CENTRODEENSINOSUPERIORDOCEARÁ FACULDADES CEARENSES–FAC CURSODEDIREITO FRANCISCO FERREIRA LIMA FILHO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NO CEARÁ FORTALEZA 2015 FRANCISCO FERREIRA LIMA FILHO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NO CEARÁ Monografia submetida à aprovação da Coordenação de Curso de Direito do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel. Orientador: Me. Péricles Chaves FORTALEZA 2015 FRANCISCO FERREIRA LIMA FILHO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA NO CEARÁ Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, outorgado pela Faculdade Cearense (FAC), tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da aprovação:____/____/_______ BANCA EXAMINADORA _________________________________________________ Prof.(a) Me. Péricles Chaves Orientador _________________________________________________ Prof.(a) Roberto Silvio (examinador) _________________________________________________ Profº.Giovanni Baluz (examinador) Dedico a minha amada mulher Glayciene Mafalber, aos meus queridos pais e aos meus filhos Pedro, Kaio e Kamila, para que possa incentivá-los a um dia alcançar o verdadeiro amor pela suas profissões e o melhor que a educação pode oferecer a um ser humano. AGRADECIMENTOS Agradeço acima de tudo a Deus, que sempre olha por mim, em todas as horas fáceis e difíceis, pois nele está a razão de tudo. À banca examinadora, em especial ao meu orientador Péricles Chaves, a quem aprendi a admirar. Agradeço aos meus amigos, professora Ninon Tauchmann e Maurício Tauchmann, que sempre estiveram presentes ao meu lado nas horas difíceis da vida; aos meus queridos pais, a quem eu tanto amo e admiro, pela coragem, garra e dedicação. Ao melhor presente da vida que Deus pode dar a um homem, meus filhos Pedro, Kaio e Kamila, a quem eu amo sem limites e sem barreiras, hoje e eternamente. Aos meus colegas de turma, que superaram todas as dificuldades que apareceram no decorrer deste curso, que nunca desistiram e sempre fizeram com que os percalços que surgiram parecessem apenas simples probleminhas diante dos olhos de Deus. A minha querida amada, Glayciene Mafalber e Silva, que sem saber me ajudou na hora mais difícil da minha vida, me dando amor, carinho, compreensão e sabendo gostar de mim com todos os meus defeitos, mostrando-me de novo a felicidade. A todas as pessoas amigas que acreditaram na minha capacidade e determinação. Que Deus possa abençoar a todos. Obrigado. RESUMO Este trabalho tem como foco principal a analise do controle externo da atividade policial, com relação aos sistemas processuais penais adotados pelos diferentes países, tem-se o sistema inquisitivo, o acusatório e o misto. De acordo com o sistema adotado por cada país tem-se um maior controle dos atos praticados pelas polícias e quais os órgãos que realizam a investigação criminal. Embora existam divergências, a maioria da doutrina aponta que o Brasil adota o sistema acusatório. As atividades das polícias no Brasil, nas perspectivas da prevenção e da apuração criminal visam, sobretudo prevenir as infrações penais e a apuração das mesmas caso ocorram, busca-se com a apuração criminal, sobretudo descobrir a materialidade do delito e indícios de provas que servirão de base para uma futura denúncia por parte do Ministério Público; sabe-se que o inquérito policial é dispensável mas na prática ele representa o fundamento de quase todas as denúncias propostas pelo MP. Como toda atividade do Estado e, sobretudo do ser humano que muitas vezes podem falhar e abusos podem ser cometidos, é que depois de longas discussões sobre o tema a Constituição Federal de 1988 trouxe a previsão expressa do controle da atividade policial pelo Ministério Público, controle que funciona como um sistema de freios e contrapesos, contra os possíveis abusos de poder cometidos por parte dos maus policiais. Nas mãos do Parquet está o controle que deve ser exercido com ética e legalidade dos atos, para isso o órgão ministerial dispõe de instrumentos para exercitar de forma prática tal controle externo, como por exemplo, as investigações realizadas pelo Parquet, as visitas e vistorias realizadas nas delegacias de polícia e nos institutos prisionais etc. O estudo do direito comparado é também importante para o aperfeiçoamento dos nossos institutos de controle externo da atividade policial, notadamente aqueles que respeitem os direitos fundamentais do cidadão e que sejam compatíveis com o nosso regime democrático de direito. Palavras-chave: sistemas processuais penais. Polícia. Ministério público. Controle externo.Atividade policial. ABSTRACT This work is mainly focused on the analysis of external control of the police activity in relation to criminal procedural systems adopted by different countries , there is the inquisitorial system , the adversarial and the mixed . According to the system adopted by each country has more control of the actions taken by the police and which organs that perform criminal investigation. Although there are differences , most of the doctrine shows that Brazil has adopted the adversarial system . The activities of the police in Brazil , from the perspectives of prevention and criminal investigation aimed, above all prevent criminal offenses and to investigate the same if any, is sought with the criminal investigation , especially discover the materiality of the offense and evidence of evidence that will the basis for a future complaint by the Public Ministry ; it is known that the police investigation is not necessary but in practice it is the foundation of almost all reports proposed by the MP . Like any activity of the state and especially of the human being that can often fail and abuse can be committed , is that after long discussions on the subject to the Constitution of 1988 brought the express provision of the control of police activity by the Public Ministry , control which functions as a system of checks and balances against possible abuses of power committed by bad cops . In the hands of Parquet is the control that must be exercised with ethics and legality of acts , to the ministerial body that has the means to exercise in practical ways such external control , for example, investigations by the Parquet , visits and surveys in police stations and in prisons etc. institutes The study of comparative law is also important for the improvement of our external control institutes of police activities , especially those that respect the fundamental rights of citizens and are consistent with our democratic rule of law. Keywords: criminal procedural systems . Police. Public ministry. Control police externo.Atividade . SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS .................................................................... 12 2.1 Sistema inquisitivo ............................................................................................ 13 2.2 Sistema acusatório ........................................................................................... 14 2.3 Sistema misto .................................................................................................... 16 2.4 O sistema processual penal adotado pelo Brasil ........................................... 17 2.5 A origem do vocábulo polícia e as funções constitucionais da polícia noBrasil .................................................................................................................... 19 2.6 Origem e necessidade do controle externo da atividade policial pelo ministério público: o sistema de freios e contrapesos ........................................ 20 2.7 Breve histórico do surgimento do ministério público e a previsão constitucional do controle externo da atividade policial na carta magna de 1988 .................................................................................................................................. 26 2.8 Previsão infraconstitucional do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público ................................................................................................... 28 2.9 Os limites do controle externo da atividade policial exercido pelo MP........ 29 3 INSTRUMENTOS PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL ............................................................................................. 32 3.1 A investigação criminal realizada pelo Ministério Público ............................ 32 3.2 As requisições de instauração de inquéritos policiais e respectivas diligências ................................................................................................................ 41 3.3 Livre ingresso nas delegacias de polícia e em qualquer recinto público ou privado ..................................................................................................................... 43 3.4 Acesso a quaisquer documentos relacionados com a atividade-fim policial .................................................................................................................................. 43 3.5 Requisitar à autoridade competente a adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder .................................................................................................................................. 44 3.6 Fiscalização de estabelecimentos prisionais ................................................. 45 3.7 Ter ciência imediata da prisão de qualquer pessoa ....................................... 45 3.8 Impetração de habeas-corpus e mandado de segurança .............................. 46 3.9 Ações por ato de improbidade administrativa decorrentes da prática de crimes, desobediência e irregularidades policiais ............................................... 47 4 DIREITO COMPARADO ........................................................................................ 48 4.1 Países de origem inquisitória........................................................................... 48 4.1.1 Portugal ............................................................................................................ 48 4.1.2 Alemanha ......................................................................................................... 49 4.1.3 França .............................................................................................................. 50 4.1.4 Itália .................................................................................................................. 51 4.2 Países de origem acusatória ............................................................................ 51 4.2.1 Inglaterra e País de Gales ................................................................................ 51 4.2.2 Estados Unidos ................................................................................................ 53 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 57 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59 9 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho versa sobre o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, tema relativamente novo que ganhou perfil constitucional com a Carta Magna de 1988; antes não existiam normas específicas tratando sobre a questão. Sob uma perspectiva doutrinária, são considerados três os sistemas processuais, quais sejam: o inquisitivo, o acusatório e o misto. A principal característica do sistema inquisitivo é a concentração de poder, a função de acusar, defender e julgar está nas mãos de uma só pessoa, o inquisidor. Na realidade, não existia contraditório e amplo defesa, princípios basilares para que se possa julgar uma pessoa. O sistema acusatório tem como características a não concentração de poder, as funções de acusar, defender e julgar são realizadas por pessoas distintas, tem-se o contraditório e a ampla defesa. Por fim, o sistema misto como o próprio nome indica é resultado de características do sistema inquisitivo e do sistema acusatório. O sistema processual penal adotado pelo Brasil é o acusatório, apontado pela maioria dos doutrinadores, embora exista quem ache que o sistema adotado seja o misto. As funções constitucionais das polícias no Brasil estão no artigo 144 da Carta Magna de 1988, tais funções são importantes para a preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Como no desempenho da atividade policial podem-se cometer abusos e não raro infrações penais, a Constituição Federal de 1988 outorgou poderes ao Ministério Público para exercer o controle externo da atividade policial (artigo 129, VII, CF/88), a Lei Complementar 75 de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União traz a previsão expressa, sobretudo no artigo 3º. Já a Lei 8.625/1993, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos estados e não traz a previsão expressa sobre o controle externo da atividade policial, resumindo-se no artigo 80 a trazer a previsão da aplicação subsidiária das normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União. A resolução nº 20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público regulamentou o artigo 9º da Lei Complementar 75/93 e o artigo 80 da Lei 8.625/93, 10 disciplinado deste modo no âmbito do Ministério Público o controle externo da atividade policial. Como se pode observar, houve uma preocupação em regulamentar o controle externo da atividade policial pelo Parquet, tudo isso decorrente do sistema de freios e contrapesos previsto na Carta Política de 1988, que estabelece que nenhum poder, órgão ou entidade tenha poderes absolutos. É o que se espera de um país que se intitula democrático de direito. Os instrumentos dos quais o Ministério Público dispõe para o exercício do controle externo da atividade policial aqui tratados são nacionais e podem ser utilizados tanto pelo Ministério Público da União, como pelos Ministérios Públicos dos estados. São eles: a investigação criminal realizada pelo Ministério Público, questão bastante polêmica e que atualmente ganhou novas discussões com a Proposta de Emenda Constitucional de nº 37/2011; as requisições de instauração de inquéritos policiais e respectivas diligências; o livre ingresso por parte do Ministério Público nas delegacias de polícia e em qualquer recinto público ou privado; acesso a quaisquer documentos relacionados com a atividade-fim policial; a requisição à autoridade competente a adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para previnir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; a fiscalização de estabelecimentos prisionais; o Parquet ter ciência imediata da prisão de qualquer pessoa; a impetração de habeas-corpus e mandado de segurança e por fim as ações por ato de improbidade administrativa decorrentes da prática de crimes, desobediência e irregularidades policiais. No decorrer do trabalho buscar-se-á responder questões como: Quando surgiu o controle externo da atividade policial no Brasil e quais as normas jurídicas que regulam a matéria? Quais os limites do controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet? O controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público realmente é eficaz contra os possíveis abusos de poder por parte dos policiais? O presente trabalho tem como objetivo geral conhecer a importância do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público como um sistema de freio e contrapesos apto a garantir os direitos fundamentais do cidadão contra eventuais abusos cometidos pela atividade policial. São objetivos específicos: avaliar a criação do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público; avaliar se os instrumentos para o exercício 11 do controle externo da atividade policial são eficazes e analisar o controle externo da atividade policial pelo Parquet em outros países. Para a realização deste trabalho monográfico foi empregada como metodologia a pesquisa descritiva e exploratória, desenvolvida através de um estudo bibliográfico, pelo qual se pretendeu explicar o problema, a partir da análise da literatura já publicada em forma de livros, revistas e textos da imprensa escrita que envolvem o tema que se pretende analisar. Além disso, lançou-se mão também das fontes documentais, com a coleta de dados em projetos, leis, normas, resoluções, pesquisas online, dentre outras fontes que tratam sobre o tema em discussão. O trabalho é dividido em três capítulos e o primeiro inicia-se com os sistemas processuais penais. O segundo capítulo trata dos instrumentos postos à disposição do Ministério Público para exercer efetivamente o controle externo da atividade policial. Finalmente o terceiro trata do direito comparado, exemplificando alguns países de origem inquisitória, como, por exemplo: Portugal, Alemanha, França e Itália. E outros países de origem acusatória, tais como a Inglaterra, o País de Gales e Estados Unidos. 