PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS 1. INTRODUÇÃO A Constituição Federal contém em seu texto os chamados princípios constitucionais tributários, normas cujo conteúdo se sobrepõe às demais, tanto em razão de sua natureza constitucional quanto em decorrência de sua importância para a harmonia do sistema tributário. Isto é, princípios são proposições estruturantes dos sistemas, situação que se maximiza quando os princípios são impressos no ordenamento constitucional. Portanto, o estudo dos princípios constitucionais tributários deve englobar a compreensão do que são princípios, da importância da Constituição Federal e, feita essa contextualização, do sistema constitucional tributário e dos princípios específicos da matéria. 2. PRINCÍPIOS No dicionário Michaelis virtual, princípio está definido, dentre outros termos, como: Momento em que uma coisa tem origem; começo, início. 3 Ponto de partida. 4 Causa primária. 5 Fonte primária ou básica de matéria ou energia. 6 Filos Aquilo do qual alguma coisa procede na ordem do conhecimento ou da existência. 7 Característica determinante de alguma coisa. 8 Quím Componente de uma substância, especialmente o que lhe dá alguma qualidade ou efeito que a distingue de outras congêneres. 9 Farm Componente de um remédio, do qual dependem certas propriedades deste. 10 Agente ou força originadora ou atuante: Princípio do movimento. 11 Lei, doutrina ou acepção fundamental em que outras são baseadas ou de que outras são derivadas: Os princípios de uma ciência. Assim, a primeira observação acerca dos princípios é que esses são inerentes a toda forma de conhecimento filosófico ou científico, na condição de enunciados lógicos admitidos, segundo Reale (1998), como “[...] condição ou base de validade das demais asserções que compõem determinado campo do saber.” 1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein É no mesmo sentido o magistério de Cretella Júnior, impresso na obra de Di Pietro (1998), para quem “Princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência.” Slaibi Filho (2004), valendo-se de Oswaldo Aranha Bandeira, classifica princípio como “diretriz fundamental de um sistema.” Para Gusmão, citado por Magalhães e Malta (1997), o sistema jurídico é a “[...] unidade lógica das normas e dos princípios vigentes em um país [...]”. Ao seu turno, Silva (2005) acrescenta que “Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas [...]” Já Coelho (2004) entende os princípios como normas “[...] portadoras de núcleos significativos de grande magnitude, de modo que influenciarão toda a orientação das cadeias normativas que deriva do sistema.” Portanto, Coelho (2004) observa que “[...] onde há valores de magnitude para o sistema de proposições prescritivas, como é o sistema jurídico, ali há princípios.” Bandeira de Mello, reproduzido na doutrina de Silva (2005) com habitual propriedade assim define o princípio jurídico: [...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondolhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. Esta idéia de sistema, tão presente nas definições doutrinárias acerca dos princípios, tem seu pilar na harmonia e interdependência recíprocas que, segundo o entendimento de Batalha impresso na obra de Magalhães e Malta (1997) formam o “[...] conjunto dos institutos jurídicos regulados harmoniosamente pelo mesmo ordenamento.” Ou seja, a idéia de sistema somente é viável se houver uma correlação entre as partes componentes do todo. Assim, as alterações do todo implicam em resultados para as partes e vice-versa. Logo, quaisquer alterações das partes devem ser harmônicas com as linhas gerais do sistema, sob pena de prejuízo do todo. 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein Como conseqüência, os princípios constitucionais norteiam a atividade infraconstitucional e balizam o sistema jurídico. Bonavides (1998) entende que os princípios constitucionais "são qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma constituição". A Constituição nacional contempla distintas espécies de princípios, distinguindo-se esses, entre outros aspectos, conforme sua abrangência. Existem princípios de alcance erga omnes, isto é, “em relação a todos.”1 assim como existem princípios de abrangência diferida, cujo rol de destinatários é restrito. É o caso dos princípios constitucionais tributários, que visam limitar o poder de tributar e, portanto, se destinam à União, aos Estados e ao Distrito Federal e aos Municípios. 3. CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 No cenário nacional, a Constituição Federal de 1988 constitui uma importante quebra de paradigma em relação ao regime político militar. Em que pesem algumas ponderações doutrinárias, em especial ao fato de não ter sido formulada por um Congresso estritamente constituinte, a Constituição de 1988 exerce papel de notada importância na retomada democrática brasileira. Nessa linha, Prado (2005) bem sintetiza o sentimento doutrinário, quando destaca que: A maior virtude da Carta da República de 1988 é o seu sentido simbólico. Não obstante os defeitos que possa apresentar, ela representa um marco importante na história do País: o fim de um ciclo autoritário e o início de uma nova experiência democrática, que se pretende duradoura. Tal circunstância permite exemplificar que o denominado Estado Democrático de Direito tem no ordenamento jurídico, em especial na Constituição Federal, sua viga mestra. Assim, um Estado devidamente fundado em bases legais coíbe as práticas arbitrárias e despóticas por parte de seus governantes e traz estabilidade e segurança jurídica aos seus cidadãos.2 1 Nessa linha: MAGALHÃES; MALTA. 1997, p. 353 Em sua didática e elogiável obra Manual de Direito Administrativo, Paulo Magalhães da Costa Coelho, com propriedade, assenta que “Talvez a circunstância mais marcante do Estado de Direito, e 2 3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein É neste sentido o magistério de Azambuja (1984) que, ao definir a “democracia clássica” elenca, entre outras características, que “(...) as prerrogativas dos governantes são limitadas explicitamente pela Constituição.” e ainda que “(...) são declarados e assegurados os direitos individuais.” Segundo Coelho (2004) “(...) será na Constituição que o Estado de Direito encontrará sua raiz primeira, sobre a qual se estrutura todo o seu arcabouço, como conteúdo e forma.” Assim, conforme Coelho: Não há, portanto, Estado de Direito sem que Constituição ou normas de natureza constitucional o disciplinem e, ainda mais, que se imponham como vetor dirigente da concretização dos valores que expressa e contém. Logo, o sistema jurídico nacional tem seu fundamento nevrálgico na Constituição Federal, considerada a Lei Maior3 e da qual derivam as demais normas. Deste modo, a Constituição confere tanto legalidade quanto legitimidade à legislação infraconstitucional, bem como aos poderes por ela reconhecidos ou estabelecidos.4 Portanto, a Constituição goza de superioridade em detrimento das outras normas legais nacionais. Com singular retidão acerca da supremacia constitucional, Ferreira, citado por Silva (2005) afirma tratar-se de “(...) pedra angular, em que se assenta o edifício do moderno direito político.” da qual decorrem as demais conseqüências, seja que, ao se optar por ele, o fato bruto do poder político passa a ter uma disciplina jurídica. As estruturas do poder político, em todas as suas dimensões, passam também a se sujeitar a certa medida, a medida do direito. É pelo direito, portanto, que se faz possível a construção do Estado de Direito, com a renúncia do poder político a sua dimensão factual e sua sujeição a uma disciplina.”(COELHO. 2004, p. 15) 3 Neste sentido, interessante observar o seguinte trecho da Declaração do Conselho Parlamentar Alemão, datada de 1988 e extraída de publicação traduzida da Lei Fundamental promulgada em 1949, verbis “O atual desenvolvimento da República Federal da Alemanha comprovou que com a Lei Fundamental foi criada uma base de alta capacidade de sustentação e voltada para o futuro que permite a cristalização de uma ordem democrática estável e um sistema estatal capaz de funcionar.” (In ALEMANHA, República Federal da. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha. Tradução: Dr. Jur. José Camurça. Bonn: Departamento de Imprensa e Informação do Governo Federal, 1988, p. 14) 4 José Afonso da Silva, com clareza e objetividade ilustra que: “(...) a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.” (SILVA. 2005, p. 45) 4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein Neste contexto, a prevalência da Constituição na hierarquia legal denota lição corrente no campo do Direito. Ou seja, a Constituição é a pedra fundamental da edificação legal que, ao seu turno, sustenta o complexo social.5 Além disso, a Constituição contém normas programáticas, as quais, segundo Meyer-Pflug, em trabalho constante na obra de Martins, Mendes e Tavares (2005) são “disposições indicadoras de valores a serem respeitados e assegurados e fins sociais a serem alcançados. Sua finalidade não é outra senão a de estabelecer certos princípios e programas de ação.” Ou seja, integram a Constituição indicativos da direção a ser seguida, quer em nível legislativo infraconstitucional, quer no agir administrativo e político do Estado.6 Neste cenário, um dos principais pilares da ordem democrática e da estabilidade legal são os denominados princípios constitucionais; comandos normativos extraídos do texto constitucional e com superioridade hierárquica em relação ao restante da legislação. 4. SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO No dicionário Michaelis virtual, sistema é assim definido: 1 Conjunto de princípios verdadeiros ou falsos, donde se deduzem conclusões coordenadas entre si, sobre as quais se estabelece uma doutrina, opinião ou teoria. 2 Corpo de normas ou regras, entrelaçadas numa concatenação lógica e, pelo menos, verossímil, formando um todo harmônico. 3 Conjunto ou combinação de coisas ou partes de modo a formarem um todo complexo ou unitário [...] 15 Agrupamento de partes coordenadas, dependentes umas das outras, qualquer que seja o assunto ou obra de que se trata. 5 Com efeito, para Nagib Slaibi Filho, a Constituição equivale a “[...] suprema manifestação da vontade popular (Barthélemy), a decisão política fundamental (Carl Schmitt), o contrato social (JeanJacques Rosseau) que os integrantes das sociedades entabuam para permitir sua vida em comum”. (SLAIBI FILHO. 2004, p. 27.) 6 Nesse sentido, exemplificativamente, o magistério de Ferreira Filho, para quem as normas programáticas não apenas dependem de legislação infraconstitucional para lhes conferir executividade, mas também de medidas administrativas que as tornem efetivas. (FERREIRA FILHO. 2005, p. 13) 5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein Embora os sistemas tenham origem remota, somente foram objeto de estudos aprofundados e específicos em meados do século passado, originando a teoria geral dos sistemas. O biólogo alemão Ludwig von Bertalanffy observou a existência de dificuldades similares nas mais diversas áreas do conhecimento humano e, assim, formulou uma teoria de caráter multidisciplinar, tendo como propósito transcender os problemas peculiares de cada ciência, fornecendo princípios e modelos aplicáveis a todas as ciências. Segundo as observações e estudos de Bertalanffy, os sistemas não podem ser integralmente compreendidos através da análise isolada das partes e, deste modo, surgiu a definição de sistema como sendo um conjunto de elementos inter-relacionados com um objetivo comum.7 Os estudos de Bertalanffy influenciaram fortemente diversos ramos da ciência, como, por exemplo, a administração, onde surgiu a abordagem sistêmica da administração, bem como deram espaço ao surgimento da cibernética e da gestalt. Os ensinamentos de Bertalanffy ecoam até os dias atuais, de modo que especificamente na área tributária, Machado (2002) assim se reporta ao “Sistema Tributário”: Não obstante significasse, originariamente, reunião ou conjunto, a palavra sistema modernamente significa o conjunto organizado de partes relacionadas entre si e interdependentes. No Brasil, só se pode afirmar a existência, no plano constitucional, de um sistema tributário, tomada à palavra sistema em sentido moderno, a partir da Emenda Constitucional n. 18, de 1965. Ainda tomando como base os doutrinadores da área tributária, Rosa Jr. (2001) leciona que: O conceito de sistema tributário implica certa coordenação dos diferentes tributos entre si com o sistema econômico dominante e com os fins fiscais e extrafiscais da tributação, bem como com os princípios constitucionais. Para que possa existir um sistema é mister que as normas jurídicas que o integram sejam conexas e conseqüentes no regrar o poder impositivo do Estado. Assim, se não existir essa harmonia e se cada tributo não for parte de um todo com uma finalidade determinada, não se poderá falar em sistema tributário porque esse não resulta do simples fato do Estado cobrar tributos. Disso decorre que quando as normas tributárias são impostas sem ordem e sem investigação de causas, visando apenas à obtenção de 7 Necessário assinalar que o fato de os elementos do sistema serem inter-relacionados faz com que os mesmos também sejam interdependentes. Ou seja, alterações nos elementos importam alterações no todo e vice-versa. 