Francisco José Soares Feitosa
O REFIS III,
que nada tem de REFIS,
no sentido da RE-cuperação FIS-cal;
pelo contrário, um texto repleto de malvadezas;
ainda assim, melhor do que nada.
O Congresso promete mudanças.
Em edição extra do dia 30.6.2006, o DOU traz, dentre muitas outras, a MP nº 303 que abre um novo
parcelamento dos débitos fiscais federais. Não é um REFIS no sentido da REcuperação FIScal, mas um
parcelamento alargado. Onde a empresa dispunha de 60 meses, da legislação comum (Lei 10.522/2002), passou
a dispor de 120/ 130 meses para pagar. Chamemo-lo, pelo manos para fins didáticos, REFIS III.
1º - O REFIS III deixou de fora os contribuintes pessoas físicas
Um dos defeitos do REFIS I (corrigido no REFIS II), foi ter deixado de fora os contribuintes pessoas
físicas. Qual a lógica de impedir? É que o REFIS seria típico das empresas, geradoras de empregos, um amparo
ao emprego. Mas quem disse que a pessoa física não emprega? E como emprega! Vejamo-lo: cozinheiras, amassecas, arrumadeiras, faxineiras, motoristas, mensageiros, caseiros, secretárias e autônomos em geral. A pessoa
física emprega justamente a parcela mais necessitada da população, digamos, aquele remanescente de Castro
Alves, uma escravidão só formalmente extinta, num ainda bem recente 13 de maio de 1888.
O Governo, quando anuncia, através de suas lideranças, que vetará o FGTS das empregadas
domésticos, está a garantir, contra esse segmento social, a sua mais sofrida herança escrava. De fato, se todos
os trabalhadores têm direito ao FGTS, por que essa gente da cozinha dos senhores e patrões não há de tê-lo?! É
fundamental relembrar que esta Pátria já patrocinou a escravidão por mais de três séculos, exato para que não a
repitamos como neste episódio do veto anunciado ao direito das empregadas domésticas.
Por igual, quando o REFIS III exclui ao contribuinte pessoa física, que emprega precisamente essa
parcela mais carente, o direito de parcelar suas dívidas, inclusive o INSS de seus empregados, está a praticar no
mínimo uma incoerência histórica.
Sem esquecer que, no agronegócio, há um grande contingente de empresários pessoas físicas
(fazendeiros, granjeiros e produtores rurais), com muitos empregados, a quem a lei permite permanecer na
condição fiscal de pessoa física. É o chamado "Anexo Rural do Imposto de Renda", com incentivos. Também
patronais: os advogados, médicos, dentistas - secretárias e atendentes; bem como os contadores,
despachantes, artistas do circo, da TV e do cinema. Inclusive o sofrido caminhoneiro que contrata um ajudante à
sua sofrida labuta de estrada. Qual o fundamento de deixá-los de fora do parcelamento?
Vejamos o que diz o item 2 da Exposição de Motivos da MP 303:
2. A presente proposta tem relação com os vetos presidenciais feitos à Lei n° 11.311, de 13 de junho de 2006, e objetiva
alcançar um ponto de equilíbrio entre as possibilidades financeiras do Estado e as pretensões de diversas entidades
representativas dos contribuintes, e garantir que os contribuintes a serem contemplados pela nova modalidade de
parcelamento não tenham maiores benefícios nem melhores condições de parcelamento em relação àqueles que buscaram
regularizar sua situação fiscal quando da abertura do Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, no ano de 2000, e do
Parcelamento Especial – PAES, no ano de 2003. [Grifei «contribuintes»]
Em verdade, o item 2, acima, diz respeito aos contribuintes - plural. Sim, pessoas físicas também são
contribuintes. Deixá-las de fora, um ato falho, diametralmente oposto às justificações da MP: contribuintes. Por
outro lado, há de se levar em conta este impedimento constitucional:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
[...]
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em
razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,
títulos ou direitos;
Há, no caso em foco, tratamento desigual aos contribuintes em débito para com o Fisco. Aqueles
contribuintes sob o formato empresarial (pessoas jurídicas) têm direito ao REFIS III; os demais contribuintes
sem o formato empresarial (pessoas físicas), não. Vale destacar que não há nenhuma distinção entre uns e
outros, posto que ambos se revestem, nos termos do inc. II, do art. 150, acima, da idêntica condição: a) são
contribuintes; b) estão em débito para com os tributos federais.
