UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Faculdade de Direito
DIREITO CONSTITUCIONAL II
RESUMO DO LIVRO "DO PROCESSO LEGISLATIVO",
DE MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO
Fernando Costa Furlani
Luciana Pinto Ribeiro
Maria Aparecida de Lima
Maria do Carmo Barbieri
São Paulo
2004
Fernando Costa Furlani
Luciana Pinto Ribeiro
Maria Aparecida de Lima
Maria do Carmo Barbieri
[Turma: 3º T]
DIREITO CONSTITUCIONAL II
RESUMO DO LIVRO "DO PROCESSO LEGISLATIVO", DE
MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO
Trabalho de Graduação apresentado à
Faculdade de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como exigência
parcial para satisfazer os requisitos da
Disciplina ‘Direito Constitucional II’
Professor: Francisco Pedro Jucá
São Paulo
2004
SUMÁRIO
Capítulo Preliminar
CRISE DA LEI E DEMOCRACIA EM CRISE
I – Considerações metodológicas
1. O problema do método, especialmente quanto ao Direito Constitucional
2. Filosofia e Direito Constitucional
3. Ciência Política e Direito Constitucional
II – O contexto do presente estudo
4. As filosofias políticas atuais
5. Os sistemas constitucionais
6. Os regimes políticos
7. As tipologias tradicionais dos regimes políticos
8. A moderna tipologia de Raymond Aron
9. O contexto do estudo: razão pragmática
10. Idem, razão teórica
III – Supremacia da lei e supremacia do Direito
11. Primado da lei e constitucionalismo
12. Lei e direito
IV – Crise da lei e crise legislativa
13. A multiplicação das leis e suas conseqüências
14. A “falência” dos Parlamentos
V – A democracia em crise
15. A tirania do Executivo
16. A ineficiência governamental
VI – Um roteiro de estudo
17. Indicações gerais
18. O plano
Primeira Parte
A LEI, EXPRESSÃO DA VONTADE GERAL
19. Considerações gerais e plano
Capítulo Primeiro – Supremacia da lei e primado da razão
20. Considerações preliminares
21. Supremacia do direito: origens e raízes primitivas
22. Idem, no pensamento grego
23. Idem, nas instituições gregas
24. Idem, no pensamento romano
25. Idem, nas instituições romanas
26. Idem, na Idade Média
27. Idem, em Portugal Medieval
28. Idem, nos Estados europeus ocidentais em geral
29. Idem, e a obra de Bodin
30. Idem, e a obra de Hobbes
31. Idem, e a obra de Locke
32. Idem, e a obra de Montesquieu
33. Idem, e a obra de Rousseau
34. Idem, no pensamento revolucionário do século XVIII
35. Breve sumário: o exemplo inglês
Capítulo Segundo – O processo legislativo clássico
36. Considerações gerais
37. A organização constitucional: a “separação de poderes”
38. A Assembléia Legislativa
39. O caráter representativo da Assembléia
40. A representação: suas interpretações possíveis
41. O nascimento da representação
42. A representação medieval: caracteres
43. A passagem da representação medieval à moderna
44. A representação nacional: sua formulação teórica
45. A natureza da lei no processo clássico
46. As fases do processo clássico
47. A iniciativa
48. A fase constitutiva da lei
49. A integração da eficácia da lei
50. O problema do conteúdo da lei: as conseqüências do processo clássico
Segunda Parte
A LEI, EXPRESSÃO DA VONTADE POLÍTICA
51. Plano
Capítulo Primeiro – Supremacia da lei, supremacia das maiorias
52. As duas garantias da supremacia da lei
53. A realidade da vontade geral
54. Representação e maioria eleitoral
55. Representação e sufrágio censitário: o partido de elite
56. Idem, e sufrágio universal: o partido de “massa”
57. Idem, e partidos
58. Idem, e programas ideológicos
59. Idem, pelos grupos de pressão
60. A fiscalização dos grupos de pressão: a experiência americana
61. A integração da representação de interesses nas câmaras
62. As câmaras ou conselhos corporativos
63. O Conselho de Produtores da Constituição iugoslava
64. A experiência fascista na Itália
65. Crítica às soluções experimentais para representação de interesses: à solução pura
66. Idem, à solução mista
67. Idem, a ambas
68. O equilíbrio ínsito na “separação de poderes”
69. O equilíbrio e o governo misto
70. A essência da “separação de poderes”
71. A supremacia do Poder Legislativo na “separação de poderes”
72. A paralisia dos Parlamentos
73. De Executivo a governo
74. A preponderância do Executivo
75. O seu reflexo no processo legislativo
76. A lei como instrumento de governo
Capítulo Segundo – O processo legislativo contemporâneo
77. Considerações gerais: as linhas de reforma
78. Auto-reforma: a questão da especialização
79. As comissões permanentes: o exemplo dos Estados Unidos da América
80. A assessoria ao Legislativo: o exemplo norte-americano
81. A redação das leis: o exemplo norte-americano
82. A delegação interna corporis: o exemplo italiano
83. O monopólio parlamentar da iniciativa
84. A iniciativa pelo Executivo
85. Idem, pelo Judiciário
86. Idem, popular: na Itália
87. Idem, na Áustria
88. A iniciativa de entidades privadas
89. A iniciativa reservada
90. A deliberação: aprovação por decurso de prazo
91. A fixação da ordem do dia nas câmaras
92. O referendum
93. O veto
94. O veto parcial
95-A. A “legislação pelo Executivo”
95-B. A fonte: o poder regulamentar
96. A delegação: experiência norte-americana
97. A experiência britânica
98. Idem, a publicidade
99. Idem, a fiscalização
100. A experiência francesa
101. Idem, a autonomia do poder regulamentar
102. A experiência italiana: a lei delegada
103. Idem, o decreto-lei
104. A experiência alemã: o “estado de necessidade legislativa”
105. Idem, a delegação
106. A “legislação pelo Judiciário”
107. A “legislação pelas partes”: as convenções coletivas
108. Idem, a experiência britânica
Capítulo Terceiro – O processo legislativo na Constituição brasileira em vigor
109.
110.
111.
112.
113.
114.
115.
116.
117.
118.
119.
120.
121.
122.
123.
124.
125.
126.
127.
128.
A origem das normas
“Do processo legislativo” e sua compreensão na Constituição
Processo legislativo e processo normativo
O decreto legislativo
As resoluções
Processo legislativo e atuação do Poder Legislativo
Processo legislativo e atuação do legislador
A sistematização dos atos normativos
A questão das emendas constitucionais
A lei ordinária na sistemática do ato normativo
O domínio da lei
A lei ordinária como ato complexo
A iniciativa
Iniciativa: espécies
Iniciativa popular
Iniciativa reservada
O exercício da iniciativa
A emenda
Campo da emenda
A deliberação
129. A subfase instrutória
130. O procedimento normal de deliberação
131. O procedimento abreviado
132. A sanção
133. Sanção e vício de iniciativa
134. A jurisprudência do STF
135. O veto
136. Modalidades
137. Caráter suspensivo do veto
138. Formalização do veto
139. A apreciação do veto
140. A lei como ato jurídico
141. A lei delegada
142. Natureza jurídica
143. Limitações da delegação
144. O modus operandi
145. Requisitos da delegação
146. Modalidades
147. A inversão do processo legislativo
148. A substituição do decreto-lei pela medida provisória
149. A fonte da medida provisória
150. A medida provisória no texto primitivo da Constituição
151. A medida provisória segundo a Emenda Constitucional n. 32/2001
152. A natureza da medida provisória
153-A. Caracteres da medida provisória
153-B. O efeito revogatório da medida provisória
154. A lei complementar
155. O precedente francês
156. Natureza
157. A matéria da lei complementar
158. O procedimento
159. Promulgação
160. Publicação
161-A. O controle jurisdicional da atividade legislativa
161-B. O processo legislativo dos Estados federados
161-C. O processo legislativo dos Municípios
CONCLUSÃO
A LEI NA DEMOCRACIA POSSÍVEL
162. Considerações gerais
163. As funções da lei
I – A lei como arbitragem
164.
165.
166.
167.
168.
169.
170.
171.
172.
Processo legislativo e justiça
A origem do Direito
O recolhimento social
A conciliação pelo costume
A conciliação pela lei
O arbitramento Legislativo
A deformação da arbitragem pelo Legislativo
A luta pela lei
O desprestigio da lei
II – A lei como impulsão
173.
174.
175.
176.
Lei e desenvolvimento econômico
A multiplicação das leis
O papel instrumental da lei
A inadequação do processo clássico
III – Democracia e legiferação
177.
178.
179.
180.
181.
Considerações gerais
Parlamento e democracia
A realidade contemporânea
Novos rumos: a separação de processos
A divisão de matérias
IV – O estabelecimento das leis de arbitragem
182. Leis de arbitragem e representação de interesses
183. A elaboração da lei de arbitragem
V - O estabelecimento das leis de impulsão
184. O papel do governo
VI – O controle sobre as leis
185. O controle político: o Parlamento
186. O controle jurídico: constitucionalidade e excesso de poder
187. Encerramento
ANEXO
Capítulo Primeiro – O processo de modificação da Constituição
10
Capítulo Preliminar
CRISE DA LEI E DEMOCRACIA EM CRISE
I – Considerações metodológicas
1. Qualquer trabalho científico pressupõe respondida uma questão de método, posto
que sem método não pode haver ciência.
No campo do direito sempre houve a tentação de resumir todo o estudo ao
sistema normativo, considerando-se estranho à ciência tudo o que diga respeito aos
valores que inspiram a norma, ou aos fatos que a fundamentam.
Entretanto, como o direito não é só norma, não se completa um estudo jurídico
se ficar apenas na exegese das normas. Para ser verdadeiramente um cultor da ciência,
um jurista deve saber integrar na exegese das normas a apreciação dos fatos e o
julgamento dos valores.
Quanto ao Direito Constitucional científico, há a necessidade de integrar na
obra do constitucionalista o conhecimento da realidade social com a visão dos valores
a realizar.
2. O Direito Constitucional tem seu ponto de partida na Filosofia, posto que seus
princípios fundamentais dependem de uma determinação filosófica dos valores
inspiradores do Direito em geral, e das instituições políticas em particular.
3. O Direito Constitucional não pode prescindir da Ciência Política.
O jurista deve ter presente os ensinamentos da Política, porque entre a descrição
do governo resultante da sistematização das normas constitucionais e a realidade do
governo amoldado pelas forças sociais, é comum haver um abismo profundo.
O jurista conta hoje, graças à Ciência Política, com dados e informações que
permitem uma segurança de previsões antes impossível.
II – O contexto do presente estudo
4. Na época atual, terceiro quartel do século XX, são as filosofias políticas que
inspiram os Direitos Constitucionais positivos.
Aparentemente, tal filosofia é uma só: a filosofia democrática, da qual decorrem
princípios unânimes e universalmente acatados: soberania popular, governo
representativo, eleições livres, direitos fundamentais reconhecidos.
Indo além dos enunciados gerais, poderão ser encontradas duas filosofias: a
liberal e a marxista – ambas democráticas.
A liberal tende a sublinhar a liberdade a ponto de quase olvidar a igualdade. A
marxista, de tanto insistir na igualdade, chega a sufocar a liberdade.
De fato, liberdade e igualdade são valores que ao mesmo tempo se repelem, se
implicam e se hostilizam. Ocorre que os homens são entre si desiguais nas aptidões,
virtudes, defeitos, e daí decorre que entregues a si mesmos, uns ganham poder sobre
outros, poder seja econômico, intelectual, ou outro – resultando em amesquinhamento
da liberdade da maioria.
11
Somente com a integração da liberdade e da igualdade é que pode haver
democracia. E a concepção providencialista da democracia é justamente a tentativa de
equilibrar esses dois valores; assim, procurar-se-á estabelecer oportunidades
equivalentes para todos os homens, e ao mesmo tempo assegurar a todos condições
humanas de vida.
5. Aparentemente, na época contemporânea parece haver um único sistema
constitucional, conforme ensina Pinto Ferreira, quem sistematiza em sua obra o Direito
Constitucional positivo dos Estados atuais em cinco princípios que vê adotados quase
em toda parte, ou seja, os princípios da supremacia da constituição, da democracia, o
liberal, o socialista e o federalista, sem embargo das divisões ideológicas.
Entretanto, no fundo, a inspiração e o significado desses princípios variam tanto
de Estado para Estado, que é até mesmo preferível distinguir pelo menos dois sistemas
constitucionais hoje coexistentes: o clássico ou ocidental, e o marxista.
6. O exame da realidade política mostra a existência de diferentes regimes políticos, ou
de diferentes tipos de organização do poder, que, segundo Duverger, “resultam ao
mesmo tempo de instituições formais, oficiais, estabelecidas pelas instituições, pelas
leis e textos jurídicos em geral, e de instituições de fato, de hábitos, de costumes, de
usos, de práticas”.
Conclui-se que somente o exame da realidade é guia seguro para firmar o
contexto da análise. O recurso a uma tipologia dos regimes políticos é pressuposto por
todo estudo de Direito Constitucional que busque ser mais do que mera descrição de
utopias jurídicas.
7. Desde a Antigüidade clássica até hoje, os estudiosos da política situaram suas
observações segundo uma tipologia “aritmética” dos regimes: monarquia, aristocracia,
democracia, primeiramente. Depois, surge a tirania, oligarquia e tirania, e até em
república. Mas tal tipologia não serve para as instituições contemporâneas.
Os Estados hoje existentes são quase todos democráticos, posto que concedem
direitos políticos a todos os nacionais, e ao mesmo tempo quase todos oligárquicos,
posto que é sempre uma minoria, nunca um só, jamais a maioria e nunca a totalidade
do povo, quem efetivamente governa.
8. Na busca de uma tipologia contemporânea adequada, Raymond Aron foi feliz na
sua tentativa de classificação, que está circunscrita especificamente à sociedade
industrial contemporânea.
Segundo Aron, o critério mais adequado para estabelecer uma tipologia dos
regimes políticos na sociedade industrial é o que leva em conta a modalidade da luta
partidária.
Existem apenas duas formas extremas de organização de uma luta partidária.
A primeira forma caracteriza o regime onde “existe uma organização
constitucional da concorrência pacífica para o exercício do poder”. É para o exercício,
e não para a tomada, do poder, pois o exercício do poder é temporário em essência.
Este regime é o constitucional pluralista.
12
O outro regime se caracteriza pelo monopólio conferido a um partido, da
atividade política legítima: é o regime do partido monopolístico. Neste regime, o
exercício do poder não encontra regras que o limitem, visto que o programa do partido
é identificado, dogmaticamente, com o supremo interesse do Estado.
9. O contexto do presente estudo é o regime constitucional pluralista, por uma razão
pragmática e por uma razão científica.
A razão pragmática: observa-se no Brasil os elementos caracterizadores de um
regime constitucional pluralista, que é a existência de Constituição a regular o
exercício do poder e a garantir os direitos individuais. Este estudo tem a ambição de
servir a uma renovação das instituições políticas brasileiras.
10. A razão científica aludida é justamente a lei, ou sua supremacia, como
indispensável à estruturação de um regime constitucional pluralista.
A competição pelo poder existente entre os vários partidos ou grupos, há
necessariamente de ser regulada, para que não degenere numa guerra de todos contra
todos, e com todas as armas.
Os regimes constitucionais pluralistas nasceram da preocupação de instaurar “o
governo de leis e não de homens”. O apego às leis observado nas Constituições
resultantes desses movimentos é tão grande que os juristas vêem nelas um novo tipo de
estado: o Estado de Direito.
III – Supremacia da lei e supremacia do Direito
11. Direito e lei serão uma só e mesma coisa? O positivista responderia que sim.
Pela óptica liberal, entretanto, o primado da lei, nos regimes constitucionais
pluralistas, é inspirado pela idéia do primado do Direito, ou seja, do justo, como tal
considerado, num dado momento, por determinada comunidade. Opõe-se radicalmente
à chamada “legalidade socialista” adotada nos regimes de partido monopolístico
marxista.
12. A supremacia do direito, que é nada mais do que a primazia do justo sobre os
próprios comandos do legislador, as leis, é idéia profundamente arraigada no
pensamento ocidental.
O respeito à lei pode até vir a ser o desrespeito ao direito. A contraposição entre
lei e Direito é sumamente perigosa para a paz e a estabilidade sociais. Destarte, é fátuo
pretender que, sendo a lei exclusivamente definida pela decisão política de uma
maioria, ou até de uma minoria, todos se curvem a seu império, quando fere
profundamente a imagem que cada um faz do bom e do eqüitativo.
IV – Crise da lei e crise legislativa
13. A multiplicação das leis é fenômeno universal e inegável. Com segurança pode-se
dizer que nunca se fizeram tantas leis em tão pouco tempo.
13
Por um lado, essa multiplicação é fruto da extensão do domínio em que o
governante se intromete, em razão das novas concepções da missão do Estado. Ainda,
tal multiplicação é fruto de sua transitoriedade.
Tais leis, feitas às pressas para atender as contingências do momento, trazem o
estigma da leviandade.
Tal mudança incessante das leis repercute sobre todas as relações sociais, e
acabam não mais protegendo os cidadãos, pois a Justiça segue as leis cambiantes, não
ficando mais o cidadão garantido contra os governantes, cuja audácia lhes permite
legislar segundo seu capricho.
Assim, a multidão de leis afoga o jurista, esmaga o advogado, estonteia o
cidadão, desnorteia o juiz. A fronteira entre o lícito e o ilícito fica incerta. A segurança
das relações sociais se evapora.
Há ainda outro aspecto: a abundância de leis as acaba desvalorizando – até pelo
princípio econômico de que “a escassez é a mãe do valor”. Daí o bonus paterfamilias
ignorá-las, o jurista ironizá-las, o magistrado esquecê-las.
Concluindo, a transitoriedade e a desvalorização das leis são extremamente
prejudiciais para a vida social.
14. A crise da lei está diretamente relacionada à “falência” dos Parlamentos na
qualidade de legisladores. É notório que os Parlamentos não dão conta das
necessidades legislativas dos Estados contemporâneos. Não conseguem, no devido
tempo, gerar as leis que os governos reclamam, que os grupos de pressão solicitam.
Tampouco estão os Parlamentos em condições de desempenhar a contento, nem
mesmo lentamente, a função legislativa: o modo de escolha de seus membros torna-os
pouco freqüentados pela ponderação e pela cultura, mas extremamente sensíveis à
demagogia e à advocacia em causa própria.
O resultado é que a incapacidade do Parlamento conduz à sua abdicação. A
delegação do Poder Legislativo, ostensiva ou disfarçada, torna-se a regra comum,
apesar das proibições constitucionais. A imaginação dos constitucionalistas desvela-se
em encontrar caminhos para que o Executivo possa legislar enquanto os magistrados
olham para o outro lado a fim de não verem as violações à Constituição.
Com isso se esboroa a “Separação de Poderes”. Isso não dá margem para a
instauração da tirania?
V – A democracia em crise
15. Stuart Mill, grande reformulador do liberalismo, no século passado já dava suas
advertências sobre o grande poder detido pelo Executivo e que todo Estado sempre
deve manter a capacidade de detê-lo em certo grau, posto que a entrega da elaboração
da lei a quem já é o governo, tende a torná-lo onipotente. Daí, pode surgir uma tirania.
Ora, as advertências de Montesquieu se fazem presentes.
Além desse fator, o Executivo, usando de demagogia junto ao povo, pode tornar
seu poder absoluto em curto prazo, num ponto irreversível portanto, posto que a
minoria no poder poderá fazer até mesmo leis.