12 2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS Ocorrido um fato descrito como criminoso, nasce para o Estado o poderdever de identificar quem foi o autor de tal fato, trazendo todos os elementos que forneçam a materialidade do delito praticado com todas as suas circunstâncias; é a chamada persecução penal. A identificação da autoria e da materialidade serve para apurar as responsabilidades por parte de quem cometeu a infração penal. Para apurar a infração penal, o Estado tem a sua disposição órgãos que estão incumbidos de realizar investigações criminais; no Brasil, tal função, regra geral, é das polícias, notadamente as polícias judiciárias. São elas as polícias civis estaduais e a polícia federal. Outros órgãos também realizam investigações criminais, tais como o Ministério Público, as Comissões Parlamentares de Inquérito etc. O tipo de sistema processual penal adotado por cada país pode indicar quais órgãos executam a investigação criminal e o tipo de controle externo que é exercido junto à polícia; pode também indicar a concentração de poder e quase inexistência de controle externo. Rangel conceitua sistema processual penal e tece algumas considerações sobre os tipos de sistemas processuais adotados pelos países, vejamos a lição: Sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto. O Estado deve tornar efetiva a ordem normativa penal, assegurando a aplicação de suas regras e de seus preceitos básicos, e esta aplicação somente poderá ser feita através do processo, que deve se revestir, em princípio, de duas formas: a inquisitiva e a acusatória. Em um Estado Democrático de Direito, o sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. A contrario sensu, no Estado totalitário, em que a repressão é a mola mestra e há supressão dos direitos e garantias individuais, o sistema inquisitivo encontra guarida. (2010, p. 49) De modo geral, existem três tipos de sistemas processuais adotados por diferentes países, são eles: o sistema inquisitório, o acusatório e o misto.Foi realizada uma análise sobre tais sistemas processuais, para que se indicasse quais formas de controle externo são aplicadas à polícia. Em sentido contrário, é o entendimento do professor José Frederico Marques: 13 De duas formas pode revestir-se o processo, para alcançar seu objetivo especial e precípuo: a inquisitiva e a acusatória. Enquanto no procedimento acusatório, o juízo penal é o actumtriumpersonarum de que falavam os práticos medievais, existindo assim verdadeira relação processual, - no processo inquisitivo, a investigação unilateral da verdade a tudo se antepõe. (MARQUES, 2000, p. 64). 2.1 Sistema inquisitivo O sistema inquisitivo surgiu durante os regimes monárquicos e teve seu aperfeiçoamento durante o direito canônico. Foi adotado por quase a totalidade das legislações da Europa entre os séculos XVI e XVIII. Este sistema surgiu depois do sistema acusatório privado, tendo como sustentação o argumento de que não se poderia deixar a defesa da sociedade nas mãos dos particulares, dependendo da boa vontade destes. (RANGEL, 2010, pp. 49-50) Tourinho Filho ensina a origem e o desenvolvimento do processo inquisitivo; vejamos: O processo inquisitivo despontou em Roma, quando já se permitia ao Juiz iniciar o processo de ofício, e, ao atingir a Idade Média, por influência da Igreja, o processo per inquisitivo nem passou a dominar toda ou quase toda a Europa continental, a partir do Concílio Lateranense, de 1215. Foi introduzido, na verdade, pelo Direito Canônico, mas, em seguida, viram os soberanos, nesse tipo de processo, uma arma poderosa, e por isso espalhou-se entre os Tribunais seculares. (2005, p. 92). Vejamos a esclarecedora lição de Guimarães: Vale, ainda, consignar que o cerne desse sistema, resume-se à concentração de poder. De fato, a figura do acusador era reunida com a do julgador, que também acabava acumulando a figura de defensor (mesmo que, de fato, raramente o acusado fosse defendido). Ou seja, os três pilares clássicos da Justiça (acusador, defensor e julgador) ficavam reunidos numa única pessoa: o inquisidor. Este, então, passou a atuar como único e exclusivo gestor da prova, situação que provocava – e ainda provoca – verdadeiros juízos paranóicos, pois, dando todo o poder a uma só pessoa, ela, naturalmente, tende a agir de forma arbitrária. Assim, o inquisidor costumava primeiro decidir a respeito da existência de um crime (pecado), sua autoria, para, depois, ir à caça da prova que demonstraria o “acerto” de sua prévia decisão. Neste aspecto, contribuía, significativamente, o fato de o processo ser eminentemente escrito, sigiloso e sem a possibilidade de contraditório, até pela obviedade de reunião da acusação com a defesa. Como se sabe, ao considerar como válida apenas a prova reduzida a termo, cria-se uma regra que permite facilmente a sua manipulação. De fato, o que passa a valer não é a palavra da testemunha ou do acusado, mas sim, o que for dela reduzido a termo. Assim, nesse caminho, entre a palavra dita e a palavra escrita, muito se perde do contexto, do sentido e da própria prova coletada, contribuindo para sua manipulação ao sabor da vontade do inquisidor. Enfim, o sistema de processo escrito e sigiloso é forte instrumento de repressão estatal. (2008, p. 174). 14 Resumindo, o sistema processual inquisitivo tem, portanto, características que são apontadas pela maioria dos autores, são elas: o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, distante dos olhos e da fiscalização da sociedade, portanto, não há o princípio da publicidade; as funções de acusar, defender e julgar encontram-se nas mãos de uma só pessoa. O juiz pode iniciar o processo de ofício; não há, portanto, imparcialidade e inércia do Judiciário; o sistema da coleta de provas é o da prova tarifada, uma determinada prova pode valer mais do que outra e dependendo da pessoa a prova pode valer mais do que outras tantas; neste sistema, a confissão é a rainha das provas. 2.2 Sistema acusatório Na Europa continental, durante a idade média, prevaleceu o sistema inquisitorial; já na mesma época é adotado na Inglaterra o sistema acusatório, que é oposto àquele. Ele teve sua origem histórica nas antigas legislações orientais, na democracia romana e na experiência do antigo processo penal alemão. Guimarães aponta quais contornos históricos podem explicar o antagonismo adotado na Europa continental e o adotado na Inglaterra, todos na idade média. Assim leciona o autor: Para adequada compreensão do porquê deste antagonismo de orientações políticas entre o Continente a Inglaterra, é relevante entender o momento histórico em que os fatos se deram, ainda mais se considerarmos que, coincidentemente, no mesmo ano de 1215, quando era institucionalizada a inquisição pela Igreja Católica na Europa continental, movimento inverso surge na Inglaterra, com a promulgação da famosa Magna Carta do Rei João Sem-Terra. A Magna Carta, não obstante tenha sido um documento elaborado pelos barões ingleses, escrito originalmente em latim, o que dificultava sua compreensão pelo povo, e que procurava preservar primordialmente os interesses dos próprios barões, também se ocupou de registrar direitos civis dos ingleses, representando o início de um freio legal aos arbítrios de quem detém o poder. (AUTOR, 2008, pp. 177- 178). 15 O processo de natureza acusatória tem, portanto, várias características que o diferenciam do processo inquisitório, são elas: o contraditório; as partes acusadoras e acusadas estão em pé de igualdade; o processo é em regra público, salvo as exceções legais; as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas diferentes; o processo pode ser oral ou escrito; existem direitos e obrigações para as partes e finalmente a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá ser o ofendido ou o seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado. (TOURINHO FILHO, 2005, pp. 90-91). Portanto, neste sistema, a figura do acusador passa a ser dissociada daquela do julgador, diversamente do que ocorre no sistema inquisitório, onde uma única pessoa acumula ambas as funções. Tanto os barões, quanto qualquer cidadão passama exercitar a acusação, que ora é privada, ora é pública. O processo, então, é eminentemente oral, público e com contraditório, possibilitando às partes (acusação e defesa) igualdade de armas na colheita e análise das provas, com o réu tendo assegurado amplo direito de defesa processual e pré-processual. A liberdade do acusado no curso da instrução processual é regra a ser observada, já que somente será considerado culpado e poderá sofrer constrangimento privativo de liberdade, depois de regularmente condenado. Assim, no sistema acusatório puro, é inadmissível a possibilidade de prisão preventiva. (GUIMARÃES, 2008, p. 181) Neste sistema, diferentemente daquele inquisitório, o acusado é visto como sujeito de direitos; e a tortura, como forma de obtenção da confissão, não é mais permitida, nem sequer cogitada. De qualquer sorte, é importante consignar que em alguns momentos da história do sistema, na Inglaterra, a tortura se fez presente, mas não de forma legal e sim, por intervenção arbitrária de alguns soberanos, situação que inclusive promoveu a edição de novos documentos no intuito de reiterar e ampliar os direitos assegurados com a Magna Carta, conforme destacado acima. Surge, assim, com a separação das funções de acusar, defender e julgar, a primeira manifestação de controle dos órgãos envolvidos na investigação e no julgamento dos acusados, ainda que intrínseco. (GUIMARÃES, 2008, p. 182). Diante do exposto, pode-se resumir que o sistema processual acusatório tem de maneira geral as seguintes características, são elas: o processo é regido pelo princípio da publicidade dos atos processuais, exceto em alguns casos previstos legalmente; a sociedade pode, portanto, ter acesso e fiscalizar os atos processuais; as funções de acusar, defender e julgar não são conferidas a uma única pessoa, há, portanto, separação destas funções como garantia de um julgamento imparcial; os princípios do contraditório e da ampla defesa são garantidos ao réu, que neste caso é também sujeito de direitos; não existe a prova 16 tarifada e só são admitidas as provas lícitas, garantindo-se neste caso um julgamento baseado no conjunto das provas. É com certeza o sistema processual que mais afinado está com o estado democrático de direito. 2.3 Sistema misto A origem do denominado sistema processual misto surgiu na França, após a Revolução Francesa e com o advento do Código de Napoleão, adotando um processo composto por duas fases e com forte influência do sistema inquisitorial. Portanto, sua difusão teve início na Europa Continental, para depois se espalhar pelo mundo. (GUIMARÃES, 2008, p. 182). No mesmo sentido é a lição de Tourinho Filho: Surgiu após a Revolução Francesa. A luta dos enciclopedistas contra o processo inquisitivo, até então vigorante, não cessava, e, logo após a maior revolução de que se tem memória, ele desapareceu, e o Code d‟ Instruction Criminelle de 1808 introduziu na França o denominado processo misto, seguindo-lhe as pegadas todas ou quase todas as legislações da Europa continental. (2005, p. 93). De resto, hoje, na prática, não se encontram mais os sistemas acusatório e inquisitório, em sua forma pura. Alguns países adotam um sistema processual com acentuada influência acusatória (a exemplo da Inglaterra e dos Estados Unidos), enquanto outros utilizam um sistema voltado para as raízes inquisitórias (a exemplo dos países europeus continentais, a par de, agora, alguns deles estarem revendo tais influências, como se verá adiante), sem, contudo, prevalecer a forma pura e originária dos dois sistemas vistos acima. Nem mesmo entre os ingleses e os americanos, cujos sistemas possuem fortes traços acusatórios, com a gestão das provas pelas partes (e é isso que, em ultima ratio, vai representar a adoção do sistema acusatório), prevalecem a pureza do acusatório, no que concerne à presença de todas as características acusatórias secundárias, considerando que seus sistemas processuais trazem algumas nuances inquisitórias, notadamente na adoção do chamado pleabargaining, onde o réu, sem o devido processo legal, previamente se declara culpado do crime, visando a possibilidade de ser beneficiado numa transação com o Ministério Público. E, também, principalmente em relação aos Estados Unidos, privilegiando a prisão preventiva dos acusados em significativa afronta ao princípio da presunção da inocência, chegando, em alguns casos, a tratar a custódia preventiva como regra a 17 ser seguida. Estas posturas, assim, se coadunam mais com o sistema inquisitório do que com aquele acusatório em sua forma pura. (GUIMARÃES, 2008, p.183). Para Rangel, o sistema processual misto pode assim ser dividido: a primeira fase é a da instrução preliminar, foi ela baseada no sistema inquisitivo, quando o procedimento é iniciado de ofício pelo juiz, que procede às investigações e colhe as provas necessárias para uma futura acusação pelo tribunal competente. A segunda fase é a judicial, quando se inicia a acusação propriamente dita, onde as partes fazem o debate oral e público, com a acusação sendo feita por um órgão diferente daquele que irá julgar o caso, que,via de regra, é o órgão do Ministério Público. (Rangel, 2010, pp. 54-55). 