UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA
RAQUEL HELEN BRITO DE ARAÚJO
AVALIAÇÃO DO EFEITO DO COMPOSTO TIPO HEPARINA
ISOLADO DO CARANGUEJO Chaceon fenneri NA
HEMOSTASIA E NA MORTE CELULAR
NATAL-RN
2012
RAQUEL HELEN BRITO DE ARAÚJO
AVALIAÇÃO DO EFEITO DO COMPOSTO TIPO
HEPARINA ISOLADO DO CARANGUEJO
Chaceon fenneri NA HEMOSTASIA E NA MORTE
CELULAR
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação
em
Bioquímica
da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Bioquímica.
Orientadora: Profª. Drª. Suely Ferreira Chavante
Co-orientadora: Profª. Drª. Giulianna Paiva Viana de Andrade Souza
NATAL-RN
2012
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do Centro de
Biociências
Araújo, Raquel Helen Brito de.
Avaliação do efeito do composto tipo heparina isolado do caranguejo
Chaceon fenneri na hemostasia e na morte celular / Raquel Helen Brito de
Araújo. – Natal, RN, 2012.
78 f. : Il.
Orientadora: Profa. Dra. Suely Ferreira Chavante.
Coorientadora: Profa. Dra. Giulianna Paiva Viana de Andrade Souza.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Centro de Biociências. Departamento de Bioquímica.
1. Compostos tipo heparina – Dissertação 2. Anticoagulante – Dissertação. 3.
Risco hemorrágico – Dissertação. I. Chavante, Suely Ferreira. II. Souza,
Giulianna Paiva Viana de Andrade. III. Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. IV. Título.
RN/UF/BSE-CB
CDU 612.115
AGRADECIMENTOS
 À minha adorável professora/ co-orientadora Giulianna Paiva que muito
paciente e dedicada, desde 2009, vem me ensinando os caminhos da
pesquisa científica. Obrigada por ter compreendido as minhas escolhas em
uma fase importante da minha vida. Lembrar-me-ei de seus conselhos e até
mesmo de suas broncas para tornar-me uma profissional cada vez melhor.
Desejo que seu caminho pela pesquisa seja repleto de sucesso e realizações.
 À professora/orientadora, Suely Chavante, por ter me aceitado em seu grupo
de pesquisa e que com sua experiência proporcionou conselhos importantes
para as minhas pesquisas;
 À minha querida amiga/sister Fernanda Marques que vivenciou comigo os
momentos de alegria e de angústia durante a graduação e o mestrado
sempre prestativa até mesmo nos momentos em que eu não solicitava ajuda.
Peço desculpas pelos momentos em que briguei com você, mas a gente só
briga com quem a gente gosta, não é? Espero que nossa amizade dure para
sempre.
 À minha querida amiga Ana Katarina Cruz, a gatinha da sala de cultura de
células, por ter ensinado várias das técnicas de laboratório que possuo hoje.
Obrigada pelos conselhos, pela ajuda em meus experimentos e por tornar
meus dias mais agradáveis quando estou no laboratório.
 Aos meus amigos da turma de mestrado, em especial a Jethe Nunes,
Alexandre Serquiz, Joyce Campos, Paulo Ricardo, Daniel Cruz, Sara
Cordeiro por terem tornado divertidas as aulas.
 Aos meus amigos do GAGs I: Luciana Coelho, Ingrid Morais, Marlyanne
Carvalho, Lívia de Lourdes, Manuela Tolstoi, Rômulo Cavalcante, Laís
Palhares, Adriana Brito, Iglesias Lacerda, Cinthia , Jefferson Duarte e
professora Fernanda Wanderley. Em especial, à Dayse Santos, por sua
iii
grande participação nos experimentos, sua presença foi muito importante.
Obrigada pela ajuda e pela companhia dentro e fora do laboratório.
 Aos colegas do Biopol, professor Hugo Alexandre, Ruth Medeiros, Rafael
Barros, Nednaldo Dantas, Jailma Almeida, Raniere Fagundes e Mariana
Santana que com suas experiências ajudaram a esclarecer algumas de
minhas dúvidas.
 Aos colegas do LQFBP, em especial Luciana Rabêlo, Raphael Russi, Paula
Ivani, Raphael Serquiz, Anderson Felipe, Jonalson Araújo pela companhia
na hora do almoço e nos fins de semana no departamento. Obrigada por me
fazerem sentir como eu fizesse parte do laboratório de vocês.
 Aos funcionários do Departamento de Bioquímica: Eliene, Jonas, Ângela,
Ricardo, Seu Rogério e Dona Margarita por serem sempre prestativos
quando solicitados.
 Aos integrantes dos demais laboratórios do Departamento de Bioquímica, que
direta ou indiretamente contribuíram para a realização desse trabalho.
 Ao Programa de Pós-Graduação em Bioquímica da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte pelas condições necessárias para o desenvolvimento
deste trabalho.
 À Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo
financiamento desta pesquisa.
iv
“Solidários, seremos união. Separados uns dos outros seremos pontos de vista.
Juntos, alcançaremos a realização de nossos propósitos.”
Bezerra de Menezes
v
RESUMO
A heparina é um agente farmacêutico amplamente utilizado em medicina
devido ao seu potente efeito anticoagulante. Além disso, tem a capacidade de inibir
a proliferação, invasão e adesão de células cancerosas ao endotélio vascular. No
entanto, a sua aplicabilidade clínica pode ser comprometida por efeitos secundários
tais como hemorragia. Assim, a busca de compostos naturais com baixo risco
hemorrágico e possível aplicabilidade terapêutica tem sido alvo de vários grupos de
pesquisa. A partir desta perspectiva, este estudo visa avaliar as atividades
hemorrágica, anticoagulante e efeito citotóxico para as diferentes linhagens de
células tumorais (HeLa, B16-F10, HepG2, HS-5,) e células de fibroblastos (3T3)
proporcionadas pelo composto tipo heparina obtido do caranguejo Chaceon fenneri.
Dessa forma, o composto foi purificado após proteólise, cromatografia de troca
iônica e fracionamento com acetona, e caracterizado por eletroforese em gel de
agarose e degradação enzimática. O composto em estudo mostrou comportamento
eletroforético semelhante à heparina de mamífero, e alta razão de proporção de
dissacarídeos trissulfatado / N-acetilado. Além disso, o composto apresentou baixa
atividade anticoagulante in vitro usando aPTT e um efeito hemorrágico menor
quando comparado com heparina de mamífero. O composto tipo heparina obtido do
caranguejo Chaceon fenneri mostrou efeito citotóxico significativo (p <0,001) em
células linhagens de células tumorais HeLa, HepG2 e B16-F10 com valores de IC50
de 1000 ug / mL, após a incubação durante 72 horas. Para avaliar a influência do
composto sobre o ciclo celular em células HeLa, foi realizada uma análise por
citometria de fluxo. Os resultados desta análise mostraram que a influência do
composto sobre o ciclo celular aumenta a fase S e diminui a fase G2. Assim, essas
propriedades do composto tipo heparina obtido do caranguejo Chaceon fenneri
sugerem este composto como um agente terapêutico em potencial.
Palavras-chave: Compostos tipo heparina. Anticoagulante. Risco hemorrágico.
Células tumorais. Citotoxicidade.
vi
ABSTRACT
Heparin is a pharmaceutical animal widely used in medicine due to its potent
anticoagulant effect. Furthermore, it has the ability to inhibit the proliferation, invasion
and adhesion of cancer cells to vascular endothelium. However, its clinical
applicability can be compromised by side effects such as bleeding. Thus, the search
for natural compounds with low bleeding risk and possible therapeutic applicability
has been targeted by several research groups. From this perspective, this study aims
to evaluate the hemorrhagic and anticoagulant activities and citotoxic effect for
different tumor cell lines (HeLa, B16-F10, HepG2, HS-5,) and fibroblast cells (3T3) of
the Heparin-like from the crab Chaceon fenneri (HEP-like). The HEP-like was purified
after proteolysis, ion-exchange chromatography, fractionation with acetone and
characterized by electrophoresis (agarose gel) and enzymatic degradation. Hep-like
showed eletroforetic behavior similar to mammalian heparin, and high trisulfated /Nacetylated disaccharides ratio. In addition, HEP-like presented low in vitro
anticoagulant activity using aPTT and a minor hemorrhagic effect when compared to
mammalian heparin. Furthermore, the HEP-like showed significant cytotoxic effect
(p<0.001) on HeLa, HepG2 and B16-F10 tumor cells with IC50 values of 1000
ug/mL, after incubation for 72 hours. To assess the influence of heparin-like on the
cell cycle in HeLa cells, analysis was performed by flow cytometry. The results of this
analysis showed that HEP-like influence on the cell cycle increasing S phase and
decreasing phase G2. Thus, these properties of HEP-like make these compounds
potential therapeutic agents.
Keywords: Heparin-like compound. Anticoagulant. Hemorrhagic risk. Tumoral cells.
Cytotoxic activity.
vii
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15
1.1. Glicosaminoglicanos (GAGS).......................................................................... 15
1.2. Hemostasia ..................................................................................................... 18
1.3. Ação da heparina sobre a hemostasia ............................................................ 23
1.4. Ciclo Celular e Morte Celular .......................................................................... 24
1.5. Ação da heparina e de compostos tipo heparina sobre o ciclo celular e as
células tumorais ..................................................................................................... 28
1.6. Glicosaminoglicanos de invertebrados marinhos ............................................ 29
2. OBJETIVOS .......................................................................................................... 31
2.1. Objetivo geral .................................................................................................. 31
2.2. Objetivos específicos ...................................................................................... 31
3. MATERIAIS E MÉTODOS..................................................................................... 32
3.1. Animais ........................................................................................................... 32
Caranguejo ......................................................................................................... 32
Ratos .................................................................................................................. 32
3.2. Material Biológico ............................................................................................ 33
Sangue ............................................................................................................... 33
3.3. Glicosaminoglicanos obtidos comercialmente ................................................ 33
3.5. Reagentes ....................................................................................................... 33
3.6. Equipamentos ................................................................................................. 34
3.7. Extração e purificação do composto tipo heparina do caranguejo .................. 35
3.8. Eletroforese em gel de agarose no sistema descontínuo Bário/PDA
(BIANCHINI et al., 1980) ........................................................................................ 36
3.9. Degradação do composto tipo heparina por heparina liases .......................... 36
3.10. Atividade hemorrágica .................................................................................. 37
3.11. Atividade Anticoagulante ............................................................................... 39
3.12. Cultura de Células......................................................................................... 39
3.13. Ensaio de viabilidade Celular ........................................................................ 40
3.14. Citometria de Fluxo - Avaliação da Viabilidade e Morte Celular por Anexina
V-FITC/ Iodeto de Propídeo ................................................................................... 40
3.15. Análise do Ciclo Celular ................................................................................ 41
viii
3.16. Análises Estatísticas ..................................................................................... 42
4. RESULTADOS ...................................................................................................... 43
4.1 Perfil eletroforético dos GAGS ......................................................................... 43