Não é possível, na forma do art. 150 da CF, contribuintes pessoas jurídicas e contribuintes pessoas
físicas, ambos em débito, tratá-los, uns a pão-de-ló e água fresca; outros a pontapé, esporão de galo e unha de
raposa. Evidente que o Congresso há de corrigir a anomalia, mesmo porque em sentido contrário à expressão
«contribuintes» (plural) da Exposição de Motivos, como também em afronta ao art. 150, II, da CF.
2º - O REFIS III exige quatro parcelamentos em vez de um só
Muito antes de se falar em Super-Receita, o REFIS I teve o mérito de unificar os débitos da Previdência
Social com os da SRF/PFN. Funcionou, sim, e muito bem! Pois agora, como se o Governo tivesse renunciado ao
projeto da Super-Receita, e ao arrepio do princípio da eficiência (art. 37 da CF) e da boa gerência dos recursos
públicos, vem o REFIS III com a idéia sinistra de vários parcelamentos em separado.
Para quê? Com que finalidade? Mais burocracia, mais papéis inúteis, e, naturalmente mais custos,
tanto para o Fisco como também para as empresas.
O racional, sobretudo quando o assunto Super-Receita não morreu: unificar os saldos, atribuindo a
cada ente, SRF, PFN e SRF, o respectivo percentual arrecadado, na proporção da titularidade de cada conta.
Uma simples regra de três que os computadores fazem de cor e salteado e de olhos fechados.
O mais grave é que se o contribuinte tiver saldos anteriores a 28.2.2003 e saldos posteriores a essa
data, terá dois parcelamentos, aliás, quatro. Dois para com o INSS e mais outros dois para com a SRF, ambos
com taxas e condições diferentes.
Ou a SRF/PFN e INSS não ligam para os custos de operar uma multiplicidade de dados e relatórios,
que melhor estariam em conta única, ou... vantagens em cima de uma burocracia cabalmente inútil. Sim, há
necessidade de planilhar e acompanhar cada um desses múltiplos parcelamentos: montanhas de papéis, relatos
e viagens. E faturas! Para nada. Aliás, ao esbanjamento.
3º - O REFIS III repete a mesma crueldade do REFIS I e II de obrigar o contribuinte
a ler diariamente o DOU
Este novo Refis repete a crueldade dos anteriores: exclusão via internet, garantindo ao contribuinte, no
máximo, uma publicação no Diário Oficial. Ora, 99% das empresas não assinam Diário Oficial. As que o assinam
é com o fito exclusivo de acompanhar concorrências públicas. Nem mesmo os advogados lêem o DOU, posto que
existem empresas especializadas, inclusive a OAB, que mediante uma taxa mensal, fazem o acompanhamento
processual das publicações.
O fato é que a SRF/PFN e INSS estipulam no REFIS III a notificação eletrônica ou apenas uma notícia
de Diário Oficial, um obstáculo intransponível para a empresa, posto que nenhuma outra notificação da SRF/ PFN
ou INSS dá-se por essas vias.
O mais grave é que quando o empresário vem a saber que está excluído, são decorridos meses e
meses. O correto, igualitário aos demais contribuintes, leal, coerente com a realidade e com a prática do dia a
dia, é, tal como nos demais processos da SRF/PFN e INSS, a notificação pela via postal, com AR.
Por que com o REFIS há de ser diferente? Qual a razão para fazê-lo pela WWW ou DOU? Uma ponta de
crueldade, com certeza, posto que não há outra explicação. E, pior, com um prazo de dez dias para justificar-se,
quando o prazo normal é de 30 dias.
Mas há outro fato igualmente muito grave: a mudança de regras depois do pacto. Ora, se o REFIS é
um pacto, posto que nele entra quem quer, depois de examinar-lhe as condições e entendê-las aceitáveis —
indaga-se: como modificar as regras do pacto depois do pacto?!
