ENSINO DE MATEMÁTICA E APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA: UMA EXPERIÊNCIA COM USO DE MAPAS CONCEITUAIS Ana Oliveira Castro dos Santos Mestre em Educação – UFSC Doutoranda em Mídia e Conhecimento – UFSC Francisco das Chagas Mendes dos Santos Mestre em Ciência da Computação – UFSC Doutorando em Engenharia Mecânica – UFSC Resumo. A gênese deste estudo encontra-se na interconexão da pedagogia e o ensino de matemática. Experiências didáticas anteriores com o ensino da referida disciplina, mostraram-se tradicionalistas, livrescas, territorializadas e descontextualizadas da realidade dos agentes envolvidos nos processos de ensinar e aprender. Este artigo relata uma investigação sobre o uso de mapas conceituais como estratégia metodológica da superação dos aspectos acima apontados. Nosso principal objetivo é a construção conceitual a partir da aprendizagem cooperativa e significativa. A experiência foi realizada com os alunos da 1ª fase, em dependência em Matemática, do ensino médio. Palavras-Chave: Processo de ensino-aprendizagem de matemática, aprendizagem cooperativa, aprendizagem significativa, mapas conceituais. Introdução De modo geral, quando se fala na relação ensino-aprendizagem de matemática o modelo pedagógico que logo salta a mente é a pedagogia diretiva. Nessa relação, o ensino e a aprendizagem são pólos dicotômicos: o professor jamais aprenderá e o aluno jamais ensinará. Como diz um professor ao responder à pergunta “qual o papel do professor e qual o do aluno?”: “O professor ensina e o aluno aprende; qual é a tua dúvida?”. Ensino e aprendizagem não são pólos complementares. A própria relação é impossível. É o modelo, por excelência, do fixismo, da reprodução, da repetição. Nada de novo pode – ou deve, acontecer aqui. (BECKER, 2001) Nesse modelo pedagógico, a relação ensino-aprendizagem está centrada na: memorização, descontextualização e desconsideração da bagagem conceitual do 2 aluno, na concepção de aluno como agente passivo e individual no processo de aprendizagem (concebido como processo acumulativo de apropriação de informações previamente selecionadas, hierarquizadas, ordenadas e apresentadas pelo professor) e a ênfase nos aspectos instrumentais e procedimentais da matemática, procurando tornar os alunos hábeis no manejo mecânico de algoritmos. O principal objetivo deste experimento foi à aplicação e uso de mapas conceituais no ensino de funções do primeiro grau, em uma turma de dez alunos em dependência em Matemática, buscando elucidação e respostas não só para as questões elencadas na relação ensino-aprendizagem de Matemática acima, mas também para tentar responder a questão: - Em que medida esta ferramenta possibilita a construção de conceitos matemáticos e fomenta a aprendizagem significativa de forma cooperativa e autônoma? Mapas conceituais ou redes semânticas A representação do conhecimento em rede facilita, pois, a apreensão do conhecimento porque a memória humana reconhece e retém mais rapidamente os exemplares prototípicos, respondendo de maneira mais satisfatória às expectativas de realidade dos leitores, facilitando o processo mental da compreensão. A rede simula aspectos típicos da cognição humana, tendo como característica essencial a flexibilidade na modelagem de fenômenos cognitivos que é a capacidade da rede de sempre completar os conceitos descritos através da associação de novas propriedades aos conceitos básicos. (AMORETTI, 2000) No intuito de compreender como o conhecimento se organiza e se transforma na mente do estudante e ainda em como envolvê-lo ativamente no processo cognitivo durante a aprendizagem, foram utilizados no experimento mapas conceituais. Sua base teórica foi desenvolvida por J. D. Novak na Cornell University. Ithaca, New York para dar suporte à teoria da aprendizagem significativa proposta por David Ausubel. Mapas conceituais são instrumentos de grande potencial pedagógico que têm como objetivo auxiliar a captação do significado dos temas que se aprende 3 permitindo descobrir as concepções equivocadas ou interpretações não-aceitas de um conceito, ilustrado por uma frase que se inclui no conceito. Devem ser hierárquicos, com os conceitos mais gerais situados em sua parte superior e os mais específicos e menos inclusivos na parte inferior. Também podem prover um tipo de mapa virtual mostrando algumas das formas ou caminhos em que se podem conectar significados de conceitos em proposições. Também podem ser considerados instrumentos úteis para negociar significados, pois permitem que os alunos contribuam na construção dos conceitos. Após a tarefa de aprendizagem ter sido completada, os mapas conceituais proporcionam uma síntese esquemática do que foi aprendido. Esse resumo pode ser analisado a partir de “Uma representação visual do conhecimento, uma espécie de grafo orientado, etiquetado, geralmente conexo e cíclico, cujos nós representam os conceitos e seus arcos, ligações (links), representam as relações entre os conceitos.”