É deste modo que o governo democrático pode pôr em cheque a própria
democracia: minando as liberdades e os direitos fundamentais que são a sua base.
14
16. Por outro lado, recusar poder de legislar ao Executivo não evita que a democracia
entre em crise. Nenhuma forma de governo sobrevive à própria ineficiência.
Sobremais, a recusa do poder de legislar a que, apesar de tudo, pode fazê-lo com
relativa eficiência, pode levar o governo à impotência e a democracia ao desastre.
Tal fator é mais flagrante ainda no Estado de Bem-Estar, onde as reivindicações
são particularmente intensas e vêm de todos os lados e de todos os grupos, onde a
inação do governo pode prejudicar toda a sociedade. Nesse contexto, não falta aplauso
a quem se proponha dar eficiência à máquina administrativa, a qualquer preço, ainda
que este seja o sacrifício da liberdade. Aliás, os povos parecem dispostos a sacrificar
parte de sua liberdade por um pouco de eficiência governamental.
Destarte, justifica-se ligar a crise da lei à crise da democracia.
V I – Um roteiro de estudo
17. Não há que se negar a importância da lei ligada à supremacia do Direito para a
democracia e para o sistema constitucional. Sendo assim, enfrentar o problema do
processo legislativo passa a ser crucial nestes meados do século XX. Essa solução
deve, contudo, estar respaldada por fundamentos legais.
18. Na primeira parte o estudo procurará fixar a concepção que, da lei, o
Constitucionalismo trouxe consigo e o sistema por que pretendeu fosse elaborada.
Na segunda parte mostrará o funcionamento geral desse sistema, e sua
repercussão sobre a própria concepção da lei e de sua função.
Primeira Parte
A LEI, EXPRESSÃO DA VONTADE GERAL
19. Essa afirmação inspira o processo legislativo típico dos regimes constitucionais
pluralistas. É a expressão perfeita da soberania popular e da “separação de poderes”.
Capítulo Primeiro
SUPREMACIA DA LEI E PRIMADO DA RAZÃO
20. Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, o primeiro dos
documentos constitucionais da Revolução Francesa, é processado o culto da lei., cuja
supremacia permanece reconhecida nos regimes constitucionais pluralistas.
Há ambigüidade em relação à significância do termo lei. Tal termo pode ser
empregado como sentido de justo, ou para, simplesmente, denominar a ordem do
legislador.
21. A supremacia do Direito parece ser idéia muito anterior à sua expressão clássica,
na obra de poetas e pensadores helênicos. Sua origem pode ser traçada desde os
primórdios da civilização.
15
Já se encontrava, entre os primitivos, a idéia de supremacia do Direito e de sua
imutabilidade.
22. Platão, em sua obra As leis, sublinha a supremacia da lei como condição
indispensável para a existência do Estado.
Aristóteles, em sua obra Política, afirma que lei é a razão desprendida de
paixões, e que há uma lei eterna à qual mais vale obedecer do que a quem quer que
seja.
23. Na polis, por mais opostas que fossem as concepções políticas dos oligarcas e dos
democratas, todos faziam da lei mais ou menos a mesma idéia.
Numa fase mais remota, a lei era imutável por ser Divina. De fato, as regras
essenciais do Direito Helênico são de natureza religiosa. Se lacunosas, recorre-se para
interpretação a exegetas, com função sacerdotal. Tais obras eram codificadas pelos
tesmotetas. A imutabilidade permanecerá no Direito Helênico como princípio
absoluto.
Em Atenas, para moderar a demagogia legislativa, havia a ação de ilegalidade
prevista no Direito Constitucional ateniense.
O Direito ateniense estabelecia a distinção entre a lei escrita e o decreto, por seu
conteúdo, sendo que este último não poderia conter disposições de caráter geral. Já
havia o princípio da legalidade, pois não poderia o decreto prevalecer sobre a lei.
24. Somente em Roma a Ciência do Direito nasce com caráter autônomo. Para Cícero,
somente a lei é a razão suprema, gravada em nossa natureza, a prescrever o que se
deve fazer e a proibir o que não se deve fazer.
No Direito positivo Romano, a idéia da existência de uma ordem jurídica eterna
e invariável, independe da vontade dos poderes constituídos e superior a seus
comandos, aparece bem delineada.
Para os Romanos a ordem jurídica somente se modifica pelo mesmo modo por
que fora estabelecida, ou seja, pela vontade dos órgãos dotados de poder constituinte,
pela decisão de magistrados instituídos pela revolução para dar a lei e organizar a
comunidade.
Dentro desse panorama, era permitido se inserir regras novas, seja para suprir
lacunas, seja para abrir exceções. Ao povo Romano cabia apenas aceitar ou não as
regras, de forma passiva.Todo o processo se desenrolava sob a fiscalização do Senado,
e de sua ratificação resultava a obrigatoriedade da lei para todo o povo romano.
25. A imutabilidade do Direito para esse povo era mais um ideal que uma realidade.
Com o aparecimento do Principado, a única coisa que mudou foi o termino da
intervenção popular no processo legislativo. O imperador propunha e o Senado
deliberava.
Somente com a decadência das instituições de Roma que o Imperador se tornou
a fonte da lei. O Direito se torna tecnicamente aperfeiçoado e politicamente
subordinado à vontade do Imperador. O poder Legislativo é consagrado ao Imperador
por que a lex regia confere ao mesmo todo o império e poder pertencente ao
povo.Com isso era sepultada a supremacia do Direito sobre as leis.
16
26. A supremacia do Direito nunca fora tão sustentada como na Idade Média. A crença
em Deus criador colocava a lei divina ( lei natural) num plano superior às demais.
Este é o ensinamento que se apreende na Suma teológica, onde Tomás de
Aquino fixou indelevelmente a interpretação cristã do pensamento Aristotélico.
E não apenas à lei está submetido o monarca para o pensamento medievo.
Também está ele submetido ao costume, à lei não escrita e imemorial, decorrente das
práticas seguidas pela comunidade a que governa.
27. Em Portugal, desde Afonso Henriques até o fim do período medievo, não era
diferente a concepção que se fazia do Direito e da lei da que predominava no restante
da Europa ocidental.
De fato, predominava de forma quase absoluta a idéia de que o soberano estava
adstrito à lei, natural, costume ou lei escrita. Era mero consolidador do Direito já
vigente.
28. Só se admitia que fossem escritas as regras já conhecidas no seio social. Dependia
do registro pelo Parlamento, o supremo órgão do Judiciário, a que era facultado
recusá-lo, embora essa rejeição pudesse ser superada pos nova intervenção do
monarca.
Em todos os Estados Europeus, contudo, na última fase da Idade Média, esse
esquema começou a sofrer distorções e a ser esquecido e abandonado. Nessa fase, a
supremacia do Direito, claramente se marcou sobre a lei.
29. No século XVI, a superioridade do Rei sobre a lei parece impor-se, surgindo
juntamente com o conceito de República e de poder Soberano. Aparece, também, a
noção de perpetuidade do poder Absoluto. Ou seja, o soberano encontrava-se liberto
da lei. A lei escrita era obra do soberano. Tudo isso era justificado pelo pensamento de
Jean Bodin.
30. Mais longe do que Bodin, vai Hobbes, o percussor do positivismo moderno, de
teoria voluntarista. Para ele, a lei é sempre um comando do soberano aos súditos,
reconhecendo que a lei não pode ser contrária à razão. Há um relativismo de justiça,
pois.
31. A supremacia do Direito sobre a lei não faz dúvida para a maioria dos autores dos
Séculos XVI e XVII. É Locke o primeiro a afirmar que o Executivo não deve misturarse com o Legislativo. Para ele, a lei só é lei se atender ao conceito de justiça.
32. O Espírito das Leis (Montesquieu) é a suma de todo pensamento político, no que
este se preocupou com as leis, desde a Antiguidade até seu tempo, que, segundo as
fases demarcadas pelos historiadores, fica no limiar da época contemporânea.
33. Rousseau em seu livro “Contrato Social”, parte da idéia dos homens em seu estado
natural, que seria a guerra, para entender como surgiu o governo e as leis. O soberano
é a vontade geral, é o que torna o governo legítimo. Para que haja lei é preciso a
17
renúncia dos interesses individuais. Para Rousseau a lei não pode ser resultado de uma
decisão arbitrária, a lei é sinônimo de justiça e para fazer os homens se respeitarem
elas são necessárias, afinal criam direitos e deveres.
Porém, faz uma ressalva no sentido de que todos devem ter conhecimento sobre
a matéria, que seria outra função do legislador (além da função de criar leis). Essa
criação seria feita respeitando o bem do todo, reconhecido pela vontade geral. Apesar
disso, Rousseau não previu instrumento que impedisse deturpações como a de
prevalecer a vontade individual sobre a geral e nisso fraquejou, mas sua teoria serviu
para o advento da supremacia da lei.
34. Todas as contribuições de Rousseau estão nas origens do Direito Constitucional, e
revela a tradição da supremacia do Direito. Mesmo os revolucionários do século XVIII
não romperam com essa tradição, lutavam apenas contra a concentração do poder no
monarca. Para eles a lei é a razão humana manifesta pela vontade geral em que se
encarna e expressa pelos representantes do povo.
Sendo razão a lei não deveria ser arbitrária ou injusta e jamais um instrumento a
serviço da política. E, então surge o papel da assembléia que é a representação mais
seleta da população. A concepção liberal da lei é apolítica e significa que cada um
deve cuidar de sua vida, que daí resultará o bem de todos, na verdade se deve delimitar
a esfera de liberdade de cada homem a fim de preservar os seus direitos.
Disso decorre a imutabilidade das leis, pois se é fruto da razão é sempre a mesma em
toda parte e em qualquer tempo. Além disso, as leis devem ser poucas e simples, como
princípios fundamentais ajustáveis aos interesses.
35. A tese da supremacia do Direito sobre a lei nunca foi abandonada, em todas as
épocas históricas se aceitou a existência de um Direito independente da vontade do
homem e superior a ela, determinando o justo e o injusto.
Sobre o direito inglês deve-se dizer quando uma lei do Parlamento é contra
direito comum e a razão é repugnante ou impossível de ser cumprida a Common Law
deve prevalecer. Ele é tido como um direito imemorial que predomina sobre qualquer
lei e sempre que possível a legislação deveria respeitá-lo.
Capítulo Segundo
O PROCESSO LEGISLATIVO CLÁSSICO
36. Os Revolucionários de 1789 pretendiam consagrar a supremacia do Direito, porém
o que ocorreu foi o arbítrio de homens por intermédio da lei, a primazia da legislação
sobre o Direito.
37. Com a Revolução Americana e Francesa resultaram Constituições que respeitavam
a separação de poderes. Não era uma idéia nova a de freios e contrapesos, mas era uma
receita de arte política. Na verdade o modelo já existia na Inglaterra e serviu de base
para a obra de Montesquieu, que aproveitou para sugerir a divisão de poderes como
um remédio contra o absolutismo.
18
38. Nesta separação, o Poder Legislativo incumbe ao Parlamento e para Montesquieu
deveriam existir duas câmaras, uma do povo e outra da nobreza que seria a
moderadora.
Na França o Parlamento era formado pela alta corte judiciária habilitada a
interpretar a lei, e por isso não hesitavam em usar este poder para reclamar ao rei a
revogação e modificação das leis.
O Parlamento inglês era realmente o poder legislativo, e possuía duas câmaras –
a dos Lords e a dos Comuns – que logrou aos poucos a associação com o monarca no
governo.
39. O caráter representativo da câmara popular aparece como imperativo, pois os
homens livres devem governar a si mesmos e a assembléia representa isso, são
representantes do povo discutindo os assuntos do interesse geral. E foi esse o esquema
adotado pelas constituições escritas. Surgiu o Estado federal e com ele a necessidade
de um Senado para fazer o contrapeso com a câmara.
40. A representação está ligada à separação de poderes e à organização constitucional,
portanto uma organização só pode ser compreendida se observarmos o valor da
representação.
Representação significa a relação de uma pessoa com outra ou outras na qual a
primeira se apresenta como expressão da vontade da última de forma que são uma só
pessoa. Essa definição dá lugar a duas interpretações: ou a vontade do representante é
a do representado, ou o representante é mero porta-voz do representado.
41. Essa polêmica é originária da Antiguidade, os juristas romanos já tinham a idéia de
representação para justificar o poder hegemônico. E nesse caso, se tratava de
representação-imputação.
Na Idade Média a idéia de representação toma ruma diverso e passa exprimir a
vontade dos representados, ao final deste tempo aparece com caráter de instrumento de
participação dos governados.
42. A Representação passa a ser a transposição do mandato civil para o plano político.
O representante é escolhido e deve atuar de acordo com a vontade dos representados e
estes podem destituí-lo caso não estejam satisfeitos, pois este só atua dentro dos
limites das instruções recebidas. Tem assim, um caráter grupal, e é em função de
interesses particulares (povo, nobreza e clero), através do monarca.
43. A concepção medieval de representação foi abandonada aos poucos, sendo,
portanto difícil em que foi abandonada, mas não persistiu além do século XVI. A
concepção passou a ser a de que o fim para o qual o membro do Parlamento servia era
geral e não particular, no século XVII autores ingleses explicam que o Parlamento não
é um congresso de embaixadores que representam interesses diversos e hostis, mas sim
a assembléia deliberante de uma nação, tendo em vista o interesse do país.
19
44. A representação moderna tem concepção contrária à medieval, o representante
representa a nação de forma geral e livre, e acabe se tornando irresponsável, pois o
representante não precisa prestar contas e não está sujeito à destituição.
Siéyès expõe uma primeira noção de soberania com a idéia de Nação, que é
imprecisa e significa que o Estado deve atender aos interesses permanentes de uma
comunidade. Os representantes são escolhidos pelo povo, mas o povo não os elege por
direito próprio, mas sim porque a Nação delegou. É uma concepção dos primórdios do
Constitucionalismo.
Na verdade, a vontade da Nação é a vontade de seus representantes e a
soberania nacional significa a soberania parlamentar. Para os Iluministas a Nação há
de querer tudo o que a Razão quer e assim os representantes exprimiriam sua vontade
sobre os problemas políticos. Essa doutrina da representação demonstra um
parlamentarismo cada vez menos próximo do povo.
45. No Direito Constitucional clássico a elaboração de lei cabe ao Legislativo, que é
parcialmente representativo. A lei aparece tanto na Constituição francesa quanto na
americana como ato complexo, que é o conjunto de vontades de vários órgãos para um
só fim. A dúvida que surge é se este ato seria complexo igual ou desigual.
Se for ato complexo igual resultaria da aprovação pelo Legislativo somada à
sanção pelo Executivo. Porém, se nessas Constituições atentar-se para casos em que a
lei se aperfeiçoa pela superação do veto, parece antes ato complexo desigual, ou seja, a
desigual importância das vontades que se unem para o ato.
Existe, portanto certa dubiedade, pois, enquanto a Constituição americana não
deixa hesitação designando que todos os poderes legislativos serão investidos num
Congresso dos Estados Unidos, composto de um Senado e Câmara dos Deputados, a
francesa lança incerteza ao dizer que o poder legislativo é de uma Assembléia
Nacional composta de representantes temporários, livremente eleitos pelo povo, para
ser exercido por ela com a sanção do Rei.
Assim, conclui-se que no Direito Constitucional clássico a lei é ato complexo,
que demonstra insegurança na definição de igualdade ou desigualdade.
46. A elaboração da lei obedece a um processo complexo. São três fases: a fase da
iniciativa, a fase constitutiva da lei e a última que é a da eficácia da lei.
47. A primeira fase, iniciativa, consiste em propor uma lei e apresentar o projeto.
Juridicamente esta iniciativa não deveria ser considerada uma fase, mas um ato que
desencadeia o processo. Politicamente é de alta importância, é um trabalho que
demanda pesquisa, apreciação e redação precisa, além disso, é uma fase cheia de
perigos e tentações, pois é nela em que se sentem as pressões e conflitos de interesses
particulares e comuns.
48. A fase constitutiva era um ato complexo no Direito clássico, a lei se constitui pela
aprovação da câmara legislativa mais a sanção do chefe de Estado. A aprovação da lei
pela Assembléia Nacional implica a aprovação por três vezes seguidas, obrigando o
corpo legislativo a ponderar sobre o que está sendo aprovado. Quanto à sanção, era
20
exigida, mas dispensada se reiterada a aprovação do projeto em outras legislaturas
seguidas. Davam ao veto caráter meramente suspensivo.
49. Fase integratória da eficácia da lei. Esta fase não se encontra mais propriamente
dentro do processo legislativo, já passou pela sanção ou superação do veto e já tornouse lei, porém ainda não chegou ao momento em que deve ser obedecida por todos (e
também não é o caso da "vacatio legis"). Ela compreende a promulgação e a
publicação.
A promulgação é um ato do Poder Executivo e é coincidente no tempo e no
instrumento com o ato de sanção, tendo havido autores que os confundiram. Já a
Constituição francesa de 1791 colocou uma seção sobre a promulgação das leis no
capítulo do Poder Executivo. A promulgação faz a "autenticação de que uma lei foi
regularmente elaborada, de que juridicamente existe, portanto, e de que está apta a
produzir efeitos" (pg 75).
A publicação destina-se a tornar a lei conhecida por aqueles que devem
obedecê-la. Essa comunicação deve ser eficaz, já que não se pode alegar
desconhecimento da lei. Portanto, ela condiciona a eficácia da lei, sendo que somente
depois pode ser exigida. A citada Constituição de 1791 refere-se a que a publicação
fosse "dirigida a todos os corpos administrativos e tribunais, pela leitura de seu texto e
por sua afixação em lugares públicos".
50. A questão do conteúdo da lei era ignorado pelo Direito Constitucional clássico
pois para os constituintes americanos e franceses do século XVIII, o Direito derivava
da Razão e não imaginavam que a lei não pudesse exprimir o justo, ou que pudesse
representar interesses particulares em vez dos interesses da Nação.
Desse modo, definiram procedimentos para a elaboração das leis, sem definir o
que era a matéria legal, gerando com isso que a caracterização de um ato como lei se
dava apenas pela forma de sua elaboração.
Conseqüência mais grave ainda da presunção da Racionalidade das decisões do
legislador foi eliminar o debate sobre a injustiça da lei. A identificação entre Razão e
vontade geral e desta com a vontade do órgão legislador, que é a vontade de sua
maioria, levou à presunção de que a lei seria sempre justa, porque sempre guiada pela
Razão, ficando a legitimidade reduzida à legalidade.
Também a presunção de que a vontade dos representantes é expressão da
vontade da Nação acabou eliminando a responsabilidade pessoal do legislador. Para os
efeitos de direito, sua vontade não é sua, é a da Nação, o que foi um retrocesso em
relação à democracia Ateniense e mesmo em relação aos Estados europeus
absolutistas, "quando o mandatário respondia, até com seus bens, por tudo o que
fizesse de prejudicial aos interesses de seus mandantes" (pg 77). A proclamação da
soberania das leis, ao invés de subordinar as vontades particulares, gerou efeito
contrário: deixou as leis ao sabor das paixões.
Segunda Parte
A LEI, EXPRESSÃO DA VONTADE POLÍTICA
21
51. Com o triunfo do Constitucionalismo, a lei era vista com expressão da vontade
geral, "expressão da comunhão de todos os homens na Razão" (pg. 79). Hoje, nos
regimes pluralistas é vista apenas como expressão de uma vontade política.
Essa supremacia da Razão em vista do interesse comum, como viam os
revolucionários do século XVIII, se não chegasse a uma unanimidade, pelo menos
tenderia a ela. Para os constituintes do século XX, a tendência é a de que os homens se
dividam em grupos hostis ou pelo menos divergentes. Assim, cada grupo que chegasse
ao poder (pela via eleitoral), trataria de impor sua política (itálico do autor).