6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein recursos pelo Estado, estaremos diante de mero regime tributário mas não de um sistema tributário. Especificamente acerca do sistema constitucional tributário, apresentase relevante a doutrina de Difini (2003), para quem: “Sistema é um conjunto organizado de princípios e normas, entre si harmônicos e independentes, de sorte que eventual alteração de um implique modificação do próprio sistema”. Adiante, Difini (2003) enuncia que “O sistema constitucional tributário é o conjunto desses princípios e normas sobre tributos, contidos na Constituição do País.”8 Posteriormente, elucida que somente após a Emenda Constitucional de número 18, de 1965 é que passou a existir, no plano nacional, um sistema constitucional tributário. Antes dessa emenda as Constituições continham “disposições esparsas sobre matéria tributária, sem a organicidade, harmonia, interdependência e enunciação de princípios que caracterizam um sistema”. Nesse sentido, cabe destacar que na Constituição Federal consta, no Título da Tributação e do orçamento um capítulo denominado de Sistema tributário nacional, o qual engloba do art. 145 até o art. 162, tratando dos princípios gerais,9 das limitações do poder de tributar,10 dos impostos da União, dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Municípios,11 e por fim da repartição das receitas tributárias.12 Contudo, uma das conclusões da teoria geral dos sistemas é que todos os sistemas se expandem e se contraem infinitamente. Ou seja, todos os sistemas são compostos de subsistemas e, de igual forma, compõe sistemas maiores. Nesse cenário, o sistema constitucional tributário é um conjunto lógico e dotado de relações entre as normas que o compõem, quais sejam as normas tributárias, bem como inter-relacionado com o sistema econômico, as finalidades da tributação e os demais princípios constitucionais. 8 DIFINI. Op. cit., p. 63 Seção I, composta dos arts. 145 , 146, 146-A , 147, 148, 149 e 149-A. 10 Seção II, na qual constam os arts. 150, 151 e 152. 11 A Seção III (arts. 153 e 154) dispõe sobre os impostos da União, a Seção IV (art. 155) trata dos impostos de competência dos Estados e do Distrito Federal e a Seção V (art. 156) disciplina os impostos de cunho municipal. 12 Na Seção VI (que vai do art. 157 até o art. 162) o texto constitucional trata, basicamente, das receitas que pertencem a cada um dos entes e dos fundos de participação dos Estados e Municípios. 9 7 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein Logo, os princípios constitucionais tributários não podem ser analisados isoladamente, sequer apenas como elementos do sistema tributário nacional, porquanto a interpretação deve levar em conta os demais sistemas com os quais a área tributária interage e se inter-relaciona. 5. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Os princípios constitucionais tributários constam principalmente na Seção II do capítulo destinado ao sistema tributário nacional, englobando os arts. 150, 151 e 152 do texto legal, havendo princípios impressos em outros artigos do mesmo capítulo. Nesse contexto, embora existam sistematizações diferentes,13 a doutrina nacional reconhece como princípios constitucionais tributários os seguintes preceitos: a) Legalidade tributária (art. 150, inciso I da Constituição Federal); b) Anterioridade (art. 150, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal); c) Irretroatividade (art. 150, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal); d) Isonomia (art. 150, inciso II da Constituição Federal); e) Capacidade contributiva (art. 145, § 1° da Constituição Federal); f) Proibição de confisco (art. 150, inciso IV da Constituição Federal); 13 Por exemplo, o consagrado tributarista Machado, em seu Curso de Direito Tributário, analisa apenas os princípios da “legalidade, da igualdade, da competência, da capacidade contributiva, da vedação do confisco e o da liberdade de trafego” por considerar esses os “mais importantes” dentre os princípios (p. 39). Porém, no presente estudo é empregada a sistematização do Professor Difini, por abranger maior quantidade de princípios, permitindo ampliação do campo de análise. 