4.2. Características estruturais do composto extraído do caranguejo C.fenneri .... 44
4.3. Atividade anticoagulante in vitro do composto tipo heparina .......................... 45
4.3 Atividade hemorrágica ..................................................................................... 46
4.4 Efeito do composto tipo heparina do C.fenneri, heparina e heparam sulfato
sobre a viabilidade de células tumorais e 3T3 ....................................................... 46
4.5. Indução de morte celular em linhagem tumoral HeLa pela ação do composto
tipo heparina do caranguejo Chaceon fenneri ....................................................... 49
4.5.1 Detecção e quantificação de células apoptóticas induzidas pelo composto
tipo heparina do caranguejo C. fenneri ............................................................... 49
4.5.2 Avaliação da parada de ciclo celular induzida pelo composto tipo heparina
do caranguejo C. fenneri..................................................................................... 49
............................................................................................................................ 50
5. Discussão .............................................................................................................. 51
6. Conclusão ............................................................................................................. 59
7. REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 60
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Unidades dissacarídicas constituintes dos glicosaminoglicanos sulfatados
.................................................................................................................................. 16
Figura 2. Unidade hexassacarídica básica da heparina ........................................... 17
Figura 3. Representação ilustrativa da cascata de coagulação................................ 20
Figura 4. Inibidores naturais da cascata de coagulação ........................................... 21
Figura 5. Representação esquemática dos complexos procoagulantes ................... 22
Figura 6. Sequência pentassacarídica responsável pela ligação da heparina a
antitrombina, AGA*IA ................................................................................................ 23
Figura 7. Vias de indução de apoptose .................................................................... 27
Figura 8. Distribuição dos Glicosaminoglicanos Sulfatados na Escala Filogenética 29
Figura 9. Chaceon fenneri; espécie de crustáceo utilizada no estudo. ..................... 32
Figura 10. Esquema do ensaio de Atividade Hemorrágica. ...................................... 38
Figura 11. Comportamento eletroforético em sistema descontínuo Ba/PDA utilizando
o composto extraído do caranguejo Chaceon fenneri ............................................... 43
Figura 12. Cromatografia de exclusão por tamanho dos produtos digeridos de do
composto tipo heparina obtido do caranguejo C.fenneri ........................................... 44
Figura 13. Atividade Hemorrágica ............................................................................ 46
Figura 14. Efeito da heparina na viabilidade celular de diferentes tipos celulares .... 47
Figura 15. Efeito do heparam sulfato na viabilidade celular de diferentes tipos
celulares .................................................................................................................... 47
Figura 16. Efeito do composto tipo heparina do C. fenneri na viabilidade celular de
diferentes tipos celulares ........................................................................................... 48
Figura 17. Citometria de fluxo de células HeLa tratadas com Anexina V/PI e
composto tipo heparina ............................................................................................. 50
Figura 18. Avaliação de parada de ciclo celular após exposição ao composto tipo
heparina do Chaceon fenneri .................................................................................... 50
x
LISTA DE QUADRO/TABELA
Quadro 1. Resumo das quatro fases de coagulação propostas no modelo celular da
coagulação ................................................................................................................ 22
Tabela 1. Atividade anticoagulante in vitro do composto tipo heparina extraído do
caranguejo Chaceon fenneri comparado a heparina................................................. 45
xi
LISTA DE ABREVIAÇÕES/SIGLAS
Δ
Presença de insaturação entre C-4 e C-5 do resíduo de ácido
urônico
ΔU, 2S-GlcNS
Dissacarídeo insaturado dissulfatado
ΔU, 2S-GlcNS,6S
Dissacarídeo insaturado trissulfatado
ΔU-GlcNAc
Dissacarídeo insaturado N-acetilado
ΔU-GlcNAc,6S
Dissacarídeo insaturado N-acetilado-6-sulfatado
ΔU-GlcNS
Dissacarídeo insaturado N-sulfatado
U-GlcNS,6S
Dissacarídeo insaturado N,6-dissulfatado
3T3
Células normais de fibroblastos de camundongo
AIF
Fator de indução para apoptose/ Apoptosis-inducing factor
Apaf-1
Fator de ativação para apoptose-1/ Apoptotic proteaseactivating factor 1
AT
Antitrombina
ATCC
American Type Culture Collection
ATP
Adenosina trifosfato
Ba/PDA
B16-F10
Bcl-2
Bcl-xL
Sistema descontínuo em tampão acetato de bário e tampão 1,3
diaminopropano acetato
Células de melanoma de fibroblastos de camundongo
Linfoma 2 de célula B de leucemia linfóide crônica/ B-cell
CLL/Lymphoma 2
Gene relacionado ao BCL-2, isoforma longa/ BCL-2-related
gene, long isoform
BSA
Albumina sérica bovina
Bak
Assassino 1 antagonista de BCL-2/ BCL-2 antagonist killer 1
Bax
Proteína X associada ao BCL-2/ BCL-2-associated X protein
Bid
Agonista de morte que interage com o domínio BH3/ BH3interacting domain death agonist
CDKs
Ciclinas dependentes de kinases
CETAVLON
Brometo de cetiltrimetilamônio
C.fenneri
Chaceon fenneri
c-FLIP
Proteína celular inibitória semelhante a FLICE/ Cellular FLICExii
like inhibitory protein
CS
Condroitim Sulfato
DEAE
Dietilaminoetil acetato
DD
Domínio de morte/Death Domain
DED
Domínio efetor de morte/Death-effector domain
DIABLO
Proteína de ligação direta ao IAP com baixo PI/ Direct IAPbinding protein with low PI
DISC
Complexo de sinalização indutor de morte
DMEM
Dulbecco's modified Eagle's medium
DNA
Ácido Desoxirribonucléico
DS
Dermatam Sulfato
ELISA
Ensaio de Ligação Imunoenzimática
F-2,0M
Fração 2,0 Molar
F-2,5M
Fração 2,5 Molar
F-3,0M
Fração 3,0 Molar
FADD
Proteínas adaptadoras FAS associada com DD/ FASassociated death domain
Fas/CD95
Receptor de Morte
FvW
Fator de Von Willebrand
FITC
Isotiocianato de fluoresceína (Fluorescein isothiocynate)
GAGS
Glicosaminoglicanos sulfatados
GAGs
Glicosaminoglicanos
GlucA
Ácido Glucurônico
GP
Glicoproteína
Hep
Heparina
Hep/HS
Heparina/Heparam Sulfato
Hep-G2
Células de carcinoma hepatocelular humano
Hela
Células de adenocarcinoma cervical humano
HS
Heparam Sulfato
HS-5
Células estromais da medula óssea humana
IdoA
Ácido Idurônico
II a XIII
Fatores inativos da Cascata de Coagulação
IIa a XIIIa
Fatores ativos da Cascata de Coagulação
xiii
IAPs
Proteínas inibidoras de apoptose/ Inhibitor of apoptosis proteins
MTT
Brometo de 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazolio
PBS
Tampão Fosfato Salino
PC
Proteína C
PDA
1,3 diaminopropano acetato
PI
Iodeto de Propídio
OS
Proteína S
HPLC
Cromatografia líquida de alta performance
RPM
Rotações por minuto
SFB
Soro Fetal Bovino
Smac
TNF-R
Ativador secundário mitocondrial de caspases/ Second
mitochondria-derived activator of caspases
Tumor necrosis factor-receptor / Receptor de fator de necrose
tumoral
TF
Fator Tecidual
TFPI
Inibidor da Via do Fator Tecidual
tBID
BID truncado /Truncated BID
tPA
Ativador de Plasminogênio Tecidual
TNF-R
TRADD
TRAIL-R
TTPA
Receptor de fator de necrose tumoral/Tumor necrosis factorreceptor
Receptor de TNF associado ao domínio de morte/TNF-receptorassociated death domain
Receptor do ligante indutor de apoptose relacionado ao TNF/
TNF-related apoptosis-inducing ligand-receptor
Tempo de tromboplastina parcialmente ativada
xiv
Introdução
15
1. INTRODUÇÃO
1.1. Glicosaminoglicanos (GAGS)
A descoberta de biomoléculas obtidas de organismos marinhos com
atividades biológicas e farmacológicas é de grande interesse, devido ao grande
avanço na área da biotecnologia marinha e de estudos evolutivos envolvendo
bioquímica e biologia molecular. Além disso, a regulação de patentes de novos
medicamentos tem levado diversas nações detentoras de grande biodiversidade
marinha a buscarem a descoberta de novas moléculas com potencial farmacológico.
Como exemplo dessas moléculas, destacam-se os glicosaminoglicanos (GAGs)
obtidos de invertebrados marinhos.
Os GAGs são heteropolissacarídeos constituídos por unidades dissacarídicas
repetitivas formadas por uma hexosamina (α-D-glucosamina ou -D-galactosamina)
e por um açúcar não-nitrogenado: ácido urônico (ácido-D-glucurônico ou ácido-Lidurônico) ou galactose, unidos por ligação glicosídica. Existem seis principais tipos
de GAGs encontrados em tecidos animais: ácido hialurônico, condroitim 4- e 6sulfato, dermatam sulfato, queratam sulfato, heparam sulfato e heparina, cujas
unidades estruturais estão esquematizadas na Figura 1. Estes compostos são
diferenciados com relação ao grau de sulfatação, às proporções das unidades
dissacarídicas e tamanho molecular das cadeias (DIETRICH, 1984). Quando ligados
covalentemente às proteínas, os GAGs formam glicoconjugados denominadas
proteoglicanos (PG), os quais estão presentes no interior de células (grânulos
secretores), na superfície celular e na matriz extracelular (KJELLÉN & LINDAHL,
1991). Devido a sua variedade estrutural, os GAGs apresentam uma ampla
aplicabilidade
farmacológica
como
atividades
anticoagulante,
antitrombótica,
antiviral, anti-inflamatória, antitumoral entre outras. Além disso, podem ser
quimicamente modificados, são bastante estáveis, seguros, não tóxicos, hidrofílicos,
geralmente formam géis e são biodegradáveis (SINHA & KUMRIA, 2001).
Introdução
16
Ácido Hialurônico
Condroitim Sulfato
Heparam Sulfato
Dermatam Sulfato
Heparina
-
Queratam sulfato
Sulfato
R = H ou SO3
Figura 1. Unidades dissacarídicas constituintes dos glicosaminoglicanos sulfatados.
Adaptada de VOLPI & MACCARI, 2006.
Heparina e heparam sulfato apresentam características estruturais comuns,
tais como o tipo de hexosamina (GlcN), o tipo de ácido urônico (GlcA / IdoA), bem
como as ligações glicosídicas inter-(α1 → 4) e intra-dissacarídeos (1 → 4/α1 → 4).
No entanto, eles podem ser diferenciados pela presença de grupos N-acetil da
glucosamina e o teor de sulfato total. A heparina possui menos de 5% de grupos
acetil e a maioria das glucosaminas N-sulfatadas (BOUÇAS et al, 2006). A estrutura
básica da heparina é caracterizada por um hexassacarídeo octassulfatado,
constituído essencialmente por dois tipos de dissacarídeos; um trissulfatado e um
dissulfatado na proporção 2:1, respectivamente (Figura 2). O primeiro apresenta um
ácido idurônico sulfatado no carbono 2 (C-2) e o último, um ácido glucurônico, sendo
a glucosamina sulfatada em C-2 (N-sulfato) e carbono 6 (C-6) comum a ambos
Introdução
17
(SILVA & DIETRICH 1975). As unidades trissacarídicas representam mais do que
60-75% das heparinas obtidas de mucosa de suíno e mais do que 80% das
heparinas obtidas pulmão bovino (GUERRINI,BISIO,TORRI, 2001; SUDO et al.,
2001). Por outro lado, o heparam sulfato apresenta regiões ricas em ácido
glucurônico ligados a glucosamina N-acetilada que não estão presentes em
heparinas. Assim, estruturalmente, o heparam sulfato difere da heparina por
apresentar maior conteúdo de ácido D-glucurônico e glucosamina N-acetilada
(CIFONELLI & KING, 1977; DIETRICH, NADER & STRAUSS, 1983; TAYLOR et al.,
1973; TERSARIOL et al., 1994; TURNBULL & GALLAGHER, 1990). Compostos que
apresentam estrutura intermediária entre o heparam sulfato e heparina são
comumente denominados de heparinóides.
CH 2OSO 3H
O
O
...
OH
O
COOH
OH
OH
O
O
OSO 3 H
NSO 3H
CH 2OSO 3H
O
COOH
CH 2OSO3H
O
O
O
OH
OH
O
...
OH
O
OSO3H
NSO 3H
OH
NSO 3H
Figura 2. Unidade hexassacarídica básica da heparina. A unidade estrutural básica da
