Vitória, 05 de janeiro de 2010. Mensagem n º 07 / 2010 Senhor Presidente: Amparado nos artigos 66, § 2° e 91, IV da Constituição Estadual, vetei totalmente o Projeto de Lei n° 275/2009, de autoria do Deputado Theodorico Ferraço, aprovado nessa Casa de Leis e transformado no Autógrafo de Lei n° 311/2009, que “Dispõe sobre a identificação de usuários dos serviços de táxis e dá outras providências. O projeto de lei em exame é inconstitucional porque invade a competência legislativa privativa do Município para regulamentar a prestação de serviço de interesse local (artigo 30, V da CF/88) no que se refere a serviços de táxis. Ouvida a Procuradoria do Estado, aquele órgão se manifestou com o seguinte parecer que aprovo e adoto: “Da competência municipal para a regulamentação do serviço de táxi - matéria de serviço público de interesse local – artigo 30 V da CF O constituinte de 1988 acolheu o princípio da predominância do interesse, cabendo à União as matérias em que predomina o interesse geral, aos Estados as de predominante interesse regional e aos municípios os assuntos de interesse local. Assim, no que tange à competência normativa, as matérias que só podem ser reguladas pelo Município estão prevista no art. 30, que lhe assegura a prerrogativa de editar normas sobre assuntos de interesse local e suplementar as legislações federal e estadual, para melhor atender às suas peculiaridades. O Exmo. Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no seu livro “Curso de Direito Constitucional”, ensina sobre a competência legislativa municipal: “Uma parte das competências reservadas dos Municípios foi explicitamente enumerada pela CF, por exemplo, a de criar distritos (art. 29, IV) e a de instituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações (art. 144, § 8°). Outra parcela destas competências é implícita. As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 31, I, da CF, que atribui aos Municípios “legislar sobre assuntos de interesse local”, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da federação. VETO TOTAL PL275/2009 Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras. (...) Sobre os temas de interesse local, os Municípios dispõem de competência privativa. Assim, é hostil à Constituição, por invadir competência municipal, a lei do Estado que venha a dispor sobre distância entre farmácias em cada cidade.”1 O serviço de táxi é caracterizado pelo transporte individual de passageiro em veículo de aluguel a taxímetro, que é um serviço público de transporte prestado pelo particular através de permissão da autoridade local competente para sua prestação. Assim, e tendo em vista que o serviço de táxi, sua regulamentação, autorização para funcionamento e organização são assuntos cujo interesse predominante é do Município, ou seja, competência decorrente do art. 30 V da Constituição Federal2 (serviço público de interesse local, neste incluído o transporte individual de passageiro), ao legislar acerca da matéria, a Assembléia Legislativa capixaba invade competência legislativa privativa do Município. Tanto a matéria é eminentemente de competência municipal, que os Municípios, via de regra, possuem legislação regulamentando o serviço de táxi, e órgão que o autoriza e o fiscaliza (em Vitória-ES, a regulamentação é trazida pela Lei municipal n° 3.783, de 06.02.92, e à Secretaria Municipal de Transportes – SETRAN incumbe o gerenciamento e a administração dos serviços de táxi). Para melhor demonstrar a competência municipal para a regulamentação da matéria de prestação de serviço de táxi, colacionamos alguns julgados que possuem pertinência com a análise da constitucionalidade deste autógrafo: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERMISSÃO. SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE INDIVIDUAL (TÁXI). AUSÊNCIA DE PROVA PRECONSTITUÍDA. LIMITAÇÕES E CONDICIONAMENTOS. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. COMPETÊNCIA. - Alegada a existência de permissão para exploração de serviço de transporte individual, cabe ao impetrante produzir prova preconstituída da existência da autorização e cumprimento dos requisitos que encerra. - O Município é 1 MENDES, Gilmar Ferreira. “Curso de Direito Constitucional”. São Paulo: Saraiva, 2007. pág. 776. 