CAPITULO VII ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - Localização O § 1º do art. 102 da CF/88, de acordo com a EC nº.. 3/93, estabelece que arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente da CF/88, e será apreciada pelo STF, na forma da lei. A Lei nº. 9.882/99, regulamentando o dispositivo constitucional, definiu as regras procedimentais para a aludida arguição. Cabe salientar que, antes do advento da aludida lei, o STF decidiu que o art. 102, § 1º, da CF/88 materializava norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, enquanto não houvesse lei descrevendo a forma da nova ação constitucional, a Suprema Corte não poderia apreciá-la. PRECEITO FUNDAMENTAL- CONCEITO • Tanto a Constituição com a lei infraconstitucional deixaram de conceituar preceito fundamental, cabendo essa tarefa à doutrina e, em última instância, ao STF. • Até o momento, os Ministros do STF não definiram o que entendem por preceito fundamental. Em algumas hipóteses, disseram o que não é preceito fundamental. • Para se ter um exemplo, na apreciação da questão de ordem da ADPF n. 1-RJ, apresentada pelo Ministro relator Néri da Silveira, o Tribunal não conheceu de arguição de descumprimento de preceito fundamental (CF, art. 102, § 1º) ajuizada pelo Partido comunista do Brasil –PC do B, contra ato do Prefeito do Município do Rio de Janeiro que, ao vetar parcialmente, de forma imotivada, projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal –que eleva o valor do IPTU para o exercício financeiro de 2000 - teria violado o princípio constitucional da separação de Poderes (CF, art. 2º). • Considerou-se serCONTINUAÇÃO incabível na espécie a arguição de descumprimento de preceito fundamental, dado que o veto constitui ato POLÍTICO do Poder Executivo, insuscetível de ser enquadrado no conceito de ato do Poder Público, previsto no art. 1º da Lei nº. 9.882/99 (“ A arguição prevista no § 1º do art. 102 da CF será proposta perante o STF, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”) • Enquanto o STF não define o que entende por preceito fundamental e (parece que a apreciação não será de forma ampla, mas somente em cada caso concreto, resolvendo tratar-se ou não de preceito fundamental), valemo-nos de alguma sugestões da doutrina. • Para o Professor Cássio Juvenal Faria, preceitos fundamentais seriam aquelas “normas qualificadoras, que veiculam princípios e servem de vetores de interpretação das demais normas constitucionais, por exemplo, “os princípios fundamentais” do Título I (arts. 1º ao 4º); os integrantes da cláusula pétrea (art. 60, § 4º); os chamados princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII); os que integram a enunciação dos direitos e garantias fundamentais (Título II); os princípios gerais da atividade econômica (art. 170) etc. • Para Uadi Lammêgo Bulos, “qualificam-se de fundamentais os grandes preceitos que informam o sistema constitucional, que estabelecem comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da manifestação constituinte originária”. Como exemplos o autor lembra os arts. 1º., 2º, 5º., II, 37, 207 etc. (Constituição Federal anotada, p. 901. OBJETO –HIPÓTESES DE CABIMENTO • A arguição de descumprimento de preceito fundamental será cabível, de acordo com a lei em comento, seja na modalidade de ação de autônoma (ação sumária), seja por equivalência ou equiparação. • A lei nº.. 9.882/99 em seu art. 1º possibilita a arguição de descumprimento de preceito fundamentada em três hipóteses – • a) para evitar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público; • b) para reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público e • c) quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; • Percebe-se, então, nítido caráter preventivo na primeira situação (evitar) • e caráter repressivo na segunda (reparar lesão a preceito fundamental), devendo haver nexo de causalidade entre a lesão ao preceito fundamental e ao ato do Poder Público, de que esfera for, não se restringindo a atos normativos , podendo a lesão resultar de qualquer ato administrativo, inclusive decretos regulamentares. • Na terceira hipótese, deverá ser demonstrada a divergência jurisdicional (comprovação da controvérsia judicial) relevante na aplicação do ato normativo, violador do preceito fundamental. • Igualmente, a arguição de descumprimento de preceito fundamental não será cabível contra Súmulas do STF, que “não podem ser concebidos como atos do Poder Público lesivos a preceito fundamental”, pois “os enunciados de Súmula são apenas expressões sintetizadas de orientações reiteradamente assentadas pela Corte, cuja revisão deve ocorrer de forma paulatina, assim como se formam os entendimentos jurisprudenciais que resultam na edição dos verbetes”. Competência Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: § 1º. A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº. 3, de 17/03/93) COMPETÊNCIA • De acordo com o art. 102, § 1º, da CF, a arguição de descumprimento de preceito fundamental será apreciada pelo STF (competência originária), na forma da lei. • O que se percebe, então, é que, de maneira inovadora, a nova lei atribuiu competência originária ao STF para apreciar não só a lesão ao preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, como verdadeiro controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos, além dos federais, estaduais, os municipais e atos ANTERIORES À CONSTITUIÇÃO, lesionadores de preceitos