicada em instituição financeira, estaria protegida pelo sigilo bancário e, portanto, seria imune à apreensão
judicial. De acordo com o autor, há “inequívoca regra jurídica que admite, como medida jurisdicional, a
pesquisa e a penhora sobre ativos financeiros com suficiente proteção do patrimônio do executado (art.655-A,
caput, e § 1º). Se, de resto, houver necessidade, caso a caso, de proteger alguma informação sua, a hipótese deve
ser tratada como ‘segredo de justiça’ (art.155, I) e, nunca, ao contrário do que se mostrou e se mostra bastante
comum na prática do foro, como uma forma de tornar inviável o acesso ao patrimônio do executado, mesmo sob
o manto de mandados judiciais, esvaziando a utilidade da tutela jurisdicional executiva, uma frustrante forma de
‘imunidade’ jurisdicionalmente garantida”. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito
processual civil: tutela jurisdicional executiva. vol.3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.231.
56 Art. 5o, LX, da CF: “LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem”.
57 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo
por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. 2. ed. São Paulo: Manole, 2008, p.436-437.
119
120
demais direitos, o sigilo bancário não pode ser considerado absoluto, devendo ser relativizado
em vista da celeridade processual, com o propósito de alcançar a efetividade do processo.
Nesse ensejo, sublinhe-se que não ocorre inadequada publicidade dos ativos
financeiros do executado, haja vista que as informações são disponibilizadas apenas no
âmbito do processo sobre o qual pode recair a imposição do segredo de justiça, com vistas a
evitar que pessoas não autorizadas tenham acesso aos autos. 58
Insta realçar, ainda, que a proteção ao direito de privacidade não pode servir de escudo
para acobertar os embaraços causados pelo devedor à execução, com o intuito de se furtar ao
cumprimento das obrigações assumidas perante o credor.
5.3.3 Atos atentatórios à dignidade da justiça e dever de cooperação
Por diversas oportunidades, no decorrer deste trabalho, afirmou-se que a recente onda
processual reformista teve o relevante escopo de atribuir maior celeridade e, por
consequência, maior efetividade na prestação da tutela jurisdicional, em especial no que se
refere à tutela executiva. As alterações ocorridas na legislação processual civil destacaram a
necessidade de preservar e efetivar o direito fundamental do credor à tutela jurisdicional.
No mesmo sentido, para a concretização de referido objetivo, foram instituídos
mecanismos que limitam a atuação fraudulenta do executado, no sentido de ocultar bens de
seu patrimônio ou indicar bens cuja alienação não seja viável. Aludidos meios artificiosos e
procrastinatórios são empregados como forma de resistência à pretensão executória e, por
conseguinte, atentam contra a dignidade da justiça, na medida em que obstam o regular
desenvolvimento do processo executivo.
Os atos do executado considerados atentatórios à dignidade da justiça encontram-se
previstos nos incisos do art. 600 do CPC; dentre eles, cumpre destacar o inciso IV, o qual
estabelece atentar contra a dignidade da justiça o ato do executado que “intimado, não indica
ao juiz em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus
respectivos valores”. 59
58 MEIRELES. Indira Fábia dos Santos. Penhora on-line: Avanço ou temeridade? Consulex: revista jurídica,
Ano XII, n. 278, p.63-65, ago. 2008, p.64.
59 Referido preceptivo legal, como já afirmado, teve sua redação modificada pela lei no. 11.382/2006, a qual
introduziu o prazo de cinco dias para o cumprimento da ordem judicial. O texto anterior considerava atentatório
120
121
Agiu bem o legislador ao caracterizar esse ato do executado como atentatório à
dignidade da justiça, pois, como se sabe, a localização de bens no patrimônio do devedor
constitui um dos maiores obstáculos para a efetividade do processo de execução ou fase
executiva. 60
O preceito instituído por mencionada regra revela a imposição de uma obrigação para
o executado, cujo descumprimento acarreta a penalidade consistente na multa de até 20%
(vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, conforme preconiza o art. 601 do
mesmo diploma legal.
A indicação de bens suscetíveis de garantir a execução, ou seja, de bens aptos a
satisfazer a prestação executada, deriva do dever de cooperação do executado para com a
justiça, de acordo com o estabelecido pelo art. 339 do CPC. 61
O dever de colaborar com o Poder Judiciário se estende a ambas as partes e a todos os
que vierem a intervir no processo; dessa forma, “ninguém pode eximir-se de tal colaboração
porque a função jurisdicional é função estatal para a realização da justiça e para o reequilíbrio
das relações jurídicas, importando, assim, à própria sobrevivência da sociedade”. 62
Insta realçar, ainda, a grande contribuição trazida pela regra prevista no parágrafo
único do art.14, no que tange ao dever de cooperação de todos os evolvidos no processo. De
acordo com o preceituado nessa disposição normativa, considerar-se-ão atos atentatórios ao
exercício da jurisdição aqueles que violarem o disposto no inciso V do referido artigo. 63
Nesses casos, o juiz poderá impor uma multa em valor a ser fixado conforme a gravidade da
conduta, não podendo ser superior a 20% (vinte por cento) do valor da causa, sem prejuízo
das sanções criminais, civis e processuais cabíveis.
à dignidade da justiça o ato do devedor que não indicasse ao juiz o lugar em que se encontravam os bens sujeitos
à execução, porém não estabelecia prazo para tanto.
60 De grande relevo é a consideração de Anita Caruso Puchta a respeito do tema. Segundo a autora: “A
ocultação de bens afronta o dever de cooperação e transparência patrimonial, como também o direito
fundamental de ação, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e adequada e o direito
fundamental à dignidade humana da vítima de ilícitos”. PUCHTA, Anita Caruso. Penhora de dinheiro on-line.
Curitiba: Juruá, 2009, p.70.
61 Art. 339 do CPC: Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da
verdade.
62 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo
por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. 2. ed. São Paulo: Manole, 2008, p.675.
63 Dispõe o art. 14 do CPC que: São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do
processo: V- cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de
provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.
121
122
A menção ao preconizado pelos retrocitados preceptivos legais serve para enfatizar a
preocupação do legislador com a eficácia das decisões judiciais, zelando pelo cumprimento
delas. Objetiva-se restringir, por meio da imposição de multas, as medidas procrastinatórias
empregadas pelo executado, com vistas a se esquivarem de reverter a situação de
inadimplência perante o credor.
Ao juiz também é atribuído o dever de cooperar com o desenvolvimento do trâmite
processual, atuando como agente colaborador e participando ativamente do processo. 64 O
dever do juiz, consistente na cooperação para satisfazer a pretensão almejada pelo credor,
manifesta-se no diálogo com as partes, eximindo-o da posição de “um mero fiscal de
regras”. 65
Nesse panorama, todos devem se portar de maneira a atingir, pelo modo mais célere e
eficaz, o objeto da prestação jurisdicional, de forma que o direito fundamental de acesso à
justiça seja deveras concretizado.
Ora, se incumbe ao juiz prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da
justiça 66 , bem como velar pela rápida solução do litígio 67 , não há razão para isentar o
executado do dever de cooperação para a efetividade da justiça.
Seguindo o mesmo raciocínio, carece de substrato jurídico a afirmação de que a
requisição de informações pelo sistema BACEN JUD violaria o direito de privacidade do
executado.
64 Para Lúcio Grassi de Gouvea “tem sido preocupação constante dos processualistas modernos, além da entrega
da prestação jurisdicional de forma rápida e eficiente, que os procedimentos tenham um caráter eminentemente
dialético, com ampla participação das partes, que devem cooperar com o juiz na busca da verdade real, devendo
ter este uma participação ativa no processo”. GOUVEA, Lúcio Grassi. Cognição processual civil: atividade
dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie. (Org.). Leituras
complementares de processo civil. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2008, p.173.