(AMORETTI, 2000) Portanto, o mapa conceitual Tem a função de descrever os objetos da experiência, permitindo o seu reconhecimento; (...) exerce ainda a função de organizar os dados da experiência de modo a que se estabeleçam entre eles conexões lógicas, permitindo a inferência dedutiva dos conceitos, exercendo também a função fundamental de previsão em que o conceito é um meio antecipador (prolepse), projetando modelos, conceitos matemáticos ou construções. Os conceitos são pensados de forma interativa e múltipla em que cada subclasse herda automaticamente as propriedades da sua classe, diminuindo o tempo e a dificuldade da aprendizagem, exigindo da memória apenas os elementos mais representativos. (AMORETTI, 2000). Nesse sentido, os mapas conceituais utilizados como tecnologias mediadoras da relação ensino-aprendizagem, podem ser entendidas como uma rede semântica estruturada que apresenta uma cadeia de conceitos necessários, no nosso caso, para se determinar o mapa conceitual de função do 1º grau. Os conceitos usados na rede conceitual da função do 1º grau foram sistematizados pelo grupo de alunos de acordo com os conhecimentos prévios de cada um, e as modificações decorrentes das categorizações conceituais nessa rede foram propostas pelo grupo à medida que a rede conceitual ia se configurando. 4 Assim, a descrição dos objetos da experiência, lingüístico e visual, com as tecnologias dos mapas conceituais, tais como as representações algébrica e geométrica dos elementos chave na apreensão conceitual de função do 1º grau, materializava-se durante a configuração da própria rede conceitual de função do 1º grau por cada aluno e, simultaneamente, pelo grupo de um modo geral. Aprendizagem significativa de David Ausubel A aprendizagem significativa foi postulada pelo psicólogo norte-americano David Ausubel, e sua premissa fundamental é a de que o aprendizado significativo acontece mediante um esforço deliberado do aprendiz em relacionar o novo conhecimento aos conceitos e proposições que eles já conhecem. (Novak, 1984) Tal aprendizagem se contrapõe à aprendizagem mecânica uma vez que esta é, notadamente, marcada por esforços de memorização e pela incorporação arbitrária de conhecimento, isto é, sem interação entre o novo conhecimento e os já existentes na estrutura cognitiva do estudante. Portanto, para Ausubel, aprendizagem significativa é um processo pelo qual uma nova informação se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo. Nesse processo a nova informação interage com uma estrutura de conhecimento específica, a qual Ausubel define como conceitos subsunçores (subsumers) existentes na estrutura cognitiva do indivíduo. A aprendizagem significativa ocorre quando a nova informação ancora-se em conceitos relevantes preexistentes na estrutura cognitiva de quem aprende. Ausubel vê o armazenamento de informações no cérebro humano como sendo altamente organizado, formando uma hierarquia conceitual na qual elementos mais específicos de conhecimentos são ligados a conceitos mais gerais, mais inclusivos. Estrutura cognitiva significa, portanto, uma estrutura hierárquica de conceitos que são abstrações das experiências do indivíduo. (Moreira, 2001) Para David Ausubel [Novak, 1984] o fator mais importante influenciando a aprendizagem é o que o aprendiz já conhece, devendo o professor determinar isso e ensinar de acordo. 5 Em síntese, o que é sugerido pela Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel é a participação ativa do sujeito, sua atividade auto-estruturante, o que supõe a participação pessoal do aluno na aquisição de conhecimento, de maneira que ele não seja uma repetição ou cópia dos conhecimentos formulados pelo professor ou pelo livro-texto, mas uma reelaboração pessoal. Aprendizagem cooperativa “(...) a construção de um mapa envolve a colaboração quando os alunos compartilham informações, ainda sem modifica-las e envolve a cooperação que consiste não somente no compartilhamento dos conhecimentos mas também na possibilidade de interferir e modificar a informação recebida dos colegas, atuando de forma orquestrada para construir um mapa coletivo. Tanto