8 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein g) Universalidade e generalidade (art. 153, § 2º, inciso I da Constituição Federal); h) Proporcionalidade (art. 153, § 2º, inciso I da Constituição Federal); i) Não-cumulatividade (arts. 153, § 3°, inciso II e 155, § 2º, inciso I da Constituição Federal); j) Seletividade (arts. 153, § 3º, inciso I e 155, § 2°, inciso III da Constituição Federal); k) Ilimitabilidade do tráfego de pessoas ou bens (art. 150, inciso V da Constituição Federal); l) Uniformidade geográfica (art. 151, inciso I da Constituição Federal); m) Não discriminação em razão da procedência ou destino dos bens ou serviços (art. 152 da Constituição Federal); 5.1 – Princípio da legalidade tributária O princípio da legalidade tributária é reflexo direto do Estado Democrático de Direito, tendo como função primordial limitar a possibilidade de que os tributos sejam exigidos ou aumentados somente através de dispositivos legais. O caput do art. 150 da Constituição Federal tem a seguinte redação “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” Já o inciso I tem o seguinte teor: “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.14 14 Para melhor compreensão do tema, necessário destacar que as normas que instituem tributos contêm o fato gerador da incidência tributária, bem como a alíquota e a base de cálculo aplicáveis ao tributo. Por exemplo: se houver uma norma dispondo que os proprietários de cachorros da raça poodle pagarão anualmente um imposto de 8% do valor médio dos mencionados cachorros, o fato gerador da incidência será a propriedade de cachorros da raça poodle, a alíquota será 8% e a base de cálculo será o valor médio. Contudo, a doutrina divide o fato gerador em hipótese de incidência e fato imponível, de modo que “[...] hipótese de incidência é a previsão legal abstrata do fato que gerará a obrigação de pagar 9 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein Portanto, esse princípio reforça, na área tributária, o comando contido no art. 5º, inciso II da Constituição, segundo o qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Assim, o princípio da legalidade tributária cria uma garantia aos contribuintes, impondo uma restrição ao Poder Público. Todavia, na própria Constituição constam exceções ao princípio da legalidade, sendo facultada a alteração de alíquotas dos impostos sobre exportação, importação, produtos industrializados e sobre operações financeiras através de decreto. A justificativa, conforme leciona o Desembargador Difini (2003): [...] é que tais impostos fazem parte da cadeia interventiva, necessitando o Executivo de instrumento ágil para aumentá-los ou reduzi-los para regular o comércio exterior (impostos de importação e exportação), a economia (IOF) ou a produção nacional (IPI). No entanto, não há exceção no que diz respeito à exigência de tributos, tampouco em favor dos Estados e Municípios. Isto é, a criação de tributos sempre depende de lei e somente a União tem a prerrogativa de alterar alíquotas, nos casos previstos na Constituição, mediante decreto. 5.2 – Princípio da anterioridade O princípio da anterioridade consta do art. 150, inciso III, alínea “b” da Constituição, nos seguintes termos: “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.” A alínea “c” do dispositivo, incluída pela Emenda Constitucional 42/2003, veda a cobrança de tributos “antes de decorridos noventa dias da data em tributo; fato imponível é a ocorrência concreta, no mundo físico, daquele fato (antes abstratamente descrito na norma).” Assim, em síntese, a hipótese de incidência é a previsão legal, dotada de precisão e especificidade, de determinada conduta ou atividade que enseja o nascimento de uma obrigação tributária. Ao seu turno, o fato imponível é a ocorrência fática da conduta contida na norma legal, isto é, o acontecimento concreto da hipótese abstrata descrita no texto tributário. No caso do exemplo acima, a hipótese de incidência é a propriedade de cachorro da raça poodle. Portanto, o fato imponível (que gerará a obrigação de pagar esse tributo) somente ocorrerá para quem tiver um cachorro poodle. 10 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b.” Embora o conteúdo do princípio seja singelo, Difini (2003) destaca que há no texto legal uma impropriedade terminológica relativa ao vernáculo “cobrar” pois uma interpretação literal poderia conduzir à conclusão de que os tributos só poderiam ser cobrados após 1º de janeiro do ano seguinte, mas mesmo sobre fatos imponíveis ocorridos no ano anterior. Ou seja, se determinado tributo fosse criado em 2002, a partir de 1º de janeiro de 2003 esse tributo poderia ser cobrado, inclusive, com relação aos fatos ocorridos entre a promulgação da lei e o início do exercício financeiro seguinte. Portanto, em síntese, a lei que aumentar ou criar tributos somente produzirá efeitos com relação aos “fatos imponíveis ocorridos a partir do dia 1º de janeiro do exercício seguinte.” Assim como ocorre no princípio da legalidade, esse princípio comporta exceções, especificamente com relação aos impostos sobre importação, exportação, produtos industrializados, operações financeiras, extraordinários de guerra e o empréstimo compulsório decorrente