heparina é um hexassacarídeo octasulfatado constituído essencialmente por dois tipos de
dissacarídeos: o primeiro contém α-D-glucosamina, N,6-dissulfatada, unida por ligação
α(1→4) ao ácido L-idurônico 2,O-sulfatado, e o outro dissacarídeo apresenta α-Dglucosamina, N,6-dissulfatada, unida ao ácido β-D-glucurônico, por ligação do tipo β(1→4)
(Silva & Dietrich, 1975).
A heparina vem sendo utilizada na Medicina desde 1936, devido ao seu
potente efeito anticoagulante (JAQUES, 1979; FARRED et al., 1989). Na clínica
médica, é empregada na prevenção e profilaxia de trombose venosa profunda,
contribuindo para a diminuição de mortalidade por tromboembolismo pulmonar
(RAK, 1999). Devido a sua natureza polianiônica, a heparina é capaz de interagir
com diversas proteínas, incluindo enzimas, inibidores, citocinas, fatores de
crescimento e proteínas da matriz extracelular, podendo exercer assim influência em
uma variedade de processos biológicos, tais como controle da coagulação
sanguínea (BOUÇAS et al., 2006), modulação da síntese de um heparam sulfato
antitrombótico em células endoteliais (NADER et al., 1989; 1991; PINHAL et al.,
Introdução
18
1994a; b; 1995), efeito na proliferação celular e apoptose (UEDA et al., 2009), entre
outras.
Essas atividades são resultados da interação heparina-proteínas e são
mediadas por propriedades físico-químicas dos polímeros de heparina, tais como
seqüência, padrão de sulfatação, distribuição e densidade de cargas e tamanho
molecular (NADER & DIETRICH, 1989; YAMADA et al., 1998, HIRSH, et al., 2001).
Dessa forma, para se entender a ação que a heparina exerce sobre a hemostasia e
morte celular no organismo, faz-se necessário a compreensão do conceito e do
funcionamento desses mecanismos.
1.2. Hemostasia
A hemostasia é uma resposta fisiológica protetora ao dano vascular
resultando na exposição de camadas subendoteliais da parede do vaso aos
componentes sanguíneos (MACKMAN, TILLEY, KEY, 2007). Possui o objetivo de
interromper o sangramento em local de lesão tecidual, onde o reparo da lesão
ocorre de forma rápida e bastante regulada (NATHAN et al., 2003). A hemostasia do
organismo depende da existência de um equilíbrio preciso entre vários processos
fisiológicos, como a coagulação, fibrinólise e seus inibidores naturais, a inflamação,
a integridade da monocamada de células endoteliais, entre outros (BOUÇAS et al.,
2006). Os mecanismos hemostáticos podem ser divididos basicamente em dois
estágios: hemostasia primária e hemostasia secundária. Na hemostasia primária,
após a lesão endotelial, há vasoconstrição reflexa das células musculares lisas
locais o que diminui o diâmetro do lúmen vascular. O efeito de constrição diminui o
fluxo sangüíneo, permitindo maior interação entre as plaquetas e o local de lesão
(TOPPER & WELLES, 2003). Logo, a matriz colágena e as proteínas subendoteliais
expostas se ligam aos receptores de membrana de plaquetas, resultando na adesão
plaquetária, tendo como principal componente para a ligação o fator de Von
Willebrand (FvW). Múltiplos agonistas são gerados nesse momento, induzindo a
adesão plaquetária, o que ocasiona alterações nos receptores da glicoproteína (GP)
IIb/IIIa e leva a um estado de receptividade à ligação do fibrinogênio. Nessa fase, as
plaquetas se encontram definitivamente ativadas. Em seguida, inicia-se o processo
de agregação plaquetária, com a ligação múltipla e cruzada do fibrinogênio aos
receptores GPIIb/IIIa (KÖSSLER, 2009). A hemostasia secundária compreende uma
série de reações em cascata cujo resultado final é a formação de fibrina a partir do
Introdução
19
fibrinogênio, conferindo estabilidade ao coágulo (LOPES et al., 2007). Para a
formação de tampões de fibrina são necessários vários fatores e cofatores de
coagulação. A coagulação tem como objetivo converter fibrinogênio em fibrina para
formar uma malha dentro do agregado de plaquetas, estabilizando o coágulo no
local da lesão. Embora o objetivo final da coagulação seja a polimerização de fibrina,
a característica mais crucial da via de coagulação é a geração de trombina (ou fator
IIa) (RAU et al., 2007).
Como forma de elucidação sobre o funcionamento do mecanismo de
coagulação, foi proposto o modelo de cascata (MACFARLANE 1964; DAVIE e
RATNOFF, 1964). Esse modelo propõe um processo por meio da amplificação de
uma série de reações enzimáticas em que cada reação tem como produto a
conversão de uma proteína plasmática inativa em um produto ativo. Assim, os
fatores que circulam na forma inativa, quer como zimogênios ou pró-fatores, são
ativados por uma proteólise limitada (BOUÇAS et al., 2006).
A cascata de coagulação pode ser ativada por duas vias enzimáticas distintas
denominadas didaticamente de vias extrínseca e intrínseca (Figura 3). A via
extrínseca é considerada a principal via para a formação da fibrina in vivo. Os
componentes desta via incluem o fator tissular (FT, fator III), inibidor da via do fator
tecidual (TFPI) e o fator plasmático (VII). Através desta via há formação de trombina.
O fator tissular quando exposto, se liga ao fator VII ativado circulante o que ocasiona
a ativação do fator IX e fator X (HOPPER, 2005).
A via intrínseca é iniciada pela superfície negativa formada pela agregação
plaquetária ou pela exposição da camada subendotelial do vaso, havendo a ativação
do sistema de contato o qual é formado pelos zimogênios fator XII, fator XI e précalicreína, além de um cofator não enzimático, o cininogênio de alto peso molecular
(HMWK). O fator XII se liga á superfície aniônica e se torna ativo (FXIIa). O FXIIa se
propaga até a ativação do fator X (MARTINJN et al., 2009). As vias convergem para
uma via comum representada pelo complexo FVa- FXa. Esse complexo catalisa a
conversão de protrombina em trombina a qual converte o fibrinogênio em fibrina,
ativa as plaquetas e finalmente induz a formação do coágulo (BOUÇAS et al., 2006;
MACKMAN, 2007; TAMURA et al., 2009).
Introdução
20
Figura 3. Representação ilustrativa da cascata de coagulação. II a XIII, diferentes zimogênios
e pró-fatores; IIa a XIIIa, diferentes fatores ativados; III, fator tecidual; HK, calicreína; HMWK,
cininogênio de alto peso molecular; PL, fosfolipídeos (fosfatidil serino e fosfatidil etanolamina).
Traduzida de BOUÇAS et al., 2006.
Essa cascata de coagulação é regulada por inibidores naturais que
desempenham um papel fundamental no controle da hemostasia, exercido através
da inibição específica de serinoproteases que são ativadas bem como pela
degradação de fatores. Serpinas como antitrombina (AT), cofator II de heparina (HC
II) e inibidor da via do fator tecidual (TFPI) pertencem a essa classe de compostos
(Figura 4) (BOUÇAS et al., 2006).
Introdução
21
Figura 4. Inibidores naturais da cascata de coagulação. II a XII, diferentes zimogênios e
profatores; IIa a XIIa, diferentes fatores ativados; TF, fator tecidual ou fator III; AT, antitrombina, HC
II, co-fator II de heparina; TFPI, inibidor da via do fator tecidual; tPA, ativador plasminogênio
tecidual; PC, proteína C; PS, proteína S. Traduzida de BOUÇAS et al., 2006.
Experimentos conduzidos nas últimas décadas demonstraram que as vias
intrínseca e extrínseca não exibem funcionamento independente (FRANCO, 2001).
Partindo
disso,
se
aceita
que
mecanismos
hemostáticos,
fisiologicamente
relevantes, estão associados com três complexos enzimáticos pró-coagulantes
(Figura 5), os quais envolvem serinoproteases dependentes de vitamina K (fatores II,
VII, IX e X) associadas a cofatores (V e VIII), todos localizados em uma superfície de
membrana contendo fosfolipídeos (COLMAN et al., 2001). Outras características
posteriormente determinadas para esse modelo são as fases caracterizadas de
acordo com o estágio de formação da fibrina em iniciação; amplificação; propagação
e finalização (Quadro 1) (JACKSON, 2007; JR et al., 2007).
Introdução
22
Figura 5. Representação esquemática dos complexos procoagulantes. O início da coagulação
se faz mediante ligação do fator VIIa ao fator tecidual (FT), com subseqüente ativação dos fatores IX
e X. O complexo fator IXa/fator VIIIa ativa o fator X com eficiência ainda maior, e o fator Xa forma
complexo com o fator Va, convertendo o fator II (protrombina) em fator IIa (trombina). A superfície de
membrana celular em que as reações ocorrem também se encontra representada. Adaptada de
JENNY & MANN, 1998.
Quadro 1. Resumo das quatro fases de coagulação propostas no modelo celular da
coagulação. (Adaptado de JR et al., 2007).
FASES DO PROCESSO HEMOSTÁTICO
Iniciação
Após injúria
vascular e
perturbação na
circulação das
células
sanguíneas,
ocorre a interação
do FVIIa presente
no plasma com o
fator tecidual. Há
pouca produção
de trombina.
Amplificação
Propagação
Há produção
significante e
A trombina inicia a
consequente
ativação de
aumento na
plaquetas e
atividade da
cofatores (FVa e trombina, geração
FVIIIa) e FXI nas do tampão estável
superfícies
no local da lesão
plaquetárias.
tecidual e
interrupção do
sangramento.
Finalização
Ocorre limitação
do processo de
coagulação para
se evitar oclusão
trombótica em
áreas normais do
vaso ao redor da
lesão.
Introdução
23
1.3. Ação da heparina sobre a hemostasia
A atividade anticoagulante e a atividade hemorrágica da heparina interferem
no equilíbrio natural da hemostasia no organismo, mesmo sendo eventos
independentes. Grande parte do efeito da heparina na coagulação sanguínea é
devido a sua capacidade de se complexar ao inibidor natural – a Antitrombina (AT)
(BIANCHINI et al., 1982; CHOAY & PETITOU, 1986). Essa ligação produz uma
mudança
conformacional
na
AT
(VILLANUEVA
&
DANISHEFSKY,
1977;
NORDENMAN & BJÖRK, 1978), a qual promove um aumento de 1000 vezes na
capacidade da AT em inativar as serinoproteases envolvidas na coagulação
sangüínea (ROSENBERG & BAUER, 1992). Dados na literatura mostram que para
que haja essa ligação, é necessário que a heparina apresente uma seqüência
pentassacarídica específica (Figura 6) (CHOAY et al., 1981, PETITOU, CASU &
LINDAHL, 2003).
Figura 6. Sequência pentassacarídica responsável pela ligação da heparina a
antitrombina, AGA*IA. A, pode ser GlcNAc6SO3 ou GlcNSO36SO3; A*, GIcNSO33,6SO3;
G, GlcA; I, IdoA2SO3. O asterisco representa o típico resíduos de glucosamina 3-Osulfatado. Os grupos da sequência AGA*IA apresentam alta afinidade com a AT. Os grupos
sulfato circulados são essenciais (círculos cheios) ou marginalmente essenciais para essa
alta afinidade. A "meia lua" abaixo GIcA indica que este resíduo é também essencial. O
resíduo IdoA que precede o pentassacarídeo não é essencial para a ligação a AT, mas
invariavelmente ocorre em domínios naturais de ligação de heparinas de mucosas. Fonte:
CASU, 2005.
Dessa maneira, seu potente efeito anticoagulante pode desencadear
complicações hemorrágicas (OCKELFORD et al., 1982), decorrentes de sua
interferência no “balanço hemostático”, que envolve o sistema de coagulação
sangüínea, plaquetas, parede vascular e características do fluxo sangüíneo local.
Por outro lado, experimentos in vitro, utilizando o modelo de cauda escarificada de
Introdução
24
ratos, sugerem que esse efeito não esteja apenas relacionado com o clássico
mecanismo de coagulação, uma vez que a heparina se liga a moléculas
semelhantes à miosina nas células do músculo liso, inibindo a contratibilidade dos
vasos por inibir competitivamente a hidrólise de ATP pela miosina ATPase, e então
produzindo a hemorragia (CRUZ & DIETRICH, 1967; NADER & DIETRICH, 1974;
NADER, TERSARIOL & DIETRICH, 1989a). Esses experimentos também
estabeleceram que a estrutura molecular mínima da heparina necessária para a
ruptura da hemostasia é um dissacarídeo que contém um ácido urônico insaturado
unido através de ligação glicosídica (14) a uma D-glucosamina sulfatada na
posição C-6. Assim, a sulfatação na posição C-6 da glucosamina, o tipo de ligação
glicosídica e o tipo de hexosamina são críticos para o efeito hemostático (DIETRICH
et al., 1991; NADER, TERSARIOL & DIETRICH, 1989a,1989b). Em 2002, Shinjo e
colaboradores mostraram que a heparina e fragmentos atuam no trocador Na+/Ca2+