Assim aconteceu no REFIS I, com as normas de exclusão alteradas várias vezes, sempre para pior, e
muito depois do pacto, vide Resolução CG REFIS nº 9 com várias reedições, bem posteriores ao REFIS I. Nas
tais modificações posteriores é que inventaram a notificação virtual. O mesmo aconteceu com o REFIS II, com
portarias advindas só muitos meses após a formalização do pacto. Pacto? Sim, pacto! Se é pacto, de livre
opção, as partes hão de respeitar as condições pactuadas. Se não é pacto, o que se diz apenas para argumentar,
seria relação de subordinação do sujeito passivo (contribuinte) ao Estado, hipótese em que as regras do
processo fiscal (Dec. 70.235/1972) hão de ser obedecidas.
A SRF/ PFN e INSS não divulgam, mas a maioria das exclusões teria sido evitada se a notificação de
excluir tivesse ocorrido pelas vias processuais normais. 90% delas, ou mais, consumaram-se à revelia, sem a
ciência efetiva do contribuinte.
Melhor que o Congresso imponha ao REFIS, aliás, a todos os parcelamentos em geral, as regras gerais,
atualmente vigentes, do processo fiscal (Dec. nº 70.235/1972): prazo de trinta dias, com notificação formal,
mediante correspondência com AR. Em suma, não mais que isto: o devido processo legal sobre todos os
procedimentos do Fisco.
4º - O REFIS III encolheu os prazos da exclusão
No REFIS II, o prazo para excluir é a inadimplência por três meses seguidos ou seis alternados. A crise
tem sido tão medonha que, ainda assim, muitos foram excluídos. Pois agora, no REFIS III, o prazo foi encurtado
para dois meses seguidos ou alternados. Atrasou? O olho da rua!
Duas prestações vencidas é prazo por demais curto. Uma doença grave, um infarto, um câncer de
próstata, um seqüestro (relâmpago ou chuvoso), uma tragédia qualquer, tudo coisa dentro do humanamente
previsível. Há excessivo rigor, incompatível com a realidade.
O Brasil assinou e descumpriu não se sabem quantas cartas do FMI. E não quita os precatórios. Urge a
modificação pelo Congresso Nacional, a garantir um mínimo, como no REFIS II, de três meses seguidos ou seis
alternados.
5º - O REFIS III mantém a mesma impossibilidade de incluir o "hiato" no
parcelamento
Muitas empresas foram postas no olho da rua no REFIS I porque exigia-se o pagamento imediato dos
meses que iam do período abrangido ao mês da opção. Explico: o REFIS I abrangeu os débitos vencidos até 28
de fevereiro de 2000, mas a opção-declaração alongou-se por seis meses. O contribuinte havia de pagar estes
meses alongados integrais, à margem do REFIS. No REFIS II foi igual: débitos parceláveis até o mês de janeiro
de 2003, com opção em julho de 2003, deixando ao relento os débitos vencidos de fevereiro a julho de 2003.
Em se admitindo a crise como justificação ao REFIS (e a crise é real), como exigir que a empresa
arque com três recolhimentos? Vejamos: a) um recolhimento das parcelas normais, a se manter em dia, sob
pena de exclusão; b) um segundo recolhimento, do REFIS propriamente dito; c) um terceiro recolhimento, dos
meses do hiato, não abrangidos pelo REFIS.
É mais ou menos parecido com a exigência ao maratonista extenuado, que inicie carreira imediata,
com o triplo da velocidade, contra colegas descansados e bem dormidos. Com tamanho absurdo, tanto no REFIS
I, como no REFIS II e agora no REFIS III, milhares de empresa não poderão resistir. Se era o caso de impor um
entrave tão medonho, melhor não enganar: mandar executar logo, fechar, quebrar, explodir.
Pois a mesma crueldade repete-se agora pela terceira vez: débitos abrangidos só até 31.12.2005.
Opção a partir de julho de 2006 até 15.9.2006. Os meses de janeiro de 2006 até 30 dias depois da opção não
podem ser incluídos no REFIS III. Por quê? Como pôr-se em dia, imediatamente, com a carga de vários meses,
mais a prestação de cada mês, mais os tributos do mês?!
Um programa REFIS, para ser REFIS, no sentido de recuperar a empresa e o emprego, há de
contemplar a TODOS os débitos, inclusive o mês da opção. De fato, é razoável, em política de crédito que
pretenda recuperar o devedor, garantir um prazo de carência. Digamos, no primeiro ano exigir não mais que
amortização do serviço da dívida, isto é, os juros moratórios. Do contrário, assim a prática tem indicado, não se
trata de má-fé, mas de quebradeira mesmo, com a conseqüente extinção da empresa.