a cooperação quanto a colaboração evidenciam a autonomia do processo cognitivo de classificação e a orientação dada pelo próprio aluno ao tentar adequar os seus conhecimentos aos conhecimentos dos colegas.” (AMORETTI, 2001) Cooperar , é operar em comum, ou seja, ajustar por meio de novas operações de correspondência, reciprocidade ou complementaridade, as operações executadas pelos parceiros. (PIAGET, 1973). Em contraste com colaborar, conjunto de ações que são realizadas isoladamente pelos parceiros, mesmo quando o fazem na direção de um objetivo comum. Na cooperação os atos dos sujeitos constituem-se nas operações que integram um único sistema operatório. A questão é explicitar como um indivíduo consegue harmonizar suas intervenções com as dos outros sujeitos, a ponto de engendrar um sistema operatório. Nessa perspectiva, ainda é necessário explicar os mecanismos envolvidos nas ações que levam à cooperação nas trocas de pensamento. Na construção do mapa conceitual, pretende-se organizar a turma de alunos num único grupo e dessa forma trabalhar em grupo e de forma cooperativa, num primeiro momento. Nesse contexto, as interações sociais passam a ser entendidas como a condição necessária para a produção de conhecimento por parte dos 6 alunos, particularmente aqueles que permitem o diálogo, a cooperação e a troca de informações mútuas, o confronto de pontos de vista divergentes e que implicam a divisão de tarefas onde cada um tem responsabilidades que, resultam no alcance de um objetivo comum. Função do 1º grau e mapas conceituais Do programa de Matemática da 1ª fase do ensino médio do CEFETSC, o tópico escolhido para ser modelado pelos alunos por meio de mapas conceituais foi o assunto função do 1º grau. As atividades foram realizadas em sala de aula utilizando-se quadro verde, apagador, giz e apostilas contendo conceitos básicos e exemplos sobre mapas conceituais. Os mapas conceituais não foram implementados com a ferramenta Cmap Tool, por falta de laboratório. Os mapas conceituais foram construídos em papel. O professor propôs atividades em grupo e individual para explorar as teorias da aprendizagem significativa e de cooperação em sala de aula, bem como a diferença conceitual entre cooperação e colaboração a partir dessas atividades. Através dos referidos exemplos da apostila, explorou-se as vantagens e especificidades voltadas para a organização e sistematizações conceituais ou esquemáticas sobre tópicos selecionados do conteúdo programático. A atividade individual tinha como objetivo verificar a forma como cada aluno usava os próprios esquemas mentais para expressar os conhecimentos na tentativa de compreender, memorizar, inferir e principalmente como ele representava a organização dos conhecimentos na memória, tudo isso a partir da sua rede conceitual do tópico selecionado em sala de aula (Cf. Amoretti, 2001). Nesse momento, promove-se a discussão sobre a construção e significação dos mapas conceituais e da própria construção conceitual dos tópicos Matemáticos selecionados nos exemplos. Portanto, para planejar o trabalho pedagógico consistentemente com a teoria de Ausubel, a primeira e usualmente difícil tarefa é a identificação dos conceitos 7 básicos do tópico selecionado e de como eles estão estruturados. Uma vez resolvido esse problema, deve-se dar atenção a outros aspectos. Segundo as próprias palavras de AUSUBEL (1968, p. 152): “uma vez que o problema organizacional substantivo (identificação dos conceitos organizadores básicos de um dado tópico) é resolvido, a atenção pode ser dirigida aos problemas organizadores programáticos envolvidos na apresentação e no arranjo seqüencial das unidades dos componentes. Aqui, hipotetiza-se, vários princípios relativos à programação eficiente do conteúdo são aplicáveis independentemente do campo da matéria de ensino”. É importante observar a forma como os alunos, durante a atividade em grupo, estruturam os conceitos durante a concepção do mapa conceitual, a partir das interações das próprias bagagens cognitivas. Durante as interações é possível perceber as inferências que vão surgindo durante a concepção dos arranjos provisórios para concepção do mapa final. Essa situação é ratificada por VIEIRA (2003), “Assim a ausência de informações explícitas nos textos e a observação da capacidade manifestada pelos sujeitos para resolverem as dificuldades, levou os investigadores a colocarem a hipótese de que os sujeitos efetuariam inferências à medida que tratam a informação nova, quando pretendem compreender. Estas inferências assentariam, em