da membrana celular de células musculares influenciando na contração muscular do
vaso. Recentemente, Bouças e colaboradores (2012) mostraram que polímeros com
estruturas não relacionadas podem provocar semelhantes atividades hemostáticas e
que a sequência do polímero nem sempre é crucial para determinadas atividades.
1.4. Ciclo Celular e Morte Celular
A fim de que se mantenha a homeostase do ambiente celular, é necessário
que haja um equilíbrio entre a vida e a morte das células. Altos ou baixos índices de
morte celular podem interromper a homeostase e levar a uma variedade de
doenças, incluindo câncer (ELMORE, 2007). O ciclo celular é um fenômeno
complexo, finamente regulado e composto de 4 fases: i) fase S (síntese de DNA)
que objetiva a geração de uma única e exata copia do seu material genético; ii) fase
M (mitose), em que ocorre a repartição de todos os componentes celulares entre as
duas células filhas idênticas; e iii) as fases G1 e G2 (do inglês gap, fenda) que
proporcionam a célula, tempo adicional para o seu crescimento e para checagem de
condições ambientais e de replicação (NORBURY & NURSE, 1991). O ciclo celular é
controlado por quinases dependentes de ciclinas (CDKs, do inglês “Cyclin
Dependent Kinases”). As CDKs ao se ligarem a proteína ciclina, são ativadas e
ativam fatores de transcrição permitindo o avanço do ciclo celular. O controle
Introdução
25
apropriado do ciclo celular é crucial para a sobrevivência da célula. A inativação
inapropriada do ciclo está envolvida com a morte celular em doenças
neurodegenerativas, e falhas no ciclo permitem com que células tumorais
sobrevivam, podendo originar um câncer (SCHMITT, 2003).
A morte celular programada pode ocorrer, principalmente, como resultado da
apoptose, autofagia, e necrose (SHEN , KEPP & MICHAUD, et al, 2011). A morte
celular por necrose ocorre, geralmente, em resposta à injúria severa às células,
definida como uma forma violenta de morte celular iniciada por estímulos ambientais
que resultam em rápida desregulação da homeostasia (BRAS et al, 2005). A
necrose é caracterizada morfologicamente pela agregação da cromatina, inchaço
citoplasmático, mitocondrial e do retículo endoplasmático, (levando a desagregação
dos ribossomos), ruptura da membrana plasmática e liberação do conteúdo
intracelular. Consequentemente, ocorre a geração de uma resposta inflamatória
local, que pode causar injúria e até morte de células vizinhas, ou seja, nesta
condição um grande número de células são afetadas e lesadas ao mesmo tempo e
devido ao desencadeamento do processo inflamatório há alterações irreversíveis no
tecido e/ou órgão afetado, ainda que o material necrótico seja removido por
fagócitos (CURTIN, DONOVAN, COTTER, 2002; BROUJRAD et al, 2007).
A morte celular por apoptose, no entanto, é a forma mais comum pela a qual
o corpo elimina as células danificadas ou desnecessárias sem inflamação local (LIN
et al., 2010; SIMON , 2003). A apoptose desempenha um papel importante ao longo
da vida, desde o desenvolvimento embrionário e na manutenção da homeostase do
tecido adulto (COTTER TG, 2009). Durante o desenvolvimento embrionário, a
apoptose neuronal ajuda na modelagem do tecido nervoso (YUAN J, YANKNER BA,
2000). Nos adultos, a homeostase mantém a saúde, equilibrando a morte celular e a
proliferação celular (COTTER TG, 2009).
As células que sofrem apoptose exibem um padrão característico de
alterações morfológicas como formação de pregas na membrana plasmática,
retração do citoplasma e consequente diminuição do tamanho da célula,
permeabilização mitocondrial, liberação do citocromo c, clivagem do DNA e
exposição de fosfatidilserina na face externa da membrana plasmática (TAYLOR,
CULLEN, MARTIN, 2008; KROEMER et al., 2009; MARTIN et al., 1995). Esta última
etapa é um evento relativamente inicial e ocorre antes de a membrana ter sua
Introdução
26
permeabilidade comprometida, servindo como um marcador para o reconhecimento
das células em processo de apoptose antes que ocorra a permeabilização da
membrana, liberação dos componentes do citoplasma e o dano tecidual (BRUMATTI
et al., 2008).
A morte celular por apoptose pode ser disparada por uma variedade de
estímulos fisiológicos, patológicos ou citotóxicos. Quando iniciada, a apoptose
promove a ativação de eventos moleculares que culminam com a ativação de
proteases, denominadas caspases (cysteine aspartate-requiring proteinases) (JIN,
EL-DEIRY, 2005; SHI et al., 2002).Em condições normais, as caspases estão
presentes nas células como zimógenos, o que impede a ocorrência não controlada
de morte. Após a detecção de algum estímulo apoptótico, as chamadas caspases
iniciadoras são ativadas pela dimerização do zimógeno através de uma proteína
adaptadora (BOATRIGHT et al., 2003; BOATRIGHT; SALVESEN, 2003), que libera
o sítio catalítico da enzima. São estas caspases iniciadoras que irão ativar as
caspases efetuadoras, através da clivagem proteolítica dos zimógenos. Por sua vez
as caspases efetuadoras são as responsáveis pelo “empacotamento” das células
durante a apoptose, através da proteólise de diferentes substratos, que irão
acarretar na externalização de fosfolipídeos, na condensação e fragmentação
nuclear e na desmontagem do citoesqueleto (GREEN et al., 1995). A apoptose pode
ser deflagrada por uma via intrínseca, em função de estímulos internos de estresse
intracelular como perturbações do ciclo celular e vias metabólicas, ou por uma via
extrínseca mediante estímulos externos que ativam receptores específicos na
superfície celular chamados receptores de morte (PAROLIN & REASON, 2001)
(Figura 7). Essas vias estão descritas, resumidamente, a seguir.
Introdução
27
Figura 7. Vias de indução de apoptose. A via extrínseca é desencadeada por receptores de morte
e envolve a ativação do iniciador da caspase-8, que ativa diretamente a caspase-3 causando
apoptose. A via intrínseca é ativada por diferentes estímulos apoptóticos que levam a liberação de
citocromo c da mitocôndria e ativação de caspase-9. Essa etapa pode ser inibida por membros de
ação anti-apoptótica da família Bcl-2 de reguladores de apoptose. Citocromo c interage com APAF-1
e caspase-9 para promover a ativação da caspase-3. (Adaptada de Naghma Khan, Vaqar Mustafa
Adhami and Hasan Mukhtar, 2010).
A via extrínseca é iniciada pela ativação dos receptores de morte FAS
(FAS/CD95), TNF-R1 e TNF-R2 (tumor necrosis death receptor), TRAIL (TNF related
apoptosis-inducing ligand receptors) R1 (DR4) e R2 (DR5), uma família de proteínas
transmembrânicas, que apresentam um domínio extracelular rico em cisteína e um
domínio intracelular denominado DD (death domain), responsável pela transdução
do sinal apoptótico. A interação destes receptores com seus respectivos ligantes
induz a trimerização dos receptores levando ao recrutamento de proteínas
adaptadoras, como FAS associada com DD (FADD) e TNFR1 associada com DD
(TRADD), e proteínas que interagem com receptor (RIP, receptor-interacting
protein), que se ligam aos receptores de DD. A proteína FADD contém um domínio
efetor da morte (DED, death effector domain) com homologia ao domínio DED da
pró-caspase-8 ou -10, formando um complexo chamado DISC (Death-Inducing
Introdução
28
Signaling Complex), que promove a auto-ativação da caspase-8 que, por sua vez,
atua na ativação da caspase 3, 6 e 7, desencadeando eventos apoptóticos seguidos
pela formação de corpos apoptóticos (morte celular) e fagocitose por macrófagos
(JIN, EL-DEIRY, 2005; YAN, SHI, 2005).
A via intrínseca ocorre pela exposição da célula a situações de estresse como
radiações, drogas, agentes oxidantes ou ainda por privação de fatores essenciais de
sobrevivência. Esses estímulos promovem um desequilíbrio entre as proteínas
reguladoras da apoptose existentes no citosol, as proteínas pró e anti-apoptóticas da
família Bcl-2, que irão interagir entre si e promoverão a liberação de proteínas
mitocondriais em especial o citocromo c (Cito-c) . O Cito-c interage no citoplasma
com o fator apoptótico ativador de protease-1 (Apaf-1), pró-caspase 9 e ATP
formando um complexo chamado apoptossomo que ativa a caspase 9 (uma caspase
iniciadora) que por sua vez, ativa a caspase 3 (caspase efetora) a qual executará o
processo apoptótico. (THORBURN, 2004).
1.5. Ação da heparina e de compostos tipo heparina sobre o ciclo celular
e as células tumorais
Além de seu efeito sobre a hemostasia, polissacarídeos tipo heparina
possuem a capacidade de inibir a proliferação de células tumorais por induzir
apoptose, além de interferir na angiogênese e invasão de células tumorais mediada
pela heparanase (BORGENSTRÖM et al, 2007; UEDA et al, 2009; CASU B., NAGGI
A., TORRI G, 2010). Efeitos citotóxicos e apoptóticos da heparina em vários tipos de
câncer têm sido descritos na literatura (UEDA et al., 2009; NIERS et al., 2007). A
heparina, quando internalizada pela célula cancerosa, é citotóxica causando morte
celular por meio de interferência da atividade de fatores de transcrição e da indução
de apoptose (LINHARDT, 2004). Alguns estudos demonstraram que para o efeito
citotóxico a elevada sulfatação da cadeia polissacarídica se mostra relevante para
tal atividade (HARI et al., 2005). Complementando esse efeito citotóxico, estudos
mostraram que a heparina pode bloquear o ciclo celular em qualquer ponto de
transição entre as fases G0/G1 (Castellot, 1982) ou em meados da progressão
tardia da fase G1 (CASTELLOT at al., 1985; REILLY at al., 1989; MAJESKY et al.,
1987).
Introdução
29
A aplicabilidade clínica do efeito antitumoral de tais polissacarídeos pode ser
comprometida pela sua alta atividade anticoagulante. Por isso, várias heparinas
quimicamente modificadas com baixa atividade anticoagulante têm sido sintetizadas
para minimizar esse efeito e aumentar a ação inibitória da heparina no crescimento
tumoral e metástase (NIERS, et al, 2007). Por essa razão, análogos de heparina,
destituídos de atividade anticoagulante, vêm sendo amplamente estudados.
1.6. Glicosaminoglicanos de invertebrados marinhos
Vários grupos de pesquisa estudam novas fontes de moléculas tipo heparina
e buscam por compostos que possuam a mesma função da heparina comercial, mas
que promovam menos reações adversas. Compostos naturais tipo heparina em
diferentes filos de invertebrados, principalmente moluscos e crustáceos da costa do
Nordeste, tem sido caracterizados estruturalmente e seus efeitos farmacológicos
determinados (DIETRICH et al., 1985; 1989; 1999; CHAVANTE et al., 2000; BRITO
et al., 2008). O trabalho de Medeiros e colaboradores (2000) mostra a ocorrência
generalizada de compostos tipo heparina em 23 espécies de invertebrados de 13
filos dessa subclasse (Figura 8).
Figura 8. Distribuição dos Glicosaminoglicanos Sulfatados na Escala Filogenética.
Adaptada: Medeiros et al, 2000
Introdução
Também,
uma
heparina
de
baixo
peso
molecular,
com
30
atividade
anticoagulante e com atividade antitrombótica foi extraída do camarão Penaus
brasiliensis por Dietrich e colaboradores (1999). Outros exemplos de invertebrados
são os moluscos Anomalocardia brasiliana, Donnax striatus, Tivela mactroides e
Tapes phylippinarum dos quais foram isoladas heparinas com alta atividade
anticoagulante (DIETRICH et al., 1985; PEJLER et al., 1987; DIETRICH et al., 1989;
CESARETTI et al., 2004, VOLPI, 2005). Heparinóides obtidos de crustáceos, com
características estruturais intermediárias à heparina e heparam sulfato, mostraram
baixa atividade anticoagulante (CHAVANTE et al., 2000) e menor risco hemorrágico
(ANDRADE, 2006), sugerindo que a presença de uma estrutura química peculiar
que não interfere sobre o equilíbrio hemostático. Cada invertebrado produz
polissacarídeos sulfatados específicos, não encontrados em animais de outros filos,
sendo, por isso, alvo de estudo a fim de se analisar suas características químicas e
seu potencial farmacológico.
Objetivos
31
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo geral
Avaliação do efeito do composto tipo heparina isolado do caranguejo
Chaceon fenneri na hemostasia e na morte de células tumorais.
2.2. Objetivos específicos