Com isso, a lei sai do pedestal, "perde a solenidade e o respeito", deixando de
ser a vontade de todos e passando a ser apenas a expressão da vontade de uma maioria
volúvel. Ao invés de ser uma limitação do poder, torna-se um instrumento de poder.
É essa mudança o que interessa nesta segunda parte. De início, as causas dessa
transformação, a seguir, as conseqüências e as repercussões, em especial sobre o poder
e o processo legislativo, e, enfim, sua repercussão no direito brasileiro.
CAPÍTULO PRIMEIRO
SUPREMACIA DA LEI, SUPREMACIA DAS MAIORIAS
52. A supremacia da lei deveria ser a supremacia da Razão contra o arbítrio dos
governantes. Deveria ser a expressão da vontade geral, que nunca erra, por ser a razão
humana despida dos interesses que a descaminham, e jamais, o predomínio de
qualquer vontade particular.
O Constitucionalismo se fiava em dois mecanismos para superar o arbítrio dos
governantes. O primeiro era a representação, identificação da vontade dos órgãos
governamentais com a da Nação. O segundo era um equilíbrio de forças,
proporcionado pela separação dos poderes. Para o autor, estava assim combinado o
racionalismo otimista dos que pregavam a hegemonia da Razão com o realismo
pessimista dos que achavam que o poder só podia ser limitado por outro poder.
A prática desmentiu os dois lados, e pode-se ver isso claramente no que se
refere à lei.
53. A lei deveria ser a expressão da vontade geral, a qual cabe à Nação, pelos
órgãos que a representam, e que, sobretudo no caso do Legislativo, compõem-se de
representantes da Nação, "a cujos interesses exclusivamente devem servir, mas esses
mandatários são eleitos pelo povo" (pg. 81). Na verdade, a lei é expressão de uma
vontade parlamentar, que é a vontade de uma maioria, que por sua vez, é a expressão
de outra maioria, a maioria eleitoral. Cumpre recordar que essa maioria eleitoral é uma
minoria em relação ao povo, especialmente à época pós-revolucionária, tantas eram as
restrições ao direito de votar. Se a vontade do povo está relacionada com a vontade da
maioria eleitoral, e esta está relacionada com a vontade da maioria parlamentar, não
decorre que haja identificação da vontade do povo com a vontade parlamentar. Ao
mesmo tempo que não há como rebater a objeção de Rousseau sobre a representação, é
impossível pensar em participação do povo em um Estado contemporâneo sem que
hajam representantes.
22
54. A questão da representação é, portanto, crucial, especialmente porque "é ponto
de união e de passagem entre política e direito" (pg. 82).
Já foi visto que para a teoria clássica o representante é um mandatário da
Nação. Ao atender aos ditames da Razão ele consegue descobrir com segurança a
vontade do povo, a qual deverá exprimir. Esse mandatário não pode ser confundido
com o povo, embora tenha sido eleito por ele, ou pela parte do povo que tenha sido
capacitado pela Nação para escolher seus representantes. A eleição estabelece um
vínculo de natureza não-jurídica entre o eleitor e o eleito.
Embora da maneira como foi estruturado, o sistema negue a responsabilidade
do eleito perante o eleitor, aquele não pode ignorar completamente a vontade de seus
eleitores, ainda que não tenha que prestar contas do que fez ou deixou de fazer, e nem
esteja juridicamente obrigado à expressar a vontade deste. Na realidade o que faz o
eleito levar em conta a opinião do eleitor é a pretensão de ser reeleito. A eleição,
portanto, gera influência para o eleitorado, o que pode ser considerado um avanço na
realização da democracia.
Se por um lado rompe com o esquema ao dar alguma palavra aos incapazes, por
outro lado essa influência não chega a ser determinante. O representante pode, ou
corajosamente afrontá-la, segundo sua consciência, ou pode contrariá-la, deixando-se
corromper em troca de vantagens pessoais. Mas essa influência é real e é necessário
ser aferida para entendermos a significação prática da representação.
Assim, a representação, que deveria servir à Razão, pode arrastar-se ao sabor das
maiorias e das preocupações imediatistas, em detrimento do bem comum.
55. Passou-se quase um século até que se tomasse conhecimento dessa deturpação.
Conforme iam triunfando as revoluções liberais, impunha-se o regime constitucional
pluralista e, numa primeira fase, o sufrágio censitário. Este expressava o domínio da
burguesia, mais numerosa que a nobreza não-arruinada e excluía o voto da massa.
Disso resultava a pequena repercussão das eleições na política governamental. Podia
haver mudança de pessoas, porém entre os que disputavam as eleições e os que
podiam votar havia comunhão de interesses. Não havia necessidade de grandes
campanhas, e os partidos eram denominados pela Ciência Política moderna de partidos
de elite, com estrutura frouxa, disciplina relaxada, programa vago e com pequeno
número de filiados que pertencem às elites econômica, financeira e cultural.
Essa identificação da burguesia com a Nação, propiciada pelo sufrágio
censitário era considerada legítima. As assembléias comportavam-se como grupos
primários (conforme a visão da Sociologia moderna, os grupos primários são
caracterizados por "solidariedade mecânica entre seus membros" e "cujos
comportamentos coletivos se formaram sob a influência do mesmo meio social",
advindo daí que "a opinião é um acordo que se impõe quase instintivamente à quase
totalidade do grupo" (nota de página da pg. 84)).
Dada a comunhão de idéias existente, o sufrágio censitário permitia que a
representação funcionasse conforme o modelo clássico. Poder-se-ia dizer que a
vontade dos representantes é a vontade da Nação, pois tal é aceito como tal pelos que
têm voz na política. Isso foi facilitado pela falta de demandas do eleitorado ao Estado.
O eleitorado, que é a burguesia, não pede ações positivas ao Estado, pede apenas que
23
este não se imiscua na vida econômica, principalmente, e social; em suma, pede
apenas liberdade e paz.
56. Com o sufrágio universal esse modelo de representação entra em crise.
Foram setores da própria burguesia que, contrários a seus interesses,
reivindicaram, difundiram e por fim conquistaram o sufrágio universal, baseados nos
princípios "santificados de liberdade e igualdade" (pg. 85). As classes trabalhadoras
lutavam por medidas concretas de proteção e não acreditavam na força do voto, mas
da revolução, para mudar a sua sorte.
O sufrágio universal levaria ao fim do Estado liberal. Sua primeira
conseqüência é deslocar o poder político da burguesia para a classe trabalhadora, que é
a maior parte do eleitorado. Enquanto o poder econômico continua nas mãos da
burguesia, o poder político desloca-se para o operariado, ou melhor dizendo, para os
que os representam, verdadeira ou fingidamente, gerando um foco permanente de
tensão. Essa tensão tende a acentuar-se porque, ao contrário da falta de demandas da
burguesia, a classe trabalhadora está insatisfeita com seu padrão de vida e tem muitas
reivindicações positivas, não lhe sendo suficiente a liberdade e a segurança. Essas
pretensões propiciam o cerceamento da liberdade de empresa, viga-mestra do
liberalismo.
O conflito de interesses instaura-se no Parlamento. Os representantes estão divididos,
como reflexo do eleitorado dividido. E o eleitor não presume mais que o representante
agirá por ele. O eleito passa a estar subordinado ao eleitor (embora não juridicamente)
por meio do partido de massa. Tal partido é fruto do sufrágio universal, "do direito de
voto concedido a indivíduos despreparados para exercê-lo por si sós" (pg. 86) e precisa
ter hierarquia e disciplina fortes, para tentar inscrever os eleitores em seus quadros a
fim de doutriná-los, de cobrar-lhes contribuições, mobilizá-los. Diz o autor, que a
disciplina do eleitor gera a do eleito, pois se aquele vota no partido e não em pessoas
(sobre isso ver mais abaixo, quando ele vai distinguir a situação da Europa da do
Brasil), os eleitos dependem do partido se quiserem tentar a reeleição.
57. Ao fazer surgir partidos hierarquizados e disciplinados, o sufrágio universal
destruiu aquele esquema de representação da Nação, ou melhor dizendo, se deixou
intacta a estrutura jurídica, destruiu a essência do seu ser (seu substrato social e
ideológico, tornou-se um "corpo sem alma") .
A representação tal como consagrada nas Constituições liberais não exprimia
mais convenientemente a vontade dos grupos. Vários autores notaram essa contradição
entre a representação da Nação e a representação dos partidos, como George
Washington e Rousseau. Segundo Vittorio Emmanuele Orlando, citado por Ferreira
Filho, a natureza da representação que está consagrada nas Constituições liberais (até a
Primeira Guerra Mundial), não tem nada a ver com um mandato entre representante e
eleitor. O eleito recebe, com a eleição, "o poder de querer pela Nação", ou de
participar da formação e expressão dessa vontade.
O choque de vontades não resulta numa vontade comum, mas faz prevalecer a
vontade de um grupo, eventualmente majoritário. Dessa forma, "de um regime
estruturado para que da discussão nasça a luz, decorre não raro, a vitória da força, não
24
menos bruta por exprimir pela língua o que seria se se manifestasse pelos músculos"
(pg. 88).
Se, logicamente falando, a possibilidade de opressão da minoria pela maioria é
anterior à existência dos partidos de massa, porque é inerente a toda deliberação por
voto majoritário, historicamente falando, só em parte o é. Embora existam exemplos
na democracia ateniense de tal opressão, na nossa era ela não apareceu somente antes
do surgimento desses partidos, como surgiu através deles.
Embora para alguns autores os partidos de massa possam trazer muitos males,
para outros são imprescindíveis. Essa situação é predominante na Europa; no Brasil
considera-se que os partidos jamais passaram da estrutura de partidos de elite apesar
da tentativa frustrada de enquadramento da massa. Para Duverger "é impossível
organizar uma democracia sem recorrer à eles"; para Burdeau, são necessários porque
"a opinião não se forma a não ser estimulada pela propaganda dos partidos..."
Essa maneira de ver fez com que os partidos fossem reconhecidos
primeiramente na legislação, a seguir nas Constituições e depois em vários Estados.
Em relação aos Brasil, a Constituição de 1946 cita a pluralidade de partidos como
inerente à democracia [ ... ]. A de 1967, "sem mudar de filosofia, que repete", esboçou
estatuto, com direitos e obrigações. Idem a de 1988.
O reconhecimento dos partidos chegou ao ponto de dar-lhes o monopólio das
candidaturas, o direito às cadeiras nas assembléias e a participação nas comissões
parlamentares. Para a representação proporcional, sistema eleitoral que num certo
momento vigorou em todo o mundo democrático, é fundamental o monopólio das
candidaturas. Também o é na legislação eleitoral brasileira. Daí advém que a escolha
de representantes está condicionada por intermediários. O eleitor vota em candidatos
que foram escolhidos por grupos normalmente oligárquicos, tornando sua liberdade de
escolha bem limitada, para dizer o mínimo. A tomada de consciência dessa limitação
gerou remédios, "que podem ser analgésicos, mas não são curativos" (pg. 90). O autor
cita as primárias das eleições norte-americanas como exemplo de tentativa (frustrada)
de dar ao eleitorado também a escolha dos candidatos. Outras tentativas de
"quebrarem" essas oligarquias pela lei também não têm dado certo.
A participação proporcional dos partidos na comissões das assembléias
também inicialmente surgiu na legislação para depois ser contemplada nas
Constituições, como no Brasil. Tal direito tem pouca expressão se comparado ao
anterior, porém tem sua importância ao transformar os partidos em elementos de
estruturação das câmaras.
O mais importante de todos, o direito às cadeiras tem encontrado mais
resistência e portanto maior dificuldade de ser encampado pela legislação. Consiste no
direito do partido conservar na câmara todas as cadeiras que sua legenda elegeu,
"excluindo, e substituindo por elemento fiel, o deputado que infringiu a disciplina, ou
a linha do partido.
Houve uma Lei eleitoral tcheca em 1920 (inspirada por Kelsen) que dava
poderes ao Tribunal Eleitoral de cassar o mandato do deputado que "por motivos fúteis
ou desonrosos, deixou de pertencer ao partido, por cuja lista havia sido eleito".
Embora houvessem tentativas, não se seguiu mais nenhuma lei, à exemplo da
Constituição da França de 1945 que teve rejeitado em referendum proposta idêntica;
no Brasil, chegou a fazer parte de anteprojeto que foi depois rejeitado. A Emenda
25
Constitucional nº 1, de 1969 instituiu a fidelidade partidária, alterada em 1978. A nova
Constituição não a prevê.
A resistência à fidelidade partidária não se fundamenta em respeito à princípios
tradicionais, mas no apego dos parlamentares "à sua própria conveniência". Tal
medida impediria que os eleitores de uma corrente não se tornassem sub-representados
porque alguns de seus representados mudaram de lado.
A importância dessa tendência está em transformar a representação política. Ela
volta a ser uma representação de vontades preexistentes, porém condensadas em
"organizações destinadas à conquista do poder para a realização de uma política".
Também fica implícita a desilusão com a impossibilidade de conciliar os homens em
torno de um bem comum.
58. Essa cristalização das maiorias eleitorais seria compreensível se os seus programas
verdadeiramente exprimissem um projeto coerente de medidas ajustadas a uma
conjuntura, de modo que do confronto de todos os programas resultasse uma escolha
consciente do eleitorado sobre o destino da Nação.
Não é isso, porém, o que se dá. Os programas partidários são, abstratos e vagos,
muito se parecem entre si. Esses programas se destinam a conquista da maioria de
votos numa sociedade complexa. Por isso os programas tem de ser “amplos e
suficientemente indefinidos para acomodar todos os interesses por abertamente
favorecer a outros”.
O grupo a ser representado é o grupo da localidade. Essa representação é
meramente territorial, levando em conta apenas elementos materiais, como número de
habitantes, área geográfica etc.
Disputando votos em grupos secundários onde os membros não sentem os
mesmos problemas, os partidos são forçados a centrar a propaganda em generalidades,
para tentar seduzir o maior número, sem ferir, se possível, a ninguém. No Welfare
State, não existe questão concreta, esses problemas são omitidos, ou tratados em
termos vagos que a todos seduzam, sem dizer nada sobre os passos concretos que
haverão de ser dados se o partido triunfar e se tornar governo.
Segundo Lambert, é preciso que as decisões políticas sejam tomadas fora da
opinião pública. O debate se acentua sobre questões teóricas que não significam um
programa aplicável de governo. Aplaude-se o candidato que promete acabar com a
carestia, mas não sabe, nem ele, como fazer para reduzir os preços.
É baldado esperar que as coisas possam ser diferentes nas sociedades
industriais, que são grupos secundários. Nestes, a luta política tem de pôr em primeiro
plano os problemas gerais, que de algum modo tocam a todos, ou seja, “as ideologias e
as questões de princípio”, porque sobre estas “é mais fácil oferecer às opiniões uma
opção”, da qual resulte uma maioria e uma minoria.
59. Por outro lado, a incapacidade de a representação oficial exprimir os interesses dos
indivíduos e dos grupos relativamente aos problemas concretos sobre os queis o
governo diariamente toma decisões que afetam a vida de todos, gerou uma outra, não
oficial mas atuante, a dos grupos de pressão.
No Estado-Providência, não há quem não seja tocado pelas múltiplas decisões
que o governo toma a cada momento, em matéria econômica, em matéria cultural. É
26
natural que todos se preocupem com essas decisões e busquem influenciá-las, em
defesa do que lhes concerne mais de perto.
Essa preocupação seria excessiva, pois o governo que vai tomar essas decisões
foi eleito pelo povo; é portanto representativo. Em realidade, porém, esse governo foi
escolhido em função de uma opção ideológica, que pouco ou nada tem a ver com os
problemas concretos sobre os quais devem ser tomadas decisões.
Esse fenômeno é mais claro ainda em relação aos parlamentares. Estes, embora
em princípio representem a Nação inteira, são considerados, na prática, representantes
da circunscrição que os elegeu, devendo zelar pelos interesses dos habitantes desta.
O parlamentar escolhido por sua linha ideológica não o seria se a opção
houvesse sido feita em função dos interesses econômicos da região, não seria se a
eleição houvesse levado em conta principalmente os problemas culturais ou religiosos
da população.
Ocorre, portanto, que em regra o eleitor, mesmo pertencente à maioria eleitoral,
embora se sinta representado ideologicamente pelo eleito, raramente recorre a ele para
defender os seus interesses de produtor, ou de consumidor, de católico ou de
agnóstico.
O interesse, contudo, é algo a que se apega o homem, por isso ninguém suporta
vê-lo tratado por pessoas alheias ao seu sentir, quando sabe que pode influir nas
decisões. Em vista disse, se une a outros que compartilhem desses mesmos interesses e
preocupações, para constituir grupos ou associações destinadas a influenciar as opções
políticas, a pressionar o governo. Ou, então, são grupos organizados para a realização
de fins determinados, mesmo apolíticos, que, em face da interferência estatal, são
levados a agir sobre órgãos governamentais, para salvaguardar os bens que objetivam.
A pressão política manifesta a incapacidade dos partidos paras exprimir
conveniente e coerentemente certos interesses humanos. Os grupos de pressão,
portanto, por corresponderem a uma necessidade legítima, a de defender interesses não
defendidos pela representação oficial, não podem ser eliminados, a menos que se
consiga suprimir no homem a diversidade de inclinações.
Desse modo, ao lado da representação prevista nas Constituições, age uma
representação não-oficial. Estabelece-se então uma situação paradoxal: o povo a
pressionar a representação do povo...
Os grupos de pressão são, nas sociedades complexas, a tentativa menos
artificial de transpor nessas sociedades os processos de democracia direta, inerentes às
comunidades. Essa pressão é aceita hoje como normal em toda parte. É uma regra
constitucional não escrita de todos os estados constitucionais democráticos serem os
grupos de interesse consultados pelo governo sobre a legislação bem como serem
ouvidos, quando lhes parece necessário.
Eles trazem o conhecimento especializado para o processo legislativo, pois nem
mesmo uma burocracia ministerial onisciente pode possuir o conhecimento técnico
requerido pela tarefa complexa de regular a vida de uma sociedade tecnológica. De
fato essa clandestinidade facilita o emprego de meios condenáveis para a obtenção de
vantagens muitas vezes desproporcionadas. Ora, a força de pressão de um grupo não é
proporcional à sua importância para o todo.
27
60. A verificação da existência de uma duplicidade de representação nos Estados
ocidentais põe a nu um problema gravíssimo. Um dos problemas cruciais que desafiam
os Estados na metade do século vinte é o de superar o pluralismo sem entraves de
nossa era, integrando os grupos partidos quanto grupos de interesse, no processo
político, através de disposições legais efetivas e socialmente exigíveis.
Esse desafio tem sido ignorado pela maioria dos Estados. Contentam-se estes ou
em fazer de conta que não existem grupos de pressão, coisa cada vez mais difícil, ou
em reconhecê-los tácita e extra-oficialmente.
Um passo adiante foi dado pelos Estados Unidos, que ousaram reconhecer
oficialmente a existência e as funções dos grupos de pressão para poderem
regulamentar a sua atividade. Essa lei se preocupa em regulamentar o lobbying, isto é,
a ação dos agentes dos grupos de pressão que atuam junto aos parlamentos para a
defesa de determinados interesses.