6º - O REFIS III traz o mesmo problema do "valor residual"
O REFIS III repete um outro problema do REFIS II: o chamado valor residual entre o débito efetivo,
cujo valor o contribuinte não o sabe exato quando faz a opção, e o valor da parcela mínima a recolher. O REFIS
II indicava um mínimo de R$ 2.000,00 mensais para as empresas desvinculadas do sistema Simples.
O problema é que, no REFIS II, a consolidação, a despeito do princípio da eficiência (vide art. 37 da
CF) veio com quase dois anos de atraso. Nesse interregno, acumulou-se uma diferença significativa. Culpa do
contribuinte? Pelo contrário, culpa do administrador tributário que, num minuto, a um simples toque de ENTER,
teria, se quisesse, consolidado todos os débitos.
Pois o Fisco, realizada a consolidação, passou a exigir quitação imediata, mais os juros de mora, de
todo o atrasado. Evidente que a maioria não pôde pagar. Rua!
Este escritório conseguiu a reintegração judicial de muitas empresas, sobretudo depois de demonstrar
que, se havia alguém em mora, era precisamente Sua Exª, o Administrador Tributário que não fez a
consolidação a tempo, e não o contribuinte.
Sim, o problema vai-se repetir no REFIS III, a não ser que o Congresso Nacional explicite que
enquanto não for consolidado o débito, o contribuinte pagará a parcela mínima, agregando-se o residual ao saldo
devedor.
7º - O REFIS III não toma em conta a capacidade contributiva
Pagar os tributos dentro da respectiva capacidade de contribuir constitui primado constitucional, a
antítese do confisco. O REFIS I adotou este princípio quando estabeleceu o comprometimento de 1,2% do
faturamento da empresa como prestação mensal.
O REFIS II descumpriu o princípio da capacidade contributiva, limitando-se, no caso das empresas
desvinculadas do SIMPLES, a dividir o débito por 180 prestações mensais. Em ambos os casos, ante a
inexistência de uma efetiva proteção contra fraudes, não foi incomum o enxugamento da empresa: no REFIS I, a
reduzir a quase nada o pagamento mensal; no REFIS II, a equipará-la à EPP para reduzir o recolhimento a
R$200,00, um absurdo.
Bastava ter estabelecido, no REFIS I e II (e agora neste também) que o pagamento dar-se-ia sob um
percentual único sobre o faturamento de todo o grupo econômico. Evidente que a Lei das S. A. define o que se
entende por grupo econômico (controladas e coligadas), bem como a legislação do IPI (interligadas e
interdependentes). Com isto, o recolhimento mensal ao REFIS teria guardado proporcionalidade ao real
faturamento do grupo empresarial em débito, inclusive no caso de sucessão, fundo de comércio, etc.
É a oportunidade de o Congresso impor o princípio da capacidade contributiva, não só a este, mas a
quaisquer outros parcelamentos, estaduais e municipais, como também, em paralelo, garantir as salvaguardas
em favor do Fisco, isto é, o percentual a recolher recaia o faturamento de todo o grupo econômico. É justo!
8º - Da demonstração da razoabilidade de um pagamento mensal sob um percentual
máximo do faturamento
Tenhamos em mente este quadro: uma empresa sob múltiplas execuções fiscais. Em determinado
ponto, o Judiciário, atendendo ao princípio da proporcionalidade, há de ponderar entre a liquidação pura e
simples ou a manutenção do emprego. Como valor social, o emprego há de sobrepor-se. Fixa então o Poder
Judiciário, no processo de execução fiscal, um comprometimento de 10% do lucro bruto, isto é, o valor das
compras totais menos custos totais. Esse valor representa aproximadamente aquele 1,2% do REFIS I ou aquele
1,5% do REFIS II, algo suportável para quem está em crise.
Portanto, no exemplo dado, se a empresa, em vez de ingressar num parcelamento impossível de
cumprir, pleitear ao Juiz da Execução Fiscal a penhora de 10% do seu lucro bruto, poderá conseguir, na prática,
um "Refis Judicial".