de calamidade pública ou guerra externa, os quais podem ser cobrados no mesmo exercício financeiro em que foram instituídos ou aumentados. Também as contribuições sociais destinadas ao custeio da seguridade social não se aplica o princípio da anterioridade.15 5.3 – Princípio da irretroatividade O art. 150, inciso III, alínea “a” da Constituição consagra o princípio da irretroatividade, de seguinte maneira: “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.” Esse princípio, portanto, complementa o raciocínio relativo ao princípio da anterioridade, devendo haver uma análise conjugada dos dispositivos, da qual 15 Nesse caso, aplica-se o art. 195, § 6º da Constituição, sendo as contribuições exigíveis noventa dias após a publicação da lei que as instituir ou aumentar. 11 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein não pode ocorrer outra conclusão que não a de que a lei que cria ou eleva tributos não pode retroagir para atingir fatos imponíveis ocorridos antes de sua vigência. 5.4 – Princípio da isonomia O art. 150, inciso II da Constituição veda que seja instituído “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. Trata, portanto, de reiteração da cláusula pétrea consagrada no caput do art. 5°, que proclama que “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza”. Na área tributária, todavia, a regra teve caráter pontual, com a finalidade de, segundo Difini (2003) “revogar as isenções de imposto de renda então vigentes sobre parte dos vencimentos de parlamentares, magistrados e militares, com antes fora assegurado a professores, jornalistas, autores de obras literárias e outros.” 5.5 – Princípio da capacidade contributiva Segundo o § 1° do art. 145, “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Nesse particular, importa assinalar que o princípio da capacidade contributiva se limita aos impostos, não tendo abrangência quanto às demais espécies tributárias. Além disso, também importa destacar que a expressão sempre que possível empregada no dispositivo não deve ser interpretada no sentido de que “o princípio da capacidade contributiva somente será observado quando possível.” Ao 12 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein reverso, para Machado (2002) “o sempre que possível, do § 1° do art. 145, diz respeito apenas ao caráter pessoal dos tributos, pois na verdade nem sempre é tecnicamente possível um tributo com caráter pessoal.” Por fim, importa enfatizar que esse princípio não diverge do princípio da isonomia; pelo contrário, o reforça, porquanto sabidamente o princípio da isonomia consiste em tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de modo desigual. Logo, para Difini (2003) aspirar que “cada um deve concorrer para com as despesas públicas consoante suas posses e disponibilidades econômicas.” é instrumento adequado para levar a efeito o princípio da isonomia. 5.6 – Princípio da proibição de confisco O art. 150, inciso IV da Constituição veda a utilização de “tributo com efeito de confisco”. Logo, tal princípio tem caráter programático, ao passo que não há no ordenamento legal nacional nenhuma definição acerca do conceito de confisco.16 De qualquer modo, o princípio de proibição ao confisco já serviu de fundamento para que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.783/1999, que aumentava a contribuição previdenciária dos servidores públicos.17 5.7 – Princípios da universalidade, da generalidade e da proporcionalidade Os princípios da universalidade, da generalidade e da proporcionalidade vêm descritos no art. 153, § 2º, inciso I, o qual determina que o imposto de renda “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei.” 16 Como leciona Samantha Meyer-Pflug: “As normas constitucionais são dotadas de um caráter aberto, amplo e genérico que lhes permite abarcar uma pluralidade de situações. Este caráter aberto das normas constitucionais é decorrência da própria essência da Constituição, que é a responsável pela fixação das diretrizes e princípios fundamentais do Estado, bem como em virtude de as normas constitucionais, na maioria das vezes, apresentarem-se como princípios ou normas programáticas.” (MEYER-PFLUG. 