A legislação americana, portanto, se contenta em obrigar os lobbysts a agirem
ás claras, certa de que a publicidade é o melhor obstáculo a seus abusos, o melhor freio
à corrupção. Todavia, deixa em aberto várias brechas, ou seja, não atinge os que atuam
junto à administração, forma de pressão freqüente, bem como os que atuam
indiretamente sobre o Congresso, mediante a manipulação da opinião pública.
Isso deriva da dificuldade de traçar a linha separatória entre a pressão política e
a expressão do pensamento, liberdade constitucionalmente definida, em inúmeros
casos. Os esforços legislativos para controlar o lobbing pelo registro e pela publicidade
têm sido inteiramente inefetivos, em parte porque a prática é aceita pelo público como
inerente à democracia americana.
61. É forçoso admitir, tentativas mais ousadas já se fizeram, para integrar na
organização constitucional a representação de interesses. Uma dessas experiências
consiste em conceder na câmara alguns lugares a representantes de categorias
profissionais, especialmente.
Talvez a primeira tentativa nesse sentido seja a encontrada no Ato
Constitucional à Constituição do Império, promulgado por Napoleão, durante os cem
dias, e redigido por Constant.
Mais de cem anos depois, no entre-duas-guerras, várias Constituições, como a
romena de 1923, a húngara de 1926, previram a participação dos grupos econômicos
nas segundas câmaras. Outro exemplo é a Constituição brasileira de 1934 que
estabelecia que a Câmara dos Deputados se comporia de representantes do povo e de
representantes de organizações profissionais.
Estes últimos seriam eleitos na forma da lei ordinária por sufrágio indireto das
associações profissionais e grupos afins para isso distribuídos por quatro divisões:
lavoura pecuária; indústria; comércio e transportes; profissões liberais e funcionários
públicos; nas três primeiras, separados, a seu turno, dois círculos, o dos empregados e
o dos empregadores (art. 23 e seus parágrafos).
Essa experiência não trouxe nenhum resultado apreciável. Os deputados
profissionais perderam-se no todo, passando quase despercebida sua existência. Não
puderam trazer nenhuma contribuição técnica, porque a exigüidade de seu número não
o permitia. E, em face dos problemas políticos, tomaram posição antes como membros
de partido do que como representantes de grupos sociais vivos.
28
62. Experiência mais ousada ainda foi a da criação de verdadeiras câmaras
representativas das categorias sociais, especialmente econômicas, com poderes maiôs
ou menos extensos, levada a efeito por Constituições como a de Weimar, a portuguesa
de 1933 etc.
A Constituição alemã de 11 de agosto de 1919, no seu artigo 165, criou um
Conselho Econômico. Este se destinava a regular a atividade industrial, a política
social e financeira. Tinha um papel constitutivo em matéria legislativa, já que o
governo devia ouvir seu parecer sobre as leis em discussão e transmitir ao Parlamento
a sua manifestação. Todavia, gozava de poder regulamentar, visto que a ele é que
cabia regulamentar as leis de matéria econômica e trabalhista.
A Constituição portuguesa de 1933, no seu art. 102, previa uma Câmara
corporativa, destinada à representação das autarquias locais e dos interesses sociais,
distribuídos estes por quatro categorias – administrativa, moral, intelectual e
econômica. Sua função era consultiva, não lhe competindo mais que dar parecer sobre
projetos de lei, convenções ou tratados internacionais em debate perante a Assembléia
Nacional, podendo, em relação aos primeiros, oferecer substitutivos que, todavia, para
serem objeto de discussão naquela câmara, deveriam ser adotados ou pelo governo ou
por qualquer deputado.
Assim, a Câmara corporativa portuguesa, apesar do nome, estava em posição de
inferioridade relativamente ao Conselho alemão, por serem manifestantemente mais
vastos os poderes a este conferidos. De fato, não pode amesquinhar-se a importância
do poder regulamentar com que este contava.
63. Uma preocupação paralela à de dar representação aos interesses no Parlamento
inspirou a Constituição iugoslava de 1953, não mais vigente, que representa uma
contribuição valiosa e digna de estudo. Essa Constituição, embora de bases marxistas,
rompia numa larga medida com o modelo soviético e adotava instituições que longe
estavam de contar com o beneplácito dos comunistas ortodoxos de Moscou, para não
se dizer dos de Pequim.
O punctum pruriens dessa Constituição estava na organização que imprimia ao
Parlamento a Assembléia popular. Esta era bicameral. Compunham-na o Conselho
Federal, câmara onde se reuniam deputados eleitos diretamente pela população (um
para cada sessenta mil habitantes) e representantes dos Estados-Membros da
Federação iugoslava, eleitos pelas assembléias dos mesmos que podiam reunir-se em
certos casos à parte, e o Conselho dos Produtores, que se destinava a representar a
população produtiva, cujos membros eram eleitos em número proporcional à
contribuição dos grupos industriais, agrícolas e artesanais, para o produto nacional.
O Conselho dos Produtores não tinha, é certo, as mesmas competências que o
Conselho Federal. Em matéria legislativa, não votava ele as leis de caráter nãoeconômico. Isso era entretanto compensado pela posição suprema que ocupava em
relação a toda a matéria econômica. Neste campo era ele o órgão supremo do país...
Era esse Conselho, contudo, integrante, de pleno direito, do parlamento
iugoslavo, e nisso está o ponto a ser ressaltado. Não se reduzia a órgão auxiliar, de
caráter consultivo, como sucedia nos textos anteriormente mencionados. Por outro
lado, não excluía uma representação política em bases tradicionais pela outra câmara.
29
Objetivando estabelecer uma representação econômica apenas é indubitável
que, ao menos em parte, essa instituição responde à necessidade de prever uma
representação de interesses. Serve assim para canalizar, ainda que parcialmente, as
exigências que, nos países fiéis as Parlamento representativo clássico, impelem os
grupos à pressão política, incontrolada e clandestina.
64. A experiência fascista deve ser anotada entre as tentativas de estruturar a
representação em função dos interesses espontaneamente cristalizados pelos homens
nos grupos sociais. Tem, por isso, ligação com o corporativismo de inspiração católica,
expresso por exemplo, na obra de um Vasquez de Mella. Deste, entretanto, se separa o
fascismo por seu totalitarismo, já que, reconhecendo embora a multiplicidade de
interesses e, portanto, dos grupos em que se enquadram os homens, a doutrina política
fascista pretende sua incorporação ao Estado, sua sujeição ao poder público, do qual
tudo há de depender, enquanto o corporativismo não-fascista sublinha a autonomia dos
grupos sociais, mesmo, e sobretudo, em relação ao Estado.
A idéia central do fascismo em matéria de representação é no fundo a velha
idéia corporativa. Ou seja, a rejeição do indivíduo como base da sociedade, e, portanto
do poder. O homem isolado é uma exceção. O homem é um ser social, vive e age em
contacto, em interação, dir-se-ia na linguagem da Sociologia, com outros homens. Em
sua vida e obra, ele aparece, destarte, integrado em grupos orientados para interesses
comuns, sejam morais e religiosos, sejam materiais. Por isso, a representação da
sociedade, para ser verdadeira representação, deve ser não uma representação de
indivíduos mas uma representação de grupos.
Conseqüência danosa da experiência fascista foi o comprometimento do
corporativismo em geral, que, em realidade, nunca foi praticado no Estado
contemporâneo.
65. Na história já houve diversas tentativas para se aplicar o apresentado acima. Essas
tentativas incluir na organização estatal uma representação de interesses ou mesmo de
coibir os abusos de sua representação pelos grupos de pressão até hoje ainda não
alcançou sucesso.
Sugeri o autor que a solução pura, para os que pregam a reforma de todo o
sistema representativo é a instalação de câmaras exclusivamente corporativas para o
exercício do Poder Legislativo mas a mesma apresenta defeitos, hoje ao menos
evidentes.
Em toda e qualquer deliberação, num órgão constituído por grupos, sobre
qualquer assunto, haverá sempre uma maioria de leigos e uma minoria de técnicos.
Mesmo assim a decisão será tomada por desentendidos, da mesma forma que é nos
Parlamentos não- corporativos.
66. Portanto uma solução pura é inviável, sendo a mista a que melhor se encaixa.
Modificar o Parlamento clássico com a inclusão de representantes de interesses, como
foi tentado por nós com a Constituição de 1934, é uma tentativa que não escapa aos
inconvenientes da solução pura e que acrescenta àqueles outros novos.
De fato, o estabelecimento de um Parlamento misto supõe resolvido o problema
das categorias em que irão enquadrar-se os grupos. Mas os Parlamentos mistos é que
30
eles não servem para sequer eliminar a ação clandestina e corruptora dos grupos de
pressão.
Em realidade, se os Parlamentos mistos satisfizessem a necessidade de dar aos
interesses um meio legítimo de se exprimirem, os grupos de pressão deveriam
desaparecer, ou pelo menos ter atenuada a sua atividade.
67. No Estado moderno o princípio representativo serve para a constituição dos
próprios órgãos de decisão. Subsiste o problema de estabelecer a autenticidade da
representação dentro de u sistema que garanta o prevalecimento do bem comum.
Sendo assim a representação de interesses tal qual foi praticada, ou tentada, não
é solução satisfatória, pois nem dá autenticidade à representação, nem é eficaz para a
constituição de órgãos de decisão voltados para o interesse geral, nem elimina o que há
de prejudicial na ação dos partidos.
68. O poder do Estado para que não se torne abusivo, tem de ser
dividido
e
distribuído de tal sorte que a independência recíproca e especialização numa das
funções básicas dos que contam com frações de soberania, impeça que qualquer um
possa oprimir a quem quer que seja. Dessa forma o poder se divide em poderes que
são, em última análise, órgãos independentes e relativamente especializados do
Estado. Exprime assim uma visão da estrutura social que vivifica o esquema jurídico
da divisão de funções.
69. Muitos foram os autores que escreveram sobre a idéia de que a estabilidade
política depende de um equilíbrio de forças sociais, especificamente povo, nobreza e
monarca, mediante um arranjo institucional que dê a cada uma delas um meio de
expressão e de participação no governo. Ou seja, nenhuma forma de governo pura é
eficiente. Na prática seria a melhor forma mista.
70. A organização do Estado consiste em sua essência, na distinção de três funções – a
de legislar, a de administrar e a de julgar – e a divisão do poder estatal em três
organismos, cada em deles especializado numa dessas funções e separado
(independente) dos demais. Mas essa independência não exclui que os poderes, no
desempenho harmônico de sua funções específicas, colaborem entre si relativamente
ao exercício de uma delas, bem como não impede que elas, secundariamente,
pratiquem certos atos que em teoria não pertenceriam à sua esfera de competência.
71. À “separação de poderes” é intrínseca a supremacia do Poder Legislativo. Ainda
que não fosse expressa, tal supremacia se desenha na própria definição das funções
que servem para estruturação dos poderes, ao menos na sua versão popularizada. Nesta
na verdade o primeiro pode e é o que faz a lei, enquanto que os outros dois a aplicam.
O Judiciário julga aplicando contenciosamente a lei a casos particulares e o Executivo
executa a lei, ou, pelo menos acompanha essa execução. Pode-se concluir portanto
uma subordinação dos demais poderes ao Legislativo, pois com suas decisões dirige a
atuação dos outros.
31
72. Na medida em que o Estado se envolvia no domínio econômico e no domínio
social, para proteger os economicamente fracos, os Parlamentos se viram cada vez
mais impossibilitados de desempenhar as tarefas que dele eram esperadas. Por
exemplo à fixação pelo Estado de condições de trabalho, o que era para o liberal uma
interferência indevida na livre aposta das leis econômicas naturais e um desrespeito à
liberdade de contratar, portanto uma ofensa à liberdade de humana, num de seus
aspectos capitais, o de prender cada um os preceito a que deve obediência.
73. A paralisia dos Parlamentos levou-os a paulatinamente abdicarem de suas
hegemonias e de suas superioridade. Incapazes de fazer o imprescindível, tal como
medidas impopulares, as câmaras dão plenos poderes ao Executivo, para que faça o
que tem que ser feito, inclusive modificando as leis do país, por decreto. Daí decorre a
decadência do Parlamento e o engrandecimento do Executivo, o que se mostra
ostensivamente nalgumas Constituições, após a Segunda Guerra Mundial, onde o
antigo Executivo passou a ser visto como poder governamental. É o caso das
Constituições da Itália e da França, e da Lei Fundamental da República Federativa da
Alemanha.
Assim, a missão econômico-social do Estado-Providência passou toda para as
mãos do Executivo tradicional, o governo, na linguagem das novas Constituições.
Além disso, deve-se também considerar a valorização atual de algumas de suas tarefas
tradicionais, tal como a diplomacia e a defesa, pois, no quadro contemporâneo, cada
Estado, para sobreviver, tem de estar mais do que nunca atento às relações com os
demais Estados, seja pacificas, pela diplomacia ou não-pacíficas, pela defesa armada.
74. Justifica-se também tal situação o fato de que o Executivo passou a ter origem
popular, formado que era pela maioria parlamentar. Como frisa Pontes de Miranda:
“Até o nosso tempo, o Parlamento opunha-se ao Príncipe. Toda conveniência havia
em precisas separações de poderes, que tirassem ou impedissem ao Príncipe a função
de legislar. Com a democracia, o fundo popular dos dois poderes é o mesmo. Se há
conveniência em redividir o campo de atividade, a democracia não esta em causa”.
A própria máquina partidária conduz à preponderância do Executivo, já que
neste vai instalar-se o núcleo dirigente do grupo vencedor das eleições. No caso do
bipartidarismo resulta verdadeira concentração de poder no Executivo que, sendo a
cabeça do partido majoritário, controla o Legislativo, estabelecendo-se nítida
subordinação deste ao Executivo. Assim, como diz Duverger, “o executivo é o centro
do poder real nos Estados modernos”.
Tal liderança é acentuada pela presença do chefe do governo junto a seus
governantes, através dos meios de comunicação, provocando uma atmosfera de
simpatia em redor de si, o que busca personalizar o poder e contribui para o
aparecimento de líderes carismáticos, capazes de magnetizar as massas, pondo-as a
serviço de sua megalomania, sejam os regimes de ditadura constitucionalistas
pluralistas.
75. A principal manifestação da preponderância do Executivo no Estado
contemporâneo está na sua crescente interferência no processo legislativo e até no seu
estabelecimento como outro Poder Legislativo. Assim, pergunta-se: Qual o caráter da
32
lei no regime constitucionalista pluralista contemporâneo? A lei se torna instável e
flutuante ao sabor das paixões e dos grupos predominantes. Não é mais a regra que
dura e que impõe respeito. É norma passageira, apoiada numa fração, criada pela
contingência de uma vitória eleitoral, desprezada, hostilizada pelas facções vencidas,
prontas a revogá-la, se triunfantes no próximo pleito. A lei deixa de ser, por isso,
geral, abstrata e permanente.
Deste modo, sendo um processo de governo, que gere um mundo em rápida
transformação, com novos atores a cada eleição, multiplica-se o número de leis, cada
vez mais com menor importância, o que gera a desvalorização da lei. Essa
desvalorização observa-se até na forma como é tratada pelos juizes.
76. Em vista disso, não falta que proponha a substituição da supremacia da lei pela
“supremacia do fim”. Tal princípio consiste em afirmar que os objetivos políticos têm
que prevalecer em toda e qualquer situação, donde os tribunais podem e devem decidir
contra a lei, se for necessário, para prevalecerem os objetivos políticos.
É claro que a “supremacia dos fins” implica a rejeição do regime constitucional
pluralista e da filosofia que o inspira. Conduz a destruir a segurança individual e,
consequentemente, a liberdade, que é o valor fundamental da organização política
democrática.
Portanto, a supremacia da lei, como exigência da segurança, e, como tal, imperativo da
liberdade, é inerente ao regime, a que nossa civilização se apega. Na verdade, só o
pleno restabelecimento da supremacia da lei, mas da lei orientada para a justiça, é que
pode salvar essa civilização.
Capítulo Segundo
O PROCESSO LEGISLATIVO CONTEMPORÂNEO
77. O processo legislativo permanece hoje, em linhas gerais, o que era o processo
clássico. No entanto, várias modificações foram introduzidas para aperfeiçoar seu
funcionamento e acelerar a aprovação das leis.
Importante observar, no entanto, que o Legislativo hoje sujeita-se à liderança do
poder governamental, restringindo-se à seu controle e fiscalização, a medida que o
Executivo aparece como a mola mestra que impulsiona o trabalho parlamentar e até,
muitas vezes, como o próprio legislador. Essa tendência recoloca os Parlamentos em
posição semelhantes à que ocupavam ao surgirem, na Idade Média, a medida que,
conforme assinala Orlando de Carvalho, os parlamentos se iniciaram como organismos
exteriores ao Estado, para aprovar ou rejeitas as propostas dos reis.
78. Universalmente sente-se a necessidade de reformas na estrutura dos Parlamentos e
no processo de legislar, sob pena de se aniquilar sua combalida influência nos
negócios públicos.
O ponto capital é responder como pode um grupo de não-especialistas,
representantes do eleitorado, realmente funcionar numa época tecnológica e
33
especializada. Esta necessidade de conhecimento especializado, devia ser atendida
pelo sistema de comissões permanentes, nas quais cada parlamentar se especializaria, e
donde sairiam os pareceres técnicos para apoio dos demais parlamentares. Este
processo, no entanto, exige que o parlamentar pertença a uma ou duas comissões e
nelas permaneça tempo suficiente para se especializar, o que não se viabilizou, em
decorrência da multiplicação de tais comissões.
Assim, o parlamentar fica à mercê de obter informações de outrem, as quais não
são prestadas desinteressada e objetivamente, ao contrário, os grupos de interesse
disponibilizam as justificativas para suas teses e omitem ou desfiguram as que os
contariam.
79. Nos Estados Unidos, para driblar o dano de tal situação, foram organizadas
assessorias de alto nível, que amparassem os parlamentares com informações
suficientes e honestas. Tal iniciativa, no entanto, vingou antes no plano estadual do
que no federal. Foi ao final da Segunda Guerra Mundial que, após séria reforma do
congresso, adveio a criação de um Serviço de Informação Legislativa para todo o
Congresso, o que autorizou a contratação de especialistas de alta categoria nos
diversos assuntos técnicos a serem tratados nas sessões legislativas.
A influência de tais especialistas é grande, e pode não ser benéfica, se os
mesmos forem além de suas tarefas. Nos EUA, porém, procura-se evitar tal situação, a
partir de quatro princípios: i) nenhuma opinião é emitida sem prévia solicitação; ii) o
nível de informação deve ser tal que nem Executivo e nem qualquer organização possa
contar com membros; iii) O serviço deve ser crítico frente às informações do
Executivo e considerar as contribuições das entidades interessadas, e iv) nas questões
controversas as recomendações devem ser imparciais.
80. Tal experiência tem sido apreciada interna e externamente, bem como imitada,
como é o caso da Dieta japonesa que nessa se inspirou.
Por outro lado, a elaboração e uma boa lei não depende somente da melhor
informação, mas é mister o domínio da técnica jurídica e do vocabulário, para se obter
clareza e precisão; do contrário, todo trabalho de coleta de dados será prejudicado,
pois pode resultar em ambigüidade, obscuridade e lacunas. Tal situação impõe aos
juízes a necessidade de extrair sentido do que não tem sentido, conciliar o
irreconciliável, donde, muitas vezes, suscita as divergências de opinião nas várias
Cortes e das várias Cortes entre si.
Para minimizar tais situações, tanto o Parlamento inglês, quanto o congresso
americano, estabeleceram junto a si um corpo de técnicos de juristas habituados à
redação de projetos de lei, para melhorar o nível dos textos postos em debate.