2.4 O sistema processual penal adotado pelo Brasil Não há, em nosso processo penal, a figura do juiz inquisitivo. Separadas estão, no Direito pátrio, a função de acusar e a função jurisdicional. O impulso inicial ao processo, quem o dá é o Ministério Público, quando se trata de ação penal pública, ou o particular, quando o caso é de ação penal privada. O juiz exerce o poder de julgar as funções inerentes à atividade jurisdicional: atribuições persecutórias, ele as tem muito restritas, e assim mesmo confinadas ao campo da notitia criminis. No que tange à ação penal e à função de acusar, sua atividade é praticamente nula, visto que ambas foram adjudicadas ao Ministério Público, salvo em se tratando de contravenção. (MARQUES, 2000, p. 67). Ensinando da mesma forma, o mestre Tourinho Filho indica o sistema processual adotado pelo Brasil e informa quais os atos que as partes praticam dentro do processo acusatório, senão vejamos: No Direito pátrio, o sistema adotado é o acusatório. A acusação, nos crimes de ação pública, está a cargo do Ministério Público. Excepcionalmente, nos delitos de ação privada, comete-se à própria vítima o jus persequendi in judicio. Pode também a vítima, nos crimes de ação pública, exercer a acusação, se, porventura, o órgão do Ministério Público não intentar a ação penal no prazo previsto em lei. Salvante o caso especial do processo do impeachment, a função de julgar fica a cargo de juízes permanentes, e, excepcionalmente, o julgamento está afeto a Juízes populares (Tribunal do Júri). E isto nos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados. O processo é eminentemente contraditório. Não temos a figura do Juiz instrutor. A fase processual propriamente dita é precedida de uma fase preparatória, em que a Autoridade Policial procede a uma investigação não contraditória, colhendo, à maneira do Juiz instrutor, as primeiras informações a respeito do fato infringente da norma e da respectiva autoria. Com base nessa investigação preparatória, o acusador, seja o órgão do Ministério Público, seja a vítima, instaura o processo por meio da denúncia ou queixa. Já agora, em juízo, nascida a relação processual, o processo torna-se eminentemente contraditório, público e escrito (sendo que alguns atos são praticados oralmente, tais como debates em audiências ou sessão). O ônus da prova incumbe as partes, mas o Juiz não é um 18 espectador inerte na sua produção, podendo, a qualquer instante, determinar, de ofício, quaisquer diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Permite-se às partes uma gama de recursos, e, tutelando ainda mais o direito de liberdade, concedem-se à defesa recursos que lhe são exclusivos, como o protesto por novo Júri e os embargos infringentes e de nulidade. Não adotamos a revisão pro societate. Só o réu é que pode promovê-la. Contudo, diga-se de passagem, o nosso processo penal não é um processo penal acusatório ortodoxo. Há uma gama de atos conferidos ao Juiz que em rigor deveriam competir às partes: requisitar inquérito, ser destinatário da representação, decretar, de ofício, prisão preventiva, conceder habeas corpus, sem provocação das partes, determinar a prova que bem quiser e citação longa, dividir entender, ouvir testemunhas além daquelas indicadas pelas partes, quebrando, assim, o princípio acusatório [...] (2005, pp. 94-95). O sistema processual adotado pelo Brasil é, portanto, o acusatório. Entre nós, as funções de acusar, defender e julgar estão nas mãos de pessoas diferentes; existem em nosso ordenamento jurídico os princípios do promotor natural e também do juiz natural. Não haverá, portanto, juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, VII, CF/88).Há também a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88); é garantido também constitucionalmente o princípio da publicidade dos atos processuais, salvo exceções (art. 5º, LX, CF/88). Existe, portanto, uma gama de garantias fundamentais aos acusados no Brasil, fruto de muitas lutas da sociedade brasileira que passou por um longo período de ditadura militar. De sorte que fruto dessas lutas é a previsão constitucional dos direitos e garantias fundamentais, positivadas no extenso artigo 5º da Carta Magna de 1988 e também em outros artigos, garantias que são cláusulas pétreas e que podem ser invocadas quando o Estado ultrapassar o seu direito de punir. Para o promotor paranaense Rodrigo RégnierChemim Guimarães, a maioria da doutrina aponta que o sistema processual penal adotado no Brasil é o acusatório, mas existem contradições entre a Constituição Federal e as leis processuais penais e que na prática o sistema processual tem traços dos três sistemas. Vejamos o que o autor relata: 19 No Brasil, em pese a posição da maioria da doutrina, e até mesmo alguns dispositivos constitucionais, admitindo que o sistema vigente fosse o acusatório, ou quando muito, o misto, voltado para o acusatório, à realidade mostra o inverso. Há, na verdade, um choque ideológico entre o sistema acusatório evidenciado no âmbito constitucional e o sistema inquisitório encontrado no vetusto Código de Processo Penal brasileiro de 1941. Assim, por privilegiar o Código de Processo Penal, onde o juiz continua sendo o gestor da prova, em detrimento da Constituição, o intérprete, na prática, provoca a conseqüência de o sistema processual penal brasileiro estar mais voltado para o inquisitório, que para o acusatório, ainda mais considerando que a base de todo o processo está no inquérito policial, o qual, como se sabe, é escrito, secreto e sem contraditório, sendo o processo, em si, eminentemente escrito. De resto, as partes não têm direito de sequer indagar diretamente das testemunhas, devendo fazê-lo através do Juiz, que reformula as perguntas e manda escrever as respostas da forma que melhor lhe convém, por vezes deturpando o que foi dito pela testemunha. (2008, p. 184). 2.5 A origem do vocábulo polícia e as funções constitucionais da polícia no Brasil Doutrinadores apontam que o termo polícia teve sua origem na antiguidade: “é derivado do latim política que procede do grego politeia, e que originariamente traz o sentido de organização política, sistema de governo e, mesmo, governo.” (SILVA, 2000, p. 48). Para Tourinho Filho essa é a origem da palavra polícia: Do grego politéia – de pólis (cidade) – significou, a princípio, o ordenamento jurídico do Estado, governo da cidade e, até mesmo, a arte de governar. Em Roma, o termo politia adquiriu um sentido todo especial, significandoa ação do governo no sentido “de manter a ordem pública, a tranquilidade e paz interna”; posteriormente, passou a indicar “o próprio órgão estatal incumbido de zelar sobre a segurança dos cidadãos”. Esse o seu sentido atual. (2012, p. 110). Geralmente os autores dividem da seguinte forma as instituições policiais. Nas lições de Mirabete (1994, p. 35): A polícia é uma instituição de direito público destinada a manter a paz pública e a segurança individual. Divide-se da seguinte forma: a)quanto ao lugar de atividade: terrestre marítima ou aérea; b)quanto à exteriorização: ostensiva e secreta; c)quanto à organização: leiga e de carreira; d)quanto ao objeto: - administrativa (ou de segurança): caráter preventivo; objetiva impedir a prática de atos lesivos a bens individuais e coletivos; atua com grande discricionariedade, independentemente de autorização judicial; - judiciária: função auxiliar a justiça (daí a designação); atua quando os atos que a polícia administrativa pretendia impedir não foram evitados. Possui a finalidade de apurar as infrações penais e suas respectivas autorias, a fim de fornecer ao titular da ação penal elementos para propô-la. Cabe a ela a consecução do primeiro momento da atividade repressiva do Estado. 20 Atribuída no âmbito estadual às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, sem prejuízo de outras autoridades. (CF, art. 144, § 4º). No mesmo sentido Freyesleben: A polícia, no atual sistema de repressão ao crime, divide-se em administrativa e judiciária. A polícia administrativa é para garantir a ordem pública e impedir a prática de qualquer crime. Ela é chamada também de polícia preventiva. A polícia judiciária atua após a prática de um crime coligindo os elementos necessários para apurar o fato criminoso e seu autor, ela é também chamada polícia repressiva. (1993, p. 65) No Brasil a Constituição Federal de 1988 traz a previsão da segurança pública e a divisão e atribuições das polícias, a saber: [....] Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II- polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. § 2º. A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º. A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. § 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem ressalvadas a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º. As polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. [....] 2.6 Origem e necessidade do controle externo da atividade policial pelo ministério público: o sistema de freios e contrapesos Conforme uma perspectiva weberiana, um Estado dificilmente pode ser definido pelo conteúdo daquilo que faz, na medida em que não há praticamente nenhuma tarefa que já não tenha sido intentada e, ao mesmo tempo, não há prática que possa ser tida como própria, como exclusiva, de 21 um dado momento ou formação. Assim, o estado moderno, no pensamento de Weber, só pode ser definido a partir do que lhe é próprio ou específico: o monopólio da violência física. Note-se que a violência não é o ordinário ou único meio de ação do Estado, mas o único que lhe é específico. Assim, uma diferença fundamental entre os policiais (representantes do poder do Estado e da violência legítima) e os outros consiste no fato de que os policiais estão autorizados a usar a força física contra outra pessoa no cumprimento do dever legal, que, no Brasil, é definido na Constituição Federal como a preservação da segurança pública e, mais especificamente, da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. (PACHECO, 2011, pp. 61-90). O trabalho das polícias é de extrema importância para a preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio, como direitos fundamentais previstos no artigo 5º da Carta Magna. Para o desempenho deste mister constitucional, a polícia muitas vezes usa a força para conter o avanço da criminalidade, a baliza do uso da força deve ser as normas jurídicas e sobretudo a Carta Política de 1988. Mas nem sempre o respeito aos direitos fundamentais são observados por alguns integrantes das corporações policiais, como observa Rangel: No Brasil, onde a polícia serviu durante muitos anos como braço direito da repressão política e como instrumento de opressão da classe dominada, era natural a revolta e a repulsa aos novos ares democráticos. Até porque, primeiro se prendia, para depois se investigar. Hoje, dentro de um devido processo legal, a dignidade da pessoa humana não pode sofrer restrições que não as previstas em lei. A autoridade policial primeiro investiga (princípio da verdade processual) para depois, se necessário for, representar pela custódia cautelar do indiciado. Porém, tudo sob os olhos atentos do Ministério Público. (2010, p. 102). No mesmo sentido é o entendimento de Santana, que assevera: Hoje se constata o envolvimento de agentes policiais com a prática de crimes. Fruto de uma cultura de violência implementada no período ditatorial iniciado em 1964, as polícias para obtenção de provas usam de interrogatórios baseados no terror, onde torturas físicas e psicológicas são utilizadas. Daí o perfil das polícias deixou de ser visto como agentes da ordem baseadas na lei, mas agentes da violência com arbitrariedade. (2009, p. 107) Como toda atividade humana, a atividade exercida pelo policial para a defesa da sociedade e do Estado Democrático de Direito, pode-se cometer abusos em sua execução, algumas vezes cometendo graves infrações penais que precisam ser apuradas e seus autores punidos de acordo com a legislação vigente. Existem várias espécies de controle que podem ser aplicadas para prevenir ou para apurar os abusos cometidos pelos maus policiais, são eles os 22 controles interno e externo das Polícias. Baylei traz uma lição acerca do que influencia o comportamento dos policiais e os tipos de controle existentes, vejamos: O comportamento policial é restringido por todas as pequenas influências de cultura, educação e consciência. Como resultado, a polícia de uma comunidade pode ter um histórico invejável de comportamento adequado e, mesmo assim, não possuir nenhum mecanismo formal de responsabilidade, enquanto a polícia de outra comunidade pode ter um histórico de atrocidades e, ainda assim, fortes restrições formais. Assim, infelizmente para a criação de procedimentos, deve ser reconhecido, logo de início, que a questão da eficácia do controle da comunidade deve ser requisitada. A responsabilização implica controle, e controle gera responsabilização. Deve-se entender que ambos referem-se a processos segundo os quais o comportamento da polícia é trazido em conformidade com as necessidades da sociedade da qual faz parte. O controle do comportamento policial é exercido por mecanismos localizados tanto dentro quanto fora da polícia. A avaliação jurídica do direito de se atirar contra uma multidão enfurecida é um caso de controle externo; o rebaixamento de posto de um subinspetor por um superintendente é um caso de controle interno. A diferenciação entre os mecanismos internos e externos depende da capacidade de se determinar a localização do controle nas instituições policiais. (2006, pp. 174-175). No Brasil existem como já mencionado os controles interno e externo da atividade policial, como exemplo de controle interno da polícia podemos mencionar as Corregedorias de Polícia, que tem por finalidade apurar os desvios de conduta praticados pelos policiais, punindo administrativamente os policiais considerados culpados. O grande problema apontado pelos estudiosos do assunto resume-se no corporativismo que impera nas instituições, sobretudo nas instituições policiais. Guimarães assim esclarece: O problema enfrentado neste tipo de controle está relacionado com a forte tendência ao corporativismo, o que, em algumas situações, prejudica uma análise isenta dos fatos imputados aos policiais. Para tentar aperfeiçoar o sistema de controle interno o ideal seria que as Corregedorias das Polícias fossem instituídas de forma autônoma e separada da estrutura hierárquica da instituição policial, preferencialmente com carreiras próprias para seus integrantes, evitando que o policial que hoje integra a Corregedoria, amanhã esteja lotado ao lado daquele que foi seu investigado, ou pior, que o investigado venha a se tornar seu superior hierárquico, adotando contra ele possíveis represálias administrativas. (2008, p. 25). Outro ponto apontado pela socióloga Julita Lemgruber em sua pesquisa, é o fato dos policiais em geral não verem com bons olhos aqueles policiais que ora estão trabalhando na Corregedoria, como também a própria instituição Corregedoria, vejamos: Entre os vários obstáculos ao trabalho desenvolvido pelas Corregedorias mencionou-se, antes de qualquer coisa, a dificuldade de formar equipes, pois os policiais não costumam ter opiniões muito favoráveis a respeito desse órgão, visto como lugar de “dedos-duros”, de delatores dos próprios 23 colegas, ou então como local para onde vão os que “não tem coragem” de enfrentar o „verdadeiro trabalho de polícia”, preferindo dedicar-se somente a tarefas burocráticas. Ou ainda como lugar onde “policiais medíocres”, sem competência para investigar criminosos comuns, conseguem ganhar fama tornando-se “carrascos‟ de outros policiais. (2003, p. 100). 