De sorte que pretender o Fisco receber tudo a ferro e fogo, como neste REFIS III, eis o caminho mais
curto para receber coisa nenhuma. Sim, levada a empresa a ferro e fogo, os seus ativos, regra geral, são
insuficientes para cobrir os direitos do trabalhador. Vejamos a jurisprudência do STJ sobre a penhora de
faturamento:
REsp nº 299.360-SP, decisão unânime, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar:
EXECUÇÃO. Penhora. Faturamento.
A penhora do faturamento da empresa somente pode ser admitida em caso excepcional e em quantitativo que
não prejudique a normalidade de seus negócios. Caso em que os bens nomeados estão localizados em lugar
distante no interior do País ou se constituem em ações da própria empresa, a evidenciar a extrema dificuldade
que terá a credora para obter a satisfação do seu crédito. Provimento em parte, para permitir a penhora de 10%
(dez por cento) sobre a diferença entre o preço da mercadoria vendida e o seu custo, considerando o tipo de
atividade da devedora.
9º - Da demonstração dos créditos "podres" dados como créditos saudáveis pelo
administrador incauto
Vimos, acima, que, em prol do emprego, a empresa ainda que em débito para com o Fisco, pode e
deve permanecer funcionando, desde que comprometa algo razoável em prol do credor. O valor, a experiência
assim o indica, não fica em nada distante daquele 1,2% do primeiro REFIS a 1,5% do segundo REFIS.
Vimos também que se o Fisco avexar em demasia o carro antes dos bois, o resultado será a coisa
nenhuma, o desastre, a virada, a quebra do eixo, dos fueiros e o derramamento do grajau. Se duvidar, a morte
dos bois. E o tangerino que se cuide.
Não há, na história econômica dos últimos 50 anos, no Brasil, exemplo de empresa que tenha
quebrado, e, da quebra tenha sobrado algo para pagar tributos. Os débitos dos trabalhadores, mais a natural
rapinagem à ausência dos donos, levam tudo de voragem, ao pó, de roldão. Em conclusão: aqueles bilhões que
o administrador anuncia de créditos a receber são, maior parte, 99,9999%, obra da melhor ficção. [O remédio?
Algumas sugestões noutro tópico.]
Trago-lhes como exemplo uma empresa recém-noticiada como devedora de INSS no valor de 111
milhões. Com 11 milhões ou até um pouco menos, monta-se uma empresa igual, sem débitos, com dinheiro na
gaveta da registradora para, de manhã bem cedo iniciar o expediente passando troco aos primeiros clientes.
Indaga-se: quanto valem os tais 111 milhões se a empresa inteira, sem débitos, não passa de 11?
No exemplo dado, a empresa está funcionando, a duras penas, é certo, mas empregando em torno de
umas 150 pessoas, os salários em dia, aos trancos, mas todo mundo almoçando, jantando e tomando café de
manhã, de tarde e de noite. Qual o melhor roteiro: executá-la e nada apurar, colocando no olho da rua aquelas
150 famílias, ou encontrar, racionalmente, uma maneira de trazer a empresa para o mundo civilizado dos
pagadores de tributos? Por certo, manter o emprego.
A pergunta é: como teria sido possível àquela empresa chegar a dever o estupendo valor de mais de
dez vezes o seu patrimônio?
Não se pode esquecer que noção de ESTADO GERENCIAL, regido pela eficiência, é uma idéia muito
recente na América Latina. Realmente, a Emenda Constitucional nº 19, que o introduziu no Brasil (eficiência,
avaliação funcional, moralidade e não-estabilidade), é do ano de 1988, mas até hoje, na prática, não produziu
fruto algum. Como se inexistisse.
A SRF fez um planejamento há quase vinte anos para um contingente de 15.000 auditores. A
população quase dobrou e os auditores não passam de 7.000. Como falar em eficiência?! Mais a defasagem
salarial. Só agora, oito anos passados da implantação do Estado Gerencial [EC 19/2008], dão-se os primeiros
passos contra o nepotismo.
Em suma, a coisa é muito mais complexa do que exibir números grandiloqüentes de créditos fiscais
que não correspondem de forma alguma a ativos reais em favor do príncipe. Porque tais créditos não estão
respaldados em ativos reais, isto é, são oriundos de empresas que, a despeito de estarem funcionando, pouco
valem. Valem, sim, os seus empregados.