65 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2006, p.71. O processualista assevera ainda que o dever de
cooperação do magistrado é visto sob três aspectos, quais sejam: “a) dever de esclarecimento; b) dever de
consultar; c) dever de prevenir”. Depreende-se dos aspectos enumerados por Didier, que o dever de cooperação
do juiz encontra nítida relação com o processo de conhecimento, contudo, nada obsta que ele se revele, também,
na atividade jurisdicional executiva.
66 Art. 125 do CPC: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela rápida solução do litígio; III - prevenir ou reprimir
qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
67 Antônio Cláudio da Costa Machado ensina que “velar pela rápida solução do litígio significa, antes de tudo,
dar realização concreta ao princípio constitucional do acesso à Justiça e à garantia do direito subjetivo à ordem
jurídica justa”. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por
artigo, parágrafo por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. 2. ed. São Paulo: Manole, 2008,
p.1037.
122
123
Assim, decorre do dever de cooperação, a obrigatoriedade que tem o executado de
indicar quais são e onde se encontram os bens sujeitos a garantir a execução. Nesse sentido, é
justo que o exequente exerça seu direito de saber se o executado possui dinheiro depositado
em conta corrente ou aplicado em instituição financeira.
As partes processuais não representam antagonismo em relação ao Judiciário, devendo
agir como “colaboradores necessários: cada um dos contendores age no processo tendo em
vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na eliminação do
conflito ou controvérsia que os envolve”. 68
Obviamente, as partes envolvidas no conflito possuem interesses distintos e
conflitantes, haja vista serem sujeitos parciais; por outro lado, ao juiz, por se afigurar como
sujeito imparcial no processo, não cabe ser partidário de interesse de qualquer das partes sem
que se fundamente em razões fáticas e jurídicas contundentes.
Sucede que a defesa de interesses próprios pelas partes e a imparcialidade do juiz não
constituem obstáculo a impedir que se sobreponha outro interesse de maior natureza e
relacionado a todos os sujeitos processuais, qual seja, o de solucionar o conflito posto em
juízo, da maneira mais adequada e devida. 69
Cabe ao executado, portanto, indicar bens de seu patrimônio suscetíveis de constrição
judicial, com o intuito de, posteriormente, proporcionarem a satisfação do direito de crédito;
se o executado assim não proceder, o juiz deve aplicar as respectivas sanções. De acordo com
o preconizado por Cândido Rangel Dinamarco, “atenta contra a jurisdição o devedor que,
tendo dinheiro ou fundos depositados ou aplicados em banco, não paga desde logo quando
citado no processo executivo (CPC, 652)”. 70
Nesse sentido, por meio da funcionalidade da penhora on line de valores, o BACEN
JUD se afigura como instrumento de irrefutável relevância para o alcance de uma tutela
jurisdicional efetiva, o qual somente é atingido se observada a razoável duração do processo.
Ainda, referida funcionalidade do sistema se releva uma importante ferramenta no
combate aos atos do executado, atentatórios à dignidade da justiça e relacionados com a
68 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria
geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.55.
69 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do processo civil.
vol.1. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.110.
70 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2004, p.294.
123
124
ocultação de bens penhoráveis, visto que aludida constrição judicial propicia mais celeridade
na localização dos bens do devedor. 71
5.4 Devido processo legal e penhora on line.
O direito de execução sobre um crédito nasce do inadimplemento referente a uma
obrigação de pagar quantia, a qual pode ser oriunda de sentença judicial ou de uma obrigação
estabelecida entre as partes. No caso do não pagamento espontâneo do valor consubstanciado
em título executivo judicial ou extrajudicial, ao credor cabe exercer seu direito subjetivo de
ver a prestação adimplida, porquanto referida possibilidade se encontra prevista em lei.
Sucede que, para o exercício de aludido direito, o credor deve recorrer ao Estado em
busca de uma prestação jurisdicional que lhe assegure o restabelecimento do quadro
circunstancial existente antes do inadimplemento ou, ao menos, algo que mais se aproxime do
estado anterior.
A garantia constitucional que respalda o direito à obtenção de uma tutela jurisdicional
que apazigúe a ânsia do credor, por meio da entrega do objeto pleiteado, consiste no acesso à
justiça. Mencionada garantia deve ser vista não apenas como a possibilidade de “bater às
portas do Judiciário”, mas também como o acesso da pessoa humana a uma ordem jurídica
justa. Nesse último sentido, o acesso à justiça se entrelaça com o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva, em especial no que se refere ao processo executivo.
O caminho a ser percorrido para o alcance da satisfação do direito de crédito já
firmado em título executivo constitui a fase executiva de um processo já existente, para os
créditos reconhecidos judicialmente, ou o processo de execução, para os títulos executivos
extrajudiciais.
A obtenção da quantia almejada e, por conseguinte, a concretização do direito
fundamental à tutela executiva, dependem impreterivelmente de um processo célere e efetivo.
71 AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA
ON-LINE DE DINHEIRO. CABIMENTO, DIANTE DA EVIDENTE INSUFICIÊNCIA DA PENHORA
EFETIVADA E DAS REITERADAS MANOBRAS PROCRASTINATÓRIAS DA DEVEDORA. Caso em que
deve ser sopesado que a recorrida foi condenada por ato atentatório à dignidade da justiça, diante das diversas
manobras procrastinatórias, arrastando-se a execução há dez anos. Além disso, os bens penhorados ou estão em
estado de sucata, ou são notoriamente insuficientes à garantia da execução. Sendo o dinheiro o primeiro na
ordem de preferência da penhora (art. 655, I, do CPC), cabível a observância ao efetivo resguardo da execução,
que, no caso concreto, supera o princípio da menor gravosidade à devedora, que, notoriamente, utiliza-se do
processo como forma de se beneficiar em prejuízo do exequente. Agravo de instrumento provido. (Agravo de
Instrumento Nº 70034002600, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques
Ribeiro Filho, Julgado em 15/12/2010, DJ 11/01/2011).
124
125
O processo constitui, desse modo, um instrumento de realização do Direito material previsto
em lei.
Indispensável à plena efetivação do princípio do devido processo legal é a forma como
se concretiza o acesso à justiça, o qual não pode se limitar, na escorreita lição de Paulo
Gouvêa Medina, “apenas, na previsão, em lei, de meios de tutela para as lesões ou ameaças a
direitos, nem deve adstringir-se ao ingresso em Juízo, propriamente”. 72 Verbera o autor ainda
que “quando se fala em acesso à Justiça têm-se em vista as condições oferecidas às pessoas
para postular suas pretensões, sem entraves burocráticos ou financeiros”. 73
Nesse âmbito, da garantia de acesso à justiça consagrada constitucionalmente,
decorrem o direito de ação, entendido como o direito a uma prestação jurisdicional, e o direito
de defesa, consubstanciado na oposição das pretensões adversárias; além de ter como
conteúdo o direito ao processo, com as garantias derivadas do devido processo legal. 74
O processo, segundo Gérson Marques, “deve ser o devido, isto é, o adequado à
espécie, o apto a tutelar o interesse discutido em juízo e resolver com justiça o conflito,
pacificando-o”. 75
O acesso à justiça reproduz de modo substancial a ideia de que o Poder Judiciário se
mostra acessível a tutelar, desde o contorno constitucional, qualquer lesão ou ameaça de lesão
a direito. Com base nessa premissa, o princípio do devido processo legal relaciona-se
intimamente com as condições necessárias ao escorreito desenrolar processual com vistas a
salvaguardar a situação de lesão ou ameaça de lesão. 76
Desse modo, a cláusula do devido processo legal consiste na possibilidade de
concretizar o acesso à justiça mediante a apresentação da pretensão ao Poder Judiciário e a
oportunidade de defesa da maneira mais ampla possível. 77
72 MEDINA, Paulo Roberto Gouvêa de. Direito processual constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p.30.
73 MEDINA, op, cit., p.30.
74 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria
geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.84.