Já a Constituição italiana possibilitou à câmara delegar a comissão sua, a
elaboração de lei sobre matéria específica, para acelerar a elaboração legislativa. Essa
delegação interna corporis não foi bem recebida. Mortati a considerou uma grave
anomalia.
81. Para elaborar uma boa lei é necessário, além de se obter a melhor informação,
dominar a técnica jurídica e seu vocabulário a fim de alcançar a clareza e a precisão
34
indispensáveis para que a regra possa conduzir ao objetivo colimado. Do contrário,
toda informação será desperdiçada.
Os juízes são os que mais sentem com as deficiências de redação, tendo estes
freqüentemente que "extrair sentido do que não tem sentido, conciliar o
irreconciliável" (Lord Campbell).
Em alguns países (Grã-Bretanha e EUA, por exemplo), existem órgãos
formados por técnicos que auxiliam na redação dos textos legislativos. Tem-se
atribuído considerável melhoria na qualidade destes textos.
82. A Constituição italiana em vigor revelou uma inovação em seu art. 72. A câmara
tem a possibilidade de delegar, a comissão sua, a elaboração de lei sobre matéria
determinada, na intenção de agilizar a elaboração legislativa sem desapossar dessa
função o Parlamento.
Pode haver, assim, uma delegação interna corporis. Esta já recebeu críticas por
parte da doutrina italiana; entretanto, de modo algum ela atenta contra o prestígio e a
dignidade dos Parlamentos.
O direito italiano estabeleceu algumas ressalvas ao consagrar este tipo de
delegação. O Presidente de cada casa do Parlamento decide, de acordo com os
regulamentos internos, quais projetos serão sujeitos ao procedimento decentrato,
podendo sua decisão ser impugnada pelo plenário. A Constituição exclui desse
procedimento: matéria constitucional e eleitoral, resoluções sobre delegação
legislativa, autorizações de ratificação de tratados e aprovação do orçamento e das
contas públicas; o regulamento da Câmara de Deputados acrescenta a estes toda a
matéria referente a tributos.
Para a deliberação sobre o projeto pela comissão, necessário se faz haver duas
condições: que ela seja composta de maneira a refletir a proporção existente entre os
diversos grupos parlamentares e o plenário da câmara; e que seus trabalhos tenham
publicidade, o que vem sendo cumprido através atas das sessões da comissão. No
entanto, Biscaretti di Ruffia observa que a condição de publicidade imposta pela
Constituição não está sendo cumprida, visto que as sessões das comissões não são
públicas.
Antes da deliberação final da comissão, o projeto deve ser devolvido ao
plenário da câmara se: a devolução for reclamada pelo governo; houver requerimento
de 1/5 dos membros da comissão; desejado por 1/10 dos membros da câmara. Essa
devolução pode ser para simples votação, sem debate, ou para discussão e votação.
A adoção do procedimento decentrato segue o princípio da autonomia das
câmaras; a adoção por uma delas não impõe o mesmo procedimento por outra.
No tocante ao aceleramento da elaboração das leis, este tipo de delegação tem
rendido bons frutos na Itália. A Constituição brasileira de 1967 permitia a delegação
interna corporis.
83. Outras medidas, de caráter mais específico, foram adotadas no plano dos
procedimentos legislativos. Essas alterações introduzem grandes mudanças no
procedimento legislativo desenhado por Montesquieu, em "O espírito das leis". Neste,
a iniciativa das leis é reservada ao poder Legislativo, sendo a única interferência
permitida a manifestação pelo voto.
35
Nos Estados Unidos, embora não possa o chefe do Executivo, ou qualquer dos
departamentos deste, apresentar à deliberação do Congresso projetos de lei,
indiretamente, aquele o faz já que projetos pelo Executivo sempre encontram
senadores ou deputados benevolentes, que os encampam e apresentam em seu nome
próprio, como se de sua autoria fossem.
Vinga hoje a concepção de que, no poder de dirigir mensagem ao congresso,
atribuído ao presidente pela Constituição, está incluído o de traçar programa
legislativo hábil a assegurar o bom andamento dos negócios públicos.
A liderança presidencial no campo legislativo pode ser traduzida como a
decorrência lógica da função de "orientação política geral". Nos Estados Unidos,
embora formalmente o Presidente não tenha iniciativa de leis, cerca de 80% da nova
legislação se origina da Casa Branca ou de entidades governamentais.
84. As primeiras reconstituições francesas não concederam a iniciativa de leis, senão
aos parlamentares. A Constituição de 1999 rompeu com o esquema de "O espírito das
leis". Esse texto marca a conquista da iniciativa das leis pelos Executivos; o poder de
iniciativa das leis ao Executivo se tornou regra, princípio universal do Direito
Constitucional contemporâneo, tornando-se a Constituição americana a exceção.
85. Em certas Constituições contemporâneas, a concessão da iniciativa é conferida ao
Judiciário.
Várias repúblicas latino-americanas, como Honduras, Peru, Nicarágua, bem
como as Constituições brasileiras de 1934, 1937, 1946 e 1967 atribuem a este poder,
por seu órgão mais alto, a iniciativa das leis relativas, especialmente, a seus serviços e
organização. O Direito Constitucional soviético também concede ao Judiciário a
iniciativa.
Essa atribuição é justificada pela necessidade de se manter a independência dos
poderes. Em realidade, o amor à simetria, tão caro aos povos latinos, é que parece ter
inspirado essa concessão, cuja importância é secundária; na União Soviética, a
justificação dessa iniciativa é totalmente diversa, seguindo o princípio da concentração
do poder, participando o Tribunal Supremo do governo.
86. As Constituições de alguns Estados estenderam o poder de iniciativa ao eleitorado.
Em matéria constitucional, a iniciativa de emendas aparece na Constituição suíça; no
entanto, em matéria de legislação ordinária, ela é hoje consagrada na Constituição
italiana, como já o era pela austríaca de 1920.
O interesse suscitado por certas disposições da Constituição italiana (iniciativa
popular de nova lei e referendum ab-rogativo) é, todavia, apenas teórico.
A coleta popular de assinaturas é, muitas vezes, iniciada, mas como meio de
pressão sobre o Parlamento, visto que serve para provocar sempre movimentação da
opinião pública.
87. A Constituição Austríaca, dispõe que deve toda iniciativa formulada por no
mínimo 200.000 eleitores ou metade do eleitorado de três províncias, deverá ser levada
à apreciação do Parlamento, Kelsen que muito influenciou tal Constituição observa
36
que tal proposição tem por a conseqüência de pôr em movimento o procedimento
parlamentar.
88. A tendência em aumentar o número dos titulares da iniciativa legiferante, não se
limita apenas ao Executivo ou Judiciário, mas à outros órgãos, isto porque, tem-se o
princípio de que a proposição de leis não deve ficar restrita apenas aos parlamentares,
embora estes tenham de representar o povo, temos que o ideal democrático de
autogoverno exige que esta iniciativa seja estendida, para que no limite de cada
indivíduo, este possa colaborar na gestão da coisa pública.
89. Dentro da iniciativa no Direito Constitucional contemporâneo, temos casos de
iniciativa vinculada ou reservada. É vinculada, quando a Constituição impõe a
determinado órgão a apresentação de projeto de lei, em geral imposta ao Executivo.
É reservada, quando só determinado órgão goza do poder de propor leis sobre certa
matéria.
90. Para acelerar a elaboração buscou-se padrões para tal, como a fixação de prazos
fatais para a deliberação parlamentar, considerando-se tacitamente aprovado o projeto
se não houver rejeição expressa. No Brasil tal prática se deu desde o Ato Institucional
n° 1, porém o texto de 1988 a edulcorou. Tal medida tem a vantagem de acelerar o
processo legislativo, porém traz também inconvenientes como textos com
imperfeições, que depois terão de ser revogados por nova lei aumentando assim os
trabalhos, mais grave é permitir que o governo imponha regras que não seriam
aprovadas em deliberação normal usando partidários para impedir a rejeição ou
modificação do texto.
91. A Constituição francesa de 1958, sem fixar prazos para deliberação, atribuiu ao
governo o poder de estabelecer a ordem do dia das câmaras, que de certo modo os
trabalhos ficam subordinados à liderança do Executivo, principalmente porque com a
brevidade das sessões, esta regra permite eliminar as proposições de lei que não teriam
a aprovação governamental
92. Tratando do referendum, muitas Constituições o prevêem, e ele se consiste na
manifestação do eleitorado sobre uma questão já decidida por órgão representativo,
significa uma aprovação submetida à aprovação dos mandantes. Há duas espécies de
referendum, o constitutivo e o ab-rogativo. O primeiro intervém como constitutivo da
lei, o segundo é posterior à lei, destinando-se a ab-rogá-la, total ou parcialmente.
Dentro do referendum constitutivo, temos duas espécies, o ordinário e o
extraordinário, o mais comum é o extraordinário. A respeito do referendum diz
Loewenstein, “o referendum serve como instrumento de controle político quando
aprova ou desaprova uma decisão antecedente tomada pelo governo, ou parlamento”.
Em teoria, o aspecto democrático do referendum é indiscutível.
93. Dentro do processo legislativo há também a figura do veto, de fato, é a recusa de
sanção por parte do chefe de Estado a um projeto de lei aprovado pelo Parlamento, e
nas Constituições vigentes não se dá ao veto outro caráter além do suspensivo, já que a
37
recusa de sanção por parte do chefe de Estado implica apenas uma nova deliberação
por parte do Legislativo, porém, é fato que a ameaça de rejeição presidencial contribui
às vezes para impedir que o Congresso contrarie os desejos do Executivo.
94. Onde, então, à necessidade de maioria qualificada para a sua rejeição se soma a
possibilidade de veto parcial, a posição do Presidente em matéria legislativa é
privilegiada.
Tal veto, consiste na impugnação de parte do texto aprovado pelo Legislativo e
é devolvido para reapreciação, tendo a vantagem de excluir a lei inconveniente sem
vetar todo o texto.
Tal tipo de veto é muito conveniente quando se quer retirar principalmente de
lei orçamentária as chamadas “caudas orçamentárias”. Para a boa doutrina, o veto só
poderá ser parcial quando a parte vetada e a sancionada não forem mutuamente
dependentes e conexas.
95-A. O aspecto mais singular do processo de elaboração das leis no Estado
contemporâneo é, sem dúvida, o surgimento de uma legislação editada pelo Executivo,
como já vimos anteriormente o Executivo tem esse poder de interferência múltipla no
processo legislativo, reconhecendo-lhe a liderança da legislação, a iniciativa de
projetos, o veto, a fixação de prazos fatais para deliberações legislativas, em quase
todos os Estados contemporâneos, e sem dúvida nos principais dentre os quais aderem
ao regime constitucional pluralista, o Executivo, ostensiva ou disfarçadamente, pode
legislar, pode editar atos com força de lei.
95-B. Outra importante questão referente ao processo legislativo envolve a recente
prerrogativa de legislar do Executivo. Quando prevalecia a figura do monarca
centralizador, não se dava a devida importância à diferença entre lei e regulamento.
Com o advento dos regimes constitucionais, procurou-se separar nitidamente os dois
institutos. Neste sentido, a criação das leis, única fonte do direito, seria de
responsabilidade do legislativo, ao passo que os regulamentos, de caráter técnico e
voltados à operacionalização das leis, seria do âmbito do Executivo.
96. A questão reside no fato de que, procurando dar eficácia ao quanto disposto nas
leis, os regulamentos muitas vezes acabam por criar dispositivos totalmente novos.
Além disso, existe, ao menos no Brasil, a figura do regulamento praeter legem, ou
seja, do regulamento que não visa operacionalizar uma lei, mas justamente preencher
uma lacuna por ela deixada. O ordenamento jurídico pátrio, ao tolerar esta figura
específica, só tem contribuído para a intensificação do desequilíbrio entre os poderes.
97. A legislação pelo Executivo na Grã-Bretanha, obedece a várias formas que Allen
divide em 4 grupos: o Conselho Privado (Privy Council), vários rule-making bodies
estabelecidos por diferentes leis, autoridades locais e enfim, o próprio Executivo.
O Conselho Privado é composto do Soberano, do Lord Presidente e de alguns
ministros, sendo porém esta composição variável.
38
Este Conselho emite orders, que são de duas espécies. A primeira compreende
todos os atos que, inerentes à prerrogativa real, não foram até hoje transferidos a
qualquer outro órgão, e assim, não pressupõem delegação. A segunda, muito mais
ampla, e em constante crescimento ... consiste naquelas Orders in Council que são
expedidas de acordo com poderes expressamente delegados ao Conselho por atos do
Parlamento. A lei parlamentar define estratégia e deixa ao Conselho o controle da
tática.
98. A multiplicação de fontes legislativas traz consigo inconvenientes sérios, que o
Parlamento britânico teve de enfrentar.
Um desses inconvenientes, e talvez o mais grave, concernia à falta de adequada
publicidade para todos os textos que continuamente são editados pelos vários órgãos
dotados de poder normativo. Essa matéria era regulada pelo Rules Publication Act, de
1893, cujas deficiências são fáceis de imaginar, desde que se relembre que a grande
difusão de legislação pelo Executivo data deste século.
99. Compete principalmente ao Parlamento Britânico a fiscalização da referida
regularidade dessa legislação pelo Executivo. Para preparar essa fiscalização,
selecionando dentre a infinidade de textos de importância extremamente diferente
aqueles que devem merecer maior atenção, organizou-se uma comissão especial –
Select Committee on Statutory Instruments.
Segundo Allen há 5 modalidades diferentes de statutory instruments. A mais comum é
a dos statutory instruments que, embora entrem em vigor logo que editados, podem ser
anulados, no prazo de quarenta dias, por uma resolução do Parlamento (prayer). Outra
compreende os textos que entrarão em vigor, transcorrido determinado prazo depois de
seu depósito, se não houver manifestação contrária no Parlamento, modalidade essa
que não é comum. Terceira, compreende os textos que entrarão em vigor, decorrido o
prazo normal de quarenta dias, se igualmente não houver oposição do Parlamento
durante esse prazo. Quarta modalidade, também infreqüente, é aquela caracterizada
por só entrar em vigor o texto depositado se aprovado pelo Parlamento dentro de certo
prazo. Enfim, a quinta modalidade reúne os statutory instruments que, embora sujeitos
ao depósito nem devem ser aprovados pelo Parlamento, para entrar em vigor, nem
podem ser anulados por prayer.
100. Na França, desenvolvimento semelhante da legislação governamental pode ser
facilmente notado por qualquer observador, sobretudo nos pós Segunda Guerra,
quando ao estabelecer a nova Constituição francesa, em 1946, o legislador constituinte
procurou impedir a volta ao status quo ante, inserindo ao texto constitucional a
proibição expressa da delegação. Dispunha o art., 13 que “a Assembléia Nacional vota
sozinha a lei. Ela não pode delegar esse direito”.
Essa proibição de pouco valeu, na medida em que levou de início à procura de
processos disfarçados que tivessem o efeito de delegar poderes ao Gabinete, sem
ostensivamente violar a Constituição.
Já em 1948 passou-se a empregar o primeiro método encontrado para contornar
a vedação contida no art. 13 – o método da deslegalização ou da extensão do poder
regulamentar.
39
101. A Constituição francesa de 1958, no que concerne a vários problemas, dentre os
quais o relativo à elaboração legislativa, trouxe inovações consideráveis, pois mostra a
preocupação de manter o regime parlamentarista sob a liderança de um governo forte e
estável, sem embargo da multiplicidade partidária.
Dentro deste contexto, três são os instrumentos que merecem ser examinados :
delegação, poderes de emergência do Presidente da República e separação entre a lei e
o regulamento e, em decorrência disso, o surgimento de um poder regulamentar
autônomo, ou incondicionado.
102. A Constituição italiana de 1948, a seu turno não fugiu à tendência contemporânea
e atribuiu, em certos casos, ao Executivo o poder de editar regras jurídicas com força
de lei. E, ao fazê-lo, reconheceu que, em face das necessidades atuais, o bom
andamento dos negócios gerais não pode dispensar o governo de assumir um papel
ativo na elaboração do direito escrito.
A primeira forma de legislação governamental prevista nessa Constituição é a
lei delegada, cujos contornos são definidos pelo Art. 76 da Lei Magna Peninsular.
103. Outra forma de legislação governamental prevista nessa Constituição é expressa
pelos decretti-leggi, também chamados de ordinanze di necessità, que consistem em
decretos com força de lei editados em razão de necessidade e urgência sem prévia
autorização parlamentar.
Sendo os decretti leggi atos do governo, com força de lei, sua posição no
sistema jurídico não é cristalina. Sua eficácia é provisória, na medida em que sua
rejeição pelo Parlamento tem efeitos ex tunc, e em que a Corte Constitucional pode
fulminá-los, não reconhecendo urgentes. Por outro lado, a lição da doutrina ao admitir
sejam eles impugnados por excesso de poder assimila-os aos atos discricionários de
administração. Ora essa assimilação enfraquece indubitavelmente as ordinanze,
retirando-lhes talvez, como teme D’Eufemia. A força necessária para enfrentar as
graves eventualidades para as quais foram previstas.
104. O exame das transformações com processo de elaboração das leis não pode omitir
o estudo, ainda que breve da Lei Fundamental que rege a República Alemã,
especialmente no que tange ao ‘estudo de necessidade legislativa’ e aos regulamentos
de direito.
O “estado de necessidade legislativa” é decretado pelo Presidente da República,
a pedido do governo federal, com o assentimento do Conselho Federal, a câmara de
representação dos Estados Federados. Pressupõe sua decretação, portanto, a
concordância com o governo federal, por parte de uma das casas do Parlamento, mais
precisamente da câmara alta, já que o Presidente tem aí uma competência vinculada,
não podendo recusar a decretação quando regularmente pedida. Essa decretação,
porém, só pode ocorrer se a Dieta federal houver rejeitado projeto de lei declarado
urgente pelo governo, ou projeto de lei a respeito do qual o Chancele houver levantado
a questão de confiança, sem que a câmara baixa tenha eleito o novo Chanceler.
Da decretação do “estado de necessidade legislativo” decorre que os projetos
governamentais são considerados aprovados se contarem com o apoio da câmara alta,
40
independentemente do entender do Bundestag. Assim, habilita o governo a obter
legislação contra a vontade dos representantes do povo, desde que os representantes
dos Estados com isso estejam de acordo.
A decretação do “estado de necessidade legislativa” só pode ser reclamada uma
vez pelo Chanceler durante todo o período em que este permanecer em funções e se
extingue com a substituição, se porventura esta ocorrer durante os referidos seis meses.
Proibindo a renovação do “estado de necessidade legislativa”, a Lei Fundamental quis
prevenir, evidentemente, a persistência além do razoável de uma situação anormal.
105. Conforme lecionava pensadores importantes como Jellinek, os alemães
distinguem os Verwaltungverordnungen, regulamentos administrativos, ou de
aplicação e execução das leis, dos Rechtsveordnungen, ou seja, regulamentos de
direito, normas jurídicas novas editadas pelo governo, cuja força não provinha
diretamente de lei anterior, enquanto os primeiros estavam rigorosamente sujeitos à
lei.
106. A existência de uma legislação governamental sugere a indagação sobre se não
haveria também uma legislação pelo Judiciário, pondo-se de parte a questão da
jurisprudência. Na verdade, nos países de Common Law, se ensina e aceita, mansa e
pacificamente, a criação do direito pelo juiz, falando-se claramente em judge made
law. Nos países de direito escrito, entretanto, essa criação é negada, já que o juiz esta
jungindo a aplicar a lei que é feita pelo Parlamento. Todavia, por meio da
interpretação, constroem não raro os juízes, regras novas, embora oficialmente
consideradas implícitas na lei. Aceita-se então que a jurisprudência é fonte material do
direito, ainda que se rejeite ser ela fonte formal dele.