Caracterizar estruturalmente o composto tipo heparina;
 Na Hemostasia:

Avaliar a atividade anticoagulante do composto tipo heparina purificado;

Avaliar o risco hemorrágico do composto tipo heparina purificado;
 Na Morte Celular:

Avaliar o efeito citotóxico do composto tipo heparina frente a diferentes
linhagens de células tumorais (HeLa, B16-F10, HepG2, HS-5), e na
linhagem de fibroblastos (3T3);

Avaliar o efeito do composto tipo heparina na morte de células de
adenocarcinoma cervical humano (HeLa);

Avaliar a ação do composto tipo heparina no ciclo celular da linhagem
HeLa.
Materiais e Métodos
32
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1. Animais
Caranguejo
Para
obtenção
do
composto
em
estudo,
foram
utilizados
tecidos
fragmentados do caranguejo da espécie Chaceon fenneri. O caranguejo C. fenneri
(Figura 9) é uma espécie de grandes dimensões e encontrada em altas
profundidades. Os espécimes foram provenientes da Costa do Nordeste e
fornecidos pelo professor Doutor Jorge Eduardo Lins do Departamento de
Oceanografia e Limnologia (UFRN) pelo projeto REVIZZE. Os animais foram
mantidos congelados até o processamento.
15 cm
Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Subfilo: Crustacea
Classe: Malacostraca
Ordem: Decapoda
Infraordem: Pleocyemata
Família: Geryonidae
Género: Chaceon
Espécie: Chaceon fenneri
Figura 9. Chaceon fenneri; espécie de crustáceo utilizada no estudo.
Ratos
Para avaliação da atividade hemorrágica, foram utilizados ratos machos da
linhagem Wistar, com média de 3 a 5 meses de idade, com peso de 250 a 450g,
obtidos do biotério do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Os animais foram mantidos com dieta e água ad libitium, em
condições controladas de iluminação (ciclo de 12/12h claro/escuro) e temperatura
(22ºC). O experimento realizado foi previamente aprovado pela comissão de Ética
em Pesquisa da UFRN (Protocolo Nº A-005/08 – CEP/UFRN).
Materiais e Métodos
33
3.2. Material Biológico
Sangue
Para a avaliação da atividade anticoagulante do composto do caranguejo, foi
utilizado sangue de doadores saudáveis a fim de se obter o plasma sanguíneo.
3.3. Glicosaminoglicanos obtidos comercialmente

Heparina sódica de mucosa suína foi obtida do Laboratório Derivati Organici
(Trino Vercellese, Itália);

Heparam sulfato foi purificado de pulmão bovino como descrito por DIETRICH
& NADER (1974) e gentilmente doado ao nosso laboratório;

Condroitim 4-sulfato, extraído de cartilagem de baleia e condroitim 6-sulfato,
extraído de cartilagem de tubarão, assim como dermatam sulfato extraído de
mucosa intestinal bovina, foram obtidos da Seikagaku Kogyo Co. (Tóquio,
Japão).
3.4. Enzimas
Heparina liases I, II e III de Flavobacterium heparinum adquiridas da
Sigma-Aldrich (Sigma Aldrich, USA).
3.5. Reagentes
 1,3-diaminopropano
acetato
(PDA),
acetato
de
bário,
brometo
de
cetiltrimetilamônio (CETAVLON), e tolueno fornecida pela Aldrich Chemical
Co. Inc. (Milwaukee,WI, EUA);
 Acetona, metanol e benzina fornecida pela Cromato Produtos Químicos Ltda.
(Diadema – SP);
 Agarose (standard-Low-Mr) adquirida fornecida pela BioRad Laboratories
(Richmond, CA, EUA);
Materiais e Métodos
34
 Azul de toluidina e vermelho de cresol, fornecida pela Sigma Chemical
Company (St.Louis, MO, EUA);
 Cloreto de Sódio, fornecida pela Vetec Química Fina Ltda (Rio de Janeiro, RJ,
Brasil);
 Enzima Superase fornecida pela Prozyn Indústria e Comércio Ltda.;
 Kits comerciais para determinação de tempo de tromboplastina parcial ativada
(TTPa) Labtest (São Paulo, SP, Brasil);
 Meios de cultura DMEM (Dulbecco MEM), RPMI-1640, Estreptomicina,
Penicilina, Soro fetal bovino e solução de tripsina/EDTA da Cultilab
(Campinas, SP, Brasil);
 MTT – brometo de 3-[4,5-dimetiltiazol-2-il]-2,5-difeniltetrazolium (Sigma
Aldrich, USA);
 Reagente Coomassie Blue Brilliant G (Sigma Aldrich, USA);
 Resina de troca-iônica LEWATIT da Bayer S/A (São Paulo);
 Solução salina 0,9% (estéril);
 Kit para citometria de fluxo (FITC/Annexin V Dead Cell Apoptosis da
Invitrogen - Carlsbad, CA, USA).
Os demais reagentes e materiais utilizados foram da melhor qualidade
disponível.
3.6. Equipamentos
Além dos equipamentos usuais de laboratório, utilizou-se:

Balança eletrônica – Tecnal (mod. B-tec 2200);

Bancada de Fluxo Laminar (PACHANE Pa300);

Banho Maria (Tecnal);

Câmara
para
eletroforese
horizontal
em
gel
de
agarose,
modelo
desenvolvido por Jaques e col. (1968), (Técnica Permatron Ltda., São Paulo,
SP, Brasil);

Centrífuga refrigerada, modelo CR 21 da Hitachi Koki Co. Ltda (Tóquio,
Japão);
Materiais e Métodos
35

Citômetro de Fluxo modelo FACSCANTO II, BD Bioscience;

Coagulômetro Quick Timer da Drake Eletrônica Comércio Ltda. (São José do
Rio Preto, SP);

Espectrofotômetro;

Fontes de corrente contínua regulável, desenvolvidas pelo Dr. H. Rzeppa,
Técnica Permatron Ltda. (São Paulo, SP, Brasil);

Incubadora Thermoforma Serie II Water CO2 Incubator HEPA Filter Model
3110;

Medidor de pH modelo FTP 125 da IMPRINT do Brasil Ltda. (Campinas, SP);

Microscópio invertido NIKON Eclipse TE300;

Purificador de água Milli-Q® Water System (Millipore Corp.)
3.7. Extração e purificação do composto tipo heparina do caranguejo
O composto em estudo foi gentilmente cedido pela Drª Giulianna Paiva Viana
de Andrade Souza. O processo de extração e purificação foi descrito em Andrade,
2001. Brevemente, os caranguejos Chaceon fenneri foram triturados, delipidados
com acetona e, logo após, submetidos à proteólise utilizando a enzima prozyn
homogeneizada em solução de NaCl 0,6M, pH 8,0. A proteólise foi realizada a 60°C,
por 24 horas. Em seguida, a resina de troca iônica Lewatit foi adicionada ao filtrado
da proteólise para complexar os GAGs. A suspensão foi mantida sob agitação à
temperatura ambiente por 24 horas. Para a descomplexação, a resina foi submetida
à eluição com concentrações crescentes de NaCl (2,0M 2,5M e 3,0M) e precipitação
com metanol, 4ºC por 18 horas. Todas as frações apresentaram o mesmo composto,
foram reunidas e a fração resultante foi denominada F- 3,0 M.
Materiais e Métodos
36
3.8. Eletroforese em gel de agarose no sistema descontínuo Bário/PDA
(BIANCHINI et al., 1980)
Esse sistema permite o fracionamento da heparina em 3 componentes:
migração lenta (S), intermediária (I) e rápida (F); assim melhor caracterizando-a e
diferenciando-a dos outros GAGs. O composto em estudo foi aplicado em gel de
agarose 0,6% em tampão acetato de bário 0,04M, pH 5,8 e submetido a 80V
durante 15 minutos em cuba refrigerada. Em seguida, o gel foi transferido para outra
cuba refrigerada contendo tampão PDA e mantida, em repouso, durante 15 minutos.
Após esse período, a mesma foi submetida a uma voltagem de 100V. O vermelho
de cresol acrescentado aos glicosaminoglicanos padrões (Condroitim Sulfato,
Dermantam Sulfato e Heparam Sulfato) foi utilizado como indicador da migração.
Após a corrida eletroforética os GAGs foram precipitados no gel pela imersão em
uma solução de CETAVLON 0,1% por 2 horas. A seguir, o gel foi seco sob uma
corrente de ar quente e corado com uma solução de azul de toluidina 0,1% em ácido
acético 1% e etanol 50%. O excesso de corante foi removido com solução
descorante (ácido acético 1% e etanol 50%) e o gel seco à temperatura ambiente.
3.9. Degradação do composto tipo heparina por heparina liases
Foram digeridas 100μg do composto extraído do caranguejo C.fenneri por
uma mistura de heparina liases (2.5 mIU) e analisadas por SAX-HPLC numa coluna
PhenoSphere™ 5 µm SAX 80 Å LC Column 150 x 4.6 mm. Os Δ-dissacarídeos
foram eluídos com um gradiente linear de NaCl (0 - 1 M) num período de 30 min
com fluxo de 1 mL. min-1 e detectados por UV 232nm.
Materiais e Métodos
37
3.10. Atividade hemorrágica
Para a realização da atividade hemorrágica, foi utilizado o método de Cruz e
Dietrich (1967), tendo ocorrido alguns ajustes (TERSARIOL et al., 1992). O método
foi baseado em trabalhos que mostraram que a aplicação tópica de heparina na
escarificação (lesão) causava a ruptura do sistema hemostático, mesmo após
extensivas lavagens da cauda com solução salina. Esse fenômeno foi denominado
de efeito hemorrágico residual da heparina.
No início do experimento, foi feita uma escarificação (10mmX 1mm X 0,5mm)
na parte terminal da cauda de rato com uma lâmina de bisturi. Em seguida, a cauda
escarificada foi introduzida em tubo de ensaio contendo 2mL de solução fisiologia.
Os tubos utilizados durante a atividade permaneceram imersos em água de banhomaria a 37°C. A ordem do experimento se caracteriza em mergulhar, verticalmente,
a porção escarificada da cauda do rato em tubos contendo solução fisiológica. No
primeiro tubo, acompanhou-se o sangramento durante 10 minutos. Em seguida, foi
induzido um novo sangramento através do estímulo mecânico (esfregando 3 vezes a
gaze sobre a escarificação) e a cauda do rato foi transferida a um tubo controle de
solução salina para que o sangramento fosse observado por mais 5 minutos.
Passado esse tempo, um novo estímulo mecânico foi realizado, sendo a cauda do
rato, dessa vez, introduzida em tubo contendo solução fisiológica e o composto a ser
analisado. Após 5 minutos, a cauda foi removida da solução e lavada com solução
fisiológica para a retirada do excesso de compostos. Para a observação do efeito
residual hemorrágico, mergulhou-se a cauda em soluções salinas novas (sem
composto) em intervalos de tempo determinados. A quantidade de proteína liberada
da lesão, nesse experimento, serve como controle para os ensaios posteriores. Os
resultados foram expressos pela razão entre a soma cumulativa da taxa de
proteínas liberadas da lesão antes e após o contato com a heparina e com o
composto em estudo (potência de sangramento) (Figura 10).
Materiais e Métodos
Figura 10. Esquema do ensaio de Atividade Hemorrágica.
38
Materiais e Métodos
39
3.11. Atividade Anticoagulante
A atividade anticoagulante foi realizada através dos ensaios de TTPa (Tempo
de Tromboplastina Parcial Ativada) seguindo instruções determinadas pelo
fabricante do kit Labtest (São Paulo, SP, Brasil). Assim, 100l de plasma humano
citratado contendo várias concentrações de heparina padrão ou do composto teste
foram incubados a 37°C durante três minutos. Em seguida, 100l de cefalina foram
adicionados e a mistura foi incubada a 37ºC por mais três minutos. Após esse
tempo, 100l de cloreto de cálcio (CaCl2) 0,025 mol/l pré-aquecido a mesma
temperatura foram adicionados e o tempo de coagulação foi medido no
coagulômetro Quick Timer (Drake Eletrônica Comércio Ltda, São Paulo, Brasil).
3.12. Cultura de Células
Para avaliar o efeito dos heparinóides na viabilidade e morte celulares, foram
utilizadas as seguintes linhagens de células tumorais e normais:

HeLa, células de adenocarcinoma cervical humano (ATCC número
CCL-2) ;