O Congresso Nacional precisa incorporar a essa MP um dispositivo limitador dos parcelamentos em
geral, em defesa do emprego: em todo e qualquer parcelamento fiscal, o comprometimento será uma parcela
mensal com um máximo de 10% das vendas menos o seu custo, tal como no aresto do STJ. Afora isto, para que
dar parcelamentos? Melhor decretar a falência, a liquidação, a extinção, o despejo, a breca.
10º - Dos créditos "podres", de como liquidá-los contra débitos reais
O programa REFIS I introduziu uma prática por demais salutar. Como toda e qualquer idéia pioneira,
fê-lo porém com muitas ressalvas e timidez. Foi o caso de aproveitar os saldos de prejuízos fiscais (IRPJ e CSL),
um crédito das empresas, para quitar débitos fiscais. Explico: as empresas do REFIS I (só as do REFIS I),
puderam aproveitar 15% dos prejuízos fiscais de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, e 8% das bases
negativas da CSL para abater contra os saldos do REFIS.
O prejuízo poderia ser próprio ou de terceiros. Funcionou, sim, ainda que precariamente. Em suma,
créditos podres (dívidas da empresa) versus débitos verdadeiros, os saldos acumulados das contas de prejuízo
fiscal do IRPJ e da CSL, que mais dia menos dia, haveriam de abater lucros, fosse pela recuperação, fosse pelas
fusões e planejamentos tributários.
O problema é que a idéia recebeu infindas castrações mentais. Inicialmente, só podia compensar
contra as multas. Depois, ampliada aos juros, mas jamais aceita ao principal. Não dá para entender porque o
débito inteiro não podia ser abatido contra a conta integral dos prejuízos fiscais.
Em segundo lugar, muito lamentável, deu-se a tentativa de tungar o contribuinte, pois todo mundo
sabe que o IRPJ não é de apenas 15%, mas de 15% + 10% de adicional-IRPJ sobre todos os valores que
excederem a R$ 20.000 mensais. Sabe-se também que a CSL não tem sido de 8% todo o tempo, mas variável
de ano para ano e de setor para setor. Por que não fazer uma conta honesta?
Em terceiro lugar, os prejuízos dados como compensáveis foram os de 1999 para trás, embora a lei do
REFIS I não traga nenhuma rigidez nesse sentido. A piorar o quadro, a Resolução CG REFIS nº 21/2001, no site
da SRF, é dada como vigente, mas ninguém consegue, na prática, fazer compensação alguma, a pretexto de que
o prazo ter-se-ia encerrado quando da declaração Refis, em 2001. Um absurdo, evidentemente, posto que a lei
não fixou prazo algum para compensar, tanto assim que os formulários da compensação estão até hoje ao dispor
do contribuinte na page da SRF, vigentes, mas de impossível utilização, assim a orientação da SRF. Solução:
bater às portas da Justiça.
Surge, pois, agora uma excelente oportunidade de o Congresso Nacional mandar fazer uma limpeza
nessa sinistra conta de prejuízos acumulados sem nenhum ônus para o Estado. É trocar um débito real, a ser
fatalmente descontado no futuro, com créditos podres, jamais recebíveis. Sim, o princípio da eficiência de que
nos dá conta o Estado Gerencial, vide EC 19/1998, atual art. 37 da CF.
Quem sabe, não seria a hora de encaixar o ameaçante Crédito Prêmio do IPI numa negociação possível
contra os débitos das empresas, inclusos os Bancos oficiais, BNB e BASA (debêntures da SUDENE e SUDAM), e o
BNDES?
11º - Da apropriação indébita: na maioria dos casos, pura falácia
Quando vejo alguém a falar de tributos descontados e apropriados indebitamente, vem-me, com todo
o respeito, aquela certeza de que o interlocutor não sabe o que é o dia a dia de uma empresa em dificuldades.
Existem quebras fraudulentas, empresários decididamente refratários a qualquer tributos, mas a regra geral não
é esta.
Tomemos para a análise a palavra «descontar». Com certeza, uma variante do verbo «contar». Isto
mesmo, o empresário conta 100 unidades monetárias e, com uma mão as entrega ao funcionário. Com a outra,
ao mesmo tempo em que vai entregando aquelas 100 unidades, desconta 9 unidades em favor do INSS. Aliás,
desconta também 27,5 unidades em favor do Imposto de Renda.