107. Afora os casos da legislação governamental e da legislação judiciária acima
apontados, podemos citar outros exemplos de legislação elaborada sem a intervenção
do Judiciário : é o caso das convenções coletivas de trabalho, acordos entre patrões e
empregados de um determinado setor econômico sobre remuneração, normas e
condições de trabalho, durante um prazo determina; que revelam a descentralização da
legislação.
108. Não são apenas as convenções coletivas de trabalho que sugerem a existência de
uma legislação pelos interessado. Podemos incluir neste rol Igrejas, Universidades,
Sindicatos e certas corporações que têm o poder de estabelecer normas a que devem
obedecer aos que com elas matem relações ( este último no caso britânico).
Capítulo Terceiro
O PROCESSO LEGISLATIVO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA EM
VIGOR
41
109. A lei Magna dedica ao processo legislativo uma seção que é de certa forma o
resumo e a sistematização das soluções novas que a doutrina, de um lado, a
experiência constitucional estrangeira, de outro, sugerem para chamar crise legislativa.
Assim, impõe-se o estudo mais detido das regras sobre a elaboração legislativa que
contém, fazendo coro a argumentação pragmática com a melhor justificativa científica.
110. No texto em vigor, a elaboração legislativa é regulada em seção especial ( Tít. IV,
Cap. I, Seção VII ), intitulada “Do Processo legislativo”. Abre-se essa seção pelo Art.
59, que reza: “O processo legislativo compreende a elaboração de : I – emendas à
Constituição; II- leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; Vmedidas provisórias; VI – decretos legislativos ; VII – resoluções”.
111. A primeira possibilidade levantada acima foi a de referir-se o qualificativo, na
expressão processo legislativo, a determinada matéria. Essa matéria seria o
estabelecimento de normas gerais abstratas de leis, como se usa dizer. Assim, mais
corretamente se empregaria processo normativo onde a Constituição fala em processo
legislativo.
112. Os incisos do Art. 49 atribuem ao Congresso o resolver, o autorizar ou permitir, o
aprovar ou suspender, o mudar, o fixar, o julgar, e só a menção desses verbos já mostra
que se está em face de questões sobre as quais o constituinte quis deixar a decisão
última ao Congresso, especialmente como forma de fiscalização do Poder Executivo.
113. Pontes de Miranda assinala que “resolução é a deliberação que uma das câmaras
do Poder Legislativo, ou o próprio Congresso Nacional toma, fora do processo de
elaboração das leis e sem ser lei”.
A resolução, que não era prevista na Constituição anterior, sendo incluída pelo
art. 59 da Constituição vigente, destinava-se a regulamentar matéria de interesse
interno (político ou administrativo) de ambas as Casas em conjunto ou de cada uma
delas em particular.
Concluindo, no âmbito de suas competências, o Congresso Nacional e a Câmara
dos Deputados podem deliberar, por resoluções, para dispor sobre assuntos políticos e
administrativos, excluídos do âmbito da lei.
114. Dizer que “processo legislativo” significa a elaboração de atos pelo Poder
Legislativo sugere de pronto objeções.
A primeira é a de que nem todo o trabalho do Legislativo se enquadra nas
espécies mencionadas pelo art. 59 da Constituição Federal. Esse artigo ignora a
elaboração das normas regimentais, por meio das quais o Legislativo se autodisciplina.
Mais ponderável, entretanto, é a observação de que não parece correto incluir a
medida provisória entre as normas elaboradas pelo Poder Legislativo. É o Presidente
da República quem edita a medida provisória, cujas normas entram em vigor antes e
independentemente de qualquer pronunciamento do Poder Legislativo.
115. Ao admitirmos que a emenda constitucional é obra do legislador poderíamos
confundir Poder Constituinte com Poder Constituído.
42
O Poder Constituinte dá inicio à ordem jurídica, e Poderes Constituídos a
desdobram nos limites e nas formas estabelecidas pela Constituição.
A emenda muda a organização política e jurídica fundamental e pode
contradizer a Constituição. A lei apenas muda outra lei, que somente será válida se não
contradisser a Constituição.
116. Para se fazer a sistematização dos atos normativos, necessário se faz distinguir
atos normativos gerais dos individuais.
As normas gerais prescrevem conduta a pessoas indiscriminadas que possam
estar numa mesma situação, e as normas individuais prescrevem conduta a pessoa ou
pessoas discriminadas.
A expressão ato normativo abrange tanto a produção de normas gerais como
individuais. Entretanto, no seu uso mais comum, quando se fala em ato normativo só
se tem em mente a produção de normas gerais.
A mais vívida sistematização do ato normativo parece ser a que o toma nos
vários momentos de sua positivação.
Essa sistemática parte, então, do ato normativo inicial que funda a ordem
jurídica. Esse ato é a Constituição e por ele se marcam todos os canais pelos quais se
desdobram as demais normas jurídicas.
Desse ato normativo inicial deriva toda a ordem jurídica e dele decorrem atos
que, embora em nível inferior quanto à origem, têm eficácia igual em decorrência de
sua própria determinação.
117. Não se estudará neste capítulo o processo relativo às emendas constitucionais, aos
decretos legislativos e às resoluções.
Impõe-se começar a analise pela lei ordinária, visto que esta fornece a base
comum a todas as modalidades de ato legislativo previstas pela Constituição.
118. A lei ordinária é um ato normativo primário que, em regra, edita normas gerais e
abstratas. Edita, porém, normas particulares, caso em que a doutrina tradicional a
designa por lei formal, para sublinhar que lei propriamente dita só é aquela, a que tem
matéria de lei, por isso chamada de “lei material”.
Há que se destacar que a lei é um ato normativo primário escrito, ao contrario
do costume que traduz uma formação primaria não escrita.
119. O Estado de Direito se caracteriza fundamentalmente pela sujeição de tudo e
todos à lei, conforme o principio de que ninguém está obrigado a fazer ou a deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Há, no Direito vigente, um domínio vedado à lei ordinária. São, porém, imunes
à intervenção da lei ordinária as matérias enumeradas no art. 49 e as competências
privativas do Senado e da Câmara.
Por outro lado, há um domínio constitucionalmente reservado à lei que é
claramente marcado pelo art. 68, §1º, I, II e III da Constituição.
120. Em sua elaboração, a lei ordinária (no Direito brasileiro) é considerada um ato
complexo. Para Roberto Lucifredi, há ato complexo sempre que “duas ou mais
43
vontades homogêneas tendentes a um mesmo fim se fundem numa só vontade
declarada, idônea a produzir determinados efeitos jurídicos que não poderiam de modo
algum produzir-se, se faltasse tal concurso de vontades”.
Tal conceito justifica-se pela análise do processo de formação da lei em nosso
Direito, à luz da Constituição. Tal formação apresenta um fase introdutória, a
iniciativa, uma fase constitutiva, que compreende a deliberação e a sanção, e a fase
complementar, na qual se inscreve a promulgação e também a publicação.
121. A iniciativa não é propriamente uma fase do processo legislativo, mas sim o ato
que o desencadeia. Juridicamente, a iniciativa é o ato por que se propõe a adoção de
direito novo.
Em nosso Direito é um ato simples, em regra geral. Como exceção, tem a
estrutura de ato coletivo quando serve para apresentar projeto que reitera disposições
constantes de outro que, na mesma sessão legislativa, ou foi rejeitado em deliberação
ou foi vetado.
122. Quanto ao poder de iniciativa, cumpre distinguir o que é geral do que é reservado.
A iniciativa geral compete concorrentemente ao Presidente da Republica, a
qualquer deputado ou senador, a qualquer comissão de qualquer das casas do
Congresso e ao povo.
Os titulares de iniciativa reservada, salvo o Presidente da República, apenas
possuem iniciativa para a matéria que lhes foi reservada.
123. A Constituição de 1988, seguindo uma tendência difundida, consagra a iniciativa
popular.
O art. 61, §2º, diz que para que a iniciativa se formalize é necessário que ela
seja subscrita, no mínimo, por um por cento do eleitorado nacional, distribuído ao
menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de
cada uma delas.
124. A Constituição reserva ao Presidente a iniciativa das leis que disponham sobre
fixação ou modificação dos efetivos das Forças Armadas, criem cargos, funções ou
empregos públicos na Administração direta ou autárquica ou aumentem a sua
remuneração, digam respeito à organização administrativa e judiciária, matéria
tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios,
servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos,
estabilidade e aposentadoria, organização do Ministério Público (salvo criação e
extinção de cargos e serviços auxiliares) e da Defensoria Pública da União, bem como
normas gerais de organização dos órgãos equivalentes nos Estados, Distrito Federal e
Territórios, a propósito da criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos
da Administração Pública, enfim, leis que disponham sobre militares das Forças
Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade,
remuneração, reforma e transferência para a reserva.
Já ao Supremo Tribunal Federal e aos Superiores é reservada a iniciativa
relativamente à criação e extinção de cargos de seus membros ou em seus serviços
auxiliares, bem como à fixação dos respectivos vencimentos, a alteração do numero de
44
membros dos tribunais inferiores, a criação ou extinção destes, a alteração da
organização e da divisão judiciária.
Ao Procurador-Geral da República é atribuída a iniciativa para criação e
extinção de cargos e serviços auxiliares.
125. A iniciativa de cada parlamentar é exercida perante sua casa, pelo depósito do
projeto junto à Mesa da Câmara a que pertence. A do Presidente da República, por
força do preceito expresso na Constituição, há de se exercer perante a Câmara dos
Deputados. Igualmente, a do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores.
126. Sendo a emenda uma proposta de modificação de proposta de direito novo, é ela
uma iniciativa acessória ou secundaria.
O poder de emendar é reservado aos parlamentares, ao passo que a iniciativa
tem sido e é estendida ao Executivo, ao povo, ao Procurador-Geral da República, a
tribunais.
127. A Constituição, em seu art. 63, assinala que a emenda é proibida, apenas e tão
somente, nos projetos de iniciativa reservada do Presidente da República (salvo em
matéria orçamentária) e nos relativos à organização dos serviços administrativos da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos tribunais federais e do Ministério
Público.
128. A fase da deliberação é a principal do processo legislativo. É a fase constitutiva
da lei, pois nela e por ela o Legislativo estabelece as regras jurídicas novas.
No Direito brasileiro a deliberação apresenta a estrutura de ato complexo.
129. Na Constituição brasileira não existe disposição que obrigue o envio de projetos
ao exame da comissão parlamentar, ou seja, ela é prevista, mas não é um imperativo
constitucional.
O exame do projeto por comissão, ou comissões, se inscreve no processo de
deliberação, sendo conveniente para preparar uma decisão esclarecida e consciente.
130. Instruído na forma regimental, o projeto passa, em cada Câmara, à discussão e
votação. No entanto, a Constituição prevê dois procedimentos diversos para o
desenrolar dessa apreciação: o normal e o abreviado.
Entende-se por projeto normal aquele que depois de submetido ao exame da
comissão, na forma regimental, é posto em discussão e segue para ser votado. A
aprovação ocorre de acordo com o art. 47 da Constituição, se houver a maioria dos
votos na presença da maioria dos membros da casa. Após uma segunda revisão, uma
de três hipóteses já de se configurar, ou o projeto será aprovado totalmente, ou
aprovado com emendas, ou rejeitado. Se for aprovado, o projeto segue para a sanção
ou o veto.
Se houverem emendas, o projeto volta para a Câmara inicial para que as
mesmas sejam apreciadas. Havendo a aprovação ou não, o projeto sobe para o mesmo
fim.
45
131. No sistema atual não existe aprovação tácita. Dessa forma, decorrido o prazo, o
texto é obrigatoriamente incluído na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação
quanto a deliberações legislativas, até ultimar-se a sua votação.
Na Constituição vigente só admite a aplicação do procedimento abreviado os
projetos de iniciativa do Presidente da República, os quais este considerar urgente.
Ainda vigora na Constituição atual a modalidade de procedimento abreviado chamada
desconcentrada, que consiste em apreciar o projeto separadamente em cada uma das
casas do Congresso, tendo cada uma o prazo de 45 dias para deliberar (art. 64, § 2º).
132. Completa-se a fase constitutiva do processo legislativo a apreciação pelo
Executivo do texto aprovado pelo Congresso. A intervenção do Executivo, ainda
mantida pelo Direito brasileiro, pode resultar no assentimento – a sanção – ou na
recusa – o veto.
É através da sanção que se transforma o projeto aprovado pelo Legislativo em
lei. É por ela que se fundem as duas vontades, a do Congresso e a do Presidente.
O Presidente manifesta a sanção de duas formas: expressa e tacitamente. Ela é
expressa quando o Presidente a formaliza no prazo de 15 dias úteis contados do
recebimento do projeto. É tácita, quando o Presidente deixa escoar esse prazo sem
manifestação de discordância (art. 65, § 3º). A sanção tácita foi prevista em nosso
Direito para que se evite o engavetamento de projetos pelo Presidente.
133. Constante tema de discussão é o alcance da sanção em relação a projetos viciados
por usurpação de iniciativa reservada. Os projetos que traduzam usurpação da
iniciativa presidencial reservada, mas que, aprovados, venham a ser expressa ou
tacitamente sancionados pelo Presidente.
Em nosso Direito, existe a supremacia da Constituição com toas as suas
conseqüências, em especial a sua rigidez, de onde decorre a invalidade de toda a lei ou
de todo ato que ela se contradisser.
Por mais rigorosa que pareça, a invalidade de toda lei ou todo ato contrário a
Constituição é a única conclusão possível se se quiser resguardar a supremacia da
mesma. Do contrário, a supremacia da Constituição não seria absoluta, já que haveria a
possibilidade de dispensá-la, nesta ou naquela hipótese.
134. No sistema atual ainda existe a possibilidade de convalidação, se esta fosse
juridicamente aceitável. O fato de haver proibição de emenda além da reserva de
iniciativa manifesta, sem dúvida, reforçadamente, a intenção do constituinte. Nada
muda, porém, quanto ao fato de que projeto de lei resultante de violação de iniciativa
reservada chega aprovado ao Chefe do Executivo que o sanciona, transformando-o em
lei.
135. O instituto do veto é mantido pela Constituição brasileira, dessa forma, ela
permite que o Presidente recuse sanção a projeto de lei já aprovado pelo Congresso,
impedindo que ele se transforme em lei (art. 66, § 1º).
Esta recusa necessita de fundamentos, podendo estes ser a
inconstitucionalidade, sendo a lei subordinada incompatível com a lei mais alta, e a
inconveniência, envolvendo uma apreciação de vantagem e desvantagem.
46
136. O veto pode ser total, quando este atinge todo o projeto como o nome indica, ou
parcial, afetando apenas parte dele.
O veto parcial é uma originalidade brasileira, e foi criado visando atender a uma
necessidade universalmente sentida, qual seja a de dar meios ao Executivo de
expungir, dos textos legislativos, excrescências acrescentadas maliciosamente durante
a deliberação parlamentar.
137. O veto, em nosso Direito, é suspensivo ou superável. Não é ele um ato de
deliberação negativa, do qual resulta a rejeição definitiva do projeto, conseqüência do
chamado veto absoluto, mas é ato de recusa, do qual resulta o reexame do projeto pelo
próprio Legislativo, que poderá superá-lo por maioria qualificada.
Dessa forma, seu efeito não é suspender a entrava em vigor da lei, mas alongar
o processo legislativo, impondo a reapreciação do projeto pelo Congresso, à luz das
razões da discordância presidencial.
O veto quando se dá parcialmente, e é vetada palavras escolhidas no texto da
lei, pode dar a ela um significado completamente diferente do qual ela teria, se
rejeitado o veto.
138. Após a comunicação pelo Presidente do veto, os motivos da recusa de sanção
devem ser trazidos a público. Por isso, exige a Constituição (art. 66, § 1º) que seja feita
a comunicação do veto, com suas razões, ao Presidente do Senado Federal. O veto tem
natureza de ato composto, e compreende a manifestação de vontade negativa mais a
comunicação fundamentada dessa discordância.
139. Após manifestado o veto, há o reexame do projeto em sessão conjunta pelas casas
do Congresso. Após o reexame será mantido o veto, rejeitado o projeto portanto, se
contra ele se manifestar a maioria absoluta dos Deputados e Senadores –
separadamente – em votação secreta. Se a maioria dos Deputados e Senadores
rejeitarem o veto, o projeto estará aprovado.
140. A lei resulta exclusivamente da vontade do Legislador, como sucede quando este
ratifica o projeto vetado. Tem-se ainda ato complexo, porque a lei resulta do encontro
da vontade da Câmara com a do Senado.
No Direito brasileiro, a estrutura do ato legislativo não é de ato complexo igual,
e sim desigual. O que caracteriza o ato complexo desigual é que as vontades que para
ele concorrem não são iguais, não se fundem, mas apenas se integram.
No processo de formação da lei ordinária a votação principal é a do Congresso,
na qual se integra, pela sanção, a vontade secundária do Presidente. Tanto é esta
secundária que pode ser dispensada, pela aprovação do projeto por maioria
qualificada. E, dentro do próprio Congresso, o decreto legislativo, que conclui a fase
deliberativa da lei, é também um típico ato desigual, integrando-se a vontade da
Câmara revisora na da outra.
47
141. Outra espécie de ato normativo admitido pela Constituição em vigor é a chamada
lei delegada. Esta é um ato normativo elaborado e editado pelo Presidente, em razão de
autorização do Poder Legislativo, e nos limites postos por ele.
Está disposto no art. 58, § 2º, II, que o regimento de qualquer das casas do
Congresso pode dispensar os projetos sobre determinadas matérias de serem
apreciados pelo plenário.
Dessa forma, o Legislativo brasileiro está habilitado a delegar o poder de editar
regras jurídicas novas, seja a comissão parlamentar, seja ao Poder Executivo, isto é, a
seu chefe, o Presidente.
A lei delegada, todavia, não “pegou” no Brasil. Isto se explica pela facilidade
com que se ensejava o decreto-lei no Direito anterior e a medida provisória na vigente.
142. A lei delegada é ato normativo primário ou secundário? De um lado ela parece
ato secundário, pois a lei delegada pressupõe, como condição de validade, um ato
primário individual do Congresso, que é o ato que opera a delegação e lhe marca os
limites. Por outro lado, ela pode ser ato primário individual, de maneira a sugerir seu
enquadramento entre os atos secundários, como os regulamentos. Chegamos a
conclusão que a lei delegada é ato primário, derivado de pronto da Constituição,
embora condicionado.
143. A indelegabilidade das competências privativas é justificada pelo seu caráter.
Trata-se de disposições que, sobretudo, marcam os poderes de controle e fiscalização
geral do Congresso, relativamente ao Poder Executivo, e, assim, não poderiam ser
entregues de modo algum ao próprio fiscalizado.
Quando a indelegabilidade da elaboração das normas sobre a nacionalidade, os
direitos individuais e coletivos, políticos e eleitorais, mencionada nos incisos do art.
52, § 1º, justifica-se pela importância dessas matérias já para o indivíduo, por lhe
definirem direitos dos mais altos, já para o próprio regime, por lhe assegurar o
funcionamento limpo e honesto.
144. A delegação do poder do legislador ao Presidente opera-se por meio de resolução
do Congresso Nacional. Todavia, não é de se exigir que essa resolução seja votada em
sessão conjunta. O que é preciso é que o Senado e a Câmara aprovem resolução,
exatamente coincidente, sobre a delegação, não se aplicando a esse caso o preceito
sobre a revisão que coloca a segunda Câmara em posição de inferioridade.