B16-F10, células de melanoma de fibroblastos de camundongo (ATCC
número CRL-6475);

Hep-G2, células de carcinoma hepatocelular humano (ATCC número
HB-8065);

HS-5, células estromais da medula óssea humana (ATCC número
CRL-11882);

3T3, células normais de fibroblastos de camundongo (ATCC número
CL-173).
As células foram foram obtidas da American Type Culture Colletion (ATCC,
Rockville, MD, USA) e cultivadas em meio DMEM suplementado (10% Soro Fetal
Bovino - SFB, contendo antibiótico e antifúngico) à 37ºC e 5% CO2. A cada três dias,
o meio de cultura foi trocado sendo as células subcultivadas aproximadamente a
cada quinze dias para serem utilizadas nos ensaios posteriores.
Materiais e Métodos
40
3.13. Ensaio de viabilidade Celular
A viabilidade das células frente aos controles heparina e heparam sulfato, e
frente composto em estudo foi determinada pelo método do MTT [brometo de 3-(4,5dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazolio] (MOSMANN, 1983) que se baseia na redução
deste sal por desidrogenases mitocondriais (ativas apenas em células viáveis), que
após solubilizado em álcool etanol permite uma medida colorimétrica em
espectrofotômetro a 570 nm.
As células cultivadas em placas de 96 poços foram expostas a diferentes
concentrações de heparina, heparam sulfato e composto (0,1; 1; 10; 100 e 1000
ug/mL) em triplicata e incubadas à 37°C por 72h. Após esse período, 100μL de meio
contendo MTT (concentração final de 5mg/mL) foi adicionado em cada poço, sendo
as placas incubadas a 37°C por 4 horas. O sobrenadante foi removido e 100μL de
etanol foram adicionados a cada poço, para solubilizar os cristais de formazan. Após
agitação vigorosa, a absorbância foi medida em leitor de microplacas de ELISA a
570nm.
3.14. Citometria de Fluxo - Avaliação da Viabilidade e Morte Celular por
Anexina V-FITC/ Iodeto de Propídeo
Para a avaliação dos efeitos do composto extraído do caranguejo C.fenneri
sobre a morte celular, foi utilizado o kit FITC/Annexin V Dead Cell Apoptosis Kit with
FITC Annexin and PI, for Flow Cytometry (Invitrogen, Catalog no V13242). O
marcador anexina V-FITC permite detectar os estágios iniciais de apoptose, devido
ao fato de se ligar preferencialmente a fosfolipídios negativamente carregados
(fosfatidilserina) expostos no início do processo apoptótico. Já o iodeto de propídeo
permite avaliar os momentos finais deste processo de morte celular, por ser um
marcador que interage com o DNA, mas não é capaz de atravessar a membrana
plasmática, devido ao seu alto peso molecular. Assim, a marcação positiva para PI
indica que há poros na membrana, fenômeno característico de processos de
necrose ou estágio final de apoptose. As células foram cultivadas em placas de 6
poços até atingirem a confluência de 1 x 105 células/mL, carenciadas com meio sem
soro e estimuladas a sair da fase G0 na presença dos compostos por 72 horas.
Após a exposição a 1000 μg/mL do composto em estudo por 72 horas, o meio
Materiais e Métodos
41
contendo as células HeLa foi tripsinizado,as células coletadas e lavadas com
tampão PBS gelado. O sobrenadante foi descartado e as células foram
ressuspendidas em 200 μL de tampão de ligação 1X. Adicionou-se 5 μL de Annexin
V – FITC e 1 μL da solução de PI 100 μg/mL a cada 100 μL de suspensão celular.
As células ficaram sob incubação por 15 minutos, a temperatura ambiente, mantidas
sob proteção da luz. Após o período de incubação, foram adicionados 400 μL de
tampão de ligação para anexina V 1X e as células foram analisadas em citômetro de
fluxo, medindo a emissão de fluorescência para anexina V (530/30 nm) e PI (695/40
nm). A população foi separada em 4 grupos: células viáveis (baixos níveis de
fluorescência), células em estágio inicial de apoptose (fluorescência verde), células
em estágio final de apoptose (fluorescência em verde e vermelho) e células em
necrose (fluorescência vermelha). A porcentagem de células em apoptose foi
determinada a cada 30 mil eventos e os gráficos obtidos no experimento
representam dados oriundos de 2 experimentos independentes. Para análise dos
dados, o software FlowJo v. 7.6.3 (Tree Star, Inc., CA, USA) foi utilizado.
3.15. Análise do Ciclo Celular
Para a avaliação dos efeitos do composto extraído sobre o ciclo celular, a
mesma amostra utilizada no ensaio anterior foi utilizada. As células HeLa foram
lavadas com tampão PBS gelado e o sobrenadante foi descartado. O pellet com as
células foi então incubado com paraformaldeído 2%, lavado com PBS gelado e
permeabilizado com saponina 0,01% por 15 minutos. Após este procedimento, as
células foram incubadas com 10 μL de RNAse (4 mg/mL) a 37ºC por 30 minutos. Em
seguida, foram adicionados 5 μL de Iodeto de Propídeo (25 mg/mL), e 200 μL de
PBS gelado às células que foram levadas ao citômetro de fluxo. A porcentagem de
células em cada fase do ciclo celular foi determinada a cada 20 mil eventos e os
gráficos obtidos no experimento representam dados oriundos de dois experimentos
independentes. Para análise dos dados, o software FlowJo v. 7.6.3 (Tree Star, Inc.)
foi utilizado.
Materiais e Métodos
42
3.16. Análises Estatísticas
Os dados foram apresentados como média ± DP (desvio padrão) para o número
indicado de experimentos e avaliados pelo teste ANOVA. A determinação da
diferença entre os grupos foi realizada pelo teste Turkey-Kramer. Foram
consideradas estatisticamente significativa as amostras com valores de P inferiores
a 0,05.
Resultados
43
4. RESULTADOS
4.1 Perfil eletroforético dos GAGS
Após realizado os processos de extração e purificação do composto, as
frações obtidas 2,0M, 2,5M e 3,0M foram reunidas e denominadas como fração
3,0M. Como etapa de caracterização do composto em estudo, foi realizada uma
eletroforese em gel de agarose no sistema descontínuo Bário/PDA.
F-3,0M
Figura 11. Comportamento eletroforético em sistema descontínuo Ba/PDA utilizando o
composto extraído do caranguejo Chaceon fenneri. Foram utilizados 5µ-10g para o padrão e
heparina e, 10µg para a amostra do caranguejo.
CS, condroitim sulfato; DS, dermatam sulfato; HS, heparam sulfato; M, mistura de CS, DS e HS;
Hep, heparina; F-HEP, componente de migração rápida da heparina; S-HEP, componente de
migração lenta da heparina; I-HEP, componente de migração intermediária da heparina; F-3,0M,
composto tipo heparina obtido do caranguejo Chaceon fenneri.
O
resultado
mostrou
exclusivamente
um
composto
com
migração
eletroforética semelhante à heparina/heparam sulfato (Figura 11). Além disso, podese observar que o composto apresenta os componentes de migração rápida e
intermediária
característicos
da
heparina,
embora
haja
predominância
do
componente de migração rápida. Dessa forma, essas características se assemelham
a caracterização do composto realizada por Andrade 2001.
Resultados
44
4.2. Características estruturais do composto extraído do caranguejo
C.fenneri
Diante da semelhança no perfil eletroforético do composto com a heparina de
mamíferos, foi realizada uma degradação com heparina liases. Os dissacarídeos
resultantes da degradação estão mostrados na Figura 12. O composto obtido do
caranguejo C. fenneri mostrou um elevado teor de dissacarídeos trissulfatados
(ΔUA2S-GlcNS,6S), e nenhuma quantidade significativa de dissacarídeos Nacetilados (ΔUA-GlcNAc). Essa alta razão de dissacarídeos trissulfatados/Nacetilados é característica da estrutura de heparinas de mamíferos e por isso o
composto foi denominado de tipo heparina.
Tempo de Coleta (min)
Figura 12. Cromatografia de exclusão por tamanho dos produtos digeridos de do
composto tipo heparina obtido do caranguejo C.fenneri. Detecção a 232 nm; 100 mg
heparina + 0,5 UI heparinases I, II, e III (F. heparinum).
Resultados
45
4.3. Atividade anticoagulante in vitro do composto tipo heparina
A atividade anticoagulante do composto tipo heparina foi avaliada usando o
teste de determinação do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), o qual
reflete a via extrínseca da cascata de coagulação. Os resultados de atividade
anticoagulante in vitro do composto tipo heparina e heparina são mostrados na
tabela 3. O composto tipo heparina apresentou atividade anticoagulante máxima
(tempo de coagulação 240 segundos) apenas com a concentração de 100μg/mL,
enquanto a heparina atingiu essa atividade com a concentração de 2,3μg/mL.
Tabela 1. Atividade anticoagulante in vitro do composto tipo heparina extraído do
caranguejo Chaceon fenneri comparado a heparina.
ATIVIDADE ANTICOAGULANTE (segundos)
Controle
32,6 ± 2,8
Concentração (µg/mL)
Heparina
Composto Tipo Heparina
0,003
32,5 ± 1,9
32,5 ± 1,9
0,16
32,7 ± 0,2
29,1 ± 2,2
0,26
39,0 ± 3,3
31,0 ± 0,2
0,3
52,1 ± 2,7
29,2 ± 0,9
1
133 ± 15 ***
31,6 ± 1,9
1,6
220 ± 28
30,6 ± 1,8
2,3
240
33,3 ± 0,8
3,3
240
34,1 ± 1,5
10
240
43,9 ± 1,0
16,6
240
51,6 ± 4,1
33,3
240
84,9 ± 4,0 ***
66,6
240
188,6 ± 9,1
100
240
240
O plasma foi suplementado com o composto tipo heparina do
crustáceo C. fenneri e heparina em concentrações finais variando de
0,03 a 100 µg/mL. ***p<0.001 em relação ao controle. Os valores
são expressos como a média do tempo em segundos ± desvio
padrão (n=3).
Resultados
46
4.3 Atividade hemorrágica
O composto tipo heparina isolado do C. fenneri apresentou menor efeito
hemorrágico quando comparado ao efeito da heparina de mamífero na mesma
concentração (100μg/mL) (Figura 13).
Figura 13. Atividade Hemorrágica. Baseado na potência de sangramento relacionada à quantidade
de proteína liberada pela lesão em diferentes tempos. Os valores são expressos como a média ±
desvio padrão (n=3). *p<0,05; **p<0.01; ***p<0.001 heparina vs composto tipo heparina para um
mesmo tempo.
4.4 Efeito do composto tipo heparina do C.fenneri, heparina e heparam
sulfato sobre a viabilidade de células tumorais e 3T3
O efeito do composto tipo heparina, heparina e heparam sulfato na viabilidade
de diferentes células tumorais e 3T3 foi avaliado, após incubação por 72 horas,
utilizando o ensaio de redução do MTT, como descrito em Métodos. A figura 14
mostra o efeito da heparina na viabilidade de diferentes linhagens celulares. A
heparina não mostrou efeito citotóxico para células 3T3 e HS5, entretanto reduziu
significativamente (p<0,01) a viabilidade das células B16-F10, HepG2 e HeLa, com
Resultados
47
Figura 14. Efeito da heparina na viabilidade celular de diferentes tipos celulares. DMEM,
Dulbecco's Modified Eagle Medium; **p<0.01; ***p<0.001 vs controle (DMEM/RPMI). Os valores são
expressos como a média ± desvio padrão (n=3).
Figura 15. Efeito do heparam sulfato na viabilidade celular de diferentes tipos celulares. DMEM,
Dulbecco's Modified Eagle Medium; **p<0.01; ***p<0.001 vs controle (DMEM/ RPMI). Os valores são
expressos como a média ± desvio padrão (n=3).
Resultados
48
concentrações de 1μg/mL, 1000μg/mL e 1000μg/mL respectivamente. Enquanto, o
heparam sulfato mostrou efeito citotóxico significativo (p<0,001) com uma
concentração de 1000μg/mL apenas para uma das linhagens de células testadas
(HeLa) (Figura 15).
O composto tipo heparina não mostrou efeito citotóxico significativo para as
linhagens 3T3 e HS5, entretanto, reduziu significativamente (p<0.001) a viabilidade
das células, B16-F10, HeLa e HEP-G2 com concentrações de 1000μg/mL,
observando-se ainda, para essa última linhagem, uma redução significativa da
viabilidade celular com concentração de 0,1μg/mL (Figura 16). Dentre as linhagens
que apresentaram o valor de IC50 (50% de inibição) para a concentração de 1000
µg/mL, as células tumorais HeLa, por terem apresentado maior número de células
disponíveis para manuseio, foi a linhagem celular escolhida para dar continuidade a
análise da ação do composto em estudo frente ao processo de morte celular.
