Reflexões atuais sobre a formação e atuação profissional
Mirella Paiva
O papel das relações sociais no ambiente de trabalho e na formação profissional tem sido,
atualmente, bastante valorizada no mercado de trabalho o que, inevitavelmente, repercute no
delineamento de um perfil profissional mais compatível com a nova realidade. Dos profissionais
são exigidas não somente habilidades técnicas, mas também habilidades interpessoais, o que
pressupõe uma formação dinâmica, diversificada e interdisciplinar, que atenda às exigências da
qualidade nos relacionamentos interpessoais e da competência social.
Entretanto, o ensino no Brasil tem enfatizado a capacitação técnica e instrumental do
aluno, em detrimento do seu desenvolvimento interpessoal, indicando uma lacuna na formação
dos futuros profissionais e a necessidade urgente de reformulação de seus princípios. Nos
diversos ambientes de trabalho e em diferentes profissões o ser humano se envolve em interações
com outras pessoas e, dificilmente, um trabalho ocorre no isolamento social total.
Ao êxito econômico e político agrega-se o compromisso social dos profissionais com a
qualidade de vida do ser humano e do meio ambiente. Essas são as bases de uma atuação
responsável, o que pressupõe uma formação profissional dinâmica, diversificada e
interdisciplinar que atenda aos princípios da ética e da cidadania, da qualidade nos
relacionamentos interpessoais, da preservação e conservação do meio ambiente e do patrimônio
cultural. Essa formação inclui não somente o domínio de técnicas e conhecimentos específicos,
mas também um conjunto de habilidades sociais que favoreça o desempenho socialmente
competente e, por conseguinte, o cumprimento dos seus objetivos profissionais.
Na grande maioria das vezes, a realização do trabalho se dá totalmente em relação com o
outro e são nessas relações que as mais variadas habilidades sociais são exigidas dos
profissionais, tais como: coordenação de grupo, liderança de equipes, manejo de estresse e de
conflitos interpessoais e intergrupais, organização de tarefas, resolução de problemas e tomada
de decisões, promoção da criatividade do grupo etc. Essas competências exigem, ainda, o
domínio de outras habilidades, tais como observar, ouvir, dar e pedir feedback, pedir mudança
de comportamento, fazer e responder perguntas entre outras.
O ser humano está constantemente envolvido em alguma forma de relação com outras
pessoas e, ao ser socialmente habilidoso, é capaz de promover interações sociais satisfatórias.
Ter um repertório de habilidades sociais constitui, portanto, uma das condições para um
desempenho social bem sucedido.
No Brasil, alguns autores discutem o fato da aprendizagem das Habilidades Sociais não
estar inserida entre os objetivos das disciplinas acadêmicas. Esses entendem que um número
considerável de alunos pode apresentar dificuldades no relacionamento interpessoal e
precisariam desse treinamento para completar a sua formação acadêmica. Para isso, propõem que
programas de Treinamento de Habilidades Sociais sejam realizados com alunos universitários.
No Brasil, os trabalhos realizados pelo grupo de pesquisa Relações Interpessoais e Habilidades
Sociais (RIHS), sediado na Universidade Federal de São Carlos, é um importante referencial
para estudos e intervenções nessa área.
Del Prette e Del Prette (2003), coordenadores do RIHS, desenvolveram um programa de
treinamento de habilidades sociais, junto a um grupo formado por dez universitários em fase
final de graduação na área de ciências exatas, com resultados bastante promissores. Dentre os
resultados obtidos pelo programa, pode-se ressaltar a compreensão básica, pelos alunos, dos
conceitos e de aspectos teóricos da área das Habilidades Sociais, o desenvolvimento e
aprimoramento de habilidades como observação e descrição de comportamentos, leitura do
ambiente social e automonitoria do desempenho. Observou-se, também, a aquisição de
habilidades como a de dar e receber feedback, elogiar, expressar-se de forma assertiva e empática
e lidar com críticas (aceitar, rejeitar, fazer). Alguns participantes relataram, ainda, a transferência
das habilidades desenvolvidas em situação de treinamento para outras situações como as de
família, trabalho, acadêmicas, de namoro etc.
Em síntese, um desempenho socialmente competente requer a disponibilidade de um
amplo repertório de habilidades sociais que permita ao indivíduo atender às demandas dos
diferentes contextos de interação, tais como: família, trabalho, lazer, escola entre outros. Cabe
ressaltar que um desempenho socialmente competente deve pautar-se pela coerência entre o
pensar, o sentir e o agir, atender às normas e valores sociais do ambiente social e da cultura e
garantir não somente a consecução dos objetivos da relação, mas a maximização de ganhos e a
minimização de perdas para o próprio indivíduo e para os seus interlocutores.
Desenvolver as competências sociais dos alunos e futuros profissionais é, portanto, uma
das responsabilidades da Universidade, que deve promover uma formação que atenda às
demandas da transição entre o ambiente universitário e o mercado de trabalho, que atualmente
está bastante seletivo e ávido por profissionais bem formados e socialmente competentes. As
Universidades que responderem a esses anseios certamente estarão caminhando em direção a
uma educação mais integrada, que leva em consideração as dimensões cognitivas, afetivas e
sociais de seus alunos, articulada aos novos valores da sociedade e apoiando seus alunos na
transição para o mundo do trabalho.
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