75 LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo: sob a perspectiva de
eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2002, p.178.
76 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do processo civil.
vol.1. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.104.
77 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípio do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p.60.
125
126
O devido processo legal foi consagrado constitucionalmente na Carta de 1988, a qual
estabelece no inciso LIV do seu art. 5º que “ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal”. O berço de aludido princípio se reporta à cláusula do “due
processo of law”, proveniente do Direito inglês, e foi prevista pela primeira vez na Magna
Carta de São João Sem Terra, em 1215. 78
De acordo com a doutrina, trata-se do direito de processar e de ser processado segundo
normas processuais preliminarmente instituídas, as quais devem prestar observância ao
princípio e a todas as demais normas processuais constitucionais. 79 Representa verdadeira
garantia fundamental do cidadão, na medida em que confere direito a um processo sem
dilações indevidas, servindo, assim, de instrumento para assegurar a não ocorrência de
injustiças processuais.
O princípio do devido processo legal constitui fundamento para outras garantias
processuais constitucionais 80 , dentre as quais podem ser citadas: a ampla defesa, o
contraditório, o juiz natural, a obrigatoriedade da jurisdição estatal, o direito de ação e a
igualdade das partes. 81
A tendência constitucionalista atual enxerga o processo como o devidamente
constitucional e não mais como o devido processo legal, de maneira que ele só atenderá sua
78 Segundo preconiza Ivo Dantas, acerca do devido processo legal no Brasil e no estrangeiro, “sob o ponto de
vista da evolução histórica do princípio, autores há que identificam seu surgimento no ano de 1037, através do
edito de Conrad III, ao determinar que ‘nisi secundum constitutionem antecessorum et judicium parium suorum’
enquanto outros indicam a Magna Charta Libertarum, posteriormente seguida pelo Statue of Westminster of the
Liberties of London (Inglaterra) e pelas Declarações de Dalaware, Declaração dos direito de Maryland,
Declaração dos direitos da Carolina do Norte, até alcançarmos as Emendas 5ª e 14ª à Constituição Americana
de 1787”. (grifo do autor). DANTAS, Ivo. Constituição & processo. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p.344-345.
79 Cruz e Tucci, ao discorrer sobre o princípio do devido processo legal, entende que “a garantia constitucional
do devido processo legal deve ser uma realidade em todas as etapas do processo judicial, de sorte que ninguém
seja privado de seus direitos, a não ser que no procedimento em que este se materializa se constatem todas as
formalidades e exigências em lei previstas”. TUCCI, José Rogério Cruz e. Constituição de 1988 e processo –
Regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989, p.17.
80 Na apurada lição de Nelson Nery: “O princípio fundamental do processo civil, que entendemos como a base
sobre a qual todos os outros se sustentam, é o do devido processo legal, expressão oriunda da inglesa due process
of law”. “Em nosso parecer”, prossegue o autor, “bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do
due processo of law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes
o direito a um processo e a uma sentença justa. É por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios
constitucionais do processo são espécies”. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na
Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.60.
81 De acordo com Cruz e Tucci, as garantias nas quais se desdobra o devido processo legal são: “a) de acesso à
justiça; b) do juiz natural; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; d) da plenitude de defesa;
e) da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões jurisdicionais; e f) da prestação jurisdicional
dentro de um lapso temporal razoável”. TUCCI, José Rogério Cruz e; TUCCI, Rogério Lauria. Devido processo
legal e tutela jurisdicional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.107.
126
127
função social, decorrente do Estado Democrático de Direito, se corresponder às expectativas
das partes envolvidas no processo.
Desse modo, a ideia de processo devido está relacionada à versão de um processo
efetivo, justo e adequado, o qual apenas pode ser atingido se observado todo o aparato de
normas constitucionais que regem a estrutura processual e norteiam a atuação do Estado-Juiz.
Nessa conjuntura, surge a necessidade de respeitar todas as ilações desse princípio,
para que se conquiste um processo de resultados, ou seja, um processo que entregue ao titular
do direito aquilo que ele realmente tem o direito de obter. Os corolários que constituirão
objeto deste trabalho se limitam ao princípio do contraditório e ao da ampla defesa 82 , visto
que guardam maior relação com o tema ora tratado.
Existem magistrados que entendem constituir a penhora on line, verdadeira ofensa ao
princípio do devido processo legal e, por consequência, aos princípios consectários da ampla
defesa e do contraditório. Alegam que existe, no caso, a supressão de fases do processo
executivo judicial, acarretando, assim, enorme prejuízo ao direito de defesa do executado.
Para eles, o instituto caracteriza medida deveras gravosa ao direito do executado,
tratando-se de uma temeridade ou abuso e, ainda, desrespeitando a garantia do processo
devido e dos seus corolários. É o que se colhe da doutrina de Humberto Theodoro Júnior:
“Entre juízes, principalmente, surgiram resistências à penhora on line ao argumento de que
sua rapidez e unilateralidade ofenderiam o princípio do contraditório, privando o devedor de
oportunidade de defesa preventiva contra sua efetivação”. 83
82 O princípio do contraditório e o princípio da ampla defesa estão destacados no inciso LV, do art. 5º da
Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”.
83 THEODORO JÚNIOR. Humberto. A penhora on line e alguns problemas gerados pela sua prática. Revista
de processo, v.34, n.176, p. 11-35, out. 2009, p.21. Compartilhando do mesmo entendimento, Odete Grasselli
destaca que “outra arbitrariedade apontada na penhora eletrônica respeita à pretensa supressão de fases
executórias, sobretudo do contraditório, enquanto configurador de um legítimo direito processual subjetivo do
devedor [...]”. GRASSELLI, Odete. Penhora trabalhista on-line. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.79. Nos
dizeres de Napoleão Nunes Maia Filho, a constrição judicial por meio eletrônico constitui “procedimento que
contraria frontalmente o princípio do justo processo legal, o que se consubstancia no direito ao processo
equilibrado, que efetivamente assegure às partes litigantes, a necessária igualdade de armas, evitando que uma
esmague o direito da outra, seja em nome de que causa ou de que alegação for”. MAIA FILHO, Napoleão
Nunes. A constrição patrimonial eletrônica e os direitos do executado na execução fiscal. Revista dialética de
direito processual, Brasília, DF, n.43, p.105-119, out. 2006, p.107.
127
128
5.4.1 O princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa
O processo somente é considerado devido quando atende às determinações
constitucionais que regem a atividade processual; exclusivamente com a observância desses
preceitos é que se afigura possível a obtenção do resultado prático esperado, sem que se
violem outras garantias previstas na ordem constitucional, ou mesmo na ordem
infraconstitucional.
O princípio do contraditório é garantia constitucional que se manifesta por meio da
participação das partes no trâmite processual; abre-se a elas a oportunidade de tomar
conhecimento acerca dos atos processuais praticados e de expressar os respectivos
posicionamentos a respeito deles.
Por meio do contraditório, assegura-se a condução dialética do processo, a paridade de
armas entre as partes. Refere-se à possibilidade atribuída à parte de conhecer tudo o que é
produzido ou apresentado nos autos pela parte contrária.
Trata-se, pois, da participação processual, caracterizada pela comunicação dos atos
processuais e pela garantia de ouvida da parte. 84 Sucede que o contraditório não se resume a
esses dois aspectos; o princípio somente se materializa por completo se, igualmente, for
assegurada à parte a possibilidade de influenciar na decisão judicial, ou seja, de interferir na
tutela jurisdicional.