Feito o desconto, o empresário, desonesto, não recolhe os valores retidos ao INSS e à Receita Federal.
O problema é que a coisa não é bem assim. O empresário em dificuldades não dispõe daquelas 100 unidades
para «contar» e, depois de «contados» pagar salários e «descontar» tributos. Pelo contrário, paga-os aos
pedaços, aos trancos, no vale, no "abono".
Voltemos ao verbete «descontar». Ele pressupõe um outro, repita-se, o verbete «contar». Isto mesmo,
se o empresário não possui aquelas 100 unidades teóricas para «contar», como, pois, falar em «descontar»? O
emprego de outro sinônimo, digamos, «reter», também pressupõe o «ter». Em suma, isto de apropriação
indébita, em 99% dos casos, inexiste.
Se o Fisco quiser mesmo acabar de uma vez por todas com o problema, basta implantar este modelo
de transparência fiscal:
z
Pagar todos os salários via banco. Não há localidades sem banco, ainda que uma agência lotérica ou dos
correios a suprir a mínima atividade bancária;
z
Quaisquer pagamentos, vales inclusos, em favor do funcionário, seria bi-partido, no banco, em duas
titularidades: uma, do funcionário; outra, dos tributos e CLT (FGTS);
z
Com isto, ainda que a empresa não disponha do salário integral, se vier a pagá-lo parcialmente, sobre a
parte que pagar, o INSS, o IRFonte e os demais (e não são poucos!) terão o seu quinhão. Também o
FGTS. E mais encargos que houver, inclusos os empréstimos dos bancos consignados;
z
Acabar-se-á assim a farsa de dizer que o empregado paga 9% de INSS e 27,5% de Imposto de Renda na
Fonte. Quem, a rigor, paga-os é a empresa, fazendo-os recair, quando possível, sobre seus custos. [Disse
«quando possível», matéria de outro ensaio, porque no regime de livre mercado, nem sempre é possível
descarregar todos os custos nos produtos vendidos. Muitas vezes a empresa obriga-se a vender com
prejuízo ou lucro nenhum]
z
Será o fim da apropriação indébita e do não-recolhimento das contribuições sociais, pois todos os valores
serão repassados pelo banco;
z
Tanto dinheiro haverá em poder do INSS que as alíquotas terão de ser reduzidas, àquela máxima de "onde
todos pagam, todos pagam menos".
z
Com isto, o senhor Presidente não necessitará vetar o aumento de 16% dos aposentados, nem o FGTS das
empregadas domésticas.
O sistema, facilmente implantável, por MP mesmo, eficientíssimo, tanto para empresa, como para os
empregados e o Fisco, tem um defeito terrível: desnuda o rei! De fato, no momento em que Sua Excelência, o
empregado (e eleitor!) perceber que o seu salário real não é de apenas 100, mas de quase 200, a proporcionar o
desconto de 27,5% do IR-fonte, mais outro de 30 e não sei quantos por cento à Previdência Social, mais 8,4%
do FGTS, mais x% Sindicato... etc, etc.
Como é o nome mesmo?
Dizem que o nome verdadeiro é Cidadania, isto é, a participação do povo no destino da pólis, sabendo
o quanto cada um paga para saber de que tanto pode (e deve!) cobrar do príncipe. Desde que o senhor príncipe
assim o aceite. Aceitará? Uma questão de civilização, com certeza. A depender da doutrina, da jurisprudência, do
grito do cidadão. Mais dia, menos dia, quem viver, verá.
Ou, pelo contrário, melhor manter essa falácia de empresário sonegador, quando os meios de acabar
com o problema inteiro estão ao dispor do Estado, mas ao preço de desnudar a volúpia arrecadatória. E
esbanjadora. Mas, por favor, não se diga que o sistema de antecipar nas fontes não seria possível, porque é,
vide Constituição Federal:
Art. 150
VI
§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de impostos ou
contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga,
caso não se realize o fato gerador presumido.