fundamentais, cuja constitucionalidade será apreciada em seguida. Legitimidade • Os legitimados para a propositura da referida ação são os mesmos da ADI genérica, previstos no art. 103, I a IX, da CF/88 e no art. 2º da Lei nº. 9.868/99 (conforme art. 2º, I, da Lei nº. 9.882/99), Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. • O art. 2º, II, da Lei nº. 9.882/99 permitia a legitimação para qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público, mas foi vetado. • CARÁTER SUBSIDIÁRIO •A Lei expressamente veda a possibilidade de arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. Obviamente, esse mecanismo de efetividade dos preceitos fundamentais não substitui as demais previsões constitucionais que tenham semelhante finalidade, tais como o habeas-corpus, habeas data; mandado de segurança individual e coletivo ; mandado de injunção; ação popular; ações diretas de inconstitucionalidade genérica, interventiva e por omissão e ação declaratória de constitucionalidade. Como ressaltou o STF, “é incabível a arguição de descumprimento de preceito fundamental quando ainda existente medida eficaz para sanar a lesividade”. SUBSIDIARIEDADE O STF entendeu possível, em face do princípio da subsidiariedade, receber arguição de descumprimento de preceito fundamental como ação direta de inconstitucionalidade, desde que “demonstrada a impossibilidade de se conhecer da ação como ADPF, em razão da existência de outro meio eficaz para impugnação da norma , qual seja, a ADI, porquanto o objeto do pedido principal é a declaração de inconstitucionalidade de preceito autônomo por ofensa a dispositivos constitucionais, restando observados os demais requisitos necessários à propositura da ação direta. • O princípio da subsidiariedade exige, portanto, o Continuação esgotamento de todas as vias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça de lesão a preceito fundamental. Caso os mecanismos utilizados, de maneira exaustiva, mostrem-se ineficazes, será cabível o ajuizamento da arguição. A mesma forma, se desde o primeiro momento se verificar a ineficiência dos demais mecanismos jurisdicionais para a proteção do preceito fundamental, será possível que um dos colegitimados se dirija diretamente ao STF, por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental (por exemplo: ADPF nº. 54 – questão de ordem – aborto de feto anencéfalo). PROCEDIMENTO •A petição inicial será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação e deverá conter a indicação do preceito fundamental que se considera violado; •a indicação do ato questionado; a prova da violação do preceito fundamental e o pedido, com suas especificações. •A arguição realizada na hipótese de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos aos anteriores à Constituição, deverá vir acompanhada de comprovação dessa controvérsia judicial. •A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de arguição de descumprimento de preceito fundamental, E faltar algum requisito legal ou for inepta, cabendo dessa decisão agravo ao Plenário, no prazo de cinco dias, para atacar tal decisão. •Analisado o pedido de liminar, se houver, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias e, entendendo necessário, poderá ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Conforme estabelece a lei, poderão ser autorizadas , a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo. Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento; • O art. 5º da Lei nº. 9.882/99 estabelece que o STF, por decisão da maioria absoluta de sues membros (pelo menos 1.7 CONCESSÃO DE LIMINAR 6 Ministros), poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental. • O relator poderá, ainda, ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o AdvogadoGeral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias. • A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento do processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada. AMICUS CURIAE E PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO • Possibilidade de participação de amicus curiae (aplicação analógica do art. 7º, § 2º, da Lei nº. 9.868/99); • Participação do Ministério Público: Não bastasse o § 1º, do art. 103, da Constituição Federal, que determina que o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido em todos os processos de competência do STF, a Lei nº. 9.882/99 previu no parágrafo único de seu art. 7º, que o Ministério Público, nas arguições que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações; EFEITOS DA DECISÃO • Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. • A decisão é imediatamente auto-aplicável, na medida em que o presidente do STF determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente. • De acordo com o art. 10, § 2º, da Lei nº. 9.882/99, dentro do prazo de 10 dias, contado a partir do trânsito em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário de Justiça e do Diário Oficial da União. COMUNICAÇÃO ÀS AUTORIDADES OU ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS PELA PRÁTICA DOS ATOS QUESTIONADOS • A decisão terá eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público, além de efeitos reatroativos (ex-tunc), cabendo , inclusive, reclamação para garantia desses efeitos. • Julgada a ação, as autoridades ou órgãos responsáveis serão comunicados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. Efeitos temporais • Em relação à amplitude e efeitos temporais da decisão, a Lei nº. 