24 Outros exemplos de controle interno das Polícias são os Conselhos Superiores das Polícias e as Escolas de Polícia, desde que tenham uma composição eclética como, por exemplo: Delegados de Polícia, Oficiais da Polícia Militar, membros do Ministério Público, membros do Judiciário e membros da sociedade civil organizada. Apontando e discutindo os problemas que dificultam uma maior interação entre o trabalho policial e a sociedade, para que se possam encontrar soluções viáveis para que o trabalho policial seja efetuado de maneira que sejam respeitados os direitos fundamentais da pessoa humana e que este trabalho policial também seja valorizado pela sociedade e pelo Estado. Exercendo o controle externo da atividade policial podemos citar aqueles provenientes da sociedade e aqueles estatais. Portanto a sociedade civil organizada exerce o controle externo através das Organizações Não Governamentais – ONGs, estas geralmente trabalham com outros objetivos e aquelas que se dedicam ao controle externo da Polícia são exceções no Brasil. Geralmente as ONGs nascem da desconfiança e da inoperância do Estado, é, portanto um aliado da sociedade no controle externo da atividade policial, desde que feito com objetivos de melhorar o relacionamento entre a sociedade e a Polícia. Exerce também controle externo da Polícia os Conselhos Comunitários, que tem previsão expressa na Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), precisamente no artigo 80 e seus incisos que tratam da criação do Conselho Comunitário que pode visitar os estabelecimentos prisionais e elaborar relatório dirigido ao juiz da execução Penal. Desta forma pode prevenir abusos que por ventura ocorram nos estabelecimentos penais. A imprensa também exerce controle externo sobre os atos praticados com desvio de conduta por parte dos policiais, claro que a imprensa somente estará contribuindo com a melhoria da relação entre a Polícia e a sociedade, fornecendo indícios de autoria e materialidade dos delitos praticados por policiais, quando agir de forma isenta e sem o constante sensacionalismo. Exercendo o controle externo da atividade policial têm-se também as Ouvidorias de Polícia, que são criadas pelo Estado para receberem da população denúncias, reclamações e outras demandas contra possíveis desmandos praticados por policiais. Segundo leciona Lemgruber, elas tem um poder limitado de atuação que são estabelecidos pela base legal de criação, nas palavras da autora: 25 As ouvidorias brasileiras, além de mais recentes, tem limites de independência e de autoridade muito mais estreitos do que a maior parte dos mecanismos de controle externo da polícia encontrados em outros países, e mais estreitos, também, que os do campo de atuação legalmente atribuído ao Ministério Público. Nas leis e/ou decretos que as instituíram, define-se que o papel das Ouvidorias é, fundamentalmente, ouvir queixas dos cidadãos contra abusos de autoridade e atos arbitrários e ilegais cometidos por policiais, verificar a autenticidade dessas queixas e tomar medidas para o “saneamento das irregularidades ou ilegalidades”, tratando, inclusive, da responsabilização civil, administrativa e criminal dos imputados. Para tanto, as Ouvidorias devem encaminhar as denúncias às Corregedorias, que conduzirão as investigações, e monitorar o trabalho realizado por esses órgãos de controle interno das polícias. (2003, p.126) Todos esses exemplos de controles dos atos praticados pelas Polícias no Brasil são formas de se fazer um freio dessas atividades já que a Polícia tem em suas mãos o controle do uso da força e nesse uso podem ser cometidos excessos. Visto também que nenhum poder em um Estado Democrático de Direito é ilimitado, tem-se esses controles para a garantia dos direitos fundamentais da população. Observou Pacheco ao ver no sistema de freios e contrapesos uma forma de limitar o poder, é o que se observa: A ideia, aqui, reside na circunstância de que somente o poder pode frear o poder. Este sistema se inscreveu nas Constituições modernas em relação ao controle. Dentro do próprio Estado devem ser criados Poderes (no esquema montado por Montesquieu e adotado pela Constituição brasileira de 1988, Executivo, Legislativo e Judiciário), Instituições e órgãos com a finalidade de efetivação do chamado sistema de “freios e contrapesos”. Pretende-se que o sujeito detentor de determinado poder (aqui entendido no sentido orgânico) não controle a si mesmo, mas que existam freios que provenham do enfrentamento extremo com o outro poder. Somente mediante esta estrutura é que se entendeu possível a garantia de limites nítidos aos abusos e, com isso, dos direitos fundamentais. (2011, pp.61-90). No mesmo sentido é o entendimento de Alencar, para este Oficial da Polícia Militar do Estado do Ceará, a submissão ao controle externo do Parquet, não significa que as Polícias na esfera estadual e federal sejam diminuídas em seu prestígio e também nas suas atribuições funcionais. Não existe uma nova hierarquia entre a Polícia e o Ministério Público, o que existe é um sistema de freios e contrapesos imposto pela Carta Magna, como fruto dos anseios da população. (2004, p. 79) 26 2.7 Breve Histórico Do Surgimento Do Ministério Público E A Previsão Constitucional Do Controle Externo Da Atividade Policial Na Carta Magna De 1988 A origem do Ministério Público é controvertida entre os autores, muita vêem em origens remotas, Tourinho Filho assim ensina: Em que pese à dificuldade em estabelecer, com precisão, a época do aparecimento da instituição (alguns autores reportam-se aos Magiaí, do Egito, encarregados de acusar criminosos; outros, aos Thesmotetis gregos, cuja função era similar; outros, aos Éforos, de Esparta, aos Gastaldi, da Lombardia, ou GemeinerAnklager, do direito germânico, cuja função era de acusar se o particular não o fizesse – daí o nome “acusador comum” - , aos ProcuratoresCaesaris, ao VindexReligionis, do direito canônico), muitos autores se inclinam a admitir sua procedência francesa, sem embargo de alguns antecedentes mais remotos, por ter-se apresentado na França com caráter de continuidade. (2005, p. 347) Como ensina o professor Bulos (2011, p. 629): “A origem do Ministério Público está na ordenança de 1302, de Felipe, o Belo, Rei da França. Nela encontramos a figura dos procuradores da Coroa”. “No Brasil, foi o Alvará de sete de março de 1609 que criou o Tribunal de Relação da Bahia, inaugurando as figuras do procurador dos feitos da Coroa do promotor de justiça”. (BULOS, 2011, p. 1374) Na lição do professor Bulos, o Ministério Público em se tratando de colocação constitucional é uma instituição sui generis, uma vez que possuem garantias conferidas à magistratura e possuem o ardor dos advogados no patrocínio da causa. Também não se trata de um quarto poder, como se pode pensar. (2011, p. 1.378). O Parquet está vinculado ao Poder Executivo, o que não significa que não tenha independência funcional, mas como adverte Fábio Konder Comparato (apud Bulos, 2011, p. 1.378) Hoje, quando o Ministério Público dispõe de poderes ampliados, notadamente para a defesa dos chamados direitos difusos ou transindividuais, e para a responsabilização pessoal de todos os agentes públicos por condutas imorais ou lesivas ao bem comum, esse resquício de ligação do órgão com o Poder Executivo é preocupante. O Ministério Público serve, não raras vezes, aos interesses político-partidários do governo, propondo, a pedido deste, ações de inconstitucionalidades de leis, julgadas inconvenientes ao Executivo ou à maioria parlamentar. Outras vezes, as instâncias superiores do órgão deixam de agir com o necessário zelo contra membros do governo, sob o curioso pretexto de que o assunto é de natureza político-partidária. Ora, a denominação do órgão indica, já por si, a natureza das suas atribuições. Trata-se de um servidor do povo, não de um dependente ou agregado governamental. Para que o Ministério 27 Público possa, portanto, defender com absoluta autonomia o bem comum do povo, é indispensável desvincular totalmente o órgão do Poder Executivo, retirando-se deste a atribuição de nomear qualquer de seus integrantes.” O Ministério Público passou por profundas transformações nos últimos tempos, sobretudo com a Carta de 1988, para se chegar ao modelo constitucional que tem o Parquet no Brasil foram muitas as discussões e lutas travadas pela total independência do órgão. Como exemplo de uma batalha, foram as discussões que ocorreram antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 sobre o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, não foi, portanto fácil tal aprovação, porque muitos eram contra esse controle. A Carta de Curitiba como ficou conhecida, foi um documento que serviu de anteprojeto para as novidades que iriam ser implantadas na redação da nova Constituição, como observa um dos participantes do Encontro Nacional de Procuradores Gerais de Justiça e de Presidentes de Associações do Ministério Público, realizado no mês de junho de 1986, em Curitiba, Paraná. Mazzilli observa que com o encontro foi possível discutir, votar e aprovar um documento que respeitasse as peculiaridades de cada Ministério Público, tanto o da União como o dos Estados, tudo em consenso com as aspirações e reivindicações do Ministério Público para a Constituinte que estava próxima. (1993, p. 43) Portanto foi no regime democrático que o controle externo da atividade policial ganhou perfil constitucional, “o controle externo da atividade policial, assim, já tinha previsão antes mesmo do avento da Constituição da República de 1988, somente de forma implícita.” (GUIMARÃES, 2008, p. 68) A relação entre o MP e as polícias quanto ao controle externo tinha somente previsão infraconstitucional baseada somente com a abertura do inquérito policial para a apuração das infrações penais e sua autoria e a requisição de diligências por parte do Parquet. Diante disto é que o controle externo verdadeiramente nasce constitucionalmente com a CF/88. Para Mazzilli o que a Constituição Federal fez foi estabelecer um verdadeiro sistema de freios e contrapesos, vejamos: modificação paradigmática, evidentemente, não pode ser tratada como retórica constitucional. (2010, pp. 183-212). 28 2.8 Previsão infraconstitucional do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público A Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1993, dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. Traz também a previsão do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público da União, in verbis: [....] Art. 3º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista: a)o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei; b)a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; c)a prevenção e a correção de ilegalidade ou abuso de poder; d)a indisponibilidade da persecução penal; e)a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública. Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: I – ter livre ingresso em estabelecimentos policias ou prisionais; II – ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial; III – representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; IV – requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; V – promover a ação penal por abuso de poder. Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão. Art. 117. Incumbe ao Ministério Público Militar: I – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policialmilitar, podendo acompanhá-los e apresentar provas; II – exercer o controle externo da atividade da polícia judiciária militar. Observa Guimarães, “a matéria, no campo de atuação do Ministério Público da União, ficou por demais tíbias, delimitando que o controle será exercido por meios de medidas judiciais e extrajudiciais”. (2008, p. 93). O Ministério Público tem sua Lei Orgânica Nacional, de nº 8.625, de 12 de Fevereiro de 1993, no entanto é omissa em detalhar no que concerne o controle externo da atividade policial, a reserva ficou conferida às leis orgânicas estaduais e às do Ministério Público da União. 29 A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público fez uma ressalva, a saber: [....] Art. 80. Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União. [....] A Resolução nº 20 do Conselho Nacional do Ministério Público de 28 de maio de 2007, regulamenta o art. 9º da Lei Complementar nº 75/93 e o art. 80 da Lei nº 8.625, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial. Segundo o Manual Nacional do controle externo da atividade policial, elaborado pelo Grupo Nacional de Efetivação do Controle externo da Atividade Policial do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União. A Resolução nº 20 objetiva (2012, online): A manutenção da regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das policias voltadas para a persecução penal e o interesse público. A resolução, na verdade, apenas detalha o que já é previsto na Lei e na Constituição, facilitando a execução de tal atividade fim. É documento a ser consultado sempre. 2.9 Os limites do controle externo da atividade policial exercido pelo MP Existe previsão constitucional e infraconstitucional com relação ao controle externo da atividade policial, mas qual seriam os órgãos policiais e quais as funções policiais que estariam sujeitas a esse controle exercido pelo Parquet. Para Rangel o controle externo da atividade policial deve ser realizado tanto nas funções de Polícia Judiciária, quanto nas funções de polícia preventiva realizadas pela Polícia Militar, vejamos o diz o mestre: Não passa o Ministério Público a ser um órgão correcional da polícia, mas, sim, um órgão fiscalizador das atividades de polícia, seja ela judiciária ou preventiva. O Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social, tendo como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Ora, é incompatível com este fundamento a realização dos atos da administração pública sem um prévio controle da legalidade dos mesmos. Motivo pelo qual, em se tratando de atos administrativos (inquérito policial), a intervenção do Ministério Público, controlando a realização dos mesmos, faz-se mister. Entendemos que o controle externo deve ser exercido sobre as funções da polícia de atividade judiciária e da polícia preventiva, ou seja, tanto sobre a 30 polícia civil ou federal e a polícia militar, respectivamente, pois a Constituição não distinguiu, não cabendo ao intérprete distinguir. É cediço, pelo menos no Estado do Rio de Janeiro, que a polícia militar exerce funções de polícia preventiva ostensiva, (cf. art. 144, § 5º, da CRFB) e de polícia de atividade judiciária, investigando e realizando operações policiais com combate ao narcotráfico, seqüestros, assaltos a bancos etc. Há, inclusive, a 1ª Delegacia de Polícia de atividade Judiciária da Polícia Militar, com resultados satisfatórios no âmbito dos crimes militares. (2010, pp.100-101). Já para Mazzilli, as funções da atividade policial são as mais diversas e o controle externo realizado pelo Ministério Público deve ser feito naquelas funções que se relacionam com as funções institucionais do Parquet, sobretudo as funções da Polícia Judiciária para a apuração das infrações penais pela autoridade policial. Tais como: as noticias de crimes recebidos pela polícia, que nem sempre são investigadas através de inquérito policial; a apuração de infrações penais, quando os acusados são os próprios policiais; os casos que a polícia não demonstra interesse ou possibilidade de agir; visitas às delegacias de polícias; fiscalização na lavratura de boletins ou talões de ocorrências criminais; a instauração e a tramitação dos inquéritos policiais e por fim o cumprimento das requisições ministeriais. (1993, p. 171-172) Portanto, o limite para atuação do Ministério Público com relação ao controle da atividade policial deve ser baseado no princípio da legalidade e também no respeito aos valores éticos que devem nortear as instituições públicas, notadamente o MP, que é intitulado o fiscal da lei. É nesse sentido o posicionamento de Alencar, vejamos: A ética deve ser uma regra de vida em qualquer carreira, assim, o integrante do Parquet deve palmilhar os