É válido ressaltar a colocação de Paulo Medina, ao declarar que não se afigura
bastante “assegurar, pois, a igualdade de possibilidade às partes. É mister que se lhes dê
oportunidade de participar da prática de todos os atos processuais relevantes e de influir no
sentido de uma decisão favorável ao seu interesse”. 85 Desprovida de efetividade, portanto, a
participação processual da parte se a ela não for conferida a possibilidade de exercer
influência no desfecho do processo.
84 Consoante melhor explicita Gérson Marques, o contraditório “envolve duas vertentes: a primeira, a fase de
conhecimento ou ciência dos termos da demanda ou da acusação; a segunda, a oportunidade para que o
demandado apresente contraposição ao interesse do adversário, combatendo decisões do juiz ou atacando atos
dos auxiliares da Justiça. Em resumo: o contraditório traduz-se no binômio informação/reação: a informação é
necessária, a reação é possível”. LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do
processo: sob a perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.186-187.
85 MEDINA, Paulo Roberto Gouvêa de. Direito processual constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p.35.
128
129
O contraditório também assegura a igualdade das partes, na medida em que equipara,
no feito, o direito de acusação com o direito de defesa. Assim, o princípio decorre da
bilateralidade processual em que, se uma das partes tem o direito de se manifestar sobre
qualquer ato processual realizado, esse mesmo direito deve ser assegurado à parte contrária. 86
Trata-se de princípio inerente ao Estado Democrático de Direito, visto que os direitos de
informação e o de participação constituem manifestações da liberdade do indivíduo. 87
Intimamente ligado ao princípio do contraditório e, da mesma forma, corolário do
devido processo legal, situa-se o princípio da ampla defesa, pelo qual as partes têm o direito
de trazer aos autos os elementos de que disponibilizam para esclarecer a verdade dos fatos ou
mesmo de se omitir perante eles, caso considerem adequado. A ampla defesa se realiza por
meio do contraditório, caracterizando-se esse como instrumento de realização daquela. 88
Não há como estudar a amplitude da defesa sem associá-la ao contraditório, haja vista
a primeira constituir o conteúdo do segundo. Assim, a parte apenas participa efetivamente do
processo, exercendo o contraditório, pelos meios e recursos inerentes à ampla defesa, os quais
devem ser entendidos como os mecanismos e instrumentos que possibilitam à parte exercer o
poder de influência na prestação jurisdicional, não se referindo apenas ao aspecto técnico do
termo.
86 Como bem assevera Nelson Nery Júnior: “A garantia do contraditório compreende para o autor a
possibilidade de poder deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seus direitos e, quanto ao
réu, ser informado sobre a existência e conteúdo do processo e poder reagir, isto é, fazer-se ouvir. Para tanto é
preciso dar as mesmas oportunidades para as partes e os mesmos instrumentos processuais para que possam
fazer valer em juízo os seus direitos”. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de
processo civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.131.
87 Nos dizeres de Cássio Scarpinella: “Justamente em função desta nova compreensão dos elementos ‘ciência’ e
‘informação’ é que o princípio do contraditório relaciona-se, intimamente, com a idéia de participação, com a
possibilidade de participação na decisão do Estado, viabilizando-se assim, mesmo que no processo, a realização
de um dos valores mais caros para o Estado Democrático de Direito”. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso
sistematizado de direito processual civil: teoria geral do processo civil. vol.1. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p.108. No mesmo sentido, ao reconhecer o ato processual de citação como o termo inicial de manifestação do
princípio do contraditório, Antônio Cláudio da Costa Machado assevera que “o direito inalienável de ser citado
corresponde à primeira e fundamental garantia de um processo livre e democrático. É por meio dele que se
expressa, inicialmente e em toda a sua magnitude, o princípio do contraditório[...]. O direito de ser citado é a
primeira expressão jurídica do princípio do contraditório e da ampla defesa que são, por sua vez, expressões
principiológicas do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) que é um dos fundamentos do Estado Democrático
de Direito. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo,
parágrafo por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. 2. ed. São Paulo: Manole, 2008, p.1037.
88 Deslomar Mendonça registra, corretamente, que contraditório e ampla defesa “são figuras conexas, sendo que
a ampla defesa qualifica o contraditório. Não há contraditório sem defesa. Igualmente é lícito dizer que não há
defesa sem contraditório. [...] O contraditório é o instrumento de atuação do direito de defesa, ou seja, esta se
realiza através do contraditório”. MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Princípios da ampla defesa e da
efetividade no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p.55.
129
130
Para que se dê prosseguimento à proposta inicial de correlacionar o instituto da
penhora on line e os princípios corolários do devido processo legal sob enfoque, impende
tecer algumas breves considerações a respeito da incidência do contraditório no processo
executivo.
5.4.2 O contraditório na execução civil
Muito se discutiu acerca da existência do contraditório no processo de execução.
Sucede que a questão restou superada com a nova perspectiva perfilhada para estabelecer o
alcance do termo, ou seja, desde a concepção do contraditório sob o aspecto da participação
processual e da colaboração ou cooperação com o Estado – Juiz. Marcelo Lima Guerra
pondera:
Tendo como premissa tal concepção de contraditório, não há como deixar de
reconhecer a sua incidência no processo de execução. Desde logo, observa-se que é
assegurada a necessária informação do que ocorre nesse processo, onde também é
indispensável a citação inicial, bem como as intimações dos demais atos
89
processuais.
O antigo posicionamento consistente na crença de que não haveria contraditório no
âmbito da execução era equivocado, na medida em que a justificativa adotada para embasar
referido entendimento residia no fato de que não poderia existir discussão acerca do mérito do
crédito exequendo.
O equívoco consistia na não percepção de que, na realidade, o que se discutia no
processo executivo relacionava-se a matérias alheias ao mérito do crédito já reconhecido
judicialmente ou objeto de título executivo extrajudicial. Em verdade, o juiz não analisa a
veracidade das alegações do exequente quanto ao direito sobre o crédito, pois elas já foram
alvo de debate quando da fase anterior de conhecimento, da qual resultou a condenação ao
pagamento, ou constituirão ainda objeto de embargos, os quais representam ação própria de
conhecimento anexa ao processo de execução. 90
Desse modo, o contraditório aparece na execução como uma garantia necessária para
que o executado possa ter conhecimento dos atos que contra ele são praticados e, no mesmo
89 GUERRA, Marcelo Lima. Execução forçada - Controle de admissibilidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995, p.27.
90 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado
de processo civil. Processo de execução. Luiz Rodrigues Wambier (coord.). vol. 2. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p.130.
130
131
sentido, tenha a possibilidade de se manifestar contrariamente a eles, se assim lhe parecer
conveniente.
As impugnações que porventura venham a ser apresentadas não se referem, todavia, à
pretensão executiva do autor, mas apenas aos aspectos procedimentais ou às questões
processuais decorrentes da fase executiva. 91
A incidência do contraditório na execução civil está intrinsecamente relacionada com
o princípio da menor onerosidade da execução, o qual, como assaz explorado em
oportunidade distinta, encontra-se consubstanciado no art. 620 do CPC e prima pela execução
do devedor pelo meio mais favorável a ele quando, por diversas maneiras, o crédito executivo
puder ser satisfeito. 92
Desse modo, não seria razoável que o devedor pudesse se manifestar contrariamente à
avaliação de bem do seu patrimônio por considerá-la inferior ao correto, somente após a
alienação judicial do respectivo bem, visto que significaria verdadeiro aniquilamento do
princípio do menor sacrifício para o executado. 93
Supondo-se que o contraditório e, por via de conseqüência, a ampla defesa, incidem
no processo de execução, passa-se a estudar a relação entre esses princípios e o instituto da
penhora on line.