Figura 16. Efeito do composto tipo heparina do C. fenneri na viabilidade celular de diferentes
tipos celulares. DMEM, Dulbecco's Modified Eagle Medium; **p<0.01; ***p<0.001 vs controle
(DMEM/RPMI). Os valores são expressos como a média ± desvio padrão (n=3).
Resultados
49
4.5. Indução de morte celular em linhagem tumoral HeLa pela ação do
composto tipo heparina do caranguejo Chaceon fenneri
4.5.1 Detecção e quantificação de células apoptóticas induzidas
pelo composto tipo heparina do caranguejo C. fenneri
Diante do efeito citotóxico do composto tipo heparina frente às células
tumorais HeLa, realizou-se a marcação dessa células com a solução Anexina V/PI
após 72 horas de exposição a concentração de 1000μg/mL do composto tipo
heparina (Figura 17). Observa-se que não houve diferença significativa entre a
marcação positiva das células para Anexina V (indicador de apoptose), na presença
do composto tipo heparina (7,14%), e a marcação positiva para Anexina V das
células na ausência do composto tipo heparina (7,00%). O composto em estudo
conseguiu diminuir em mais de 50% o número de células com marcação para
necrose (p<0.001) (marcação com iodeto de propídeo) e em 15% o número de
células que apresentam morte celular por apoptose tardia (p<0.001). A diminuição
do número de células, nesse ensaio, indica que o composto ofereceu uma possível
proteção celular contra apoptose.
4.5.2 Avaliação da parada de ciclo celular induzida pelo composto
tipo heparina do caranguejo C. fenneri
O efeito na proliferação das células também pode ser investigado com a
análise do ciclo celular. A figura 18 mostra que houve pequena alteração do ciclo
celular das células HeLa frente ao composto. Isso indica que o composto em estudo
age sobre a parada do ciclo celular. Percebe-se um aumento do número de células
na fase S do ciclo celular (p<0.001), como também, uma diminuição do número de
células na fase G2 (p<0.001).
Resultados
50
Figura 17. Citometria de fluxo de células HeLa tratadas com Anexina V/PI e composto tipo heparina.
Analisadas em citômetro de fluxo FACScanto II com marcação para apoptose/necrose. A) Células controle. B) células
tratadas com 1000 μg/mL do composto tipo heparina por 72horas. Q1:Anexina V negativo/PI positivo; Q2: Anexina
V/PI positivos; Q3:Anexina V positivo/PI negativo; Q4: Anexina V/PI negativos. A análise dos dados de citometria de
fluxo foram realizados utilizando o software FlowJo v. 7.6.3. Os valores são expressos como a média ± desvio padrão
(n=2). ***p<0.001 controle negativo vs composto tipo heparina para um mesmo ponto. C. Negativo, controle negativo
com células não tratadas; C. T. Heparina, composto tipo heparina, células tratadas com o composto de estudo.
Figura 18. Avaliação de parada de ciclo celular após exposição ao composto tipo heparina do Chaceon
fenneri. Após 72 horas de tratamento com o composto tipo heparina, as células HeLa foram fixadas, tratadas com
RNAse, coradas com Iodeto de Propídeo e analisadas em citometria de fluxo para avaliação da distribição do ciclo
celular. A análise dos dados para parada de ciclo celular foram realizados utilizando o software FlowJo v. 7.6.3. Os
valores são expressos como a média ± desvio padrão (n=2). ***p<0.001 controle negativo vs composto tipo heparina
para um mesmo ponto. C. Negativo, controle negativo com células não tratadas; C. T. Heparina, composto tipo
heparina, células tratadas com o composto de estudo.
Discussão
51
5. DISCUSSÃO
O câncer é uma doença reconhecida por sete características: crescimento
indefinido de células atípicas, autossuficiência em fatores de crescimento, evasão de
apoptose, angiogênese sustentada, microambiente inflamatório e, eventualmente,
invasão de outros tecidos e metástase (MANTOVANI, 2009). De acordo com a
Organização Mundial de Saúde, 84 milhões de pessoas morrerão em decorrência do
câncer entre 2005 e 2015 (WHO, 2007). Heparinas de baixo peso molecular
parecem prolongar a sobrevida de pacientes com câncer (LAZO-LANGNER et al.,
2007). Estudos em animais, utilizando heparinas não anticoagulantes indicam que é
possível separar a atividade antitumoral da atividade anticoagulante da heparina
(VLODAVSKY et al., 2006). Entretanto, a utilização de heparina como um agente
antitumoral é limitada devido à sua potente atividade anticoagulante. Devido as
heparinas de baixo peso molecular reterem alguma atividade anticoagulante,
heparinas não anticoagulantes são preferíveis para potencial uso clínico porque
podem ser administradas em doses elevadas, principalmente em pacientes com
câncer que possuem complicações hemorrágicas (CASU, VLODAVSKY &
SANDERSON, 2009). Para algumas das novas aplicações, em que a atividade
anticoagulante não é necessária, as moléculas de heparina têm sido modificadas e a
sequência pentassacarídica necessária para a atividade anticoagulante tem sido
degradada de modo que os efeitos colaterais indesejados do sangramento sejam
minimizados. Para essas heparinas modificadas, a atividade anticoagulante não
pode ser utilizada para monitorizar a segurança e a eficácia destes produtos
(MULLOY, HOGWOOD E GRAY, 2009). Por essa razão, várias pesquisas têm sido
desenvolvidas com o objetivo de encontrar ou desenvolver moléculas de heparina
com reduzida atividade anticoagulante para que possam atuar inibindo o
crescimento tumoral e a metástase sem interferir no equilíbrio hemostático do
organismo.
Dessa forma, a busca de fontes naturais de heparina com baixo risco
hemorrágico e possível aplicabilidade terapêutica/biotecnológica tem sido almejada
por vários grupos de pesquisa em diversas partes do mundo. Nosso grupo tem
isolado heparinóides de diferentes crustáceos (DIETRICH ET AL., 1999; CHAVANTE
et al., 2000; ANDRADE, 2006; BRITO et al., 2008). Esses compostos apresentam
baixa atividade anticoagulante e menor risco hemorrágico do que a heparina de
Discussão
52
mamíferos. Assim, essas características tornam esses compostos viáveis como
potenciais agentes terapêuticos, com baixo risco hemorrágico (ANDRADE, 2006;
CHAVANTE et al., 2000). Medeiros e colaboradores (2000) caracterizaram
compostos com migração eletroforética semelhante à heparina na espécie C.
fenneri. Em seguida, Andrade (2001) comparou os glicosaminoglicanos presentes
em diferentes tecidos (músculo, brânquia e víscera) do C. fenneri e evidenciou a
presença exclusiva de um composto tipo heparina no tecido visceral dessa espécie.
Dessa forma, as vísceras do caranguejo C. fenneri foram utilizadas com a finalidade
de obtenção desse composto. Semelhante ao obtido por Andrade (2001), as
vísceras
do
C.
fenneri
apresentaram
exclusivamente
um
composto
com
componentes de migração eletroforética rápida e intermediária característicos da
heparina de mamíferos no sistema de eletroforese em gel de agarose tampão
BA/PDA. Entretanto, heparinóides obtidos de outros crustáceos mostraram
predominância de componentes de migração rápida da heparina (CHAVANTE et al
2000, ANDRADE,2006;). Esse comportamento eletroforético semelhante ao
componente de migração rápida da heparina foi observado também na heparina de
baixa massa molecular isolada do camarão Penaeus brasilienses (DIETRICH et al.,
1999). Esse maior teor de sulfatação do composto tipo heparina do C. fenneri pode
ser explicado pelo ambiente desses crustáceos. O C. fenneri é um invertebrado
marinho que vive em ambiente com profundidade superior a 300m, e por isso pode
precisar de mecanismos especiais para a sobrevivência nesse habitat. Nader et al
(1983) mostrou um aumento na quantidade e sulfatação de GAG em moluscos e
crustáceos que vivem em ambientes com alto grau de salinidade, sugerindo um
possível papel destes compostos na manutenção da coesão celular. Também foi
mostrado que a Artemia franciscana (espécies de habitat com alto grau de
salinidade) apresenta um heparam sulfato com mais sulfatação do que o heparam
sulfato de mamíferos (CHAVANTE et al., 2000).
O grau de sulfatação de um glicosaminoglicano é considerado um parâmetro
importante para sua caracterização estrutural. Por esse motivo, enzimas específicas
que
reconhecem
e
produzem
dissacarídeos
com
padrão
de
sulfatação
característicos são utilizadas para caracterizar os glicosaminoglicanos. Heparina
liases são enzimas comumente utilizadas para avaliar a composição dissacarídica
de compostos tipo heparina/heparam sulfato. O composto tipo heparina do C. fenneri
Discussão
53
após ação dessas enzimas mostrou um alto conteúdo de dissacarídeos
trissulfatados (UA2S-GlcNS, 6S), e baixo teor de dissacarídeos N-acetilado (UAGlcNAc). A heparina possui menos de 5% de grupos acetil e a maioria das
glucosaminas N-sulfatadas. Além disso, a heparina mostra maior grau de sulfatação
(2,3 - 2,8 sulfatos / dissacarídeo) quando comparado ao heparan sulfatos (0,6 - 1,5
sulfato/ dissacarídeos). Por outro lado, o heparam sulfato apresenta domínios
contendo glucosamina principalmente N-acetilada (SAMPAIO et al, 2006). Assim, o
composto em estudo mostrou características semelhantes a heparina e por isso foi
denominado de composto tipo heparina.
O composto tipo heparina obtido do C. fenneri mostrou atividade
anticoagulante significativamente menor do que a heparina comercial (193 UI). Essa
menor atividade pode estar relacionada ao menor grau de sulfatação dos compostos
quando comparados a heparina de mamífero. Essas características, além da
predominância de resíduos de ácido glucurônico, também foram observadas para
heparinóide obtido do camarão Litopenaeus vannamei (BRITO et al., 2008).
Entretanto, apenas essas características não são essenciais para essa baixa
atividade, uma vez que o heparinóide isolado do molusco Anomalocardia brasiliana
também se mostra rico em resíduos de ácido glucurônico, porém possui elevada
atividade anticoagulante (320 UI) (PEJLER et al., 1987; DIETRICH et al., 1989). A
comparação entre esses animais mostra que a atividade farmacológica dos
heparinóides pode variar de acordo com a sua origem o que está relacionado com
algumas propriedades estruturais, como o padrão de sulfatação dos resíduos
glucosamina que influenciam na conformação assumida pelos resíduos de ácido
urônico, refletindo, por exemplo, na sua capacidade de se ligar à antitrombina.
Ainda avaliando o comportamento farmacológico do composto tipo heparina
isolado do caranguejo Chaceon fenneri, o menor risco hemorrágico oferecido pelo
composto tipo heparina em estudo pode estar relacionado à estrutura do composto,
uma vez que a sulfatação na posição C-6 do resíduo da glucosamina, tipo de ligação
e a hexosamina podem ser limitantes para o efeito hemostático (DIETRICH et
al.,1991). A potência de sangramento inferior a heparina, também, foi observada em
outros crustáceos como no camarão Litopenaeus vannamei (BRITO et al., 2008) e
no caranguejo Goniopsis cruentata (ANDRADE, 2006). Assim, o menor risco
Discussão
54
hemorrágico do composto tipo heparina em estudo quando comparado com a
heparina comercial, torna-os promissores agentes terapêuticos/ biotecnológicos.
Além do efeito anticoagulante, a heparina atua também na supressão da
progressão do câncer. Essa ação requer mecanismos como a diminuição da
formação de trombina e fibrina, ligando-se a moléculas de adesão e a fatores
angiogênicos, diminuição do efeito da heparinase e elevação do índice de apoptose
(VAN DOORMAAL & BULLER, 2010; LAPIERRE et al., 1996). Em ensaio de
viabilidade celular, variações importantes como o tipo de tumor, o tipo e dose da
heparina e duração da exposição interferem na resposta celular desses compostos
(NIERS et al., 2007). Dessa forma, a heparina pode reduzir o crescimento do tumor
frente a células tumorais do tipo Sarcoma MSLS, Carcinoma Espinocelular,