limites do bom senso e das normas da ética profissional, bem como da política do saudável intercâmbio interinstitucional, para se atingir ao real objetivo da lei. Essa ética não tem o condão de legitimar a máxima os fins justificam os meios, invertendo e comprometendo os valores sócios profissionais. (2004, p. 77) Para o promotor de justiça do Estado de São Paulo Marcelo Dawalibi, o controle externo a que se refere à Carta Política de 1988, não abrange os aspectos internos da administração da polícia, à gestão dos recursos humanos, materiais e tampouco ao poder disciplinar interno das corporações policiais. O controle externo deve ser exercido para verificar se as condutas dos policiais ao desempenharem as operações policiais, estão dentro da legalidade e para coibir o abuso de poder. (2006, p. 29) 31 No habeas corpus nº 97.969, o Supremo Tribunal Federal decidiu que: “A CF de 1988, ao regrar as competências do Ministério Público, o fez sob a técnica do reforço normativo. Isso porque o controle externo da atividade policial engloba a atuação supridora e complementar do órgão ministerial no campo da investigação criminal. Controle naquilo que a Polícia tem de mais específico: a investigação, que deve ser de qualidade. Nem insuficiente, nem inexistente, seja por comodidade, seja por cumplicidade. Cuida-se de controle técnico ou operacional, e não administrativo-disciplinar.” (Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 1º-2-2011, Segunda Turma, DJE de 23-5-2011.) (BULOS, 2011, p. 1.568). No mesmo sentido no HC nº 89.746 o STF assim se pronunciou: “Processo penal. Alegação de nulidade do auto de prisão em flagrante, do inquérito policial, da denúncia e da condenação dos pacientes. Denúncia oferecida pelo mesmo promotor de justiça que teria investigado e acompanhado a lavratura do auto de prisão em flagrante e demais atos processuais. Não ocorrência. Habeas corpus denegado. O fato de o promotor de justiça que ofereceu a denúncia contra os pacientes ter acompanhado a lavratura do auto de prisão em flagrante e demais atos processuais não induz a qualquer ilegalidade ou nulidade do inquérito e da conseqüente ação penal promovida, o que, aliás, é perfeitamente justificável em razão do que disposto no art. 129, VII, da CF.” (Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 12-12-2006, Primeira Turma, DJ de 9-2-2007.) (BULOS, 2011, p. 1568). 32 3 INSTRUMENTOS PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL 3.1A investigação criminal realizada pelo Ministério Público Tema bastante polêmico e que divide opiniões é a investigação criminal direta realizada pelo Ministério Público, argumentos não faltam para aqueles que defendem o poder que tem o Parquet para investigar diretamente as infrações penais. Do outro lado também não faltam argumentos, entendem que o Ministério Público não tem o poder de investigar diretamente as infrações penais; no decorrer do trabalho procurar-se - á demonstrar os argumentos a favor e os contra; o posicionamento da instituição Ministério Público e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Os argumentos a favor da investigação diretaem matéria penal pelo Ministério Públicoem síntese, segundo Bitencourt são os seguintes: 1.A segurança pública e a apuração das infrações penais não são atribuição exclusiva da Polícia Judiciária; 2.O art. 129 da CF/88 inclui em seus vários incisos, entre as atribuições do Ministério Público, a investigação criminal; 3.O inquérito policial é facultativo e dispensável para o exercício da ação penal; 4.A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, bem como a Lei Orgânica do Ministério Público da União contêm dispositivos que se compatibilizam com os poderes investigatórios penais da referida instituição; 5.O Ministério Público, ao investigar, não assume ações unilaterais da acusação, de forma a alhear-se à verdade real; 6.Diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros atribuem ao Ministério Público poderes de investigação no âmbito processual penal; 7.Por fim, nessa reta final, com uma campanha maciça e mais agressiva, esta veiculou nos meios de comunicação, especialmente em São Paulo, o seguinte slogan: “com o Ministério Público não há Mistério”. Esse slogan traz em seu bojo, insinuando-se que em outras instituições falta transparência, eficiência e confiabilidade. (2007, p. 237-270). Vale salientar desde já, que o posicionamento do professor Cezar Roberto Bitencourt é contra a investigação criminal direta pelo MP, como se verá mais adiante quando ele refuta os pontos apontados pelos defensores da referida investigação. Guimarães entende que a investigação criminal não é monopólio da Polícia Judiciária e traz argumentos que segundo ele corroboram para que o MP possa investigar diretamente as infrações penais: 33 Preliminarmente, no entanto, é preciso entender o que seja uma investigação criminal e quem são as pessoas que podem investigar delitos no Brasil. A questão é deveras simples, pois investigar infrações penais nada mais é do que colher elementos que possam esclarecer como se deu determinado fato tido pela lei como delituoso, possibilitando que o EstadoMinistério Público possa formar sua convicção a respeito de processar, ou não, alguém, à medida que, na imensa maioria das infrações penais, é dele a responsabilidade de decidir pela provocação, ou não, do Poder Judiciário na análise do caso, através da ação penal pública. No entanto, para que o Ministério Público possa processar alguém criminalmente é preciso que existam elementos mínimos que conduzam á idéia de que houve um crime e que seu autor é aquele por ele apontado. E a colheita desses elementos se dá, basicamente, através do relato que testemunhas do caso possam fazer, da anexação de documentos que possam demonstrar, ou não, a existência do fato, e de eventuais exames periciais e de diligências que possam ser necessárias à elucidação de alguma questão duvidosa. Assim, a toda evidência, com exceção da perícia, qualquer cidadão pode proceder a uma investigação para esclarecer um delito. Aliás, em várias oportunidades, esta investigação particular acontece nos delitos cuja iniciativa de processamento é da vítima (ação penal privada) ou nos casos onde a vítima ou sua família se vê inconformada com a inércia do Estado ou visa acelerar a solução de determinado caso. (2008, p. 110 e 111). Portanto, no entendimento desse membro do MP paranaense, a investigação criminal pode ser feita pelo particular, já que não existe vedação. Além do mais, segundo ele, a iniciativa investigativa é verificada em todos os poderes e outros órgãos estatais realizam investigação, tais como: no Executivo, além da Polícia Civil e da Polícia Federal, a Polícia Militar investiga os crimes militares através do inquérito policial-militar; cita ele também as Receitas (Federal, Estadual e Municipal) quando fiscalizam os contribuintes e analisam documentos, ouvem pessoas e lavram autos de infração que podem se transformar em processos administrativos fiscais e que podem ser enviados ao Ministério Público caso tenham repercussão criminal. Ainda no Executivo, o autor cita o COAF(Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão criado para investigar crimes de lavagem de dinheiro e que está vinculado ao Ministério da Fazenda; o Banco Central do Brasil; a 34 Comissão de Valores Mobiliários; o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana está autorizado a investigar. (2008, pp.112 e 113). No Poder Legislativo Guimarães aponta o § 3º do artigo 58 da Constituição Federal de 1988, lá está à autorização para o legislativo investigar inclusive os ilícitos penais, são as Comissões Parlamentares de Inquérito. Por fim indica o autor a investigação de crimes que pode ser feita pelos Juízes, restando evidente que os delitos praticados por Magistrados são investigados pelos respectivos Tribunais de Justiça, conforme o artigo 33 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/79) e que os juízes estão autorizados em várias passagens do Código de Processo Penal a fazer a colheita direta e de ofício, da prova. Por fim cita-o o caso dos delitos praticados nas dependências dos Tribunais Superiores, que serão investigados pelo próprio Tribunal (artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). (2008, pp. 113 e 114). Como se pode perceber Guimarães em sua análise sobre as pessoas que estão autorizadas a investigar, faz, sobretudo uma interpretação sistemática e tenta encontrar fundamentos legais para a investigação criminal direta pelo Parquet. Nas palavras do autor: Como se vê, portanto, são várias as pessoas autorizadas a investigar crimes em território nacional, restando, propositadamente, por último, a análise quanto ao Ministério Público. Soa evidente que a exposição realizada até aqui conduz à idéia lógica de que ao Ministério Público (principal destinatário de todas as investigações acima indicadas) também é permitido investigar delitos. No entanto, alguns poucos doutrinadores, julgados e, mais recentemente, a partir de 2003, como já destacado, o próprio Governo Federal e parcela dos parlamentares brasileiros, insistem na tese de que o Ministério Público não teria legitimidade para tanto, o que se passa agora a abordar. Aliás, sobre o tema, é possível identificar verdadeiro “malabarismo interpretativo” a respeito daquilo que se pode denominar de “tese camaleão”, na medida em que os argumentos que pretendem dar vazão á vontade de não admitir o Ministério Público investigando delitos, vão se alterando, ao sabor de seus próprios irremediáveis equívocos. (2008, p. 114) No mesmo sentido é o entendimento do professor de Direito Constitucional UadiLammêgoBulos.Em resumo, a competência de o Ministério Público promover, por autoridade própria, investigações penais, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a todo e qualquer indiciado ou pessoa sob investigação do Estado, justifica-se a nosso ver, pelos seguintes motivos: •Nos Estados Democráticos de Direito, como o Brasil, o fato de se conferir aos promotores de justiça e procuradores da República o poder de 35 investigação criminal não é medida equivocada. Isto porque, os membros do Parquet, do mesmo modo que quaisquer outras autoridades encontramse submetidas à supremacia da Constituição Federal. Logo, quaisquer atos por eles praticados, inclusive os de investigação criminal, se cometidos na esfera da ilegalidade e do abuso de poder, devem ser reprimidos pelo Poder Judiciário (CF, art. 5º, V). Resultado: se empreendido nas lides da legalidade, o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público em nada afeta o múnus da missão empreendida pela Polícia Judiciária, a quem cabe exercer o posto de presidente do inquérito policial, responsabilizando-se pela condução das investigações penais na fase préprocessual da persecutio criminis; •no posto de dominus litis, a Carta de 1988 não impediu que o Ministério Público determinasse a abertura de inquéritos policiais, ou, até mesmo, requisitasse diligências investigatórias, conduzidas, inclusive, pela própria autoridade policial. Mas a existência de inquérito criminal não se afigura imprescindível ao oferecimento da denúncia. Dispondo de elementos informativos, o Parquet poderá, sim, fazer instaurar a persecutio criminis, mesmo se não houver qualquer investigação, patrocinada pela Polícia Judiciária; •a competência investigatória do Parquet deve, necessariamente, respeitar o princípio da unilateralidade dos atos de investigação da Polícia Judiciária. Observada tal exigência, os membros do Ministério Público podem promover, por autoridade própria, atos investigativos. E o caráter unilateral das investigações preparatórias da ação penal não autoriza o Parquet, muito menos a própria Polícia Judiciária, a extrapolar as garantias jurídicas que assistem aos suspeitos e indiciados, os quais, no regime das liberdades públicas, não equivalem a meros objetos de investigação; e •o poder investigatório do Ministério Público encontra-se implícito nas próprias normas constitucionais explícitas, que norteiam a instituição, a exemplo do art. 129, I, VI VII, VIII e IX. Significa dizer que, nessa seara, incide a Teoria dos Poderes Implícitos do Parquet, pela qual o reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público em nada frustra, muito menos compromete a garantia do contraditório e da ampla defesa do investigado. (2011, p.1.397). Reforça o entendimento que nos casos, sobretudo quando há o envolvimento de policiais nos crimes, pode e deve o MP investigar as infrações penais, assim leciona Guimarães: Este instrumento legal é importantíssimo para o desempenho do controle externo da atividade policial na medida em que se tenha notícia de faltas ou abusos de autoridade por parte das Polícias. É salutar que, nesses casos, a par de outros tantos, o Ministério Público não fique aguardando providências das próprias Polícias em investigar e responsabilizar administrativamente seus agentes, mas sim, promova de imediato, a necessária investigação para assegurar-se da veracidade, ou não, da notícia de abuso de poder que lhe chegue ao conhecimento. (2008, p. 154). Também no mesmo sentido é a posição do Membro do Ministério Público do Estado do Ceará, para Santana o Parquet tem o poder de investigar diretamente as infrações penais e o faz autorizados pelo artigo 8º, V, da Lei Complementar 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União) e pelo artigo 26 da Lei Federal 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). (2009, p. 298) 36 Além disso, o Ministério Público tem raízes históricas de combate à criminalidade e, para tanto, recebeu um delineamento constitucional de ampla envergadura dado pelo Constituinte Originário de 1988, credenciando-o, ademais, para o controle externo da atividade policial. “É importante ressaltar que essas funções não se limitam aos casos previstos no art. 129 da vigente Constituição Republicana, o qual se apresenta apenas como cláusula de abertura” para o exercício de outras atribuições compatíveis com a finalidade da Instituição (art. 129, IX, CF). (2009, p. 298) Vejamos por fim, os argumentos contra a investigação criminal realizada pelo Ministério Público. O professor Bitencourt rebate ponto aponto as argumentações feitas por aqueles que defendem tal instigação pelo MP. No seu entendimento basta à leitura do artigo 129 da Constituição Federal de 1988, para fazer a constatação de que não existe previsão expressa permitindo o Parquet investigar infrações penais, e no mais um órgão público só pode fazer o que a está expressamente permitido (princípio da legalidade). Além do mais, o constituinte originário assegurou expressamente o poder para que o Ministério Público requisite as diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial, no entanto, não fez nenhuma referência à investigação criminal direta por parte desse órgão ministerial, se não a fez foi de forma consciente, outorgando essa função à Polícia Judiciária no artigo 144 da Carta Magna. (2007, p.241) Não se pode conceber, data vênia, um Ministério Público polícia, quando a própria Constituição Federal atribui-lhe, dentre tantas atribuições, a de exercer o controle externo desta. Ficaria sem sentido outorgar o poder de controle externo a um órgão para controlar a própria atividade desenvolvida, pois neste caso, o controle externo caberia necessariamente a órgão diverso, posto que do contrário tratar-se-ia de controle interno, que sempre existe em toda administração