5.4.3 Bloqueio de valores por meio eletrônico x contraditório e ampla defesa na execução
91 Corroborando o referido entendimento: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. BRASIL TELECOM/OI.
IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. A exceção
de pré-executividade é construção doutrinária admitida pela jurisprudência para o executado argüir nulidades que
o juiz poderia conhecer de ofício e cuja decisão não demande dilação probatória. CONTRADITÓRIO. Na
execução de sentença não se estabelece contraditório sobre a pretensão executiva do credor. A defesa do
executado está condicionada à penhora e ao manejo do incidente de impugnação ao cumprimento de sentença.
Negado seguimento, em decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº 70039029061, Primeira Câmara
Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 31/03/2011, publicado em
06/04/2011).
92 Válido transcrever as palavras de Marcelo Guerra acerca do tema. Segundo ele, “se é verdade que no
processo executivo o devedor não pode se opor à satisfação do direito do credor, igualmente certo é que o
mesmo devedor não pode ser sacrificado além de certos limites, sendo-lhe assegurado, portanto, um certo
controle da execução. Esse aspecto do processo executivo depreende-se do princípio consagrado no art.620 do
CPC, segundo o qual ‘quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça
pelo modo menos gravoso para o devedor’”. GUERRA, Marcelo Lima. Execução forçada - Controle de
admissibilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.29.
93 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado
de processo civil. Processo de execução. Luiz Rodrigues Wambier (coord.). vol.2. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p.130.
131
132
O contraditório se inicia com o ato processual da citação, consistente na ciência dada
ao réu de que contra ele foi ajuizada uma demanda e na outorga de uma oportunidade que lhe
possibilite apresentar defesa. 94
No âmbito da execução, quando essa se referir a título executivo extrajudicial, a
citação possui uma função diferente da manifestada por ocasião do processo de conhecimento,
tendo em vista que, naquele caso, o devedor é citado para efetuar em três dias o pagamento da
dívida.
Por outro lado, em se tratando de fase executiva para o cumprimento de sentença
(art.475-J), não há que se falar em ato processual de citação, mas apenas de intimação para
que o devedor efetue o pagamento no prazo de quinze dias; tudo de conformidade com a
reforma da execução realizada pela lei no. 11.232/2005.
O objetivo da citação no processo de conhecimento, portanto, difere da finalidade
desse ato processual em se tratando de execução por quantia certa contra devedor solvente. 95
No que se refere a esse aspecto do princípio do contraditório, manifestado por meio do
ato processual de citação do devedor, para os títulos executivos extrajudiciais e da intimação,
para o cumprimento de sentença condenatória ao pagamento de quantia, percebe-se que a
penhora on line está em consonância com o aludido princípio.
Ora, a expedição da ordem judicial de bloqueio de valores ocorre após a verificação do
não pagamento da quantia para o qual o devedor foi citado ou intimado a pagar; aludida
constrição patrimonial ocorre na fase de apreensão de bens, posterior, por conseguinte, à fase
de proposição.
Se sobre o devedor recai uma ordem judicial para que efetue o pagamento de quantia,
porém referido comando não é obedecido, nada mais salutar do que o juiz expeça outra ordem
judicial consistente na apreensão de valores depositados em conta de titularidade do
executado ou de dinheiro aplicado em instituição financeira.
Não cabe ao juiz se manter inerte diante do não pagamento do direito de crédito cujo
exequente faz jus. Ao juiz incumbe o poder-dever de impulsionar o processo de execução e,
94 Art. 213 do CPC: Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.
95 No caso de devedor insolvente, esse é citado para opor embargos no prazo de dez dias, conforme explicita o
art. 755 do CPC.
132
133
mais ainda, o de atribuir efetividade ao título exequendo, atuando de ofício até a completa
satisfação do exequente e, por conseguinte, até o fim da relação processual executiva.
O princípio da inércia da jurisdição, portanto, deve ser divisado com algumas
precauções, visto que, atualmente, o juiz possui vários poderes de direção processual,
podendo, até mesmo, determinar a produção de meios de prova necessários para a formação
do seu convencimento, sem sequer ter sido provocado a tanto. Elpídio Donizetti alude:
A regra inserta no caput do art.655-A, segundo a qual a requisição de informações e
a ordem de indisponibilidade da quantia suficiente para garantir a execução serão
feitas mediante o requerimento do exequente, devem ser entendida como aquele
requerimento de praxe, constante da inicial. O requerimento para citação, penhora,
avaliação, expropriação e pagamento do credor já terá sido feito na inicial. 96
No mesmo sentir, Cassio Scarpinella Bueno:
No máximo, a exigência de um tal ‘requerimento’ deve ser entendido como a
faculdade de o exequente indicar, ao juízo, os bens sobre os quais pretende que
recaia a penhora, desde o primeiro instante que se manifesta nos autos (art.475-J, §
3º, e art.652, § 2 º), indicando, desde logo, a penhora em dinheiro, em ativos
financeiros e, até mesmo, a penhora sobre o faturamento da empresa. 97
Contrário a esse entendimento, no que se refere à penhora on line de valores na
execução fiscal, Napoleão Nunes Maia Filho assevera:
A decretação de ofício parece carrear ao Julgador uma atribuição funcional
executiva que não se harmoniza muito bem com a sua necessária neutralidade, visto
se tratar, neste caso, de execução de título extrajudicial, não se podendo reconhecer
as vantagens da atuação judicial sem provocação, qual se dá na execução de título
formado em juízo, no qual as oportunidades de defesa foram asseguradas e
esgotadas no processo de cognição. 98
A posição do magistrado, consistente no dinamismo em relação ao trâmite processual,
coaduna-se com a perspectiva mais atual do princípio do contraditório, segundo a qual
determina ser o contraditório decorrente do dever de cooperação que busca estabelecer um
diálogo entre as partes e o juiz. 99 Demais disso, não se harmoniza com o direito fundamental
96
DONIZETTI, Elpídio. O novo processo de execução. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p.282-283.
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva.
vol.3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.245.
98 MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A constrição patrimonial eletrônica e os direitos do executado na execução
fiscal. Revista dialética de direito processual, Brasília, DF, n.43, p.105-119, out. 2006, p.106.
99 De conformidade com Cassio Scarpinella Bueno, “a doutrina brasileira mais recente, fortemente influenciada
pela estrangeira, já começa a falar em ‘princípio da cooperação’, uma específica faceta – quiçá uma (necessária)
‘atualização’ – do princípio do contraditório, entendendo tal princípio como um necessário e constante diálogo
entre o juiz e as partes, preocupados, todos, com o proferimento de uma melhor decisão para a lide”. BUENO,
Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do processo civil. vol.1. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008, p.109.
97
133
134
à tutela executiva “a atitude inerte ou indiferente do órgão jurisdicional, quanto a isso, sob
pretexto de que a execução se faz no interesse do credor e por isso caberia a ele,
exclusivamente, o cumprimento das diligências apontadas”. 100
Desse modo, supondo-se que o contraditório deve ser aplicado não apenas ao
executado e ao exequente, mas igualmente ao juiz, em busca de uma prestação jurisdicional
mais efetiva, a expedição da ordem judicial de bloqueio de valores por meio eletrônico serve
justamente para concretizar a cooperação processual.
Com efeito, sob esse outro aspecto do princípio do contraditório e da ampla defesa, no
qual são vistos como decorrência do princípio da cooperação é possível afirmar, portanto, que
não há qualquer ofensa aos corolários do devido processo legal em decorrência da utilização,
pelo magistrado, do sistema BACEN JUD para a penhora on line de valores do executado.