2005, p. 53) 17 Por ocasião da concessão de medida liminar na ADIn 2010-DF. 13 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein No entanto, como ensina o Professor Difini (2003), a universalidade e generalidade não se aplicam apenas ao imposto de renda, constituindo um princípio implícito com relação aos demais tributos. Nessa linha, a generalidade [...] significa que o tributo deve abranger todos os contribuintes que pratiquem o ato ou estejam em igual relação com o fato descrito na hipótese de incidência; universalidade significa incidir o tributo sobre todos os fatos descritos na hipótese de incidência (no caso do imposto de renda, incidir indistintamente sobre diversas espécies de rendimentos). O princípio da proporcionalidade também encontra-se no art. 153, § 2º, inciso I da Constituição, sendo afeto a idéia de progressividade dos tributos e conseqüência do princípio da capacidade contributiva, ao passo que os tributos devem ser proporcionais a capacidade contributiva, que se configura em razão da renda, patrimônio e demais operações de circulação de riqueza. 5.9 – Princípios da não-cumulatividade e da seletividade Esses princípios aplicam-se apenas com relação ao IPI e ao ICMS, sendo que a previsão do princípio da não-cumulatividade relativa ao IPI consta no art. 153, § 3º, inciso II18 e com relação ao ICMS no art. 155, § 2º, inciso I19 da Constituição Federal. Como ensina o Professor Difini (2003), não-cumulatividade é “[...] diminuir (compensar), do imposto devido em cada operação, o imposto pago nas operações anteriores.” Já o princípio da seletividade é previsto nos arts. 153, § 3º, inciso I20 (no que diz respeito ao IPI) e 155, § 2º, inciso III21 (no que tange ao ICMS) e tem a finalidade de adequar aos impostos indiretos à capacidade contributiva. 18 Segundo o dispositivo, o IPI “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.” 19 A norma constitucional assegura que o ICMS “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”. 20 O IPI “será seletivo, em função da essencialidade do produto”. 21 O ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. 14 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein O princípio da seletividade, resumidamente, equivale a idéia de que os produtos devem ser tributados com alíquotas mais ou menos onerosas, conforme sua destinação. Ou seja, produtos supérfluos são tributados de maneira mais onerosa do que os produtos essenciais. Assim, por exemplo, a água mineral destinada ao consumo humano será tributada em percentual inferior os das bebidas alcoólicas. Para Difini (2003), o princípio em comento “Significa taxar com alíquotas mais altas os produtos de consumo supérfluo ou não essencial e de forma reduzida aqueles produtos tidos como essenciais ao consumo da população, especialmente aquela de menor capacidade econômica.” 5.10 – Princípio da ilimitabilidade ao tráfego de pessoas ou bens Com base no art. 150, inciso V da Constituição é vedado cobrar tributos com a finalidade de “estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.” Esse princípio tem fundamento no direito à livre circulação.22 Contudo, não impede a cobrança de tributos de caráter interestadual ou intermunicipal, vedando apenas, conforme Machado (2002), “a instituição de tributo em cuja hipótese de incidência seja elemento essencial a transposição de fronteira interestadual ou intermunicipal.” 5.11 – Princípio da uniformidade geográfica Conforme o art. 151, inciso I da Constituição, é vedado à União “instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País.” 22 O art. 5º, inciso XV da Constituição tem o seguinte teor: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.” 15 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein Logo, para Difini (2003), o princípio estipula a uniformidade dos tributos de competência da União mas, ao mesmo tempo, cria uma ressalva que “praticamente anula, em termos práticos, a regra.” 5.12 – Princípio da não-discriminação em razão da procedência ou destino dos bens ou serviços Segundo o art. 152 da Constituição “É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.” 16 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Fabrício Klein REFERÊNCIAS ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. 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Curso de direito constitucional. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. MAGALHÃES, Humberto Piragibe; MALTA, Christovão Piragibe Tostes. Dicionário Jurídico. 8 ed. Rio de Janeiro: Destaque, 1997. MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; TAVARES, André Ramos. Lições de direito constitucional: em homenagem ao jurista Celso Bastos. São Paulo: Saraiva, 2005. SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha. (Trad. Dr. Jur. José Camurça. Bonn). Departamento de Imprensa e Informação do Governo Federal, 1988. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 12. ed. 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