grande parte, nos conhecimentos que os sujeitos possuem na memória de longo prazo, relativamente ao mundo quotidiano, nos conhecimentos infra-linguísticos”. A qualidade cognitiva das inferências vai depender do background dos sujeitos envolvidos ou seja, de seus esquemas anteriores nesse processo de construção conceitual. Nessa perspectiva, é que, como salienta Cunningham (apud VIEIRA, 2003) “... as inferências podem ser textuais e pragmáticas e falar em inferências é pensar que os sujeitos vão além da compreensão literal, vão além do que está explícito na superfície textual. É necessário que o professor considere as duas categorias de inferências: as baseadas no texto - inferências lógicas e as baseadas nos esquemas do sujeito - inferências pragmáticas. Dado que as inferências se apóiam no conhecimento dos sujeitos, quanto mais conhecimentos, mais inferências, não apenas pragmáticas mas também criativas”. 8 Nesse contexto, a criatividade dos sujeitos envolvidos nesse processo de construção de conceitos matemáticos pode materializar-se a partir da objetivação dos mesmos na construção de constructos ou artefatos humanos. A exemplo da materialização do conceito de função do 1º grau através da comprovação da lei do físico alemão Georg Simon Ohm (1857 – 1854) dada pela relação entre as medidas da resistência e tensão em um fio de Níquel-Cromo (a 1ª lei de Ohm onde “A intensidade de corrente que circula por um condutor é, a cada instante, proporcional à diferença de potencial aplicada às extremidades do mesmo”). Portanto, a materialização de protótipo do(s) conceito(s) trabalhado(s) também deixa(m) marca(s) profunda na estrutura cognitiva do aluno em atividades laborais tanto dos mapas conceituais de função do 1º grau quanto de atividades de criação a partir de matérias concretos. Nesse contexto, cada protótipo ... “É um tipo de esquema mental. É um conjunto de propriedades mais importantes de um conceito. Pois, A idéia do protótipo possibilita que o sujeito tenha uma construção mental identificando as características típicas de várias categorias e, quando encontra um objeto novo, ele possa compara-lo com o protótipo que tem na memória.(Amoretti, 2001) Atividades significativas de aprendizagens, como as descritas acima, corroboram não só para o estabelecimento de relações entre os conceitos envolvidos com o tópico selecionado, mas principalmente com temas transversais relacionados com os esquemas (scripts) trabalhados ou descobertos a partir do estabelecimento de “categorias prototípicas e facilitando a aprendizagem e a memorização e favorecendo inúmeras tarefas, sobretudo aquelas que exigem a construção de uma taxonomia e a inclusão de um conceito em uma determinada classe de conceitos que lhe seja superior. (AMORETTI, 2000) Outro aspecto promissor nessas atividades é a possibilidade da retificação de estereótipos que serão discutidos e aprofundados em estudos posteriores. 9 Estereótipo é um conjunto de crenças baseado em uma generalização defeituosa e inflexível. (AMORETTI, 2001) Considerações finais A experiência com mapas conceituais no ensino de funções do 1º grau mostrou-se uma ferramenta adequada e possibilitadora de construção de conceitos matemáticos. A aprendizagem significativa foi proporcionada e comprovada através da materialização de artefatos, derivados da sistematização dos conceitos e esquemas, resultantes da cooperação mútua dos alunos durante o processo de construção conceitual. Referências bibliográficas ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. AMORETTI, Mª S. M. Protótipos e estereótipos: aprendizagem de conceitos. Mapas Conceituais: experiência em Educação à Distância. In: Revista Informática na Educação: Teoria & Prática, v.4, n. 2, Porto Alegre: UFRGS, dezembro de 2001. AMORETTI, Mª S. M.; MACHADO, A. J. da S. Mapas conceituais: modelagem colaborativa do conhecimento. In: Revista informática na Educação: Teoria & Prática, v.3, n. 1, Porto Alegre: UFRGS, setembro de 2000. BECKER, F. Epistemologia do professor: o cotidiano da escola.3.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993. MOREIRA, M. A.; MASINI, E. F. S. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. 2. ed. São Paulo, SP: Centauro, 2001. NOVAK, J. D,; GOWIN, D. B. Learning how to learn. New York: Cambridge University Press, 1th edition, 1984. PIAGET, J. Estudos sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1973. VIEIRA, N. S. J. S. Do corpus à cognição: aspectos cognitivos de semântica textual. http://www.ipv.pt/forumedia/f2_idei2.htm. Acessado em Novembro de 2003.