A incidência do último, mas não menos importante aspecto do contraditório e da
ampla defesa no processo de execução depreende-se, como asseverado em tópico anterior, da
menor onerosidade do devedor.
Ao executado cabe, de conformidade com o parágrafo 2º do art. 655-A, comprovar
que as quantias depositadas em conta corrente se referem às hipóteses de impenhorabilidade
estabelecidas pelo inciso IV do art.649, ou ainda que elas são revestidas de outra forma de
impenhorabilidade. Dessa forma, não há que se cogitar em qualquer ofensa ao menor
sacrifício do executado, bem como ao princípio do contraditório.
Constitui inferência lógica do preceito estabelecido pela disposição normativa
retromencionada que ao executado está sendo assegurada a oportunidade de se manifestar
acerca da medida constritiva contra ele oposta.
Ainda, de acordo com o parágrafo 3º, do art.810 do Projeto de Novo Código de
Processo Civil (PLS n.166), confere-se o prazo de cinco dias para que o executado comprove
que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis ou que ainda existe valor bloqueado
em excesso.
100
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 157.
134
135
Para tal desiderato, a parte poderá se valer dos meios processuais de defesa postos a
sua disposição, tais como os embargos à execução de título executivo extrajudicial, a
impugnação ao cumprimento de sentença, fundando em título executivo judicial e previsto no
art.475-L do CPC, a exceção de pré-executividade ou, até mesmo, uma simples petição por
meio da qual poderá requerer a substituição da penhora, com base no art.668.
A parte executada, portanto, não é privada de se defender da medida constritiva. O que
ocorre, na realidade, é apenas uma inversão de fases em que a oportunidade de defesa é
postergada para outro momento, configurando-se aquilo que é chamado pela doutrina de
contraditório diferido. A modificação do momento da defesa faz- se necessário para que a
efetividade do provimento seja garantida.101
O contraditório não é observado somente quando o executado tem a possibilidade de
manifestar-se previamente ao ato judicial a ser realizado. O princípio relaciona-se,
igualmente, com a comunicação à parte do ato praticado e com a posterior concessão de
oportunidade para que o executado seja ouvido com relação à ordem judicial.
É válido lembrar que o contraditório do processo de cognição não possui a mesma
amplitude que o observado no âmbito das execuções, haja vista que, nessas, o que se busca é a
plena satisfação do direito de crédito formalizado em título executivo. Nesse sentido, ressaltase que “desde que se dê conhecimento ao devedor dos atos processuais praticados, e desde
que se possibilite que reaja contra aqueles que considerar desfavoráveis, atendido estará o
princípio do contraditório, em sua versão abrandada, própria do processo executivo”. 102
Nesse lance, carece de substrato a alegação de que a penhora on line não pode ser
aplicada, visto que ensejaria prejuízo ao contraditório ou a ampla defesa, na medida em que
efetivamente é conferida à parte que sofreu a constrição judicial a oportunidade de provar que
os valores bloqueados são, na realidade, bens impenhoráveis ou que o valor bloqueado é
maior do que o suficiente para a satisfação da prestação objeto da tutela executiva.
A penhora on line, além de observar estritamente o princípio do contraditório e da
ampla defesa no que tange ao ato citatório inicial, ao dever de cooperação e ao menor
101
THEODORO JÚNIOR. Humberto. A penhora on line e alguns problemas gerados pela sua prática. Revista
de processo, v.34, n.176, p. 11-35, out. 2009, p.21.
102
CORREIA, André de Luizi. Em defesa da penhora on line. Revista de processo. v. 30, n.125, jul. 2005,
p.121. (92-152).
135
136
sacrifício do executado, representa instrumento de relevante importância para a concretização
do direito fundamental do credor à tutela jurisdicional efetiva.
Há que se falar, ainda, para finalizar o estudo acerca da relação entre a penhora on line
e o princípio do contraditório e da ampla defesa, sobre a possibilidade de expedição da ordem
como medida cautelar.
5.4.4 Arresto on line
Como já explicitado em diversas oportunidades ao longo deste trabalho, a penhora on
line originou-se com o específico propósito de imprimir maior celeridade ao procedimento de
apreensão de bens, contribuindo, dessa forma, para concretizar de maneira mais efetiva o
direito do exequente à efetividade da tutela jurisdicional.
O bloqueio eletrônico de valores é medida que minimiza os efeitos das condutas
fraudulentas adotadas pelos devedores para frustrar a satisfação do direito de crédito, na
medida em que dificulta a dilapidação dos bens pertencentes ao seu patrimônio. Desse modo,
o elemento surpresa configura-se como um importante instrumento de combate a essa prática
dos devedores recalcitrantes.
Nesse lance, em princípio, não se justifica a adoção da penhora on line antes de citar o
executado e atribuir-lhe a oportunidade de pagar o débito exequendo; no entanto, o instituto
deve ser adotado de maneira preliminar se forem constatados indícios de que o executado se
esquiva da citação, com a manifesta intenção de se furtar ao cumprimento da prestação
jurisdicional. Nessas situações, afigura-se cabível a utilização da penhora on line como
medida constritiva cautelar.
O arresto on line
103
, portanto, pode ser empregado quando se verifique a hipótese
prevista no art. 653 do CPC, o qual dispõe que: “O oficial de justiça, não encontrando o
devedor, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução”. Destarte,
quando o oficial de justiça não realizar o ato citatório por não haver encontrado o devedor,
103
Em conformidade com o entendimento de Indira Chelini e Silva Pietoso, “O arresto on line nada mais é que
uma constrição sobre dinheiro, que precede a penhora, ou seja, agora, ao invés da constrição se dar no local onde
se encontra o bem, ela é feita de forma eletrônica, agilizando a tramitação dos processos, de acordo com o que
prescreve o art.655-A do Código de Processo Civil”. PIETOSO, Indira Chelini e Silva. Penhora on line: o uso
da ferramenta e sua repercussão no mundo jurídico. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p.94.
136
137
inexiste qualquer obstáculo lídimo a impedir que o arresto seja realizado pelo sistema
BACEN JUD, por meio do bloqueio de valores. 104
Nesse caso, o arresto on line é realizado no curso do processo de execução por quantia
certa contra devedor solvente ou durante a fase executiva do cumprimento de sentença que
condena a pagar quantia em dinheiro.
Sucede que o arresto é igualmente previsto como medida cautelar, no art. 813 do CPC.
Nesse lance, é de bom alvitre lembrar que as cautelares são medidas assessórias de um
processo principal e se prestam a resguardar uma situação atual com vistas a assegurar a
efetividade de posterior provimento jurisdicional. Elas são espécies do gênero tutelas
provisórias, porém não se confundem com as tutelas antecipadas.
A tutela cautelar “tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não
podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência,
é satisfativa sumária”. 105 Assim, enquanto a medida cautelar se restringe apenas a assegurar a
efetividade de ulterior processo de conhecimento ou de execução, a tutela antecipatória
entrega de logo a prestação jurisdicional, mesmo que fundamentada em cognição não
exauriente e preenchidos os requisitos do art.273 do CPC. 106
No que concerne à execução por quantia certa contra devedor solvente, a medida cautelar
de arresto, consubstanciada no art.813, será cabível quando se constatar que o devedor tem a
intenção de retirar valores eventualmente existentes em conta ou aplicação financeira ou,
ainda, nos casos em que ele pretender transferir o numerário a terceiros, em evidente
propósito fraudulento.