pública. Isso, gize-se, não diminui a importância do Ministério Público, titular da opinio delicti, nessa fase preliminar, contudo, sempre como assistente, acompanhando a investigação, sem, contudo, substituir a polícia, instituição verdadeiramente encarregada da direção e presidência do procedimento investigatório. À autoridade policial caberá, não há menor dúvida, com exclusividade, a direção de tais investigações, nos termos do art. 144, § 1º, IV da CF/88. (BITENCOURT, 2007, p. 244) 37 Os integrantes do MP alegam que na sua Lei Orgânica Nacional e na Lei Orgânica do Ministério Público da União existem dispositivos que se compatibilizam com os poderes investigatórios do Parquet em matéria penal. Basta mais uma vez a leitura desses diplomas legais para se perceber que não existe nenhum dispositivo legal que autorize o Ministério Público a realizar diretamente a investigação criminal. (BITENCOURT, 2007, p. 244) No mesmo sentido é o entendimento da renomada jurista Ada Pellegrini Grinover: Nessas condições, não me parece oportuno, no atual sistema brasileiro, atribuir funções investigativas ao MP. Em primeiro lugar, por uma razão prática: o Parquet, declaradamente, não tem estrutura para assumir todas as investigações relativas a determinados crimes, sem proceder a uma insustentável seleção de casos. Em segundo lugar, em nome da busca da maior eficácia possível nas investigações criminais: para tanto, é necessário que Polícia e MP deixem de digladiar-se, querendo para si uma atribuição que, isoladamente, será sempre insatisfatória. É preciso que as duas instituições aprendam a trabalhar em conjunto, como tem ocorrido em alguns casos, com excelentes resultados. É mister que Polícia e MP exerçam suas atividades de maneira integrada, em estreita colaboração. E é necessário promulgar uma nova lei sobre a investigação criminal, que substitua o inquérito policial burocrático e ineficiente de que dispomos, estimulando a atividade conjunta da polícia e MP. (Grinover apud Bittencourt, 2007, p. 247) Os adeptos da investigação realizada pelo Ministério Público defendem que a Polícia Judiciária não tem a exclusividade da investigação, porque outros órgãos estatais também realizam investigações como, por exemplo, as Comissões Parlamentares de Inquérito, o Banco Central, a Receita Federal etc. Tais órgãos não têm competência para investigar infrações penais e não tem o poder coercitivo, quando surgem indícios de alguma infração penal remetem os expedientes ao MP, que é o titular da ação penal. Portanto, os exemplos citados são exceções à regra geral, estabelecida no artigo 144 e §§ da Carta Política de 1988, qualquer exceção a regra geral deve obrigatoriamente estar prevista legalmente, o que não se observa com o Parquet. (BITENCOURT, 2007, p. 248) Por fim, argumenta-se que o inquérito policial é dispensável para a propositura da ação penal pelo MP. O fato de o inquérito policial ser facultativo e dispensável para a propositura da ação penal não autoriza o Ministério Público a realizar investigações de natureza penal. Este órgão ministerial somente pode dispensar o inquérito, quando dispuser de elementos probatórios suficientes para a 38 propositura da ação penal, o que de novo repita-se não autoriza a referida investigação. (BITENCOURT, 2007, p. 249). Como visto anteriormente, os defensores da investigação criminal direta pelo MP, argumentam que quando este órgão investiga, não assume ações unilaterais da acusação, de forma a alhear-se à verdade real. Na lição de Bittencourt o MP é parte e age como parte: A curta experiência brasileira tem demonstrado, à saciedade, que a realização de investigação criminal diretamente pelo Ministério Público compromete a neutralidade na apuração preliminar dos fatos, cujo resultado tem a finalidade de fundamentar o início da ação penal no sistema acusatório adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, em razão de que, nessa esfera, o Parquet é parte, pensa como parte e age como parte. Haverá nítida tendência a selecionar aqueles elementos probatórios que favoreçam a acusação, especialmente por que é atribuição do Ministério Público promover, com exclusividade, a ação penal pública. Não é por outra razão, que, invariavelmente, em todas as investigações procedidas pelo Ministério Público invoca-se o questionado sigilo, com notória infringência aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, com violação da paridade de armas, revestindo-se de inegável inconstitucionalidade. (2007, p. 251) Outro argumento dos defensores da investigação criminal pelo MP referese que em ordenamentos estrangeiros é permitida a investigação criminal pelo Parquet. Como exemplos, nos ordenamentos jurídicos italianos e portugueses adotaram desde o Código de Napoleão, sendo ainda mantido o juizado de instrução, ressalte-se que no Brasil referido instituto foi rejeitado pela Assembléia Nacional Constituinte de 1988. No ordenamento jurídico português a presidência do inquérito é do Ministério Público, só que foi uma opção do legislador português integrar o Parquet e a polícia. No Brasil também existe uma integração conforme se pode extrair do artigo 129 da Carta Magna de 1988, sobretudo o controle externo da atividade policial e a requisição de diligências investigatórias por parte do MP. Mas quem controla não pode concorrer com quem é controlado. (BITENCOURT, 2007, p. 252) Por outro lado, a admissão, mesmo parcialmente, de atividades investigatórias penais ao Ministério Público nos dois ordenamentos mencionados português e italiano – não derivou, pura e simplesmente, da interpretação deste ou daquele dispositivo, como se pretende fazer no Brasil. Ao contrário, foi fruto da opção do legislador pela adoção de um determinado sistema, no qual se permite que o órgão ministerial presida as investigações criminais, implicando inclusive na elaboração de novos diplomas processuais penais, algo inocorrente em nosso 39 ordenamento vigente, que se recente de expressa previsão legal. (BITENCOURT, 2007, p. 253). O posicionamento nacional da Instituição Ministério Público é no sentido de permitir a investigação criminal direta por este órgão ministerial e procura estabelecer nacionalmente os meios da investigação é o que se pode extrair do Manual Nacional do controle externo da atividade policial. Para eles, não se pode desvincular a investigação criminal de seu fim maior, qual seja, subsidiar a ação penal para que o representante do Parquet possa oferecer com exclusividade a ação penal pública, se com a referida investigação tenham surgido elementos que sejam suficientes para a propositura da mesma. Em termos de controle externo da atividade policial surgem algumas perguntas: Como exercer tal controle de cunho constitucional sem o poder de investigar? Como exercer o controle externo da atividade policial dependendo única e exclusivamente do que for apurado pela polícia, muitas vezes realizando investigações ilegais, sem o devido respeito aos direitos fundamentais do cidadão? A conclusão a que se pode chegar é que sem o poder investigatório do MP, resta inviabilizado o próprio controle externo da atividade policial que tem previsão constitucional expressa, e que, portanto tem que ser viável. Aliás, o objetivo primordial do controle é a garantia dos direitos individuais e da Sociedade em face do Estado-Polícia, cujos eventuais abusos costumam ter sérias conseqüências, muitas delas: catastróficas e irreparáveis para a sociedade brasileira. Finalmente, argumenta-se que os poderes investigatórios do Parquet, estariam implícitos no artigo 129 da Constituição Federal de 1988, e mesmo que a Constituição não tenha previsto de maneira expressa referida investigação, mesmo assim a teoria dos poderes implícitos deve ser aplicada ao caso brasileiro. Vale esclarecer que a referida teoria surgiu na Suprema Corte Americana, no precedente MacCulloch vs. Maryland em 1819. A Constituição, ao conceder uma atividade-fim a determinado órgão ou instituição, concede implicitamente e simultaneamente os meios necessários para a efetivação daquele objetivo. Bittencourt, mais uma vez contesta esse argumento e explica que essa regra interpretativa somente pode ser invocada quando houver uma lacuna constitucional, ou quando houver uma previsão expressa e que justifique o aprofundamento da matéria e não o seu alargamento. No caso, porém, não se verifica nenhuma das duas hipóteses. Primeiramente, não há lacuna constitucional na competência em questão. A norma 40 do art. 144 da CF/88 atribui expressamente a função de polícia judiciária às polícias civis, federal e estadual. Sendo assim, a Constituição indicou a Instituição, resultando impossível atribuí-la indistintamente a outro órgão, sem que o próprio, sem que o próprio legislador constituinte o tenha feito. Em segundo lugar, não se cuidaria de aprofundar competência do Ministério Público, mas de criá-la, uma vez que, expressamente, a Constituição não atribuiu poderes investigatórios ao órgão ministerial, no âmbito processual penal. (BITENCOURT, 2007, p. 259) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem evoluído no sentido de se permitir a investigação criminal direta pelo Ministério Público, mas existem decisões dos dois lados, tanto permitindo como proibindo referida investigação. O certo é que o STF ainda não julgou definitivamente o caso, não se pode neste momento indicar qual vai ser o posicionamento definitivo da Suprema Corte. •Impossibilidade de o Parquet promover inquérito administrativo – “O Ministério Público não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes” (STF, RE 233.072, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 3-5-2002). •Impossibilidade de o Parquet realizar e presidir inquérito policial – “Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes” (STF, RHC 81.326, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 1º8-2003). •Competência de o Ministério Público realizar, por iniciativa própria, investigações criminais – a outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o dominus litis, determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua opinio delicti, sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial (STF, 2ª Turma, HCs 89.837/DF e 85.419/RJ, Rel. Min. Celso de Melo, j. em 2010-2009). •“O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, desde que respeitados, pelo Parquet, os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, pelos agentes do Ministério Público, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso país, os Advogados (Lei n. 8.906/94, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado Democrático de Direito – do permanente (e inafastável) controle jurisdicional dos atos praticados pelos 41 Promotores de Justiça e Procuradores da República” (STF, HC 93.930/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 7-12-2010). O que ocorre na verdade pelo Brasil é a investigação criminal realizada pelo Ministério Público, seja ele estadual ou federal. Existem inúmeras propostas de emenda à Constituição Federal ora atribuindo competência ao Parquet para investigar diretamente as infrações penais, ora tentando afastar o MP de realizar tais investigações. A mais recente proposta de emenda à Constituição Federal é a de nº 37 de 2011, de autoria do Deputado Federal Lourival Mendes, do PT do B do Maranhão. Segundo tal proposta, acrescenta-se o § 10 ao artigo 144 da Constituição Federal. Se a emenda constitucional for aprovada da maneira como se pretende, o citado artigo terá a seguinte redação: A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federais e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente. As discussões sobre o tema são as mais diversas, uns a favor da aprovação da emenda e outros contra, sobretudo o Ministério Público. Este argumenta que a polícia não tem exclusividade na apuração criminal e que outros órgãos também o fazem. Segundo o autor do projeto com a aprovação da emenda não se excluirá outros órgãos de realizar a investigação criminal, desde que a Constituição Federal traga a previsão. Não se sabe se a referida emenda será aprovada, espera-se é que haja um consenso para se estabelecer mecanismos eficientes de apuração criminal, que respeite os direitos do cidadão e que se tragam a julgamento os criminosos de todos os tipos, acabando de uma vez com a impunidade que reina no Brasil. 3.2 As Requisições De Instauração De Inquéritos Policiais E Respectivas Diligências Outro instrumento que permite ao Ministério Público o controle externo da atividade policial são as requisições feitas pelo Parquet, é o que se extrai da Constituição Federal, in verbis: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [....] VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. [....] 42 No plano infraconstitucional a matéria também tem previsão expressa no Código de Processo Penal Brasileiro, in verbis: Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: [....] II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. [....] Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial: [....] II – realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público. [....] Encontra-se a previsão na Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), in verbis: Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: [....] IV – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los. [....] Por fim, na Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), estabelece semelhante previsão, in verbis: Art. 7º. Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais: [....] II – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas. [....] Para Guimarães, as requisições de instauração de inquérito policial e suas respectivas diligências, não são um pedido e sim um mandamento ou uma ordem. Nesta questão, é importante de novo ressaltar que o Ministério Público, quando está requisitando providências da autoridade policial, o está fazendo de maneira impositiva, isto é, não se trata de um pedido, mas de verdadeira determinação. A autoridade policial deve, necessariamente, cumprir a requisição, sob pena de incidir em crime de prevaricação, a menos que a ordem seja manifestamente ilegal. (2008, p. 154 e 155) 43 3.3 Livre Ingresso Nas Delegacias De Polícia E Em Qualquer Recinto Público Ou Privado Este instrumento de controle está previsto na Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), que assim dispõe: Art. 9º. O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: I – ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais. [....] Bem como na Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que preconiza: Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: [....] VI – ingressar e transitar livremente: [....] b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, tabelionatos, ofícios da justiça, inclusive dos registros públicos, delegacias de polícia e estabelecimento de internação coletiva; c) em qualquer recinto público ou privado, ressalvada a garantia constitucional de inviolabilidade de domicílio. [....] Esta prerrogativa é de suma importância na efetivação do exercício do controle externo da atividade policial, pois que não é dado à autoridade policial impedir o acesso do membro do Ministério Público ao interior das Delegacias de Polícia ou de qualquer outro órgão a ela vinculado, como, por exemplo, o Instituto Médico Legal ou o Instituto de Criminalística. Assim, o Ministério Público tem condições de, em casos de denúncias de abuso de poder de Polícia, ocorridos ou que estejam ocorrendo no interior de estabelecimentos policiais, impedirem que o mesmo prossiga identificar, in loco, os responsáveis e tomar imediatamente as medidas cabíveis. (GUIMARÃES, 2008, p. 155) 3.4 Acesso A Quaisquer Documentos Relacionados Com A Atividade-Fim Policial A previsão legal está na Lei Orgânica do Ministério Público da União, in verbis: Art. 9º. O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: [....] II – ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial. [....] Na lei Orgânica Nacional do Ministério Público é semelhante a previsão, a saber: 44 Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: [....] VIII – examinar, em qualquer repartição policial, autos de flagrante ou inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. [....] Entende-se por “documentos relativos à atividade-fim policial” todos aqueles que se refiram a investigações de infrações penais, ainda que possam se resumir a meros indícios ou boletins de ocorrência e não tenham sido juntados aos autos de inquérito policial, bem como aqueles referentes aos presos que, por ventura, estejam custodiados e sob guarda policial, além dos diversos livros de registro obrigatórios em cada Delegacia de Polícia. (GUIMARÃES, 2008, p. 156) 3.5 Requisitar À Autoridade Competente A Adoção De Providências Para Sanar A Omissão Indevida, Ou Para Prevenir Ou Corrigir Ilegalidade Ou Abuso De Poder A previsão legal deste instituto de controle externo encontra-se na Lei 8.625/93, a saber: Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: [....] III – requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível. [....] Na Lei Complementar 75/93 novamente a previsão é expressa, a saber: Art. 9º. O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: [....] III – representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder. [....] Ao constatar qualquer espécie de omissão, ilegalidade ou abuso de poder por parte da Polícia, além de proceder à investigação criminal pertinente, pode o Ministério Público requisitar à autoridade competente – geralmente à Corregedoria da Polícia – a instauração de procedimento administrativo, a fim de que sejam adotadas medidas visando adequar e responsabilizar o infrator. (GUIMARÃES, 2008, p. 158) Vale salientar que a requisição ministerial nesse sentido, não representa um pedido à autoridade competente e sim um mandamento ou uma ordem para que 45 tal autoridade competente aja e resolva a omissão ou o abuso ou a ilegalidade que por ventura estejam ocorrendo, ou ainda que previna tais atos. 3.6 Fiscalização De Estabelecimentos Prisionais Instrumento de controle previsto na Lei 8.625/93, que preconiza: Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Púbico: [....] VI – exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência. [....] Semelhante previsão é trazida pela Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), in verbis: Art. 68. Incumbe, ainda, ao Ministério Público: [....] Parágrafo único. O órgão do Ministério Público visitará mensalmente os estabelecimentos penais, registrando a sua presença em livro próprio [....] Ao possibilitar a visita a estabelecimentos prisionais pelo MP, o legislador conferiu a essa importante Instituição um poder-dever de zelar por todos aqueles que se encontram encarcerados, fiscalizando os respectivos estabelecimentos e velando pelo correto cumprimento da pena ou da medida de segurança imposta pelo Poder Judiciário. Além de impedir que aquele que foi preso ilegalmente possa ser posto em liberdade, e que abusos não sejam cometidos contra os que se encontram nas prisões por este Brasil afora. (GUIMARÃES, 2008, p. 159) 3.7 Ter Ciência Imediata Da Prisão De Qualquer Pessoa Outro importante instrumento do controle externo da atividade policial e que está previsto na LC 75/93, in verbis: [....] Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão. [....] Esta medida veio suprir uma falha existente no sistema, onde a comunicação de prisão somente era feita ao Poder Judiciário, esquecendo-se o legislador que o Ministério Público exerce poder fiscalizatório da lei e da situação dos presos e, por conseguinte, não podia permanecer alheio ao conhecimento das prisões. (GUIMARÃES, 2008, p. 161) 46 3.8 Impetração De Habeas-Corpus E Mandado De Segurança A Carta Magna de 1988, no título que compreende os direitos e garantias fundamentais, traz esta previsão de controle externo, que assim preconiza: [....] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; LXIX - Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. [....] Novamente a Lei 8.625/93, traz a previsão legal para que o Parquet exerça o controle externo da atividade policial de forma efetiva, in verbis: [....] Art. 32. Além de outras funções cometidas nas Constituições Federais e Estaduais, na Lei Orgânica e demais leis compete aos Promotores de Justiça, dentro de suas esferas de atribuições: I – impetrar habeas-corpus e mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes. [....] Quando uma autoridade policial, seus agentes ou qualquer outro membro das Polícias impedirem que o MP possa ter acesso a local ou documentos sujeitos à fiscalização por parte do Parquet, são recomendáveis que fosse impetrado Mandado de Segurança para proteger esse direito líquido certo e que assim seja possível o cumprimento das suas funções institucionais. Este instrumento legal e cunho constitucional é o meio hábil, porque não se pode ir para o embate físico ou mesmo verbal para sanar as ilegalidades e o abuso de poder. No que diz respeito ao Habeas Corpus, toda vez que o Ministério Público tome conhecimento de prisões ilegais e verifique que as mesmas são verdadeiras é possível a impetração deste “remédio” jurídico, uma vez que cabe ao MP a defesa dos direitos individuais indisponíveis, no caso a liberdade. 47 3.9 Ações Por Ato De Improbidade Administrativa Decorrentes Da Prática De Crimes, Desobediência E Irregularidades Policiais Outra providência que se pode e, se for o caso, deve ser tomado pelo Ministério Público, quando do exercício do controle externo da atividade policial, é a adoção de medidas judiciais também no âmbito cível, a exemplo do que já se disse quando da necessidade de instaurar ação penal pública, ingressando com ação civil pública contra o agente policial ímprobo, valendo-se da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), que, além de ser mais ampla do que os tipos penais existentes, prevendo casos de improbidade por fatos e condutas não tipificadas criminalmente, possibilita a aplicação de uma série de sanções civis e administrativas (e não penais, como equivocadamente insistem alguns poucos), que podem resultar desde a perda dos bens ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente, como também aplicação de multa civil, ressarcimento do dano causado, até a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos até oito anos, dentre outras. (GUIMARÃES, 2008, p. 160) No mesmo sentido é a orientação que se extrai do Manual Nacional do controle externo da atividade policial: quando qualquer policial, seja ele, militar, civil, federal que integra os órgãos de Segurança Pública Brasileira e que tem o dever funcional de garantir e de contribuir para o combate à criminalidade, reduzindo e prevenindo este mal, sobretudo o dever de ter sua conduta baseada na legalidade e na moralidade, para que a segurança do cidadão como um todo seja resguardada. Vale salientar que os instrumentos de controle externo da atividade policial, ora aqui apresentados são disciplinados tanto nas normas constitucionais, quanto nas infraconstitucionais e, portanto podem ser utilizadas por todos os Ministérios Públicos Estaduais e pelo Ministério Público da União. Existem outros instrumentos de controle externo que tem previsão legal somente nas legislações estaduais e, portanto só são aplicadas no território dos respectivos Estados, infelizmente não sendo objeto de estudo da presente monografia. 48 4 DIREITO COMPARADO 4.1 Países De Origem Inquisitória 4.1.1Portugal O Decreto-Lei de nº 35.007 de 13 outubro de 1945, alterou o Código de Processo Penal de Portugal estabelecendo dois tipos de instrução: uma de natureza preparatória e outra de natureza contraditória. A instrução preparatória tem por objetivo a coleta de elementos probatórios necessários para a fundamentação da acusação. Cabia ao Ministério Público a direção da instrução preparatória. Por sua vez o Decreto-Lei de nº 35.042 de 20 de outubro de 1945, criou a Polícia Judiciária como órgão auxiliar do Ministério Público. (FREYESLEBEN, 1993, p. 76) Como se pode perceber já naquela época, Portugal tinha um modelo processual semelhante ao adotado no Brasil no tocante a instrução preparatória, com exceção da direção. Que no Brasil é da autoridade policial. Já com a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal português, que ocorreu em 01 de janeiro de 1988. A investigação continuou a ser dirigida diretamente pelo Ministério Público, que caso entenda necessário pode contar com o apoio da Polícia, não estando dependente desta. Pela entrada em vigor do novo diploma processual penal português, a atividade policial passou a ter um maior controle por parte do Ministério Público português, uma vez que a Polícia Judiciária dependia funcionalmente do Parquet português. (GUIMARÃES, 2008, p. 188) Vê-se, então, que, em Portugal, o relacionamento do Ministério Público com a Polícia é estreito, prevalecendo o domínio do Ministério Público sobre o curso da investigação, sem, contudo, prescindir do auxílio da Polícia, que, de resto, é por ele diretamente fiscalizada. A par da atuação direta do Ministério Público, o legislador português criou através do Dec.-lei 227/95, posteriormente alterado pelo Dec.-lei154/96, outro órgão de fiscalização externa da atividade policial, denominado de Inspecção-Geral da Administração Interna – IGAI, integrado por quatro membros do Ministério Público, dois da Magistratura, três inspetores de Polícia (da Interpol, área de crime organizado e do colarinho branco), dois oriundos da Escola Superior de Polícia, um oficial superior da Guarda Nacional Republicana, um “alto funcionário da administração pública” e dois inspetores oriundos da Inspecção-Geral de Finanças. 49 Esta Inspecção-Geral da Administração Interna – IGAI exerce efetivo controle da atividade policial, realizando, dentre outras atividades, visitas-surpresa aos estabelecimentos policiais, notadamente, no período noturno, visando evitar a prática de atos de abuso de autoridade. Apesar da atividade de fiscalização exercida pela IGAI, esta não tem poder de investigação criminal, limitando-se às providências de cunho administrativo, devendo, na medida em que identificar abusos de poder ou quaisquer outras irregularidades, comunicar imediatamente o Ministério Público para adoção das medidas penais cabíveis. (GUIMARÃES, 2008, p. 189-190) 4.1.2Alemanha O relacionamento do Ministério Público alemão com a Polícia pode ser resumido da seguinte forma: nos casos em que não se admita demora, a polícia pode tomar desde já o contato com o crime, porém, deve comunicar imediatamente todas as suas atividades ao Ministério Público. Nos outros casos, para que a Polícia possa intervir deve esperar as determinações e orientações do Ministério Público, já que é dependente do Parquet. (GUIMARÃES, 2008, p. 190). Como se pode observar, o Ministério Público na Alemanha tem um grande controle sobre a Polícia, visto que para poder intervir diretamente nos crimes depende das orientações e determinações do Parquet, se intervir de imediato deve comunicar todas as suas atividades desenvolvidas. No Brasil isso não ocorre, porque uma vez ocorrendo um fato criminoso a Polícia deve agir de imediato para prender o autor em flagrante delito. Se o autor do fato criminoso não for preso em flagrante delito entra em cena a Polícia Judiciária, esta deve instaurar um inquérito policial para apurar o fato criminoso em todas as suas circunstâncias, colhendo indícios de autoria e materialidade para que o Ministério Público possa oferecer a denúncia no caso de ação pública incondicionada. O professor Guimarães lecionar ainda que o Ministério Público na Alemanha têm uma série de poderes, vejamos: Ao Ministério Público, ainda, é conferida uma série de poderes no âmbito investigatório, tais como, realizar prisões temporárias, sequestros, registros, entre outras medidas urgentes, independentemente de autorização judicial. No entanto, para a prisão provisória, necessária se faz a intervenção judicial, no caso, do chamado Juiz Instrutor. A atividade do Juiz Instrutor, no sistema processual penal alemão, serve, dentre outras funções, para validar estes atos urgentes praticados pelo Ministério 50 Público, unicamente no aspecto legal, sem poder ingressar no mérito da oportunidade ou conveniência da medida adotada. A participação do Juiz Instrutor é, também, indispensável para que se evidencie a interrupção da prescrição e para que sejam assegurados legalmente os meios de prova. Este Juiz Instrutor, segundo já decidiu o Tribunal Constitucional Federal Alemão, não exerce verdadeira atividade jurisdicional, mas, sim, funções administrativas. Assim, admite-se a figura do Juiz Instrutor como órgão auxiliar do Ministério Público, sem quebrar o princípio constitucional alemão de independência judicial. (2008, p. 192) 4.1.3França O controle da atividade policial pelo Ministério Público francês é evidenciado quando este tem o poder de realizar investigações paralelas às realizadas pela Polícia, direcionando as investigações que serão feitas e que deve ser informado de tudo que está sendo investigado pela Polícia. (GUIMARÃES, 2008, p. 193) O relacionamento entre o Ministério Público e a Polícia na França é esclarecida pelo jurista Luiz Regis Prado, assim ensina o mestre: Na fase preliminar (inquérito) o órgão do Parquet dirige toda a atividade policial, sendo os agentes da polícia judiciária postos sob sua responsabilidade (CPP, arts. 38 e 41, 2). Pode conduzir pessoalmente ou de modo indireto todos os atos investigatórios, procedendo ou determinando o que julgar para tal necessário (CPP, art. 41, 1). Em caso de flagrância, sua presença no local do crime lhe dá o controle das operações, em substituição à autoridade policial (delegado de polícia), podendo, então, fazer cumprir pessoalmente todos os atos, ou determinar àquela a sua continuidade (CPP, art. 41, 5 e 68). Também quando o juiz de instrução não tiver sido provocado, o órgão ministerial pode expedir mandado de condução de qualquer pessoa suspeita de ter participado da infração penal (CPP, art. 70, 1). (Luiz Regis Prado apud Guimarães, 2008, p.193) Freyesleben já lecionava no ano de1993 que o Código de Processo Penal francês estabelecia que a Polícia Judiciária fosse à encarregada de uma vez ocorrida as infrações penais, buscar as provas e os autores das respectivas infrações, tudo sob orientação e direção do Ministério Público. (1993, p. 71) Como se pode observar cabe a Polícia a apuração das infrações penais, descobrindo os autores das infrações através da coleta de provas, tudo sob orientação e direção do Ministério Público. Há, portanto pouca autonomia para a investigação criminal realizada pela Polícia francesa, já que o Parquet é quem dirige e orientam as investigações, neste caso o controle externo da atividade policial tende a ser mais rigoroso porque quem dita o teor das investigações é Ministério 51 Público. Guimarães informa que a autonomia da Polícia francesa para investigar