2 Art. 30. Compete aos Municípios: (...) V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; (...) VETO TOTAL PL275/2009 competente para legislar, organizar e regulamentar a prestação de serviços de transporte, de maneira que não está eivada de inconstitucionalidade a fixação de condições e restrições ao exercício da atividade. (TJMG - Processo n° 1.0090.08.019793-3/001(1) - Relator ALBERTO VILAS BOAS – julg. 17/03/2009 DIO-MG 17/04/2009) Administrativo. Permissão para a exploração do serviço de transporte de passageiros, por táxi. Possibilidade de a BHTRANS, ao regulamentar o serviço, estabelecer condições e limites para o cadastramento de condutores auxiliares. Ofensa ao princípio da isonomia. Inocorrência. É induvidosa a competência do município de, através de órgão criado para tal mister, regulamentar os critérios que norteiam as permissões de exploração do serviço público de transporte de passageiros por táxi. Não se tem configurada ofensa ao princípio da isonomia, a circunstância de se permitir às pessoas jurídicas, detentoras de tal permissão, o cadastramento de dois condutores auxiliares e, às pessoas físicas, somente um, já que, na prática, o número de condutores será o mesmo, pelo simples fato de que a pessoa jurídica não conduz veículo, pessoalmente. Recurso Desprovido. (TJMG - Processo n ° 1.0024.03.925870-2/001(1) - Relator Pinheiro Lago – julg. 20/04/2004 DIO-MG 16/06/2004) Do voto vencedor (pela unanimidade) do Eminente Desembargador Antônio Sérvulo no processo n° 1.0701.06.171656-2/001(1), destacamos: “Ora, o Município tem competência para regulamentar, através de atos normativos, o serviço de táxi municipal, nos termos do Constituição Federal de 1988, senão vejamos: "Art. 30 - Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.(...)" Sobre o tema ensina Nelson Nery Costa: "A organização e competência elencada no art. 30, da Constituição Federal, constitui função fundamental do Município. A prestação de tais serviços pode ser feita sob o regime de concessão ou permissão, como também podem ser executados diretamente pela Administração local, desde que seja dentro das fronteiras municipais. Compreende o transporte coletivo os efetuados através de ônibus ou táxi, como também aqueles efetuados por veículos VETO TOTAL PL275/2009 alternativos, como motos ou vans, destinados inclusive para o transporte especializado de crianças, de servidores públicos ou de empregados de empresas particulares de difícil acesso" (Curso de direito municipal brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 1999). No caso, estamos diante de atividade de irrecusável interesse local, posto que somente ao Município, através de órgão constituído para tal finalidade, será possível detectar os seus contornos, as necessidades da população e a forma cabível de prestação do serviço de táxi, inspirada sempre nos princípios constitucionais norteadores do tema. Será sempre legítima, dessa forma, a atuação do Município tendente a regularizar situação fática localizada, típica, sendo evidente que para o exercício de tais atividades, deverá o órgão municipal editar regulamentos, a serem obrigatoriamente observados por todos os que tiverem o interesse em se tornarem permissionários do serviço público. Tem-se que a exigência em questão não se mostra arbitrária, pois o administrador efetivamente deve preservar a incolumidade física e moral dos usuários de transporte. O serviço de táxi é exercido pelo regime de permissão administrativa, sendo aquele que a administração confere ao particular a exploração de serviços que visam ao interesse coletivo ou ainda, ao emprego de bens públicos. É instituto de caráter precário, que pode ser revogado a qualquer tempo, de acordo com a conveniência da Administração. A Administração Pública, no exercício de seu poder de polícia, pode determinar o preenchimento de certas condições para a prática de determinada atividade, por razões de segurança e de adequação de seu exercício ao interesse público. A atividade poderá ser exercida por aqueles todos que preencham os requisitos exigidos, sem distinção.” (TJMG - processo n° 1.0701.06.171656-2/001(1) – Relator Antônio Sérvulo – julg. 11/09/2007 DIO-MG02/10/2007)”. Por todo o exposto, o veto total ao PL n° 275/2009 se impõe. Atenciosamente RICARDO DE REZENDE FERRAÇO Governador do Estado em exercício VETO TOTAL PL275/2009