Além disso, e com maior razão, nos casos em que forem constatados fortes indícios de
que a citação do processo cautelar acarretará prejuízos para a efetiva satisfação do direito de
104
Nas palavras de Elpídio Donizetti: “Trata-se, na verdade, de tutela antecipatória na execução. O juiz, diante
da prova da verossimilhança da exigibilidade do crédito consubstanciado em título executivo e da presunção de
que o executado, uma vez citado, levantará a importância depositada ou aplicada em seu nome, deferirá a
expedição de ordem de bloqueio, por meio eletrônico (...) Não agir assim, quando requerido e presentes os
requisitos legais, é negar a adequada jurisdição ao exequente, o que afronta o princípio da inafastabilidade (CF,
art. 5º, XXXV). DONIZETTI, Elpídio. O novo processo de execução. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009,
p.284.
105
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.107.
106
Art. 273 do CPC: O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação
e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de
direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
137
138
crédito, a medida de arresto deverá ser concedida liminarmente ou mediante justificação
prévia, consoante preceito estabelecido pelo art. 804. 107
Ora, o prazo de cinco dias outorgado ao devedor para que conteste o pedido inicialmente
aduzido configura tempo suficiente para a adoção de condutas tendentes a frustrar os fins da
execução, em evidente ofensa ao direito fundamental do credor à tutela jurisdicional efetiva.
Todo bem penhorável é igualmente passível de arresto, mesmo porque esse consiste
em ato preparatório da penhora. Assim, se o dinheiro lidera o rol dos bens penhoráveis, de
acordo com o art.655 do CPC, da mesma forma, a lista deve ser aplicada aos bens sujeitos ao
arresto, o qual deve ocorrer por meio eletrônico, aplicando-se analogicamente o art.655-A.
A realização do ato judicial do arresto, por meio do bloqueio eletrônico de valores não
constitui medida que ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, tão logo o
juiz determine a constrição patrimonial de bens, deve determinar a intimação do executado
para que tome conhecimento do ato realizado. Uma vez ciente da efetivação da indigitada
contrição, cabe ao executado apresentar a defesa que lhe parecer mais conveniente.
A jurisprudência dos tribunais revela-se tendente a aceitar o emprego do bloqueio
eletrônico de valores como medida acautelatória do processo de execução por quantia certa
contra devedor solvente. 108
107
Art. 804: É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o
réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o
requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer.
108
No sentido do cabimento do arresto on line: “EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CITAÇÃO
DO DEVEDOR NÃO CONSUMADA. PEDIDO DE ARRESTO DE RECURSOS FINANCEIROS ATRAVÉS
DA VIA ELETRÔNICA ON LINE. CABIMENTO. O arresto, providência que não restou banida pela nova
sistemática processual que rege as execuções fundadas em título extrajudicial, dispõe de função cautelar e tem
por objetivo preservar massa patrimonial capaz de garantir a execução forçada, tendo ensejo, a teor da redação
do artigo 653 do CPC, sempre que o devedor não for encontrado para receber a citação e solver sua dívida. O
arresto on line nada mais significa do que tipo de constrição transitória sobre dinheiro, precedendo a penhora, e
seu objeto ocupa o pódio preferencial no elenco dos bens identificados pelo artigo 655 do Codex. Trata-se de
indisponibilidade adotada por via eletrônica integrada à dicção do artigo 655-A do CPC, no que pode e deve,
tranquilamente, ser adotada tanto para a penhora quanto para o arresto, em prol da utilidade da execução.
Esquivando-se o devedor, voluntária ou involuntariamente, da citação e sendo fundado o receio de desvio de
bens suficientes para garantir a obrigação creditícia, o arresto ganha espaço para aplicação. PROVIMENTO
MONOCRÁTICO DO AGRAVO, DIANTE DE SUA MANIFESTA PROCEDÊNCIA. ARTIGO 557,§1º-A,
DO CPC”. (Agravo de instrumento no 0014893-16.2008.8.19.0000. Relator: Ismênio Pereira de Castro, TJ do
Rio de Janeiro, DECIMA QUARTA CÂMARA CIVEL, julgado em 14/02/2008, DJ 02/04/2008).
Compartilhando do mesmo entendimento: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS
BANCÁRIOS. EXECUÇÃO. ARRESTO ON LINE DE VALORES. NÃO-LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR.
No caso concreto, resulta possível o deferimento excepcional de arresto on line de valores como forma de
garantir resultado final do processo executivo, na medida em que esgotadas todas as providências possíveis para
fins de citação da parte-devedora. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO”. (Agravo de Instrumento nº
138
139
Nessa esteira, padece de substrato sólido a alegação de que o encaminhamento da ordem
judicial de bloqueio de valores por meio eletrônico anteriormente à citação do executado não
respeita os consectários do devido processo legal em estudo.
Ainda, as medidas liminares e as cautelares preventivas de há muito encontram respaldo
no ordenamento processual brasileiro com a possibilidade de efetivação inaudita altera parte.
Demais disso, o bloqueio de valores existentes nas contas do executado, pelas suas
próprias peculiaridades e pela finalidade de impedir o desvio de valores por parte do
executado obstaculizando a realização da penhora, tem natureza manifestamente cautelar
suficiente para justificar a utilização inaudita altera parte. 109
Não se deve olvidar ainda o preceito normativo estabelecido pelo inciso III do art.615.
De acordo com referido preceptivo legal, “Cumpre ainda ao credor: III - pleitear medidas
acautelatórias urgentes”.
A própria Lei Processual Civil estabelece condutas que o credor deve adotar quando da
petição inicial do processo de execução ou no requerimento da fase de execução e durante o
curso da demanda executiva. Dentre apontadas condutas, consta a que determina ao credor
pleitear medidas acautelatórias urgentes, quando for constatado que o devedor tem a intenção
de dilapidar seu patrimônio.
Ante as considerações alvitradas, a penhora on line, mormente quando realizada de
maneira cautelar por meio do arresto, constitui instrumento de fundamental importância para a
consecução de uma atividade executiva verdadeiramente efetiva. Por conseguinte, é
imprescindível considerá-la como legítima técnica de efetividade processual e velar para que
sua utilização seja ainda mais disseminada na prática forense, de modo a concretizar o
preceito constitucional da efetividade da tutela jurisdicional.
70036297968, Relator: Marco Antonio Ângelo, SEGUNDA CÂMRA CÍVEL, Tribunal de Justiça do RS,
Julgado em 15/12/2010, DJ 20/01/2011).
109 Defendendo a desnecessidade de citação do devedor com o objetivo de evitar manobras fraudulentas em
prejuízo da execução, Pérsio Thomaz Ferreira Rosa entende que: “Vale observar que o emprego de meios
tecnológicos extirpou uma prática até certo ponto inócua, na medida em que a publicidade do pedido permitia
aos devedores atuarem previamente na proteção de seu patrimônio, frustrando-se um direito fundamental do
credor à realização do seu crédito. Verifica-se, portanto, que o sucesso do bloqueio on-line depende em grande
parte do elemento surpresa. Por essa razão é que, numa primeira análise, somos avessos às opiniões que pregam
a necessidade de se condicionar o bloqueio à prévia ciência do devedor”. ROSA, Pérsio Thomaz Ferreira.
Bloqueio on-line. Repensando a aplicação do instituto. Consulex: revista jurídica. n.257. p. 28-29, set. 2007,
p.29.
139
6 CONCLUSÃO
Ao longo deste texto, procurou-se demonstrar a preocupação dos operadores do
Direito em atribuir maior celeridade na prestação da tutela jurisdicional, mormente no que se
refere à tutela executiva, ainda que, para tanto, se tenha de relativizar outros valores
constitucionalmente estabelecidos, tais como a garantia do contraditório e o direito à
privacidade.
Ressaltou-se que a garantia de acesso à justiça deve ser entendida não apenas como a
possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário em busca de uma solução para o conflito de
interesses, mas engloba também a necessidade de efetivação do direito reconhecido
judicialmente ou previsto em título executivo extrajudicial.