Melanoma B-16, células mesangiais glomerulares, linfoblastos, células tumorais de
cólon HT29, SW1116 e HCT116, entre outras (BACK & STEGER, 1976; OHKOSHI,
AKAGAWA & NAKAJIMA, 1993; ONO, ISHIHARA E ISHIKAWA, 2002; YIN et al.,
2008; ERDURAN et al, 2007; CHATZINIKOLAOU et al 2009). Para a atividade
citotóxica, GARG e colaboradores (2005) relataram o efeito das características
estruturais da heparina informando que o aumento da densidade de carga afeta
essa atividade e que o tamanho molecular de heparina não afeta a potência de
inibição de crescimento celular. Observaram também que a presença de os grupos
N-acetila e N-sulfo são importantes para as propriedades citotóxicas sendo relevante
a presença de grupos 6-O-sulfo nos resíduos de glucosamina. Entretanto, o potente
efeito da heparina sobre o equilíbrio hemostático do organismo limita o uso desse
composto como agente antitumoral (CASU, VLODAVSKY & SANDERSON, 2009).
A partir do resultado obtido no ensaio de viabilidade celular, foi utilizada a
concentração de melhor efeito citotóxico para avaliação da indução de morte celular
e da parada do ciclo celular pelo composto tipo heparina em estudo. A morte celular
pode ser desenvolvida por mecanismo de necrose, sendo a forma passiva de morte
celular associada à inflamação e perda da integridade da membrana plasmática
quanto a sua permeabilidade devido a inibição da bomba Na+/K+ e, por mecanismo
de apoptose caracterizado por ser um tipo de morte celular não associada à
inflamação. A apoptose desempenha um papel em doenças auto-imunes, doenças
malignas, e vários eventos patológicos e fisiológicos. Um dos aspectos que distingue
a apoptose da necrose é a preservação da integridade da membrana plasmática que
Discussão
55
evita a liberação dos constituintes celulares para o meio extracelular e,
conseqüentemente, a quimiotaxia e a ativação de células fagocíticas. (MCCONKEY,
1998; ERDURAN et al., 2004; PATEL, 2000). O ciclo celular é controlado por uma
família de quinases dependentes de ciclinas (CDKs, cyclin-dependent kinases), cuja
atividade é modulada por diversos ativadores (ciclinas) e inibidores (CDKNs, cyclindependent kinases inibitors) (MALUMBRES & BARBACID, 2001). As vias de
sinalização envolvidas no ciclo celular garantem que as células se dividam e, se
necessário arrestam a divisão celular. Em pontos de checagem (checkpoints), a
célula pode parar ou prosseguir no ciclo, dependendo de certos fatores presentes
naquele momento do ciclo (KASTAN & BARTEK, 2004).
O controle da proliferação celular ocorre, sobretudo, na fase G1, e a parada
do crescimento de células de mamíferos pode ser concluída nesta fase, pela
depleção de fatores de crescimento ou soro ou em condições de cultura sob alta
densidade celular. O estado de parada de crescimento é alternativamente chamado
de repouso, G0 ou fase quiescente do ciclo (BARSEGA, 1985). Na avaliação da
parada do ciclo celular, houve aumento da fase S e diminuição da fase G2. Alguns
dados da literatura indicam que os efeitos de agentes sobre o ciclo celular é
específico da célula, podendo alguns resultados contradizer as observações de
outros estudos. Pode haver, também, especificidade nas ações de diferentes
agentes anti-mitógenos em um mesmo tipo de célula (VADIVELOO et al., 1997).
Porém, alguns dados mostram que a heparina em concentrações altas (≥ 400μg/mL)
pode aumentar o número de células em fase S ou diminuí-las quando presente em
baixas concentrações (≤ 400μg/mL) (CASTELLOT JJ JR et al., 1989).
Para a avaliação da indução de morte celular pelo composto tipo heparina em
estudo, ao utilizar anexina-V marcada com FITC para detecção de apoptose é
possível avaliar os níveis de fosfatidilserina expostas na membrana celular externa,
indicando fase inicial de apoptose (apoptose precoce). Associando iodeto de
propídio (IP), pode-se avaliar células com permeabilidade de membrana, o que pode
indicar fase tardia de apoptose ou necrose. Uma vez que, tanto no processo de
apoptose tardia, quanto na necrose, a anexina-V pode atravessar a membrana
permeabilizada ao mesmo tempo em que o IP entra no citosol (PEC et al, 2003).
Nesse ensaio, foi possível observar que a heparina de mamífero e o composto tipo
heparina em estudo mostraram efeito citotóxico nos mesmos tipos de linhagens
Discussão
56
celulares (Figuras 16 e 18). Os resultados também mostraram que não houve
indução de apoptose nas células tumorais, mas a partir deles, pode-se ter indícios
de que houve proteção contra as formas de morte celular por apoptose
tardia/necrose. Dados disponíveis sugerem que apenas as doses elevadas de
heparina e de algumas heparinas quimicamente modificadas podem inibir o
crescimento do tumor primário em vários modelos de tumores (NIERS et al., 2007).
Dessa forma, a concentração de 1000μg/mL pode não ter sido suficiente para induzir
apoptose. O resultado obtido possivelmente pode concordar com dados da literatura
que
relatam
um
possível efeito
anti-apoptótico
proporcionado por baixas
concentrações de GAGs. Como a heparina intracelular está presente em
lisossomos, pode facilmente ser implicada na regulação da apoptose mediada entre
lisossomos e mitocôndrias (YUE X-L et al., 2009; LINHARDT., 2004). Mesmo
havendo a sugestão de um possível efeito anti-apoptótico, não se pode descartar o
possível efeito antimetatástico do composto tipo heparina, pois se tem demonstrado
repetidamente que a heparina tem efeito sobre a progressão do câncer (metástase),
enquanto o seu efeito no crescimento de tumor tem sido bastante limitado (KRAGH
et al., 2005; LEE et al., 1990; SCIUMBATA, CARETTO , PIROVANO , et al., 1996). A
metástase hemática consiste de um processo em várias etapas em que células
tumorais entram na circulação sanguínea, escapam das respostas imunes, aderem
ao endotélio de órgãos distantes, extravasam e colonizam o tecido (STEEG, 2006;
GUPTA & MASSAGUE, 2006). O efeito anti-metastático pode ser devido à sua
capacidade de inibir a ligação do fator de crescimento à superfície celular,
conduzindo à inibição da angiogênese. A heparina também pode inibir a ação da
heparinase e a adesão, agindo sobre L- e P-selectina (WEI et al., 2004; DOORMAAL
& BÜLLER, 2010). Para as células cancerígenas metastáticas, heparanase e
heparinase são expressas e degradam a auxiliando migração celular através de
matriz extracelular a (SMORENBURG & NOORDEN, 2001). Com super expressão
de selectinas em células cancerígenas, a heparina medeia a inibição da interação de
células de tumor com a agregado plaquetário e o endotélio vascular, sendo esse,
aparentemente, o mecanismo predominante da atenuação das fases iniciais da
metástase. Para a inibição de fatores de crescimento, heparanase, e selectinas, os
requisitos estruturais dos compostos tipo heparina não são os mesmos para os
diferentes eventos biológicos. As heparinas sem o resíduo N-acetilado representam
Discussão
57
um exemplo de aplicação de uma heparina não-anticoagulante que inibe o câncer,
em modelos animais, sem efeitos secundários indesejados (CASU, VLODAVSKY &
SANDERSON, 2009). Além disso, foi recentemente mostrado que a heparina tem
uma atividade indutora de apoptose no interior das células interagindo com vários
fatores de transcrição (BAE, MOK & PARK 2008; BERRY et al 2004). Há dados que
relatam sobre o possível anti-apoptótico da heparina como dados mostrados por Yue
X-L e colaboradores, em que um modelo de fibroblastos da pele submetidos a um
stress oxidativo, uma molécula análoga a heparina protege o lisossomo contra
ruptura da membrana, reduz os níveis intracelulares de espécies reativas de
oxigênio, e inibe potencial colapso da membrana mitocondrial, a liberação do
citocromo c e ativações das caspases-9 e -3 sem afetar a via extrínseca da
apoptose. Recentemente, tem-se relatado o efeito anti-apoptótico da heparina em
células acometidas pelo mal de Alzheimer. O aumento da secreção do peptídio βamilóide, Aβ, tem sido associado com a doença de Alzheimer e tem sido mostrado
que, em culturas de células, Aβ em doses micromolares pode ser citotóxico (LI-NA
HAO et al., 2010). A constatação de que Aβ pode causar apoptose in vitro reforça a
noção de que a apoptose está desregulada em patologias de doenças
neurodegenerativas (ENGIDAWORK et al., 2001). Heparinas de baixo peso
molecular podem bloquear o aumento da caspase-3 e diminuir a expressão Bcl-2
induzida por Aβ25–35. Duas das principais proteínas responsáveis pela regulação
da morte celular por apoptose são bcl-2 e a caspase-3 (LI-NA HAO et al., 2010). A
Bcl-2 é uma proteína 26kDa encontrada no envelope nuclear, partes do retículo
endoplasmático, e da membrana mitocondrial externa. Foi evidenciado que a
proteína Bcl-2 é capaz de bloquear o mecanismo apoptótico (CLEMENTI et al.,
2006). As caspases são uma família de proteases cisteínicas e são mediadores
críticos de morte celular programada. A ativação da caspase-3 parece ser um
acontecimento chave na execução da cascata de apoptose em doenças do sistema
nervoso central (AWASTHI et al., 2005). As moléculas de heparina podem inibir
evento inicial do processo apoptótico, diminuir o número de células apoptóticas e
melhorar a caracterização morfológica celular, podendo prevenir a apoptose
neuronal induzida por Aβ25-35 (LI-NA HAO et al., 2010). Tian-Gui Yu e
colaboradores (2008) também relataram outro efeito neuroprotetor da heparina em
que heparina de baixo peso molecular tem capacidade neuroprotetora para
Discussão
58
antagonizar a apoptose induzida pelo glutamato em células corticais, através de
redução de liberação Ca2+ e de modulação de processos apoptóticos. Mais estudos
são necessários para se elucidar o efeito anti-apoptótico neuroprotetor da heparina.
O progresso nesta área irá abrir uma nova e promissora estratégia terapêutica em
diferentes patologias, em que o estresse oxidativo e a morte celular atuam, inclusive,
em doenças neurodegenerativas (X-L YUE et al., 2009).
Assim, partindo-se do conhecimento do baixo efeito sobre o equilíbrio
hemostático oferecido pelo composto tipo heparina extraído do caranguejo C.
fenneri,
são
necessários
mais
estudos
para
afirmar
um
possível
efeito
antimetastático, como também, um possível efeito anti-apoptótico em células não
tumorais a fim de averiguar a sua possível atuação protetora frente ao processo
apoptótico presente em outras doenças.
Conclusão
59
6. CONCLUSÃO
O composto tipo heparina das vísceras do caranguejo Chaceon fenneri foi
obtido na fração 3,0 molar de NaCl. Esse composto apresenta um perfil
eletroforético parecido com a heparina e o heparam sulfato, apresentando,
predominantemente, o componente de migração rápida correspondente ao da
heparina de baixo peso molecular ou do heparam sulfato.
O composto tipo heparina obtido do caranguejo Chaceon fenneri apresentou
baixa atividade anticoagulante in vitro utilizando o ensaio de TTPA quando
comparada a heparina comercial, como também, não mostrou efeito hemorrágico
residual utilizando o modelo de escarificação da cauda de rato.
O composto tipo heparina em estudo apresentou uma taxa de inibição de
células HeLa, B16-F10 e Hep-G2 semelhante ao heparam sulfato com valor de IC50
de 1,000 ug / mL. Além disso, o composto do crustáceo apresentou um desempenho
citotóxico melhor do que a heparina de mamífero.
O composto extraído diminuiu a morte celular de células HeLa em apoptose
tardia/necrose e agiu sobre o ciclo celular aumentando o número de células em fase
S. A elucidação desse mecanismo faz-se necessária para se averiguar a possível
ação farmacológica do composto e sua potencial atuação contra a morte celular
induzida em outras doenças.
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AVALIAÇÃO DO EFEITO DO COMPOSTO TIPO HEPARINA