as infrações penais é limitada e traz a situação em caso de flagrante delito, vejamos: De qualquer sorte, havendo caso de flagrante, a Polícia atua, iniciando as investigações e comunicando o mais breve possível, até mesmo via telefone, ao Ministério Público, que, quando não assume de plano as investigações no local do fato, indica quais as diretrizes a serem tomadas pela Polícia. Esta, por sua vez, sob supervisão do Ministério Público, elabora a enquete ou procedure préliminaire, que equivaleria ao inquérito policial brasileiro, e destina-se à colheita das provas. A autonomia da Polícia quanto às investigações fica limitada às infrações penais de menor potencial ofensivo, não obstante, nestes casos, tenha o prazo de 24 horas para encaminhar a enquete ao Ministério Público. (2008, p. 194) 4.1.4Itália A Polícia Judiciária italiana está vinculada ao Ministério Público, este tem a direção das investigações criminais. Esta vinculação como já decidiu Corte Constitucional da Itália, não chega a ser uma dependência disciplinar e burocrática, é uma dependência funcional, porque as Polícias neste país (poliziadiStato, arma dei carabinieri e guardiã difinanza) estão também ligadas ao Poder Executivo (respectivamente: Ministro dell‟interno, Ministro dela difesa e Ministro dele finanze). (GUIMARÃES, 2008, p. 194-195) Vale salientar que na Itália não existe separação e distinção das carreiras da Magistratura e do Ministério Público como ocorre na maioria dos países, o ingresso nas duas carreiras é um só, vejamos a lição de Guimarães: Na Itália, o Ministério Público está estreitamente vinculado à carreira da Magistratura. Na verdade, o ingresso nas duas carreiras é um só, podendo, em seguida, o Magistrado optar por ser Magistrato Del Publiccoministero ou Magistratogiudicante, nos termos do art. 107.4, da Constituição Italiana de 1947. Podem até mesmo mudar de função ao longo de suas carreiras, saindo de uma Magistratura judicante para aquela requerente (Ministério Público). Daí a confusão por vezes evidenciada nos meios de comunicação em atribuir-se investigações criminais a este ou àquele Juiz, a exemplo da notória “Operação Mãos Limpas” (operazionemanipulite) levada a cabo por Membros do Ministério Público italiano no combate à criminalidade organizada, notadamente mafiosa. (2008, p. 194) 4.2 Países de origem acusatória 4.2.1 Inglaterra E País De Gales Até o ano de 1985 a Inglaterra e o País de Gales não tinham um Ministério Público estruturado e organizado como na Europa continental, deste modo a Polícia tinha grande liberdade de ação nas investigações criminais, visto que o 52 controle por parte do Parquet era inexistente. Guimarães esclarece essa situação, vejamos: De fato, somente a partir de 1985, com o ProsecutionofOffensesAct, é que o Ministério Público inglês (Crown Prosecution Service) passou a ser melhor organizado, a nível institucional. Antes dessa data, existia somente a figura do Procurador-Geral (Attorney General) e do DirectorofPublicProsecutions, que atuavam em alguns poucos casos. De resto, qualquer cidadão estava autorizado a exercer o direito de ação penal, assim como a própria Polícia também podia exercê-lo. Dessa situação resultava que cerca de 90% das ações penais eram intentadas pela própria Polícia, através de departamento próprio, que fazia às vezes de Ministério Público, chamado de (ProsecutingSolicitor‟sDepartment). Com a ausência de um Ministério Público estruturado, a Polícia tinha exagerado poder de investigação e persecução penal, o que implicava constantes desmandos, os quais nem sempre vinham à tona. A situação culminou com o caso de três rapazes acusados de terem assassinado um homossexual. A Polícia obteve, mediante tortura, a confissão dos três, mas, anos depois, apurou-se que os acusados não tinham qualquer relação com o caso, e eram inocentes. Este caso acabou se revelando o divisor de águas na história da Justiça Criminal Inglesa, sendo que, a partir de então, visando frear o abuso de poder da Polícia, o Parlamento editou um estatuto disciplinado como a Polícia deveria proceder em sua investigação, desde a inquirição de testemunhas, até busca e apreensão e abordagem de pessoas, chamado Police and Criminal EvidenceAct 1984 (PACE). Segundo informa Steve Uglow, mesmo após a promulgação do PACE, em quase nada mudou o comportamento da Polícia, que continuou a agir de forma abusiva. No ano seguinte (1985), ainda visando abrandar os abusos policiais, estruturou-se nacionalmente o Ministério Público, criando-se o Crown Prosecution Service. (2008, p. 197-198) O relacionamento do Ministério Público com a Polícia é estreito uma vez que na maioria das vezes as investigações são iniciadas na Polícia, esta faz a colheita das provas e depois às encaminha ao Parquet. Porém, em alguns casos a Polícia faz uma consulta prévia ao Parquet que revisa as investigações realizadas e decide se continua com as investigações que vinham sendo realizado, muda o rumo das investigações ou se faz o arquivamento desta. Vale salientar que antes ser mudado o curso das investigações ou de serem arquivadas pelo Ministério Público, é dado a Polícia a oportunidade de juntar novas evidências sobre o caso, após isso Ministério Público e Polícia discutem o caso, mas apalavra final é do Ministério 53 Público com relação à mudança ou arquivamento das investigações realizadas. (GUIMARÃES, 2008, p. 199) Há, portanto uma relação próxima entre o Ministério Público e a Polícia, uma vez que esta tem a iniciativa das investigações na maioria das vezes e as repassam as provas obtidas que são discutidas entre Polícia e Parquet. A mudança do rumo das investigações ou o seu arquivamento não é, portanto unilateral, mas a decisão final cabe ao Ministério Público que uma vez intervindo nas investigações, as dirige e as controla. Como já dito acima o Ministério Público inglês tem pouco tempo que foi estruturado nacionalmente como Instituição organizada apta a cumprir o seu papel institucional, dirigindo e coordenando as investigações criminais que são realizadas pela Polícia, neste caso existem iniciativas que merecem ser destacadas para um melhor relacionamento e fiscalização entre o Parquet e a Polícia, vejamos a lição de Guimarães: Em razão do pouco tempo de existência do Ministério Público Inglês, enquanto Instituição organizada nacionalmente, algumas experiências vêm sendo implantadas visando agilizar o serviço e o relacionamento do Ministério Público com a Polícia. Assim, em algumas localidades, o Ministério Público providenciou setores de atendimento na Delegacia de Polícia (policestation), o que melhorou e agilizou sensivelmente a apuração dos casos, pois o Promotor passou a orientar e auxiliar na investigação com maior presteza. Criou-se, também, um sistema de comunicação interligando a Polícia e o Ministério Público, via computador, onde, nos casos mais complexos, havendo dúvida sobre como proceder, a Polícia possa consultar o Ministério Público e tomar decisões sobre como conduzir a investigação em minutos. Outra novidade foi o fato de o Ministério Público participar ativamente dos cursos de treinamento de policiais, o que também ocorreu na via inversa, contribuindo para o aperfeiçoamento de ambas as atividades. (2008, p. 199) 4.2.2 Estados Unidos Neste país existe um sistema judiciário federal e outros cinqüenta sistemas judiciários estaduais, um para cada Estado. De modo que é muito difícil uma análise de todos os sistemas, neste trabalho monográfico enfocar-se a o sistema judiciário federal e de algum Estado norte americanos, trançando sempre que possíveis linhas gerais sobre os órgãos que estão envolvidos na apuração criminal, ou seja, Polícia e Ministério Público. O ingresso nos quadros do Ministério Público deste país não é através de concurso público de provas e títulos como ocorre no Brasil, são indicados a nível 54 federal pelo Presidente da República com prévia ratificação do Senado. Guimarães assim ensina, vejamos: No âmbito federal encontra-se o The United Status Attorney General, ao qual estão ligados os United StatesAttorneys (algo correlato à ProcuradoriaGeral da República no Brasil), que atuam, nos 94 Distritos Federais Judiciais em que o país se divide, com a colaboração do Federal Bureau ofInvestigations – FBI (que possui na Polícia Federal Brasileira seu equivalente nacional), bem como, hoje também de forma acentuada, com a colaboração da DrugEnforcementAgency – DEA (algo correlato à Secretaria Especial Antidrogas) todos estando, porém, subordinados ao Departamento f Justice (Ministério da Justiça). Os também chamados publicprosecutors a nível federal são recrutados pelo Presidente da República, com a prévia ratificação do Senado norte-americano e tem competência para atuar em todo o território nacional, subdividindo-se em pelo menos 94 (noventa e quatro) U.S. DistrictAttorneys, restando no cargo por quatro anos, podendo ser destituídos, caso não correspondam às expectativas do Presidente. (2008, p. 200) Existem ainda os Promotores especiais que são nomeados pelo Procurador-Geral para atuarem em casos que necessitam de uma maior dedicação. A intervenção política ainda perdura na nomeação dos Promotores deste país, não existe uma independência funcional da carreira do Ministério Público estadunidense, visto que a seleção ocorre como dito acima sob um forte enfoque político, em detrimento daqueles que possuem uma maior qualificação profissional e ética. No âmbito federal, Polícia e Ministério Público atuam de forma coordenada. O mesmo não ocorre com a mesma frequência a nível estadual, uma vez que existe um volume muito grande de organizações policiais, que chega ao número de 17.000 (dezessete mil) entes policiais autônomos. (GUIMARÃES, 2008, p. 202) Como visto os membros do Ministério Público não são escolhidos por meio do próprio mérito uma vez que há uma forte influência política para a escolha dos mesmos, não privilegiando os mais preparados para o desempenho de suas funções. Não existe também independência funcional para atuação do Parquet, como desempenhar bem suas funções em casos que envolvem autoridades, sem uma independência funcional. De novo o membro do Ministério Público paranaense, Rodrigo RégnierChemim Guimarães esclarece sobre as diversas organizações policiais e as dificuldades de atuação do Ministério Publicam frente esses órgãos policiais vejam: 55 Diferentemente da organização policial, o Ministério Público nos Estados encontra-se, basicamente, assim estruturado; os StateAttorneys (Promotores estaduais), os CountyAttorneys (Promotores do Condado) – espaço territorial próximo ao que se entende por Comarca) e os DistrictAttorneys (PromotoresDistritais ou Municipais), todos com um único equivalente no Brasil: os Promotores de Justiça. Na maioria dos casos são eleitos pelo povo, para um mandato de quatro anos, valendo destacar as seguintes exceções: em New Jersey são nomeados pelo Governador; no Alaska, Delaware e RhodeIsland, pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado (Attorney General); e em Connecticut, são nomeados por um órgão judiciário. A dificuldade de atuação conjunta entre o Ministério Público americano e as Polícias daquele país, assim, reside em conseguir traçar uma coordenação de ação entre os Ministérios Públicos do Estado, Condado e Distrito, em relação aos milhares de organismos policiais autônomos com seus respectivos dirigentes locais. Como visto, diversamente do que ocorre no âmbito federal, onde a polícia sempre tem como chefe o Ministro da Justiça, nos Estados este dirigente varia. (2008, p. 203). 56 57 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A crise de desconfiança por que passam as instituições públicas no Brasil, é notadamente nos dias de hoje muito grande e trás à tona constantes casos de corrupção que são noticiados pela imprensa em geral, muitos desses casos são de corrupção e desmandos de toda ordem, com mais evidência são mostrados casos envolvendo integrantes das instituições policias, o que acaba por reforçar muitas vezes o temor às polícias. Como se sabe, a corrupção não é exclusividade das instituições policiais e no Brasil praticamente todas as instituições passam por descrédito da população. No caso das polícias é mais evidenciado pela repressão policial e muitas vezes pelo despreparo policial, que sai das academias de polícia sem conhecimento técnico suficiente para enfrentar o serviço nas ruas com qualidade. No Brasil existe o controle interno da atividade policial civil, que geralmente é desenvolvido por uma corregedoria e que nestes casos faz a apuração de infrações administrativas aplicando penalidades, desde advertência até demissão do servidor. Com referência ao controle externo da atividade policial civil, existentes no país, podemos citar o controle social, os Conselhos comunitários de segurança, as Organizações Não Governamentais, o controle por parte da imprensa e o controle realizado pelo Ministério Público etc. Constitucionalmente foi a Carta Magna de 1988 que trouxe a previsão expressa do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público (art. 129, VII, CF/88). Fruto de intensão discussões sobre a matéria antes e durante a constituinte, sobretudo da mobilização nacional dos membros do Ministério Público. Em matéria infraconstitucional, a LeiComplementar 75/93 traz previsão expressa sobre tal controle, já a Lei 8.625/93 não traz previsão expressa sobre o controle externo, remetendo a aplicação subsidiária da Lei 75/93, a resolução nº 20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público trata da regulamentação sobre os artigos da Lei 75/ e da Lei 8.625 que tratam da matéria. Antes da Carta Política de 1988 não se tinha previsão expressa sobre o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, poucas eram as intervenções sobre as investigações criminais realizadas pela polícia. Contudo no decorrer do tempo o Ministério Público passou a dispor de instrumentos para o 58 exercício de tal controle. Não há dúvida que se os instrumentos postos à disposição do Parquet forem utilizados de forma adequada, respeitando a ética e a legalidade como limites de tal intervenção na atividade fim-policial, já que as atividades que não sejam atividade-fim não estão sujeitas ao controle externo por parte do Parquet, quem ganha é a sociedade brasileira. Como tem mostrado a mídia nacional, nas intervenções e investigações realizadas pelo Ministério Publico para coibir os abusos e os crimes praticados pelos maus policiais. O estudo do direito comparado é também importante para o aperfeiçoamento dos nossos institutos de controle externo da atividade policial, notadamente aqueles que respeitem os direitos fundamentais do cidadão e que sejam compatíveis com o nosso regime democrático de direito. 59 REFERÊNCIAS A Constituição e o Supremo. 4. ed. Brasília: Secretaria de Documentação, 2011. ALENCAR, John Roosevelt Rogério de. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público: legislação, doutrina e jurisprudência. 1. ed. Fortaleza: RBS, 2004. BARROSO, Felipe dos Reis. Manual de formatação de monografia jurídica. 2. ed. Fortaleza: 2012. BAYLEY, David H.. Padrões de Policiamento: Uma Análise Internacional Comparativa; tradução de Renê Alexandre Belmonte. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. BITENCOURT, Cezar Roberto. A inconstitucionalidade dos poderes investigatórios do Ministério Público. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 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