O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva destacou a considerável relevância
que o processo assumiu no ordenamento jurídico, na medida em que ele funciona como
instrumento de concretização dos direitos materiais.
A crise de inefetividade alertou os operadores do Direito acerca da necessidade de
promover uma releitura do direito processual civil, no sentido de editar leis, interpretá-las e
aplicá-las, em observância aos preceitos constitucionais. Partindo-se desse pressuposto, foram
encetadas as “minirreformas” ao diploma processual civil sempre com o escopo de emprestar
mais celeridade ao trâmite processual.
Ciente de que é na execução por quantia certa que se manifesta grande parcela da crise
da justiça, o legislador infraconstitucional operou significativas mudanças no procedimento de
apreensão de bens, com o objetivo de concretizar a satisfação do direito de crédito da maneira
mais efetiva possível.
No âmbito do processo de execução dos títulos executivos extrajudiciais e da fase
executiva para os títulos judicialmente reconhecidos, a justiça mostra-se evidente quando a
satisfação da pretensão, objeto da tutela executiva, for alcançada no momento em que a
obtenção do crédito pelo exequente ainda lhe seja útil.
Nessa conjuntura, emergiu o instituto da penhora on line como instrumento processual
de fundamental importância para a efetividade da prestação jurisdicional. Por intermédio da
lei no 11.382/2006, o bloqueio de valores por meio eletrônico foi introduzido no art.655-A do
diploma processual civil brasileiro, não obstante sua origem se reportar ao Convênio de
141
Cooperação Técnico-Institucional firmado entre o Superior Tribunal de Justiça, o Conselho da
Justiça Federal e o Banco Central do Brasil, então denominado BACEN JUD, em 2001.
Referido convênio possibilitou que as ordens de bloqueio de valores, que antes da sua
instituição eram enviadas pelos correios ou por meio de oficial de justiça, fossem
encaminhadas via eletrônica, de forma que a apreensão judicial de bens se fizesse de modo
mais efetivo. A adoção da medida visou a evitar ou, ao menos, limitar o emprego pelos
devedores de condutas fraudulentas e procrastinatórias no intuito de se furtarem ao
cumprimento da prestação e, com isso, prejudicarem o direito do exequente de obter o crédito
almejado.
Para que fosse possível compreender as diversas funcionalidades do BACEN JUD e,
no mesmo ensejo, diferenciá-lo da penhora on line, enfatizando que essa seria apenas mais
uma funcionalidade do sistema não devendo ser com ele confundida, fez-se mister elaborar
breve análise acerca do seu histórico, desde a institucionalização até a versão 2.0, hoje
vigente.
Constatou-se que os estudiosos do Direito estão sempre buscando o aperfeiçoamento
do sistema, com vistas a imprimir maior efetividade no cumprimento das ordens judiciais,
sem olvidar, no entanto, os direitos do devedor constitucionalmente previstos e observados na
seara do processo executivo.
No contexto anterior ao surgimento do sistema, preponderava a morosidade no
encaminhamento das ordens judiciais de bloqueio de valores eventualmente encontrados, de
desbloqueio do numerário indisponível, se realizado em excesso, e de transferência da quantia
bloqueada para instituição oficial à disposição do juízo.
Aludido instrumento proporcionou ao Judiciário a oportunidade de reaver sua
credibilidade tão criticada em decorrência da morosidade jurisdicional na efetivação dos
direitos fundamentais constitucionalmente garantidos; demais disso, possibilitou ao indigitado
Poder atender aos anseios de justiça da sociedade em geral com maior brevidade.
Destacou-se o fato de que a utilização da penhora on line de valores deve ser medida
preferencial em relação às demais modalidades de apreensão de bens do devedor. Utilizou-se
como principal fundamento desta afirmação o fato de o dinheiro figurar em primeiro lugar no
rol dos bens a serem penhorados, o qual se encontra disposto no art.655 do CPC.
141
142
Atentou-se ainda para o fato de que o PLS no 166/2010 não mais previu a expressão
“preferencialmente por meio eletrônico” para se referir à obrigatoriedade da aplicação da
medida sempre que o sistema estiver disponível, não havendo que se falar em faculdade.
A penhora on line realizada por intermédio do sistema BACEN JUD permitiu,
portanto, atribuir maior celeridade e efetividade na prestação da tutela jurisdicional executiva
e, em consequência, na satisfação do Direito material relativo ao credor exequente. Apesar de
todos os benefícios trazidos pelo instituto, contudo, houve quem questionasse sua
constitucionalidade, com base na ofensa ao direito à privacidade, ao princípio da menor
onerosidade da execução e, ainda, ao devido processo legal.
Ocorre que o princípio do menor sacrifício para o executado não é dotado de caráter
absoluto, devendo ser interpretado de modo relativo e à luz do princípio orientador da
proporcionalidade, o qual funciona como vetor de sopesamento dos interesses jurídicos em
conflito.
Destarte, o princípio insculpido no art.620 do CPC deve ser cotejado com o preceito
estabelecido pelo art.612, o qual determina que a execução deva ser realizada no interesse do
credor. Não se olvida, entretanto, o fato de que a penhora on line representa instrumento de
efetivação do direito fundamental do credor à tutela executiva e que o princípio maior da
execução forçada se refere à satisfação do direito de crédito.
A requisição de informações acerca da existência de saldos em conta ou em aplicação
financeira por meio do sistema BACEN JUD não representa ofensa ao sigilo bancário, visto
que não expõe as movimentações financeiras eventualmente realizadas. No que se refere à
requisição de extratos, expressou-se que ela é cabível nos casos em que reste manifestamente
demonstrado o intuito de protelar a satisfação do direito de crédito. O princípio da
proporcionalidade igualmente deve ser aplicado quando se estiver diante da restrição ao
direito de privacidade do executado.
Os princípios do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal,
também se mantêm incólumes ante à utilização da penhora on line de valores. Ao executado é
dada a oportunidade de se manifestar contrariamente à medida de constrição tão logo ela seja
efetivada. Exigir que a intimação ocorra em momento anterior ao bloqueio do dinheiro vai de
encontro ao principal objetivo do instituto, que é garantir a efetiva entrega da prestação
jurisdicional, em respeito ao direito fundamental do credor à tutela executiva.
142
143
Conclui-se, portanto, que o instituto da penhora on line está intimamente relacionado à
efetividade do processo, constituindo aquele relevante instrumento de realização dessa
garantia processual constitucionalmente prevista.
Para que essa nobre ferramenta alcance seu primordial escopo, cabe ao intérprete e
aplicador do Direito compreendê-la sob a atual acepção da garantia de acesso à justiça, ou
seja, aquela pela qual o acesso é visto como a obtenção de uma tutela jurisdicional justa,
efetiva e tempestiva.
O Judiciário deve observar as inovações tecnológicas surgidas no decorrer da evolução
da sociedade, adequando-se à realidade social. Nesse diapasão, não pode criar embaraços à
aplicação do instituto, sob a alegação de que a penhora on line fere alguns preceitos
instituídos pela Carta Constitucional ou previstos em leis infraconstitucionais. Nas palavras de
Marcelo Guerra, “sempre que o meio executivo previsto na lei não for capaz de proporcionar
uma pronta e integral satisfação do credor, tem-se uma denegação da tutela executiva, o que
consiste em autêntica violação do direito fundamental da tutela executiva”. 1
A penhora on line encontra-se em absoluta consonância com os princípios
constitucionais do Direito Processual e com o ordenamento jurídico como um todo, atribuindo
maior celeridade e efetividade na satisfação da tutela executiva e assegurando ao credor a
satisfação do seu direito.
1
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.104.
143
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