Já a delegação a comissão de uma das casas do Congresso há de ser fruto de
decisão genérica, expressa no regimento interno dessa Câmara, sendo matéria de sua
disciplina interna.
145. O artigo 68 da Constituição regula a delegação ao Presidente da República.
Dispõe esse artigo que a delegação será sempre limitada, no sentido de que o ato de
delegação obrigatoriamente há de especificar o conteúdo da delegação e os termos
para seu exercício (§ 2º). Será indicada a matéria sobre a qual deverá versar a lei
delegada e o prazo durante o qual será lícito ao Presidente editar normas sobre essa
matéria.
48
Será inválida, por excesso de poder, a lei delegada que for além da matéria
objeto de habilitação.
A delegação, para que seja constitucional, deverá ser temporária. Esse caráter
temporário suscita três indagações: a primeira concernente à possibilidade de, durante
o prazo fixado para seu exercício, editar o Presidente mais de uma lei sobre a mesma
matéria; a segunda, sobre a possibilidade de o Legislativo, durante o prazo de
delegação, editar lei ordinária, dispondo sobre essa matéria; e a terceira, de se saber se
o Legislativo pode desfazer a delegação, retirando-a antes de terminado o prazo
concedido para o seu exercício. A resposta a estas três indagações deve ser afirmativa.
A delegação não priva o Legislativo de qualquer parcela de seu poder, nem lhe retira
do exercício deste.
146. O artigo 68 da Constituição prevê duas modalidades de lei delegada presidencial.
A primeira, típica, traduz-se pelo estabelecimento de regras jurídicas, mediante sua
promulgação pelo Presidente. A edição da lei delegada é um ato simples condicionado
por outro ato, que é a delegação.
Quanto à dúvida de ser ou não essa espécie de lei delegada um ato complexo,
duas correntes doutrinárias atuam. Segundo a primeira delas (Mortati, Diez), a
qualidade de ato complexo tem que ser recusada à lei delegada. A segunda, não
considera a identidade do conteúdo elemento essencial do ato complexo (Lucifredi,
Virga); os elementos essenciais são fim unitário, analogia de interesses,
homogeneidade da atividade e exercício do mesmo poder.
147. A segunda modalidade de lei delegada presidencial é uma inversão do processo
de elaboração de leis ordinárias.
Nessa modalidade, o Congresso delega, especificando conteúdo e termo, ao
Presidente o estabelecimento de regras jurídicas novas, contudo se reserva o direito de
apreciar o projeto presidencial, como conclusão da elaboração do novo texto. Destarte,
o Congresso é que "sanciona" o projeto elaborado pelo Chefe do Executivo. Esta
disposição está prevista no artigo 68, §3º.
Sem dúvida, a Segunda modalidade de lei delegada presidencial é um ato
complexo. Com efeito, ela surge da vontade do Presidente conjugada com a do
Congresso, tendo ambas conteúdo igual.
148. A Constituição anterior previa decreto-lei. A Emenda n. 1/69, no seu art. 55,
autorizava o Presidente da República a editar atos normativos com força de lei, em
casos de urgência ou de interesse público relevante, desde que daí não decorresse
aumento de despesa, sobre segurança nacional, finanças públicas, inclusive normas
tributárias e criação de cargos e fixação de vencimentos.
Tais decretos-leis, cuja vigência seria imediata a partir da publicação, eram
submetidos ao Congresso Nacional, que, no prazo de sessenta dias a contar de seu
recebimento, deveria apreciá-los, aprovando-os ou rejeitando-os em bloco, sem
emendas.
Na prática, enquanto em vigor a Constituição de 1967, o decreto-lei se tornou a
forma "normal" de legiferação. Essa situação importava em concentrar nas mãos do
49
Presidente da República o Executivo e o Legislativo; no meio político e jurídico, essa
concentração de Poderes era criticada.
Esperava-se que a nova Constituição abolisse o decreto-lei, o que foi feito,
instituindo-se em seu lugar a medida provisória.
149. A Constituinte, ao dispor-se a substituir o decreto-lei, buscou inspiração no art.
77, 2ª e 3ª partes, da Constituição italiana de 1947. A designação medidas provisórias
é a tradução literal da expressão italiana provvedimenti provisori.
150. No texto da Lei Magna promulgada em 1988, o art. 62 tratava-se de uma
legiferação provisória, em casos em que a urgência e a relevância se somassem, que,
não sendo convertida em lei no curto prazo de trinta dias, perderia eficácia
retroativamente.
Entretanto, a prática deformou o instituto.
Isto levou à multiplicação das medidas provisórias que eram convalidadas por
subseqüentes, passando-se anos até que apreciadas pelo Congresso Nacional. Mesmo
porque o Executivo muito apreciou a facilidade em "legislar" que assim adquiria. Para
nem falar da possibilidade de, na reedição, alterar a seu bel-prazer o texto primitivo.
Conseqüência disto foi haver-se tornado um importante fator de gravíssima
insegurança jurídica.
Contra isto, começou o Congresso Nacional a reagir, havendo, pela Emenda
Constitucional n. 6, de 15 de agosto de 1995, repetida pela Emenda n. 7, da mesma
data, incluído no texto constitucional um novo artigo, o 246.
Era isto insuficiente. Por isso, foi proposta outra alteração da Constituição, visando
coibir os abusos. Depois de um longo período de gestação, isto resultou na
promulgação da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001.
151. Tal emenda deu nova redação, entre outros, ao art. 62 da Carta.
Evidentemente é muito cedo para aquilatar os méritos e deméritos da modificação.
152. A medida provisória é um típico ato normativo primário e geral. Edita-o o
Presidente no exercício de uma competência constitucional, de uma competência que
lhe vem diretamente da Constituição. Manifesta, assim a existência de um poder
normativo primário, próprio do Presidente e independentemente de qualquer
delegação.
153-A. Do novo texto defluem características que são postas em confronto com as do
decreto-lei e da medida provisória "primitiva".
1ª) Quanto às condições.
Em síntese, pode-se sustentar que a medida provisória foi prevista para o caso de uma
urgência qualificada pela relevância. Ou seja, como instrumento de legiferação de
urgência.
Sendo improvável que o STF altere sua jurisprudência, é de supor que o Executivo
continue a editar medidas provisórias em matérias que não sejam flagrantemente não
urgentes, com a tolerância do guardião da Constituição.
2ª) Quanto à matéria.
50
De modo geral, a matéria vedada à medida provisória coincide com a que é proibida à
lei delegada. A coincidência, porém, não é absoluta. Há proibições que apenas colhem
as medidas provisórias, como o seqüestro de bens, enquanto há as que apenas
concernem à lei delegada. E isto, às vezes, de forma paradoxal: a lei delegada não
pode dispor sobre direitos (fundamentais) individuais, mas a medida provisória pode
(art. 68, §1º, II).
3ª) Quanto ao prazo.
O decreto-lei deveria ser apreciado no prazo de 60 dias, caso contrário estaria
aprovado. Já a medida provisória tinha o prazo de 30 dias para ser convertida em lei.
A nova redação dá para a conversão o prazo de 60 dias. Autoriza a prorrogação
automática desse prazo, por mais 60 dias, mas esta somente é admitida uma vez.
4ª) Quanto à eficácia.
Tanto a medida provisória tinha, como o decreto-lei possuíra, eficácia imediata, desde
a sua publicação. Nada mudou com a Emenda Constitucional n. 32/2001.
5ª) Quanto ao valor dos efeitos produzidos.
Há uma profunda modificação relativamente ao que resulta do texto primitivo. Neste,
os efeitos da medida provisória não convertida se desconstituíam, salvo se decreto
legislativo dispusesse em contrário. Ao invés, hoje eles perduram válidos, salvo se o
decreto legislativo dispuser em contrário. E isto no prazo de 60 dias mencionado.
Ocorre, portanto, uma presunção a favor da permanência do regime aplicado às
relações jurídicas pela medida provisória.
6ª) A provisoriedade.
O decreto-lei era uma legiferação do Executivo. A medida provisória foi imaginada
como uma legiferação provisória, pois reclama uma "conversão em lei", uma
legiferação pelo Congresso Nacional. Isto não mudou com a nova redação.
7ª) A reedição.
A nova redação proíbe, na mesma sessão legislativa, a reedição de medida provisória
que tenha tido a sua conversão em lei rejeitada pelo Congresso Nacional, ou tenha
perdido sua eficácia pelo decurso do prazo de 60 dias sem tal conversão.
8ª) Procedimento de conversão.
O texto primitivo não regulava o procedimento de conversão em lei da medida
provisória. Ficou ela a cargo do regimento do Congresso Nacional. A nova redação
estabelece normas a esse propósito.
O texto, porém, não é explícito sobre se, aprovando o Senado a medida provisória, o
projeto de lei de conversão volta a esta, como se dá no procedimento legislativo
comum. A lógica manda que sim.
9ª) Sanção presidencial.
O Presidente da República deverá sancionar (podendo vetar, total ou parcialmente) o
projeto de lei de conversão, se este alterar o que consta da medida provisória. A
contrario sensu, essa sanção é dispensada se a conversão nada modificar do texto da
medida provisória.
Enquanto não decorrer o prazo de sanção ou veto, ou até a eventual rejeição do veto,
vigorará o texto da medida provisória.
51
153-B. Questão delicada a respeito dos efeitos da medida provisória não convertida em
lei concerne ao seu efeito revogatório. A medida provisória, segundo os expressos
termos do art. 62, caput, da Constituição, tem força de lei, que é acompanhada desde a
origem, isto é, desde a edição do Presidente. Uma das conseqüências da força de lei é
revogar, ou derrogar, leis anteriores, trata-se de uma revogação condicional que
depende para solidificar-se da conversão em lei do texto revocatório, neste caso o
efeito da medida provisória é ex tunc, desde sua edição.
154. Outra modalidade é a lei complementar, sobre a qual o texto constitucional é
mudo, forçando o intérprete a apoiar-se exclusivamente na opinião da doutrina,
quando o estuda.
A lei Magna vigente, não é o primeiro texto constitucional a prever no Brasil,
tal efeito normativo.
155. Precedente importante estrangeiro da lei complementar é fornecido pela “loi
organique” francesa, e institui um tipo de regra de direito que na hierarquia das regras
fica entre a Constituição e as leis ordinárias. No sistema atual contudo, a “loi
organique” é caracterizada por seu processo de elaboração, que é mais solene e difícil
que o da lei ordinária.
156. O pressuposto é de que as leis complementares serão aprovadas por maioria,
sendo estipulado de acordo com a Constituição vigente, a lei complementar só pode
ser aprovada por maioria absoluta, e qualificada, para que não seja fruto de uma
minoria, sempre atentos que a lei complementar não pode contradizer a Constituição,
pois não é uma outra forma de emenda constitucional, lembrando ainda que a lei
ordinária, o decreto-lei e a lei delegada estão sujeitas à lei complementar.
157. Problema que surge no estudo da lei complementar é o de saber se tem ou não
matéria própria. A Constituição enuncia claramente em muitos de seus dispositivos a
edição de lei que irá complementar suas normas relativamente a esta ou àquela
questão. Fê-lo por considerar a particular importância dessas matérias, frisando a
necessidade de receberem tratamento especial.
158. Resta examinar a estrutura, como ato normativo, da lei complementar. Para isso,
cumpre analisar o rito constitucionalmente previsto para a sua elaboração. Como a lei
ordinária, a lei complementar, no Direito pátrio é um ato complexo desigual. Só se
aperfeiçoa quando à vontade do Congresso, apenas sendo exigido o quorum especial
de maioria absoluta.
159. Perfeito o ato normativo, qualquer que seja ele, antes que se torne eficaz há de ser
promulgado e publicado. Promulgação e publicação constituem no Direito brasileiro
uma fase integratória da eficácia do ato normativo. Cabe a promulgação, em princípio,
ao Presidente da República, por ser ato que prepara a execução
160. À promulgação deve seguir-se, em nosso Direito, publicação. Esta aliás, não é
regida por norma constitucional alguma e sim pela LICC, consiste numa comunicação
52
dirigida à todos os que devem cumprir o ato normativo, informando-os de sua
existência e de seu conteúdo.
161- A. Ao controle jurisdicional da observância do processo legislativo cabe o
controle de constitucionalidade. A violação do preceito importa em nulidade do ato
violador.
Se a observância dos preceitos constitucionais é rigorosa, absoluta, a dos
regimentais não o é. A violação regimental, por isso, é suscetível de convalidação,
expressa ou implícita. Destarte, no caso das normas regimentais, o Judiciário só pode
verificar se a violação desta impediu a manifestação da vontade da Câmara. Nesse
caso, então, deverá reconhecer a invalidade das regras assim editadas.
161-B. O STF tem decidido no sentido da simetria entre o processo legislativo da
União e o dos Estados e Municípios. E o que resulta de jurisprudência iniciada na
Ação Direta de Inconstitucionalidade n.216-PB, relatada pelo Min. Celso de Mello
(RTJ. 146:388).
O art. 25 da Lei Magna em vigor manda que os Estados, ao organizarem-se,
observem os “princípios” da Carta federal. Entretanto, não os enuncia. No Direito
anterior, por força do art. 200 da Emenda Constitucional n.1/69, era expresso ser o
processo legislativo federal incorporado ao direito estadual, e, por via reflexa, ao
direito municipal.
Ora, gozando os Estados de autonomia, sendo as exceções de se interpretarem
restritivamente, parece descabido o posicionamento da Suprema Corte.
Por outro lado, dessa tese da simetria decorre poderem os Estados prever –
embora não estejam obrigados a fazê-lo nas respectivas constituições não só leis
complementares, mas também leis delegadas e até medidas provisórias. Quanto a estas
últimas, lembre-se que o Direito anterior vedava aos Estados os decretos-leis.
161-C. De acordo com o art. 29, caput, da Constituição brasileira os Municípios
gozam de auto-organização, respeitados os “princípios” da Constituição federal e da
Constituição estadual. Disso, pela lógica, decorreria a mesma situação apontada acima
para os Estados. Ou seja, cada Município disciplinaria, segundo seus interesses o
processo legislativo.
Entretanto, dada a tese da simetria, consagrada pelo STF, o processo legislativo
municipal acaba por coincidir com o processo legislativo federal. É verdade que se
veio a entender que, se o Estado não adotou a lei delegada ou a medida provisória, o
Município nele integrado não pode fazê-lo.
Conclusão
A LEI NA DEMOCRACIA POSSÍVEL
162. Todo estudo crítico inclina o seu autor a sugestões de mudança e
aperfeiçoamento. Na verdade, o valor prático de tais estudos está exatamente na sua
contribuição para a determinação das imperfeições e para a escolha dos remédios que
53
poderão corrigi-las. Assim, a conclusão de uma análise crítica normalmente importa
num programa de reforma.
Estudo sobre a elaboração da lei nas democracias constitucionais pluralistas
indica a crise da lei, a qual redunda numa crise da própria democracia, assim
identificou certos fatores que contribuíram para gerá-la, mais, pôde verificar certas
tendências em sua evolução. Este trabalho convence de que o atual processo não
permite a elaboração nem de leis aptas a espelhar a Justiça, nem de leis hábeis para
servir à realização de uma política, para atender às necessidades do governo nos
Estados contemporâneos.
163. Avultam no Estado contemporâneo duas funções – uma de arbitragem entre os
grupos que naturalmente estruturam a sociedade; outra, de impulsão
sobre esses
mesmos grupos para a realização do bem-estar geral.
A primeira função de proteção gerou o próprio Estado, consiste, em harmonizar
as pretensões de indivíduos e grupos, procurando dar a cada um o que é seu, ou seja,
fazer Justiça, para estabelecer a paz e a ordem. Assim, acaba por proteger cada
indivíduo e cada grupo contra o esmagamento de seus interesses, por outros indivíduos
ou grupos.
A segunda ganhou peculiar importância no Welfare state. Consiste em
estimular, guiar e controlar a atividade dos grupos e dos indivíduos para a consecução
de certas metas, levando o Estado, em certos casos, a assumir tarefas industriais e até
comerciais.
Essas duas funções principais o Estado contemporâneo tem de desempenhar por
meio da lei. Assinala com justeza Recaséns Siches que a lei ora atua como “muro ou
cerca” impedindo que os interesses de um homem ou de um grupo e, mais que todos
esses interesses, o do respeito à sua liberdade, sejam esmagados por outros interesses,
por outros indivíduos ou por outros grupos. Ora, atua como “gonzo ou engrenagem”,
coordenando neste ou naquele sentido a atividade humana.
I – A lei como arbitragem
164. Sempre predominou a idéia de que a lei haveria de refletir o valor da Justiça. O
processo legislativo clássico foi concebido exatamente para que a Justiça, e não a
vontade arbitrária do governante, prevalecesse na definição das leis.
Assim, o processo legislativo não foi concebido para o Estado criasse o Direito,
mas para que o Estado declarasse o Direito, eliminando dúvidas e incertezas, portanto,
insegurança. Todavia, por sua própria dinâmica, esse processo levou o Estado a, de
certo modo, criar o Direito.
165. Toda norma jurídica resulta de uma representação do valor de justiça. O
sentimento de Justiça e, principalmente, como sublinha Recaséns Siches, o
ressentimento contra a injustiça é que no fundo gera a norma.
A idéia que cada um faz, no seu íntimo, do justo e do injusto nas relações
interindividuais, dá nascimento a esquemas normativos. Ou, se quiser, a pretensões ao
estabelecimento de normas destinadas a realizar a visão individual do justo e do
injusto. Assim, a fonte última de toda norma é sempre o espírito de um homem.
54
Esses esquemas normativos manifestam-se de dois modos: um por procurar o
indivíduo pautar sua conduta por eles, outro por pretender que os outros pautem a
deles própria pelo mesmo esquema.
É em geral no seio dos grupos sociais que há uma convergência de
preocupações ou ressentimentos como uma reivindicação coletiva, traduzindo uma
unidade de interesses.
A própria existência dos grupos, todavia, já pressupõe a de normas. Conforme a
sabedoria dos antigos, ubi societas, ibi ius, isto é, o agrupamento de homens para a
busca de interesses comuns já implica a existência de normas que estabeleçam a
cooperação mútua, definindo a esfera de direitos e obrigações de cada um.
Estabelece-se, em virtude disso, dentro da sociedade global, uma competição
entre pretensões, fruto da diversidade dos interesses, que é substancialmente um
conflito entre normas, procurando cada um e cada grupo fazer prevalecer a sua
imagem do justo.
166. As pretensões que exprimem normas desejadas são assim o primeiro passo com
que as representações da Justiça procuram realização.
Manifesta-se por “um reconhecimento, uma adesão da comunidade, isto é, da
maior parte dos indivíduos que integram o grupo”. Esse reconhecimento, porém,
pressupõe uma seleção ou uma composição, já que pretensões divergentes, expressão
de interesses divergentes, não podem evidentemente ser todas acolhidas ao mesmo
tempo.
A seleção decorre do prevalecimento de um grupo sobre outros. Traduz então o
fato de que, na competição entre grupos e interesses, um deles predominou e seu poder
resulta na imposição de sua visão do justo, global ou parcial, sobre os demais. Pode-se
aceitar, nesse contexto, que o direito seja como queiram os sofistas o interesse do mais
forte. Mais forte, porém, não pode ser entendido em termos de força bruta, mas de
poder psicológico.
Todavia, mais freqüente que a seleção entre as pretensões, na medida em que
isso signifique prevalecimento absoluto de uma delas sobre as demais, é a composição,
a conciliação entre as pretensões.