9.882/99 prevê, em seu art. 11, que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Irrecorribilidade da decisão • A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em arguição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL PREVENTIVA E REPRESSIVA • Caberá, preventivamente, arguição de descumprimento de preceito fundamental perante o STF com o objetivo de se evitar lesões a princípios , direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, ou, repressivamente, para repará-las, quando causadas pela conduta comissiva ou omissiva de qualquer dos poderes públicos. • Nessa hipótese, o nosso ordenamento jurídico foi menos generoso que o argentino, pois somente possibilita a arguição quando se pretenda evitar ou cessar lesão, decorrente de ato praticado pelo Poder Público, a preceito fundamental previsto na Constituição, diferentemente do direito de Amparo argentino, que é admissível contra toda ação ou omissão de autoridades públicas ou de particulares, que de forma atual ou iminente, lesionem, restrinjam, alterem ou ameacem, com arbitrariedade ou manifesta ilegalidade, direitos e garantias reconhecidos pela Constituição, pelos tratados e leis. 1.14 CONTINUAÇÃO • Independentemente dessa restrição, o mecanismo previsto pelo § 1º, do art. 102, da CF e regulamentado pela Lei nº. 9.882/99, possibilita uma maior efetividade no controle das ilegalidades e abusos do Poder Público e na concretização dos direitos fundamentais. • O STF poderá, de forma rápida, geral e obrigatória – em face da possibilidade de liminar e existência de efeitos erga omnes e vinculantes – evitar ou fazer cessar condutas do poder público que estejam colocando em risco os preceitos fundamentais da República, e, em especial, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e os direitos e garantias fundamentais. • Note-se que, em face do art. 4º, caput e § 1º, da Lei nº. 9.882/99, que autoriza a não admissão da arguição de descumprimento de preceito fundamental, quando não for caso ou quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade, foi concedida certa discricionariedade ao STF, na escolha das arguições que deverão ser processadas e julgadas, podendo, em face de seu caráter subsidiário, deixar de conhecê-las quando concluir pela inexistência de relevante interesse público, sob pena de tornar-se uma nova instância recursal para todos os julgados dos tribunais superiores e inferiores. • • • Dessa formam entendemos que o STF poderá exercer um juízo de admissibilidade discricionário para a utilização desse importantíssimo instrumento de efetividade dos princípios e direitos fundamentais, levando em conta o interesse público e a ausência de outros mecanismos jurisdicionais efetivos. Importante ressaltar que essa discricionariedade concedida ao STF decorre do fato de que toda Corte que exerce a jurisdição constitucional não é somente um órgão judiciário comum, mas sim órgão político diretivo das condutas estatais, na medida em que interpreta o significado dos preceitos constitucionais, vinculando todas as condutas dos demais órgãos estatais e como tal deve priorizar os casos de relevante interesse público. Como ressalta Bernard Schwartz, ao analisar esse poder de escolha da Corte Suprema norte-americana, “o seu poder facultativo de determinar os casos em que ela própria pode julgar resultou no fato de que ela deixou de ser simplesmente um órgão judiciário comum. É um tribunal de recurso especial, apenas para a solução de questões consideradas como envolvendo um interesse público substancial e não os interesses exclusivos de algumas pessoas privadas”. (SCHWARTZ, Bernard. Direito constitucional americano. Rio de Janeiro: Forense, 1966. p. 177. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL POR EQUIPARAÇÃO • Essa hipótese de arguição de descumprimento de preceito fundamental, prevista no parágrafo único do art. 1º, da Lei nº. 9.882;99, distanciou-se do texto constitucional, uma vez que o legislador ordinário, por equiparação legal, também considerou como descumprimento de preceito fundamental qualquer controvérsia constitucional relevante sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. • O texto constitucional é muito claro quando autoriza à lei o estabelecimento, exclusivamente da forma pela qual o descumprimento de um preceito fundamental poderá ser arguido perante o STF. Não há qualquer autorização constitucional para uma ampliação das competências do STF. • Controvérsias entre leis ou atos normativos e normas CONTINUAÇÃO constitucionais, por mais relevantes que sejam, não são hipóteses idênticas ao descumprimento pelo Poder Público de um preceito fundamental, e devem ser resolvidas em sede de controle de constitucionalidade, tanto difuso quanto concentrado. • O legislador ordinário utilizou-se de manobra para ampliar, irregularmente, as competências constitucionais do STF, que conforme jurisprudência e doutrinas pacíficas, somente podem ser fixadas pelo texto magno. Manobra essa eivada de flagrante inconstitucionalidade, pois deveria ser precedida de emenda à Constituição. • Em conclusão, entendemos que essa hipótese legal, por não se constituir descumprimento de preceito fundamental, contraria o art. 102, § 1º, da CF, sendo, portanto, inconstitucional. • Ressalte-se, porém, que o STF, em questão de ordem e por maioria de votos, reconheceu o cabimento de arguição de descumprimento de preceito fundamental para analisar lei anterior á Constituição Federal.