Existe, como se vê, previsão constitucional para transferir para outrem a obrigação de recolher. No
caso, ao empregado, via conta bancária, ter-se-á o recolhimento integral de todos os tributos incidentes sobre os
salários. Uma Medida Provisória, de imediato, sem maiores delongas, é mais que suficiente. Isto será tão
educativo quanto colocar no rosto da nota fiscal o valor dos tributos pagos em cada compra. Sim, um e outro,
ambos.
De fato, depois que o Fisco passou a exigir a antecipação dos tributos nos pagamentos às empresas de
serviços, simplesmente acabou aquele golpe de fundar empresas destinadas a não pagar e sumir. Pode até
sumir, agora, mas o tributo terá sido recolhido no sistema da antecipação tributária.
12º - Conclusão: o que fazer de imediato?
Para a empresa em débito, por enquanto, nada. Mas sobretudo contatar com o vereador, deputado
estadual, federal, senador e governador, a lhes exigir um REFIS que realmente não se revista de malandragens
e enganações. Nem contra o contribuinte, muito menos contra o Estado. O termo médio, dentro do possível e do
conveniente, como di-lo Aristóteles no último parágrafo de sua Política.
Se a empresa tem débitos em fase de execução, requeira, através de seu advogado, é claro, a
suspensão, pois em seu favor a MP que lhe garante parcelar até o dia 15.9.2006. Isto é fundamental, por favor:
até o dia 15.9.2006. Daqui até lá, atenção total. Não perca o prazo, nem opte antes do tempo.
Trate de mandar levantar os débitos de sua empresa. Todos. Inclusive aqueles não apurados, cujo
risco deve ser eliminado.
Exercite também todos os seus direitos sobre créditos não aproveitados. Os atos normativos, na parte
de incentivos, são quase sempre mais reais que o rei. Cite-se como exemplo a IN SRF 23/1997 que nega, contra
a lei, o direito ao crédito presumido do PIS/ COFINS sobre os produtos adquiridos do produtor rural. Este
escritório quem primeiro levou o problema ao Judiciário. Vale este registro de S. Exª, a Ministra Eliana Calmon,
do STJ, no REsp 586.392-RN, unânime, com trânsito em julgado:
Advirto que a tese jurídica em discussão ainda não foi examinada por esta Corte. Daí a minha preocupação em bem examinar a
querela. Confesso ter ficado impressionada com o entendimento que, na esfera administrativa, vem sendo dado à Instrução
Normativa SRF 23/ 97, como demonstrou com competência, nos memoriais ofertados, o senhor advogado da empresa, ora
recorrida. [Grifos nossos]
Toda atenção, por conseguinte, ao REFIS III. A MP 303 foi publicada em 30.6.2006. Terá, ainda que o
Congresso a rejeite, um prazo de validade de 60 dias, mais outros 60, da prorrogação. Em suma, só perderá
seus efeitos depois de 28.10.2006, exceto na hipótese ultra-remota de a Câmara Federal, sob Aldo Rabelo
(governista), rejeitá-la antes.
Muita atenção daqui para lá. Darei notícias nesta página. Defenda sua empresa (e o emprego dos seus
colaboradores) com unhas e dentes. Fale com o deputado. Pressione. Abra a página da Câmara. Faça carta
pessoal para cada um deles. Visite-os. Diga que (não) votará! Seu voto é um instrumento de pressão legítimo.
Aqui está o endereço: www.camara.gov.br
13º - das empresas do sistema Simples e EPP
Em tempo: estava a esquecer que o REFIS III contempla as empresas do Simples, um alívio a essa
sofrida classe empresarial. Se sua empresa está excluída, tenha calma, que as instruções para optar ainda não
saíram. Se tem alguma execução fiscal, requeira a suspensão, pois o direito de parcelar já existe. Se o
desespero for por conta uma Certidão, assim que os formulários de opção estiverem disponíveis, opte, pague a
primeira quota, que a CPDEN deve sair.
Em tempo 2: Fico devendo um estudo detalhado das modificações sobre multas das leis 9.430/1996 e
4.502/1964, introduzidas pela MP do REFIS. Bem como um estudo sobre o veto presidencial ao PCL nº 9/2006,
resultante da MP 280.
[Artigo atualizado em 10.7.2006]
* Francisco José Soares Feitosa, 62, é auditor aposentado e advogado. [email protected]
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Francisco José Soares Feitosa