167. Nas sociedades globais onde o direito se manifesta pelo costume, essa triagem ou
essa conciliação fazem-se natural e silenciosamente.
Das pretensões decorrem práticas. Aos poucos, ou pela conciliação entre estas,
ou pela seleção entre elas, algumas passam a ser reiteradas, uniforme e
constantemente, enquanto outras são abandonadas. Quando essa reiteração dura por
largo tempo, forma-se a opinio júris et necessitatis, que é, no fundo, o reconhecimento
dado pela comunidade à norma já praticada. Daí por diante é a própria sociedade que,
além de pautar globalmente sua conduta pela norma, impõe que cada um isoladamente
a observe, sob sanção.
Em face desse direito, o Estado é passivo. Ele reconhece o costume, cujas
violações deverá reprimir, na medida em que pe o monopolizador da força de coerção
na sociedade.
55
168. Nas sociedades onde prepondera à lei, isto é, o direito escrito, também são os
grupos que, via de regra, criam as normas.
A racionalização apresenta dois aspectos. O primeiro é o de que, sendo feita
conscientemente, permite a determinação lógica e consciente da repercussão de cada
norma nova sobre as demais e sobre o sistema.
O segundo, a definição escrita do direito pelo legislador dá ensejo a este de,
disfarçadamente embora, operar uma arbitragem entre os interesses deste em
decorrência do sistema de forças.
A lei permite, destarte, a racionalização sempre do direito, na direção da Justiça.
De fato, o costume, espelha em medida muito larga a relação de forças entre os grupos
de interesse. A intervenção do legislador abre caminho para que o estabelecimento do
direito atenda mais de perto a uma visão mais imparcial do justo, porque é a
intervenção do que tem a responsabilidade da comunidade.
A lei escrita, assim, traz consigo, historicamente, a idéia de arbitragem, de
ponderação imparcial dos interesses particulares, em nome de uma idéia de Justiça
mais objetiva, porque desvinculada do particularismo de pretensões divergentes,
porque desligada, numa certa medida, da relação de forças entre os grupos
interessados.
169. Com a estruturação da democracia pela divisão de poderes, esse arbitramento
passou para o Legislativo, corpo representativo da vontade nacional.
Os parlamentares, representantes da Nação, mas escolhidos pelo povo, tinham
assim em relação ao estabelecimento da lei um duplo papel. Por um lado, deviam ser
testemunhas do direito em formação na sociedade, mas, por outro, deveriam arbitrar
entre as pretensões, para assegurar o predomínio do interesse geral.
170. A lógica interna da democracia moderna, destruiu o sistema idealizado e
substituiu à arbitragem desinteressada o prevalecimento de interesses particulares, num
grau talvez jamais visto.
A democracia instalada ao sabor dos movimentos liberais torna o poder objeto
de uma disputa que é decidida pela maioria de votos. A competição pelo poder é
institucionalizada. Longe de serem reprimidos, os grupos que desafiam o governo,
pretendendo tomá-lo dos que o ocupam, são considerados lícitos e recebidos pelo
ordenamento jurídico que lhes dá direitos e prerrogativas.
Pela lei, é possível atender a um entusiasmo momentâneo, ao passo que pelo
costume jamais.
171. No Estado-Providência, esse fenômeno tem sua gravidade acentuada. Intervindo
esse tipo de Estado no domínio social para amoldá-lo segundo certos valores, suas
decisões assumem um caráter vital para os grupos, Da lei pode resultar o esmagamento
desses grupos, o sacrifício total de seus interesses.
Por isso a elaboração da nos Estados democráticos pluralistas tende a
transformar-se numa luta, onde todas as armas são empregadas. A luta pela lei
substitui a luta pelo direito.
56
Nessa luta, é difícil que prevaleça a Justiça, por mais relativista que seja a
concepção que se faça desta. O que há de prevalecer na maior parte das vezes é a
força, seja a do número, seja qualquer outra.
172. De fato, quem luta por ver na lei consagrada certas pretensões é porque sabe e
sente que a lei é algo que à vontade do homem faz e desfaz. Que a lei é uma vantagem,
um trunfo que se obtém pela astúcia ou pressão – ou até pela corrupção – na busca de
satisfação para interesses particulares. Desse modo, a lei, em vez de harmonizar e
conciliar serve de arma e até de instrumento de opressão.
Mutável, imposta pela força, a lei não atrai o respeito, além disso, a
desmoralização da lei desmoraliza o sistema.
II. A lei como impulsão
173. Enquanto o Estado liberal se atinha à manutenção da ordem como condição para
que a iniciativa individual, em busca de seus interesses, realizasse sem o perceber o
interesse geral, o Estado-providência pretende suscitar o interesse geral, comandando a
atividade dos indivíduos e dos grupos. Sua atitude, longe de ser passiva em face do
desenvolvimento econômico e social que, para o liberalismo puro, decorreria
naturalmente do livre jogo da iniciativa individual, é ativa. Mais que ativa, é a atitude
do impulsionador, do foco de irradiação do desenvolvimento.
174. Desse modo, a direção da economia, principal das tarefas atribuídas ao EstadoProvidência, se faz por intermédio da lei. Esta, por isso, cessa de ser a harmonização
de interesses para ser um instrumento para a obtenção de determinados objetivos
materiais.
Ganha assim a lei um caráter de ferramenta. Deixa de sobrepairar aos grupos
em choque para arbitrar entre seus interesses. Desce ao plano desses grupos como
ferramenta para a construção da abundância.
175. Mesmo fora do âmbito estrito da economia, a coordenação geral que incumbe ao
governo, desde que este não mais se limita à função de guarda da segurança individual,
exige da lei um papel instrumental.
“Os fatos ensinam” – observa Burdeau – “que não se governa, a não ser dando ordens,
editando regras obrigatórias para os governados. Ora, essas ordens e essas regras são
essencialmente expressas pela lei”. Destarte. O governo não pode realizar seus fins se
não puder contar com a lei.
176. Enfim, o processo tradicional de elaboração de leis, baseado na livre discussão
das propostas, apresenta nessas matérias técnicas dois gravíssimos inconvenientes. O
primeiro deles é o da lentidão. Os parlamentares são muitos e as regras internas das
câmaras abrem liberalmente o uso da palavra a todos. Nessas condições, os debates se
estendem longamente, havendo, até, a possibilidade obstrução. Sem dúvida, contra
isso adotaram Constituições como a brasileira em vigor regras que determinam a
aprovação de projetos pelo decurso do prazo determinado, sem sua rejeição expressa
Esse expediente, porém, tem graves desvantagens porque permite seja praticamente
57
elidido o controle parlamentar, pela obstrução feita sob o comando do próprio
governo.
III – Democracia e legiferação
177. O processo clássico de elaboração de leis é inadequado, pois esse processo não
visa o mais importante que é a imposição de equilíbrio aos grupos sociais.Porem esses
mecanismos de elaboração de leis feito pelo parlamento, em parte é o que garante a
democracia, pois há discussão na elaboração.
178. Foi dentro dos parlamentos, tanto na revolução gloriosa, como na francesa, que os
representantes do povo, se opuseram ao absolutismo que era fundamentado pelo
direito divino dos reis, e a figura do parlamento ficou caracterizada por ser aquela
ligada a democracia e a liberdade. Segundo a obra de Siéyes, o parlamento era órgão
por excelência pois era formado pela vontade da nação.
Através da atuação do parlamento nestes momentos históricos, que os valores de
democracia e liberdade foram perfeitamente consolidados.
179. Hoje em dia, não somente o parlamento, mas também o poder executivo são da
escolha do povo, no presidencialismo isso é feito diretamente, e no parlamentarismo,
se elege um parlamento, que forma um gabinete para ser o poder executivo, sendo
este, na atualidade aquele poder que tem mais identidade com os que o elegeram,
principalmente nos regimes presidencialistas de eleição direta, como é o nosso.No
parlamento britânico, cada deputado eleito tem sua imagem vinculada ao líder de
partido, e de governo, de forma que sua representatividade seja assegurada.
No parlamentarismo, o executivo será a cúpula do partido majoritário, assim
tendo governabilidade.No presidencialismo, como há separação de presidente e
congresso, o presidente tem que negociar com diversos partidos, para que possa
governar, pois se há uma maioria no congresso de partido divergente ao do presidente,
a governabilidade fica comprometida.
Na atualidade o parlamento tem cada vez mais a função de um fiscal do poder
executivo, teoria está defendida por grandes nomes como Karl Loewenstein.
180. A ação parlamentar, pode tornar-se antidemocrática, por isso sempre em seus
regimentos há uma preocupação em garantir liberdade e igualdade. As Leis de
arbitragem, vem sendo uma forma eficaz de equilibrar a sociedade, pois em certos
momentos, determinado grupo social pode vir a gerir a maquina estatal, estas leis
devem ser as mais imparciais possíveis.
Há também a tendência de elaboração de leis instrumentais, para viabilizar
determinado objetivo. Qualquer uma destas leis, devem ser estáveis, para não gerar
nenhuma espécie de conflito, garantindo assim seguridade social.Também devem ser
flexíveis, pois a suas respostas devem ser o mais breves possíveis, de forma que a
renovação seja o mais viável possível.
58
181. As leis de impulsão na maioria das vezes são de remanejamento social, podendo
às vezes ser impossíveis, pois elas mesmas podem ser as desequilibrem esta ordem,
para cumprir determinado objetivo. Ficando claro que tanto a arbitragem, como a
impulsão, são mecanismos da própria lei, pois toda lei inevitavelmente participa tanto
em caráter de arbitragem como de instrumento.
As leis em geral tentam ser abrangentes, mas pode ocorrer dessas serem mais
beneficiárias a determinados grupos, e às vezes até prejudiciais a alguns outros, usando
de arbitragem para serem imparciais e de impulsão para o seguimento ao qual está lei
regulamenta e tem objetivos a serem alcançados. Essa separação das funções da lei,
teve sua origem na carta constitucional francesa de 1958, que diz que a arbitragem
tem de ser dominada, de forma imparcial, de maneira que equilibre a sociedade, e que
o regulamento é o instrumento para regular a política governamental.
Diversas Leis passam pelo arbitramento, matérias como: Nacionalidade e direitos
políticos, direitos fundamentais, obrigações com a defesa nacional. Estando ligadas ao
estado.Já matérias como Estado e capacidade, casamento, direitos reais, obrigacionais
e trabalhistas, estão ligados às relações entre indivíduos.
IV – O estabelecimento das leis de arbitragem
182.O direito surge da sociedade, mas cada grupo social tem uma concepção sobre
determinados valores morais, e do que é justo e do que é injusto, sendo fundamental na
concepção do direito de fato, na elaboração das leis e em suas reformas, seja por
necessidade, seja por pressão política e principalmente social.O legislador deve ter um
conhecimento abrangente em relação aos grupos sociais, de forma que atenda o maior
número destes grupos, mas priorizando os principais.
Sendo assim, tentar abranger o maior número de representantes no processo
legislativo, não o especificando, e ele sendo feito de forma lato-sensu, traçando apenas
linhas gerais, agindo e prestando contas em relação aos objetivos alcançados.
183. Já que é inegável ser a elaboração da lei tecnicamente uma tarefa de jurista, tais
postulações serão dirigidas a um colégio de jurista que seria constituído com respeito
a certos mínimos de saber e de idoneidade.
Dentre nomes apresentados pelo governo, pelas entidades profissionais dos direito e
pelas faculdades. Gozariam seus componentes das garantias da magistratura, salvo a
vitaliciedade. De fato, uma tarefa como a de elaborar leis não pode ficar entregue
definitivamente a quem não houver revelado os dotes necessários, ou a quem a
senectude tiver privado da agilidade do pensamento.
Seria de obrigação deste colégio, antes de mais nada, levar a cabo a indispensável
triagem entre os projetos arquivando os absurdos ou inconstitucionais e dando o
seguimento aos justos e necessário. Depois, se desenvolveria um processo quasejudicial onde um relatório sobre a proposta, nessa fase poderiam, intervir, oferecendo
razões e documentos.
Aprovado um texto pela câmara de jurista, seria ele publicado, transformando-se
em lei num prazo de quinze dias se a maioria do colégio não reclamasse a sua
reapreciação pelo plenário.
59
O estabelecimento do texto do texto por jurista posto na condição de quasemagistrados tem a vantagem evidente de melhorar grandemente a qualidade técnica ou
jurídica da lei.
V- O estabelecimento das leis de impulsão
184. As leis de impulsão destinam-se a servir de instrumento para a realização de
determinadas metas, de uma política. Assim, o estabelecimento das leis de impulsão
deve, em princípio, ser confiado ao governo, mas, não seria conveniente que essa
tarefa lhe fosse atribuída em termos indiscriminados para não se tornar, na verdade o
senhor do povo e não o seu servidor. Antes de editar normas com a força da lei, o
Parlamento deve autorizar igualmente o texto aprovado nos conselhos governamentais
só entraria em vigor depois de quinze dias de sua publicação, desde que o terço do
Parlamento não reclamasse sua apreciação, podendo então ser ele rejeitado pela
maioria absoluta da câmara ou câmaras.
Claro seria esse o procedimento normal. Em certas matérias, porém, cuja
publicidade prévia é prejudicial ou quando a urgência for imperiosa, o governo poderia
estabelecer normas, sem prévia autorização, mas sujeitas à ratificação do órgão de
controle.
VI – O controle sobre as leis
185. O esquema desenhado nas paginas anteriores já sugere a necessidade do
estabelecimento de um órgão de controle político sobre a legislação, sobretudo sobre a
legislação de origem governamental.
Cabe ao Parlamento fiscalizar o governo, tanto nos pormenores, como o exame
das irregularidades administrativas, quanto nas grandes questões, qual seja a definição
da política global.
Por outro lado, para esse controle é urgente que lhe sejam dados instrumentos
eficazes, tanto para a apuração dos deslizes quanto para a punição deles.
No plano da elaboração das leis, como no campo político em geral, somente esse
controle é que pode caber aos Parlamentos, órgãos absolutamente inadequados para
estabelecer uma arbitragem ou uma impulsão. Todavia, sua fiscalização é conveniente,
porque pode salientar aspectos olvidados, ou apontar traições ao interesse comum.
186. Falar em controle da lei pelo judiciário pode causar escândalo ao menos
informados, porque só estes crêem que os tribunais simplesmente aplicam a lei a casos
litigiosos. Jamais a atitude do juiz é assim mecânica, sempre envolve algo de criação.
E, nas palestras informais, quantas vezes não confessam os magistrados que primeiro
procuram na lei a fundamentação, bem necessário é que um juiz, por formação e
situação acostumado à imparcialidade, reaprecie a lei de modo a aplica-la com justiça.
O controle sobre a lei se traduz pela verificação de constitucionalidade que, a justo
título, tem de ser considerada básica para a sobrevivência do regime constitucional. De
fato, é o critério realista da supremacia da Constituição, que, se não for protegida por
um mecanismo eficaz, será palavra vã.
60
Contra esse controle se ergue a acusação de que conduz ao “governo do juizes”
isso em parte é verdade. Não há duvida que essa acusação espelha parte da verdade. O
controle de constitucionalidade dá ensejo a que os magistrados façam prevalecer, em
certas ocasiões, suas opiniões políticas, a pretexto de interpretar a Constituição,
fulminar leis que desagradam às suas convicções e preconceitos.
Ademais, o risco de o juiz prevalecer suas opiniões mediante interpretação da
lei é um mal sem remédio.
187. Aqui o autor revela saber que seu trabalho é incompleto, mas afirma, não ter
fugido dos problemas ou ter se limitado as questões fáceis, e que este servirá de apoio
para futuros trabalhos mais completos e aprofundados.
ANEXO
Capítulo Primeiro - O Processo de Modificação da Constituição
A modificação da Constituição é obra do Poder Constituinte e não do Poder
Legislativo, no entanto, o Direito Constitucional Brasileiro (desde a Constituição de
1967) inscreve a emenda constitucional entre os atos que compreende o processo
legislativo.
Isso se explica por caber ao Poder Legislativo a função de Poder Constituinte
Derivado e também pelo processo de elaboração das modificações da Constituição ser
estruturalmente equivalente ao da lei ordinária.
Esse processo de modificação da Constituição é chamado de processo de
revisão da Constituição, para o autor. Há polêmicas quanto à terminologia visto que
enquanto o artigo 3o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias refere-se à
“revisão”, o artigo 60 da Constituição federal cita o termo “emenda”.
Para o autor, o simples bom senso previne que quem emenda um texto, o revisa,
e quem o revisa, o emenda e não há diferenças entre os termos “emenda”, “reforma” e
“revisão” na tradição do Direito Constitucional.
No artigo 60 da Constituição Federal de 88 está claro que a aprovação de
emenda obedece a um procedimento cuja exigência essencial é a aprovação de um
texto igual, em dois turnos de discussão e votação, pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado Federal. E nas duas casas, pela maioria de três quintos de seus membros.
Disto decorre ser a emenda um ato complexo. Não há lugar nem para a sanção
nem para o veto presidencial porque se considera a emenda como obra do Poder
Constituinte Derivado.
A proposta de emenda (artigo 60, §1o) cabe em primeiro lugar a um terço dos
membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, no mínimo. Essa fração
não pode ser o resultado do apoio de deputados e senadores concomitantemente. A
intenção do constituinte foi evitar a multiplicação de emendas, supondo difícil que as
propostas alcançassem o apoio de um terço de qualquer das casas.
Também cabe ao Presidente da República a proposta de emenda (não era
admitido até a CF de 46, inclusive).
61
Ainda, de acordo com o artigo 60, §1o, existem limitações circunstanciais ao
poder de emenda. A primeira limitação é a vigência de intervenção federal, a qual não
abala a ordem nacional, apenas a ordem do estado considerado. Se perturbar
gravemente àquela, virá certamente o Estado de Sítio e este sim justifica a proibição. A
segunda limitação é a vedação de alterar a Constituição durante o Estado de Sítio e a
terceira é durante o Estado de Defesa.
Conforme dispõe o artigo 60, §4o, I, não será objeto de deliberação a proposta
de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, ou seja, a revisão não
poderá suprimir a federação estabelecendo em seu lugar um estado unitário
descentralizado como era o Brasil no Império, ou uma organização de estado regional,
como a da Espanha da Constituição de 1978. Porém, poderá reequacionar a estrutura
federativa, alterando a repartição de competências e a distribuição de rendas, por
exemplo, conquanto jamais possa eliminar a autonomia dos estados, pois aí estará
abolindo a federação.
Também não poderá extinguir “o voto direto, secreto, universal e periódico”
(artigo 60, §4o, II), ou seja, a democracia.
Do mesmo modo, não se pode pôr de lado a “separação de poderes” (artigo 60,
§4o, III) nem abolir “os direitos e garantias individuais” (artigo 60, §4o, IV).
A Constituição Federal em vigor dispõe sobre os direitos e garantias individuais
no Título I: “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, cujo Capítulo I é dedicado aos
“Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, e o Capítulo II, aos “Direitos Sociais”.
Na tradição brasileira
“direitos e garantias individuais” é expressão que
abrange somente as liberdades clássicas e não poderiam ser abolidas pela revisão, o
que já não ocorreria com os direitos sociais.
Não é despropositado afirmar ser a expressão direitos e garantias individuais
equivalente a direitos e garantias fundamentais. Ora, esta última designa todo o Título
e abrange os direitos sociais, que assim não poderiam ser eliminados. Para o autor,
essa interpretação parece ser mais condizente com o espírito da Constituição em vigor,
que é uma “constituição social”.
62
BIBLIOGRAFIA
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo legislativo. 5ª. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2002.
Download

Fichamento livro Processo Legislativo 2004